Revista SescTV - Fevereiro de 2011

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Espetáculo Hygiene, do Grupo XIX de Teatro. Foto: Adalberto Lima.

Fevereiro/2011 - edição 47 www.sesctv.org.br

Teatro Hygiene focaliza drama em cortiço carioca no século XIX Especial Musical O Tenor Perdido: O Violoncello Piccolo de 4 Cordas em repertório barroco Especial Musical O samba genuinamente paulista em Comunas do Samba

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Foto: Camila Miranda / Gravado no SESC Pinheiros

Especial Musical

Pharoah Sanders em marรงo

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Diálogos entre cultura, arte e TV

Há muitas definições para cultura. Definições que compreendem desde sua identificação com as artes até o próprio modo de organização de uma sociedade. Há limites imprecisos e diálogos constantes entre esses dois extremos. Diálogos que implicam em influências e provocações. Estas últimas generosamente promovidas pelas artes que, em vez de meramente refletirem uma certa concepção de sociedade, apropriadamente convidam ao questionamento e à inovação. Certas expressões da arte, as mais interessantes, são múltiplas em seus significados. Hygiene, o espetáculo do Grupo XIX de Teatro, que o SESCTV, em versão especial para TV, apresenta neste mês é bom exemplo. Originalmente o espetáculo foi concebido para ser apresentado na rua, o cenário real da história que conta. História aliás que também é real pois se baseia em fato ocorrido no Rio do Janeiro no final do século XIX, quando um grande cortiço da região central foi demolido para dar lugar a um projeto de urbanização. Aqui, a arte foi às ruas para lembrar o passado e lançar um questionamento sobre um problema social que não é o da moradia, mas da estratificação e do preconceito. Um outro programa do SESCTV, em cartaz neste mês, também vem das ruas, ou, mais precisamente, tem a ver com as periferias da cidade de S. Paulo. Comunas do Samba focaliza em quatro programas o samba paulista e mostra como esse ritmo musical adquiriu matizes próprios mesclando-se a manifestações regionais e encontrando nas periferias da capital paulistana terreno fértil regado a conversas descompromissadas em uma mesa de bar. Outro especial musical focaliza a arte erudita, e não por isso menos popular. O Tenor Perdido apresenta composições pouco conhecidas do século XVII dos compositores Andréa Caporale e Giuseppe Valentini. A concepção do espetáculo surgiu a partir da descoberta casual de um instrumento musical raro e pouco conhecido, o violoncello picollo de 4 cordas. Se as artes nos trazem o cotidiano do passado, como em Hygiene, explicam sua própria origem, como em Comunas do Samba, e viajam pela história, como em O Tenor Perdido, nada mais adequado do que discutir como a TV e o cinema formam a memória cultural – tema de Mônica Almeida Kornis, a entrevistada deste número. O artigo é de Carla Esmeralda, que conta porque alguns filmes se tornam inesquecíveis e passam à história do cinema. Boa leitura. Danilo Santos de Miranda Diretor Regional do Sesc SP

destaques da programação 4 entrevista - Mônica Almeida Kornis 8 artigo - Carla Esmeralda 11

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dramaturgia

Épico Interativo Foto: Adalberto Lima

O segundo espetáculo, intitulado Hygiene, em exibição no SescTV, faz amadurecer as inclinações do grupo pela pesquisa histórica, pelo trabalho colaborativo e pela construção de uma dramaturgia que culmine em uma obra viva, capaz de reverberar na plateia, mas desta vez um espetáculo de rua, encenado na Vila Operária Maria Zélia, um conjunto arquitetônico de 1917, tombado pelo Patrimônio Histórico de São Paulo em 1992.   É exatamente nas vielas, fachadas de prédios e casas antigas abandonadas e encravadas nessa vila da Zona Leste que os atores recriam o ambiente dos cortiços e as rigorosas formas de higiene a que foram submetidos seus moradores no fim do Século XIX.   A partir da pesquisa histórica e da investigação em diários, fichas médicas e policiais, depoimentos de pessoas mais velhas e da interação com os moradores da vila, onde fixaram residência, os atores trazem à cena as vozes de lavadeiras, imigrantes, meretrizes, ex-escravos, curandeiros, comerciantes e anarquistas.   A pesquisadora da USP Iná Camargo Costa considera a peça Hygiene uma das provas empíricas mais contundentes de que não é preciso ser adepto de Bertolt Brecht, nem ter convicções socialistas muito arraigadas para fazer teatro épico de altíssimo nível. “Para que isto aconteça, basta que os envolvidos no projeto tenham um pouco (não precisa muito) de sensibilidade social, olho para as mais variadas formas de miséria em que todos vivemos e espírito livre de receitas de como fazer teatro”, explica.   A ousadia do grupo rendeu-lhe não somente a indicação ao Prêmio Shell de Teatro em 2005 e ao Prêmio Bravo ! Prime de Cultura, como também a conquista do Prêmio Qualidade Brasil no mesmo ano.   É evidente que transpor teatro para outros meios de comunicação é uma iniciativa bastante complexa, mas o programa sobre o espetáculo Hygiene, dirigido por Amílcar Claro, é um registro que une teatro, tv e cinema.

