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PERNAMBUCO, NOVEMBRO 2019

Everardo

NORÕES esnoroes@uol.com.br

Aos poucos, a floresta mastiga o que o homem impõe sem pedir licença

Wellington de Melo

MERCADO EDITORIAL

ser fixada num local determinado e logo começar a produzir. Como o monstrengo no meio do mar, o de Fernando Pessoa. O estudo sai do ovo em 1967. Pouco tempo depois, a fábrica de celulose, à qual está geminada uma usina termoelétrica, é rebocada do Japão por um navio. Percorre cerca de 25 mil quilômetros mar afora, durante 53 dias. A viagem é preparada com rigor de uma operação de guerra. Estudos minuciosos sobre correntes marítimas para otimização da rota e uma parafernália da mais alta engenharia devem tornar possível a ideia megalômana. O monstrengo é fincado em área previamente inundada, sobre pilastras feitas com 3.700 toros de maçaranduba arrancadas da mata nativa. Espécie de navio fantasma, deslocando-se entre continentes, a megaoperação bem poderia ter sido filmada com trilha musical de Wagner. Mas ao contrário da nau flamenga do compositor alemão – condenada a vagar eternamente –, a embarcação que zarpou do Oriente tem destino certo: a Amazônia brasileira.

O seixo é substituído por dossiês, planilhas e mapas. Cerca de uma hora depois, no intervalo do café, a conversa engendra comentários sobre o que se considera a grande proeza da época: o Projeto Jari. A novidade é o espetáculo tecnológico do barge mill, o barco gigante rebocando uma fábrica pronta para

A iniciativa é idealizada e capitaneada por um empresário excêntrico: Daniel Ludwig, magnata da indústria naval. Um dos homens mais ricos do mundo, tem negócios em 23 países. Extremamente discreto, ao contrário de espalhafatosos multimilionários ianques, não gosta de colunas sociais nem exibe mulheres. Impossível encontrar informações

HANA LUZIA

O homem debulhando ametista

País nórdico. O inverno lá fora passeia em torno dos 20 graus negativos. No escritório, especializado em fábricas de celulose e papel, o executivo exibe uma pedra ovalada. Cinzenta. Como um seixo qualquer, sacado de um leito de rio. De tão insípida, contrasta com o ambiente sóbrio e requintado, ornado com obras saídas da oficina de Alvar Aalto. O homem alto e louro, jeito de desportista, observa o olhar dos visitantes fixados no objeto inusitado. E diz ser aquele o mais precioso a ornar a sede da empresa multinacional, cuja filial brasileira, em São Paulo, emprega mais de 500 pessoas. Numa espécie de passe de prestidigitação, ele debulha a pedra, devagarinho. Os “gomos”, de interior avermelhado, parecem extraídos de uma romã. À medida que a peça é desfeita, a mesa de centro vai se revestindo de finas lâminas talhadas, de feitio singular. – Uma ametista do Brasil! – comenta o homem, sorrindo.

CARREIRA

Cartas a um jovem editor (1) Busque em si mesmo o motivo que o leva a editar. Examine sua alma e confesse: morreria, se não pudesse editar? Acima de tudo, pergunte a si mesmo na hora mais tranquila da manhã — antes dos e-mails com originais natimortos —, “sou mesmo forçado a editar?” Se a resposta for “sou”, construa sua carreira de acordo com essa necessidade... Ou melhor: ignore toda essa baboseira

romântica e seja o melhor editor que pode. Você pode viver sem editar, mas se acredita que pode viver sem literatura, mude de ramo. Não engula essa de “as obras de arte são de uma solidão infinita”. Alguns escritores usam essa desculpa para se proteger das críticas. Preserve seu olhar, respeitosamente, mas com firmeza. Seus autores e autoras vão agradecer, garanto.


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