O Caçador de Brumas | Parte 1-2

Page 87

o caçador de brumas para toda a vida. Na deslocação ao Chinguar dormi na casa dos Campos de Oliveira. Tinham grandes fazendas e uma indústria de moagem que esperavam modernizar e aumentar com máquinas da Alemanha. Aproveitando todas as oportunidades e os meios mais sinuosos, a Alemanha imperial conseguira meter Angola dentro da sua esfera político-comercial e vigiava todos os trabalhos da construção da linha. Dizia-se que até tinham querido financiar a linha, mas que Sir Robert Williams nunca tal permitira. Em redor de Nova Lisboa e até no Chinguar, os alemães, instalados em grandes fazendas, trabalhavam de sol a sol, ao lado de negros e dos brancos portugueses. Aos sábados à tarde e domingos, caíam nos bares a beber cerveja e a fazer perguntas sobre isto e aquilo. Ouvi várias vezes que queriam à força ficar com Angola e correr com os portugueses. Santiago avisou-me que estivesse de bico calado e me fizesse mais parvo do que era; nunca dar “troco” aos teutões. Que raio de nome o homem chamou aos alemães! Regressámos de Nova Lisboa no comboio “mala”. O meu amigo falou com o chefe da estação – um tipo simpático de Chaves –, o Zé Rabeca, para nos arranjar uma couchette, pequeno compartimento para duas pessoas, na 1.ª Classe. Foi a primeira vez que tomei banho na grande banheira de esmalte enquanto o comboio seguia a alta velocidade. Na primeira carta que escrevi aos meus fiz questão de contar isto às minhas irmãs, só para as enfadar, pois de certo diriam que era peta minha. Nas estações em que o “mala” parava era a festa. Foi assim em Benguela, Catumbela e Lobito. Toda a gente branca, em romaria, vinha ver o comboio. O gentio olhava estarrecido para aquela máquina, a deitar fumo por todos os lados. Não admira. Outro tanto tinha também acontecido lá nas Beiras. Segundo contava o meu avô Jerónimo Casteleiro, a primeira vez que os campónios viram o comboio, acudiram à linha com grandes mantas para se não constiparem. O motorista Zézinho esperava-me na estação. Demos boleia ao Santiago e ala!, direitinhos para casa. Em casa, à nossa espera, sentados na varanda, estavam o tio Faria e a tia Aurora, e os pequenos que pulavam no jardim. A primeira impressão que tive da tia Aurora foi ser ela alta, bonita e elegante. Mas o que ainda hoje guardo na lembrança são os seus profundos

— 87 —


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.