Debruçar-se sobre a história do Brasil e trazê-la à cena contemporânea; lançar luz aos acontecimentos e mesclá-los à ficção; apropriar-se da arquitetura urbana e de edifícios históricos, tornando-os cenários de seus espetáculos – são tônicas do trabalho do Grupo XIX de Teatro, dirigido por Luiz Fernando Marques.   A companhia surge nos palcos de São Paulo em 2001 com atores egressos de importantes centros de estudos teatrais como Escola de Artes Dramáticas da ECA/ USP, Fundação das Artes, Teatro Escola Célia Helena, Casa das Artes de Laranjeiras e o Centro de Pesquisa Teatral – CPT, do Sesc. O espetáculo de estreia – Hysteria, que, vencedor dos prêmios Shell e APCA, percorreu o Brasil, Portugal, França e Cabo Verde, delineia as inquietações artísticas do grupo.   A peça traz as intrincadas relações sociais da mulher brasileira no final do século XIX nas dependências de um hospício feminino no Rio de Janeiro. Influenciado pelo trabalho de Antonio Araújo, diretor do Teatro da Vertigem, o grupo subverte desde o início o espaço cênico convencional, apropriando-se de edifícios históricos.

Espetáculo Hygiene, do Grupo XIX de Teatro, traz à cena o processo de higienização imposto aos moradores dos cortiços no Século XIX

especial Hygiene Dia 13/02, às 21h

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especial musical

O violoncelo de Bach Foto: Paulo Preto

Teve início então a saga do violoncelista, para descobrir as origens do instrumento e um repertório que estivesse à altura do som tão particular, doce, penetrante e um tanto melancólico que o violoncello piccolo de 4 cordas emitia. O acaso presenteou-lhe com um instrumento alemão raro do século XVII, reconhecido como o verdadeiro tenor da família do violino, do quarteto que inclui o violino como soprano, a viola como alto e o violoncelo como baixo – todos com quatro cordas.   O concerto O Tenor Perdido: o Violoncello Piccolo de 4 Cordas, com direção musical do multiinstrumentista André Mehmari, que une o violoncelista Dimos Goudaroulis e o cravista Nicolau de Figueiredo, apresenta não apenas a virtuose de dois proeminentes músicos de renome internacional e a performance de um instrumento raro, mas sobretudo partituras inéditas de peças barrocas dos compositores Andrea Caporale e Giuseppe Valentini.   No século XVII, o compositor Caporale tornou-se o violoncelista predileto de Haendel; e Valentini foi um grande compositor e violonista, discípulo de Arcângelo Corelli, cujas composições permaneciam inéditas no Brasil até este concerto, gravado na Igreja Nossa Senhora da Boa Morte, em São Paulo.   O repertório traz as assimetrias da música barroca unindo ao estilo galante de salão as sonatas de igreja, aletamentos e solos, ou seja, obras que refletem as tonalidades da época e propiciam uma viagem no tempo.

