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Machado e o cânone ocidental Edson Martins

Em seu célebre ensaio, Por que ler os clássicos, ao abordar a dificuldade que a crítica literária enfrenta para tentar definir o que seja um clássico, Italo Calvino nos apresenta, entre uma dezena de propostas de (re)definição para o termo, esta: clássica seria a obra que provoca incessantemente uma nuvem de discursos críticos sobre si, ao mesmo tempo em que continuamente os repele para longe. No contexto dos autores da literatura brasileira, a observação de Calvino se aplica muito bem à recepção de Machado de Assis, se levarmos em conta a historiografia da crítica dedicada ao autor de Dom Casmurro. Seus contemporâneos dividiram-se, grosso modo, entre dois opostos: de um lado, os que admiraram-lhe a escritura clássica, além da revolução estética promovida a partir de obras como o romance Memórias Póstumas de Brás Cubas e a coletânea de contos reunidos em Papeis Avulsos; de outro, os que lhe apontaram o defeito de ser um escritor sem fibra nacional, dotado de um psicologismo frio, perspectiva negativa essa que ficou célebre pela crítica plena de rompantes e ataques por vezes gratuitos emanados da pena de Sílvio Romero. Adentrando as primeiras décadas do século passado, o dualismo da crítica sobre a obra machadiana persiste. Machado de Assis passa também a ser visto como uma espécie de escritor de corte, que empregava uma prosa de estilo sóbrio e purista, para alguns o sinal linguístico de um absenteísmo social que o afastava dos grandes problemas nacionais. Dessa acusação de falta de engajamento resultou a defesa do autor, numa perspectiva mais sociológica, de que são exemplares os trabalhos de Astrojildo Pereira e Roberto Schwarz. Em outra dimensão, mais voltada para questões estéticas e dialógicas, a obra poligráfica de Machado, que se dedicou a praticamente todos os gêneros literários, com uma produção não apenas quantitativa, mas sobretudo qualitativamente impressionante, começou a chamar a atenção da crítica nacional e internacional para os diálogos que o escritor carioca estabelece com as matrizes identitárias da literatura universal. Desse modo, a partir da segunda metade do século passado, uma série de estudos críticos dedicaram-se à aproximação de Machado com fontes inglesas, francesas, portuguesas, brasileiras, espanholas, russas, alemãs, judaicas, de várias épocas e domínios (literatura, filosofia, religião etc.), além dos escritores da Antiguidade Clássica, o que inclui não


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