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não precisa dos outros. O paraíso é o lugar onde você é auto-suficiente, portanto auto-produtivo, e o outro é desnecessário, o que sugere, a contrario, que a vida social está radicalmente fundada na relação com o outro. Em outras palavras: só não tem outro quem está morto. É justamente isso que eles estão dizendo, uma maneira irônica de dizer “Olha, só não tem cunhado quem tá morto”. Aqui na terra não tem escapatória, é o regime da dádiva, só escapa da dádiva quem está morto... Então os índios “são” sovinas, o imaginário deles está obcecado pela questão da avareza, a avareza é o insulto maior que você pode fazer e receber numa sociedade indígena, qualquer um que viveu lá sabe, o maior insulto não é dizer que sujeito é ladrão; também não chega a ser um insulto terrível chamar alguém de mau-caráter ou mentiroso; agora chamar o cara de avaro, de sovina, é sério; pode dar morte... E é o que eles mais dizem dos brancos: os brancos são constitutivamente os sujeitos que não dão, que se recusam a entrar nas relações sociais, precisamente. O cara vai dar a filha para o branco casar, como no famoso modelo tupinambá: dá a filha para o português casar esperando abrir uma relação, “ele agora me deve, ele é meu, porque me deve a filha que eu dei para ele em casamento”, e o branco se recusa a se comportar como um genro deveria, que é pagar tudo para o sogro e fazer o que o sogro manda, manter a relação funcionando. Os índios ficam escandalizados com a falta de senso social, falta de inteligência, na verdade, dos brancos. Porque os brancos não entendem. Acho que essa é a sensação profunda que os índios têm diante da nossa sociedade, os brancos não entendem nada do que é uma sociedade. E é verdade, eles entendem muito sobre como fazer objetos, fazem coisas maravilhosas, objetos espetaculares, são grandes tecnólogos, fazem milagres, objetos que a gente não entende como funcionam, são verdadeiros demiurgos tecnológicos; mas no que diz respeito à vida social, são de uma ignorância insondável. A sensação que eu tenho é que eles nos tratam como crianças, porque eles sabem que a gente não tem a menor idéia de como funciona uma sociedade. E nós os tratamos como crianças, porque achamos que eles não sabem mexer com as coisas mais elementares, não sabem operar um videogame, não sabem matemática... E COMO VOCÊ VÊ A RELAÇÃO ENTRE O CREATIVE COMMONS E A DÁDIVA ? O Creative Commons é uma tentativa, a meu ver altamente meritória. Eles estão tentando evitar que o mundo virtual seja cercado, assim como foi o 90


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