A descoberta de um instrumento esquecido há mais de três séculos e o desejo de resgatar um repertório de importância histórica moveram, ao longo de 13 anos, o violoncelista grego radicado no Brasil Dimos Goudaroulis.   Nos idos de 1997, uma visita ao ateliê de um luthier em São Paulo rendeu-lhe a compra de um instrumento antigo, porém um lindo objeto “bem barroco, meio torto, assimétrico e barrigudo (bombé)”, como ele mesmo o define. O violoncelista sequer suspeitava de que estava diante de um objeto raro, cuja sonoridade teria encantado até mesmo Johann Sebastian Bach.   O luthier, que lhe vendera o instrumento, afirmara tratar-se de um violoncelo de criança, uma espécie de 7/8, originalmente de cinco cordas como aquele utilizado para tocar a 6ª Suíte de Bach. Entretanto, como projeção sonora era muito inferior à desejada, Goudaroulis resolveu subverter a lógica afinando-o com quatro cordas em sol-ré-lá-mi, a exemplo de um violino. O milagre se fez: o violoncelo começou a tocar no agudo e com um som maior.

O concerto Tenor Perdido: O Violoncello Piccolo de 4 Cordas resgata um instrumento raro e partituras inéditas de Andrea Caporale e Giuseppe Valentini

especial musical O Tenor Perdido: O Violoncello Piccolo de 4 Cordas Dia 20/02, às 21h Reapresentações: Dias 23/02, às 20h; 24/02, às 14h; 25/02, às 12h; 26/02, às 22h; e 28/02, às 22h.

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especial musical

Na raiz do samba Samba Autêntico. foto: Roberto Assem

projeto, em quatro programas, apresenta os grupos: Samba Autêntico; Tias Baianas Paulistas; Pagode do Cafofo; e Samba da Laje. Depoimentos contam as histórias de cada comunidade, que se apresentam com a participação de um cantor convidado por espetáculo.   Abrindo o projeto, o Samba Autêntico – criado a partir de uma pesquisa sobre as origens do samba – mostra composições de sua principal referência musical, Geraldo Filme. Com a participação da cantora convidada Virgínia Rosa, o grupo passeia por sambas de Adoniran Barbosa e Paulo Vanzolini. Obras de compositores de escolas de samba paulistas e hinos de escolas de samba também compõem o repertório. O segundo espetáculo fica por conta da comunidade Tias Baianas Paulistas, formada, a princípio, por uma baiana de cada escola de samba, hoje com maioria da Nenê de Vila Matilde. No repertório, o samba Marinheiro Só, do folclore brasileiro, resgatado por Caetano Veloso, e composições de Eduardo Gudin, Roberto Riberti e Tabajara Rosa. O grupo recebe como convidada a cantora Dona Inah.   No terceiro show, o Pagode do Cafofo, cuja filosofia é passar para as crianças a cidadania, lembra sucessos de Ataulfo Alves; Luiz Bandeira, Niltinho Tristeza, Haroldo Lobo, Eduardo Gudin, Magnu Sousa e Maurílio de Oliveira, sendo este último o convidado do grupo. Fechando, a comunidade Samba da Laje, que surgiu em festas de comemorações de aniversários, destaca composições de João Bosco, Aldir Blanc e Serginho Meriti. Cantor convidado do Samba da Laje, Miriti é autor, em parceria com Eri do Cais, do sucesso na voz de Zeca Pagodinho, Deixa a Vida me Levar, que integra o repertório do show. Os musicais foram gravados ao vivo no Sesc Pompeia, na capital paulista.

Não existe um samba só. Esse ritmo possui características diferentes de acordo com a cultura e os gêneros musicais de alguns estados brasileiros. Na Bahia, o samba recebeu influência do maxixe e do lundu; no Rio de Janeiro, do jongo e dos candomblés; em Minas Gerais, das congadas; e em Pernambuco, dos maracatus. Em São Paulo, o samba adquiriu um ritmo particular, de origem rural, procedente de manifestações religiosas de cidades do interior do estado, com elementos do jongo.   E é esse samba paulista, com sotaque interiorano, que se propagou em composições de mestres como Geraldo Filme, Adoniran Barbosa e Paulo Vanzolini. Também conhecido como samba de raiz, o gênero tem ganhado diversas comunidades nas últimas décadas. São grupos de amigos que se reúnem em todo o estado, principalmente na periferia da capital. Para mostrar um pouco quem são essas comunidades de samba, o SescTV estreia o projeto Comunas do Samba, criado pelo Núcleo de Música do Sesc Pompeia, na capital paulista. Com direção geral de Coi Belluzzo, o

