Revista 7faces 23

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capacidade de confrontar o poder instituído, recusando sempre a ideia da “inferioridade das filhas de Eva” (BECHTEL, 2003, p. 25). Essa inferioridade era uma convicção que se apropriou do imaginário, na certeza de que “a prática da feitiçaria maléfica e demoníaca estava intimamente ligada à natureza feminina e, por extensão, que toda a mulher era uma feiticeira em potência” (DUBY; PERROT, 1991, p. 517). Há ainda a ter em consideração que a sexualidade da feiticeira é tida como “desenfreada que, ao atacar as propriedades genitais do homem e ao acasalar com demónios, se opõe às leis naturais da procriação” (DUBY; PERROT, 1991, p. 527). O erotismo patente na obra da Maria Teresa Horta não significa amor enquanto a “consideração fiel e desejada por um outro específico que elegemos” (MILBANK; ŽIŽEK, 2009, p. 159), significa apenas a fruição do acto sexual sem qualquer obrigação de conjugalidade. Não se trata também de optar pela invocação da infidelidade e todo o universo de enganos e traições comuns a este tipo de situação, trata-se sim de afirmar que a mulher — como o homem — sente desejo e procura sua satisfação com o mesmo despojamento sentimental que existe tradicionalmente atribuído ao universo masculino. A ideia de aliança entre homem e mulher, de paridade no desejo, de ruptura com o interdito que limita as opções da mulher em especial é o foco central de muita da construção poética da autora. Entregamo-nos e beijamos em êxtases e clamores Pernas subidas de orvalho nenhuma de nós é casta luxúria de muito orgasmo (HORTA, 2009, p. 830) A questão sexual é recorrente, fazendo parte do que é a marca de afirmação e diferenciação da autora, na senda do que afirmam pensadores como, por exemplo, Deleuze: “Os movimentos de libertação das mulheres têm razão em dizer: vão à merda, não somos castradas” (DUBY; PERROT, 1995, p. 329). Lutando pela igualdade e pela não perda de identidade, Maria Teresa Horta assume também que a “diferença dos sexos é um acto simultaneamente político, ético e simbólico” (DUBY; PERROT, 1995, p. 348). Em entrevista à revista Cáritas, a autora afirma que “todas somos Maria” (HORTA, 2016, p. 24) e isso é dizer o mesmo que todas as 7faces • 134


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