Conversas Sobre uma Ficção Viva

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Conversas sobre uma Ficção Viva

Então queria que você falasse um pouco disso, de como é isso de lidar com a dimensão humana e de como ser um sacana também.

Tem um negócio que é igual ao sadomasoquismo, sabe? Você faz o negócio, mas tem um momento que você tem que dizer: “parou!”. Porque senão começa a ficar perigoso. A relação do diretor e do ator é uma relação completamente sádica. Você fala: “chora para mim”, “agora chora de novo. Ah, não, a luz não ficou boa, não tá bom. Vou ter que mudar de posição de câmera. Você pode chorar de novo?”. É muito louco. E a pessoa chora. E se a pessoa não chora é porque é má atriz. Então, é um negócio que na largada é uma relação completamente doente. E o ator gosta. E se você não pedir para ele chorar, ele vai dizer que você não pediu o suficiente... Se não tivesse gente louca desse jeito, não tinha o que a gente tem no cinema. Então, é uma relação muito dura e complicada, mas é uma relação que se dá só por causa de uma coisa: confiança. Quando o ator olha para você e ele tem confiança no que você está pedindo, e ele tem respeito por você, se ele for um bom ator, ele faz qualquer coisa. Se ele for um ator que não é necessariamente um grande ator, ele jamais fará qualquer coisa, porque a vaidade vai diante de qualquer coisa. O que aconteceu com a Hermila foi muito bonito porque eu podia ter pedido qualquer coisa, sabe? Porque a gente estava ali numa sintonia de confiança... E claro que eu nunca ia pedir para a Hermila pular do terceiro andar, por exemplo. Por duas razões: porque eu a adoro e não ia querer que ela quebrasse a perna, e porque eu não ia ter mais filme. Você também não consegue estabelecer uma relação com um ator de um dia para o outro. Eu falo de ensaio, ensaio, ensaio. Ensaio não é ir para lá só falar a cena. Ensaio é como você consegue criar um laço de confiança com um ator, que é a base de qualquer trabalho de diretor e ator, seja ele no cinema, no teatro, na dança... E tem que olhar no olho, não adianta. Tem que olhar no olho e dizer no ouvido. A coisa de dizer no ouvido é porque acho que tem algumas coisas que precisam ser assim. É que, por exemplo, é muito desrespeitoso o ator estar fazendo uma cena de sexo no set e você estar sentado no monitorzinho e gritar: “levanta mais a bunda!”. Existe realmente uma ética na relação das duas pessoas. Não dá também para a pessoa estar ali levando um tapa na cara e você, sentado, gritar: “dá um tapa mais forte!”. Não é assim, é desrespeitar muito o ator que está ali, desnudo. Por isso eu falo no ouvido. Falo no ouvido também para dizer: “olha, ficou lindo. Eu estou acreditando”. O ator não precisa saber se eu não estou acreditando. O negócio de falar no ouvido também é legal, porque às vezes é importante que


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