Folha da Justiça - Tribunal de Justiça do Amazonas

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ARTIGO

Cancelamento de registro imobiliário em sede administrativa

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m um primeiro e perfunctório exame pode causar perplexidade aos operadores de direito o fato de as Corregedorias de Justiça poderem promover, de ofício e por meio de rito sumário, o cancelamento de registro imobiliário. Isso porque a questão remete a temas quase imaculados em nosso ordenamento jurídico, como o direito de propriedade, perpassando pela segurança das relações negociais até desembocar no sagrado direito constitucional do contraditório e da ampla defesa. Em verdade o tema é bastante controverso porquanto, tanto a doutrina quanto a jurisprudência, ainda não são remansosos quanto a aventada possibilidade, podendo-se dizer mesmo que há propensão dos tribunais superiores à tese de que tal cancelamento deve dar-se apenas judicialmente. Todavia, recente decisão exarada pelo Conselho Nacional de Justiça, cujo relator foi o Ministro Gilson Dipp (Pedido de Providências1943-67.2009.2.0.0000), foi emblemática ao determinar o cancelamento incontinenti de inúmeras matrículas de imóveis rurais do Estado do Pará, sem mesmo estabelecer o comezinho direito ao contraditório e a ampla defesa. A decisão se não foi de todo inovadora, pois que de há muito levada a efeito por diversas corregedorias por este país afora, foi extremamente salutar, porque amarrou entendimento na seara administrativa, fixando premissas até então esparsas, bem como porque contribuiu decisivamente para sanear o caos existente na área rural daquele Estado. O ministro Gilson Gipp adotou como fundamento o artigo 214 da Lei de Registros Públicos, dispositivo que é peremptório ao dizer, com todas as letras, que os títulos nulos de pleno

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direito podem ser invalidados, independente de ação direta. Nesta linha de argumentação estão as disposições da Lei nº 6.739/1979, consoante a qual, podem determinados entes públicos reclamar administrativamente o cancelamento de registros e matriculas de imóveis rurais vinculados a títulos nulos de pleno direito, fazendo em seus artigos 8-A e 8-B menção expressa a esse caminho. Contrario senso, há quem defenda a impossibilidade de cancelamento de registros por meio de decisão administrativa, até pelo que dispõe o Código Civil, com a regra geral inserta em seu parágrafo 2º. Do artigo 1245, pelo qual: “enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel”. Irá dizer-se que a regra especial prevalece sobre a geral. Ocorre que mesmo a 6.015/1973 apresenta contradição quando preceitua em seu inciso I, do artigo 250, que apenas a decisão judicial transitada em julgado pode cancelar matrícula de imóvel, situação que infunde mais dúvida na cabeça do aplicador do direito. Em meio a controvérsia e a vislumbrar-se o lado pragmático deste imbróglio, penso que é salutar o propósito de se promover o cancelamento administrativo de registro imobiliário por meio de iniciativa de órgãos governamentais e das Corregedorias integrantes do Poder Judiciário, com vistas a conter a desenfreada titulação inidônea de imóveis e de caos rural que imperam neste país. Neste sentir, o atuar de ofício, isto é, antes mesmo da deflagração do litígio, é medida eficaz para o pronto saneamento de ilegalidades e preventiva de conflitos, notadamente os agrários.

Outro aspecto a merecer destaque consiste na desburocratização e agilidade de tais medidas administrativas, nas quais se alcançam resultados mais rápidos e efetivos. Bastante diferente da esfera judicial, em que uma pequena contenda pode desdobrar-se por anos a fio, face a enorme gama de recursos disponíveis às partes e a já conhecida morosidade do aparelho judiciário. Por fim, insta assinalar que a via administrativa não é antagônica à judicial, tampouco tem o condão de precedê-la. A instância jurisdicional, como é cediço, pode ser acessada a qualquer tempo por quem se sentir prejudicado com a decisão administrativa, sobremodo porque esta última não faz coisa julgada em nosso ordenamento jurídico. Com efeito, infiro que impende ao administrador tomar todas as medidas suficientes e necessárias para a proteção dos bens públicos, mormente diante do reconhecimento de crassa nulidade do ato registral, hipótese em que caberá a ele promover o seu cancelamento.

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Roberto Hermidas de Aragão Filho Juiz Auxiiliar da Corregedoria do TJAM

Folha da Justiça

Ano 7 - Ed. 25


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