Caatinga um bioma exclusivamente brasileiro

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EDIÇÃO 389 | SÃO LEOPOLDO, 23 DE ABRIL DE 2012

IHU On-Line – Os líderes políticos têm consciência de que não é mais possível crescer dessa maneira? Ricardo Abramovay – Deveriam ter, porque esses dados que citei se encontram nos principais documentos internacionais produzidos pelas Nações Unidas e pelas mais importantes consultorias globais. Portanto, a desconfiança dos países que mencionei anteriormente com relação à economia verde tem razão de ser. Essa desconfiança só será atenuada caso se consigam associar as inovações tecnológicas da economia verde – que são importantes e necessárias – a dois elementos decisivos: limites e luta contra as desigualdades. Não é possível imaginar que os

andares superiores da pirâmide social mundial continuem com seu atual consumo de recursos na expectativa de que a economia verde seja capaz de propiciar que todas as pessoas tenham acesso a esse mesmo patamar. As contas não fecham: não há energia e materiais suficientes para fazer isso. IHU On-Line – Como os tomadores de decisão econômica tendem a se apropriar desse conceito de economia verde? Corre-se o risco de novamente mercantilizar a questão ambiental, como aconteceu na Revolução Verde, em que se aumentou a produção de alimentos, mas até hoje não se resolveu o problema da fome, sem falar na ampliação do uso de agrotóxicos? As aspirações do mercado e das corporações são as mesmas daqueles que querem um planeta sustentável? As empresas estão dispostas a fazer transformações sociais? Ricardo Abramovay – As empresas agem por interesse. O interesse delas é, antes de tudo, sobreviver. Mas dizer simplesmente que as empresas visam somente o lucro e não estão preocupadas com as questões socioambientais é ingênuo. Sobretudo, no que se refere às grandes corporações, porque elas fazem estudos prospectivos relativos ao que será o mundo nos próximos 50 anos e procuram se organizar estrategicamente em função disso. Então, o que domina hoje o ambiente corporativo – se não domina ao menos tem uma forte influência – é a ideia de que estamos transitando de um mundo no qual o básico na inovação é melhorar a produtividade do trabalho e do capital para um mundo onde o mais importante desafio da inovação é melhorar a quantidade e a qualidade de bens de consumo e serviço que se consegue obter da mesma quantidade de matéria e de energia, emitindo e poluindo menos. Por que as empresas estão preocupadas com isso? Por razões duplamente materiais: por causa do seu “próprio bolso”; e também pela consciência – e isso é inédito – de que matéria, recursos bióticos e energia não são infinitos e, portanto, os critérios e parâmetros para seu uso terão de ser mudados. Além disso, tem uma questão adicional que é a influência da so-

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IHU On-Line – Você tem uma visão otimista da economia verde, mas essa percepção não é um consenso entre ambientalistas, pesquisadores, líderes políticos e empresas. Alguns alegam que se trata de uma mercantilização das questões ambientais pela economia, e outros veem na economia verde a alternativa para pensar um mundo sustentável. Como debater e avançar na Rio+20, se cada uma das partes tem uma compreensão diferente do que seja economia verde? Ricardo Abramovay – As críticas feitas por países como Cuba, Bolívia, Venezuela, Equador e alguns países do Caribe, na reunião da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe – Cepal em novembro de 2011, sobre a Rio+20, são procedentes. Por mais que se consigam avanços tecnológicos no sentido de melhorar o uso dos recursos ecossistêmicos dos materiais e da energia, e por mais que se avance em direção de energias renováveis,

tudo isso é largamente insuficiente para enfrentar os grandes problemas socioambientais do século XXI. Então, reconhecer a importância das inovações tecnológicas embutidas na ideia de economia verde não significa dizer que ela (a economia verde) e, muito menos, o suposto crescimento verde são capazes de resolver os problemas que temos pela frente. Para resolver essas questões, faltam duas coisas. A primeira delas resulta do fato de que, por mais que a economia verde tenha avançado, isto é, por mais que sejamos capazes de produzir cada dólar, euro, yuam ou real emitindo menos por unidade de dólar e usando menos material por unidade de dólar, isso não é suficiente para dar conta dos problemas ambientais do planeta. Nos últimos 20 anos a economia global produziu emitindo 21% a menos de gases de efeito estufa por dólar, e consumindo 23% menos de materiais (relativamente a cada unidade de valor levada ao mercado) do que há duas décadas. Só que o crescimento da economia mundial foi tão espantoso que as emissões em termos absolutos, nesses 20 anos, aumentaram 39%, e o consumo de materiais aumentou 41%. Isso mostra que é redondamente falsa a expectativa de que se pode continuar com o pé no acelerador do crescimento e, por outro lado, que se possam introduzir inovações tecnológicas que mudariam a composição e os métodos produtivos para prosseguir no ritmo atual de expansão da economia mundial.

Destaques da Semana

IHU On-Line – Quais serão os temas mais críticos para o Brasil na Rio+20, considerando a agenda ambiental brasileira? Ricardo Abramovay – A grande dúvida é que papel o Brasil, como liderança global, vai exercer na Rio+20. Esse papel será o de se adaptar à desconfiança que os temas ambientais veem suscitando cada vez mais no G-77, como se eles fossem sinônimo de protecionismo por parte dos países desenvolvidos, como se fossem antagônicos às grandes metas do desenvolvimento? Ou, ao contrário, o Brasil tentará mostrar para os outros países do G-77 que, submeter o comércio mundial a regras civilizatórias referentes ao trabalho e à manutenção dos serviços dos ecossistemas, dos quais dependemos, pode ser um fator fundamental não só para a sociedade, mas também para a própria prosperidade dos negócios? Trata-se de dois caminhos antagônicos, e os documentos até aqui produzidos (o Rascunho Zero e o documento brasileiro) flertam com a ideia de que temas ambientais são formas usadas para impor barreiras comerciais não tarifárias. Essa ideia traz um prejuízo muito forte para o avanço da discussão global sobre o desenvolvimento sustentável.

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