Revista Tem QUe Pensar

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crítica

Você conhece esta história... Como policiais e promotores, jornalistas e psicólogos não tão

Roberta Barboza comecinho é agradável: um grupo de crianças bonitinhas brincam felizes em um parque, despreocupadas. A cena seguinte, nem tanto. A coloração alaranjada e a trilha sonora alegre, usadas no parque infantil, dão lugar a uma atmosfera com pouca luz, exibindo a entrada de uma delegacia de polícia. Uma dona – de – casa comum leva seu filho pequeno ao local e faz um boletim de ocorrência. A criança teria sido molestada na creche que freqüentava, a McMartin, mantida pelos membros da família de mesmo nome. Esta primeira denúncia origina uma investigação policial que se desenrola por semanas a fio. Eventualmente, várias pessoas são presas, mandados de busca são executados e o caso chega à imprensa. A reação da população é exatamente a esperada em uma situação como esta. Mesmo porque não existem palavras para descrever o horror que foram dezenas de meninos e meninas terem sido abusados sexualmente. E o que é ainda mais terrível: os criminosos eram professores e outros funcionários da pré – escola onde as crianças estudavam. Que estória macabra! Não, este não é mais um documentário sobre o infame caso

O

da Escola Base, que ocorreu em São Paulo, em março de 1994. Por mais que as seqüências gerais dos fatos em ambos os casos sejam bem similares, este é o filme feito para televisão e conhecido no Brasil como Acusação – O Caso McMartin (Indictment – The McMartin Trial, Estados Unidos da América, 1995, 135 minutos). Trata – se da estória real das acusações de abusos sexuais cometidos contra crianças de uma creche na cidade de Manhattan Beach, no estado da Califórnia. O resultado foi o mais caro julgamento da história do país até então – em torno de quinze milhões de dólares – o qual durou mais de meia década, sem nunca obter uma única prova conclusiva, confissão ou condenação. Talvez a pior parte seja o fato de que a situação poderia nunca ter chegado a tal ponto. Em setembro de 1983, um mês depois que a denúncia feita pela senhora Judy Ann Johnson, e a subseqüente investigação contra Raymond Buckey – neto da dona da escola, Virginia McMartin – não resultou em nada, a polícia decidiu entrar em contato com os pais e responsáveis de duzentas crianças que, em algum momento, estudaram na McMartin. Uma carta oficial pedia aos pais que questionassem seus filhos sobre os supostos abusos que teriam acontecido na escola. A resposta foi “não”. As crianças, então, são levadas ao C.I.I., o Children’s Insti-

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tute Internacional, ou “Instituto Internacional das Crianças”. O filme mostra habilmente o tratamento que lá elas recebem de Kee MacFarlane – aqui vivida pela atriz Lolita Davidovich – que jamais estudara psicologia na vida. Elas são elogiadas quando concordam que foram estupradas na escola, e insultadas quando discordam. Logo, os alunos tecem estórias bizarras, que a imprensa nacional dissemina como um vírus. Elas dizem que presenciaram a mutilação de animais e ouviram ameaças aos seus pais caso contassem a “verdade”. Que foram forçadas a participar de filmes pornográficos. Que testemunharam rituais satânicos em igrejas. Ridículo. Foi necessário o trabalho hercúleo do advogado de defesa, Danny Davis – interpretado brilhantemente por James Woods – para conseguir a absolvição. O que nem de longe significou o fim da história: similarmente ao caso brasileiro e graças à mídia, a reputação dos acusados foi completamente arruinada. De tal forma que, até hoje, boa parte da população ainda os considera culpados. Afinal, a imprensa não é chamada de “O Quarto Poder” à toa.


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