Revista RPESM Nº4

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Há uma complexidade e multiplicidade de padrões de transições o que leva a que estas não sejam mutuamente exclusivas. Assim, é necessário considerar os padrões de todas as transições significativas para as pessoas, em vez de tomar como foco de atenção somente uma transição (Meleis et al., 2000). Os padrões de transição incluem transições únicas e múltiplas. Estas podem ocorrer sequencialmente ou simultaneamente, de acordo com o grau de sobreposição entre as transições, e a natureza das relações entre os diferentes eventos que a despoletaram (Campos, 2008). � É imperativo perceber quais as transições que a pessoa está a vivenciar. Uma pessoa que vive um luto pela perda de um filho (ou seja, uma transição única) é diferente daquela que para além do luto pela perda do filho, pouco tempo depois também experiencia uma situação de doença - Transição múltipla e sequencial. Chick e Meleis (in Abreu, 2008, p. 44), referem que “as transições são complexas e multidimensionais, nas quais é possível equacionar diversas propriedades ou características, as quais constituem pistas ou dimensões relevantes para investigação”. Estas propriedades incluem a consciencialização, o envolvimento, as mudanças e diferenças, a janela temporal e os pontos críticos, que explicitaremos de seguida. A propriedade com que iniciamos a nossa reflexão: a consciencialização, foi a que mais nos suscitou dúvidas no âmbito da prática de enfermagem de saúde mental. Segundo Meleis (2000), a consciencialização é uma componente fulcral que pressupõe uma percepção real da situação. Para uma pessoa vivienciar a transição ou iniciar o processo de transição tem de ter alguma consciência das mudanças que estão a ocorrer, sendo que uma falta de consciência da mudança pode significar que o indivíduo ainda não tenha iniciado a transição. Contudo atendendo às particularidades da doença mental, importa perceber de que forma uma pessoa com um diagnóstico de psicose, consegue desenvolver a consciencialização necessária para iniciar o seu processo de transição, uma vez que esta poderá apresentar uma grande deficiência na sua noção de realidade (O’ Brien, 2002), o que está de acordo com a teoria do Insight defendida por Amodor e Anthony (2004). Consideramos que uma pessoa apesar de não se considerar doente, de negar veemente que apresenta uma patologia, passado o momento agudo da doença consegue perceber com a ajuda do profissional de saúde que existem aspectos da sua vida que requerem mudança, e a partir desse momento inicia o seu processo de transição. A consciencialização necessária não se prende apenas com a noção da patologia que a pessoa apresenta, mas com a percepção de que existe uma discrepância entre o seu

comportamento e o comportamento socialmente aceitável. Assim, a pessoa precisa de perceber que para se manter integrado na sociedade há uma necessidade de mudança que tem que partir inicialmente de si. No momento agudo da doença é grande a probabilidade da pessoa com psicose não possuir a consciência necessária para iniciar o seu processo de transição, o que reforça a necessidade da intervenção precoce do enfermeiro no sentido de estabelecer uma relação de ajuda, que dê suporte ao processo de consciencialização da necessidade de mudança de comportamento. Apenas a pessoa em situação de psicose mereceu uma reflexão mais abrangente da nossa parte, uma vez que nas outras doenças psiquiátricas a noção da realidade se mantém preservada, sendo mais fácil a aquisição de consciencialização e consequente inicio da transição. Uma outra propriedade da transição é o envolvimento da pessoa no processo, que pode variar em função de diversas variáveis pessoais, vivenciais ou socioculturais. Note-se que o nível de consciência influencia o nível de envolvimento, sendo que este pode não acontecer sem consciência (Meleis et al., 2000). Uma pessoa encontra-se envolvida no seu processo de transição, quando, por exemplo à priori pede ajuda para vivenciar o seu processo de transição (a amigos ou profissionais de saúde), faz questões pertinentes relativas ao seu estado clínico e procura ter um comportamento em concordância com o de outras pessoas que tenham passado pela mesma situação e a superado positivamente. Para o enfermeiro perceber o nível de envolvimento que cada pessoa demonstra no seu processo de transição, constituem exemplos, perceber se a pessoa procura informação, se utiliza modelos, se demonstra uma preparação activa e se é proactiva (Meleis et al., 2000). Todas as transições implicam mudança, mas nem todas as mudanças estão relacionadas com transição. Deste modo, o enfermeiro deverá explorar as dimensões da mudança (ou seja, natureza da mudança, temporalidade, gravidade, normas e expectativas pessoais, familiares e sociais) para que possa intervir de forma efectiva no processo de transição. A mudança pode estar associada a eventos críticos ou desequilíbrios, que proporcionam ruptura nas rotinas, ideias, percepções e identidade (Meleis et al, 2000). Uma mudança de visual não implica necessariamente que tenha ocorrido uma transição. Um dos conceitos que Meleis (2000) introduz é o de “diferença confrontativa”, sendo que este se traduz em expectativas divergentes, sentir-se diferente, ser entendido como tal ou ver o mundo e os outros de forma diferente.

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, 4 (DEZ., 2010)

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