Vasco Araújo, «Todas as Histórias»

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como Io, de se ter oposto à tirania de Zeus, mas por a ter afrontado com a mais poderosa arma com que se podem combater as tiranias: por ter dado aos homens o entendimento, e com ele o caminho para a liberdade, para o fim da servidão.1 Ao confrontar-se, subitamente, com a brutalidade do abandono com que a figura de Prometeu a fere, Ésquilo pede a Io que traga o seu brado, a sua estupefacção até nós, ao longo dos séculos, ao longo dos milénios, até hoje, até nós, ainda abalados – e de novo abalados. Ao percorrermos esta exposição, descobrimos, lentamente, em cada peça, tal como na atmosfera que domina o espaço da exposição, ecos desta enigmática voz que de Delfos parece agora ecoar dentro de nós, como se a insubstancial experiência da perplexidade nos envolvesse, como se a ouvíssemos agora, uma vez mais, ou quem sabe se pela primeira vez, mas agora dentro de nós mesmos, perante a perplexidade do que não sabemos, talvez perante a perplexidade do que adivinhamos não vir nunca a saber.

2. «Why do we suffer?» «Podemos aceitar o nosso sofrimento?» A pergunta, formulada pelo Narrador em Todas as Histórias, é revisitada de uma variedade de direcções diferentes não só nesta mesma peça – Todas as Histórias –, mas ao longo de toda esta exposição. A pergunta, porém, não se limita a ser posta: alguma coisa em nós começa, talvez, a transformar-se na própria pergunta, na experiência de nos transformarmos na interrogação, no brado de Io, mas agora silencioso: «Oh tell me…» A questão que a iluminada mão de Ésquilo pede a Io que nos ponha a todos parece, no entanto, encontrar nos três grandes trágicos os seus mais sérios arautos. Charles Segal sugere que a questão fundamental que Sófocles nos deixa no pequeno número, tragicamente pequeno, de peças suas que chegaram até nós poderá talvez caber numa pergunta de formulação simples: «Why do we suffer?» (Segal, 1995, p. 15) A questão que nos chega, como que vinda de demasiado longe, trazida agora pela voz do Narrador, ecoa a linha de Segal. ——————— 1 É evidentemente este o ponto que dá sentido à figura de Prometeu. A questão é, porém, debatida há séculos entre os especialistas. Sobre este ponto central da peça e, por conseguinte, sobre o sentido da figura de Prometeu, v. a detalhada análise de Griffith, in: Aeschylus, Prometheus Bound. Ed. Mark Griffith. Cambridge: Cambridge University Press. 1992, pp. 164 e segs.

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