A Voz de Portugal | 18 DE março de 2015 | P. 3
Editorial
Talentos
de
Mulheres
Manuel de Sequeira Rodrigues
A
neve deforma tudo, o que, noutros dias e noutras noites, era diferente. A mulher, emancipada da subserviência económica que a tornava dependente do honem, vai afirmar-se. Tudo começa na década de vinte. A mulher depois de ter fabricado munições na retaguarda, proclama o direito ao seu corpo, penetra largamente nas Universidades, e ao lado do homem trabalha ou com o trabalho do homem concorre. Numerosas poetisas e escritoras se revelam.
a coloca entre os grandes criadores de idioma, a par de dotes de observação psicológica, entre nós também invulgares, e de uma liberdade formal com que rompe os quadros clássicos do romance. Essa liberdade assenta numa concepção do tempo romanesco, que Agustina também revoluciona. «A Sibila» 1954 ou «Os Incuráveis» 1956,«Contos Impopulares» 1953, «O Sermão do Fogo» 1963 são o desenrolar de uma continuidade interior,qualitativa, onde os destinos das personagens se entrecruzam, ao mesmo tempo solidários e isolados. Simultâniamente se mostra esta escritora sensível a todas as vozes enigmáticas e a todos os silêncios que estão para lá das aparências.
perpassa como que um ancestral sopro visionário: «A Origem» 1958, «Na Luz do Fim» 1961 e a obra galardoada «Jerónimo e Eulália» 1969. Numerosas ficcionistas ocupam-se da alma e do destino feminino no mundo moderno. Lembremos o humanismo de Maria da Graça Freire, autora de «Joana Moledo» «A Primeira Viagem» 1970. A posição da mulher moderna face ao amor é considerada de um ponto de vista introspectivo e patético por Natália Nunes em «Autobiografia de uma Mulher Romântica». Sophia de Mello-Breyner Andresen em «Contos Exemplares» 1962.
Natália Correia em «A Madona» 1968, romance que trata o destino da Mulher, mas Graça Pina de Morais apresenta personagens num espaço oscilante e contrastante, onde se A segunda guerra mundial acelerou este irromde complexa, senão estranha psicologia, em am- embrenham a psicologia, o simbolo e o mito per da mulher pela vida e pela arte. Naturalmente bientes provincianos, também estranhos, onde no próprio fluir do tempo. que a literatura de origem feminina ia acusar as suas frustrações e a subalternidade a que a mulher fora votada. Daí certa ficção feminina portuguesa cujos temas principais são os da emancipação e dos desaires num mundo que, apesar de tudo, os homens ainda regem. Significativamente é uma das poetisas reveladas nos anos vinte, Fernanda de Castro, 1900 que, nos últimos anos da década de 40, publicou o romance poético, que foi premiado «Maria da Lua» 1945. Também uma das mais activas escritoras-feministas, Maria Archer, preocupada com o destino da mulher, escolhe para os seus romances títulos elucidativos: «Ela é Apenas Mulher» e «Havia de Haver uma Lei» 1949. Significativamente, para ser lida na época em que as mulheres «não deviam escrever» adota Irene Lisboa o pseudónimo de João Falco, sob o qual escreveu, entre outras obras, «Solidão« 1939. Depois, já sem pseudómino, publicou «Sorte» 1948 e «Raiz Funda» 1951, «O Pouco e o Muito» 1956 e «Titulo Qualquer Serve» 1958 podem ser lidos como excelentes novelas e com contos. Agustina Bessa Luís trouxe depois à ficção portuguesa uma prosa de riqueza excepcional, que
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