Wilhelm reich psicologia de massas do fascismo

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impossível prosseguir convictamente no exercício de uma profissão cujas consequências físicas o indivíduo sentiu intensamente. Para muitos, a única solução consiste em substituir o sacerdócio pelo estudo científico das religiões ou pelo magistério. Estes processos por que passa o homem místico só poderão ser contestados pelo analista que não compreenda as perturbações genitais dos seus pacientes ou, como no caso de um conhecido pastor psicanalista, por quem for de opinião de que "só se deve mergulhar a sonda da psicanálise no inconsciente até os limites que a ética permitir". Mas nós temos tão pouco a ver com esse tipo de ciência "apolítica" e "objetiva" como com aquela que, combatendo ardorosamente as consequências revolucionárias da economia sexual como "política", aconselha as mães a combaterem as ereções dos meninos por meio de exercícios respiratórios. Em tais casos, o problema reside no processo que permite à consciência do médico aceitar esta linha de raciocínio e tornar-se um pastor, sem contudo reabilitá-los aos olhos da reação política. Ele age de modo muito semelhante dos parlamentares alemães socialdemocratas que, depois de terem entoado entusiasticamente o hino nacional alemão, quando da última sessão parlamentar, não deixaram de ser enviados para campos de concentração, acusados de serem "socialistas". Não nos interessa discutir a existência ou inexistência de Deus: limitamo-nos a suprimir as repressões sexuais e a romper os laços infantis em relação aos pais. A destruição do misticismo não faz parte das intenções do terapeuta. Este o trata simplesmente como qualquer outro fator psíquico que funcione como apoio da repressão sexual, consumindo as energias naturais. O processo da economia sexual não consiste, portanto, em opor à concepção mística do mundo uma concepção "materialista", "antirreligiosa"; isso é propositadamente evitado, pois não efetuaria nenhuma mudança na estrutura biopática. Trata-se, acima de tudo, de desmascarar a atitude religiosa como força anti-sexual e de canalizar em outras direções as forças que a alimentam. O homem cuja ideologia é exageradamente moralista, mas que é perverso, lascivo e neurótico na vida real, está livre dessa contradição. Mas, junto com o moralismo, ele também perde o caráter antissocial e a imoralidade da sua sexualidade, no sentido da economia sexual. A inibição moralista e religiosa inadequada é substituída pela regulação das necessidades sexuais, segundo o princípio da economia sexual. Portanto, o misticismo tem razão, do seu ponto de vista, em combater tão violentamente a sexualidade, com o intuito de se preservar e de se reproduzir entre os homens. Mas engana-se num dos seus pressupostos e na sua principal justificação: é a sua "moralidade" que cria aquele tipo de sensualidade cujo controle moral ele considera ser sua tarefa. A abolição dessa "moralidade" é a condição prévia para a abolição da imoralidade que ele se esforça, em vão, por eliminar. É essa a tragédia fatal de toda a forma de moralidade e misticismo. A revelação dos processos econômico-sexuais que alimentam o misticismo religioso leva, mais cedo ou mais tarde, ao seu fim, por mais que os místicos se esforcem para evitá-lo. A consciência sexual e os sentimentos místicos são incompatíveis. Sexualidade natural e sentimentos místicos são, do ponto de vista da sua energia, uma única e 149


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