Amigos do samba em quatro programas inéditos

especial musical Comunas do Samba Quartas feiras, às 22h Samba Autêntico Dia 02/02 Tias Baianas Paulistas Dia 09/02 Pagode do Cafofo Dia 16/02 Samba da Laje Dia 23/02

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sala de cinema

O mestre das chanchadas Foto: divulgação

passando um filme que eu nunca tinha visto, em que um cara pegava as pessoas e botava dentro da xícara”, lembra. “Quer dizer, isso não existia. Fiquei abismado, então eu me apaixonei pelas possibilidades dessa arte”. O jovem começou nos estúdios da lendária Atlântida, onde Watson Macedo e José Carlos Burle, dirigiam as famosas chanchadas. Ninguém entendeu quando ele fez de tudo para ir trabalhar no almoxarifado. “O almoxarifado ficava em cima do estúdio, então eu sentava e ficava vendo o diretor filmar”, conta. “Na hora do almoço, eu pagava o almoço do assistente de câmera e descia pro estúdio. Foi assim que eu conheci todas as lentes de cinema”.   O cineasta passou por praticamente todas as funções do cinema, antes de dirigir seu primeiro longa-metragem, Dupla do Barulho, de 1953. A sátira política logo se tornou o diferencial de seu cinema: o filme Nem Sansão Nem Dalila, de 1954, era uma crítica a Getúlio Vargas. Seu grande sucesso, O Homem do Sputnik, viria cinco anos mais tarde e era uma crítica à sociedade e à indústria cinematográfica americanas.   Em entrevista ao Sala de Cinema, Carlos Manga fala como era dirigir dois atores legendários na história do cinema brasileiro: a dupla Oscarito e Grande Otelo. Aliás, “dirigir era impossível”, como ele faz questão de ressaltar. Com ótimo timing para a comédia, a dupla até seguia o roteiro, mas a maior parte de sua genialidade humorística era puro improviso no set.   Essa e outras histórias curiosas dos bastidores de um período muito importante do cinema brasileiro, Manga conta para os espectadores do SescTV, no dia 10, às 22h. O Sala de Cinema apresenta ainda neste mês, as entrevistas com o produtor Luiz Carlos Barreto; o diretor Edgard Navarro e a cineasta Eliane Caffé.

Aos 83 anos, Carlos Manga é uma daquelas pessoas para as quais o tempo passou, mas seu encantamento e amor pela arte e pelo cinema continuam os mesmos de um jovem entusiasta. Ele mantém o brilho de um olhar experiente de quem já viveu quase tudo – e se emociona ao pensar que hoje seu trabalho é admirado e reconhecido por jovens que nem eram nascidos quando ele começou a fazer cinema. O cineasta dá uma verdadeira aula sobre a magia do cinema – dos anos 50 até hoje – em entrevista inédita que vai ao ar no SescTV, no programa Sala de Cinema.   Manga é um dos maiores diretores da chanchada, gênero cinematográfico que mesclava comédia, aventura, mulheres bonitas e música de carnaval, uma mistura de apelo popular que provou ser de enorme sucesso de público e que falava diretamente ao brasileiro. O cineasta dirigiu mais de 25 filmes e também foi diretor e apresentador de TV em programas humorísticos e musicais.   Lembra-se do dia em que, ainda criança, foi com a irmã a um cinema da Tijuca, no Rio de Janeiro. “Estava

Programa apresenta entrevista inédita com o cineasta Carlos Manga, grande diretor das chanchadas

sala de cinema Segundas, às 22h Luiz Carlos Barreto Dia 03 Carlos Manga Dia 10 Edgard Navarro Dia 17 Eliane Caffé Dia 24

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entrevista

Foto: divulgação

A memória no cinema e na TV

Mônica Almeida Kornis é doutora em Ciências da Comunicação, na área de Cinema, Rádio e Televisão, pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). É responsável pelo acervo audiovisual do Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro. Como pesquisadora, há mais de uma década trabalha com análises sobre a relação entre história, mídia, cinema e televisão, e também com documentação audiovisual. Nos estudos sobre imagem e narrativas históricas, publicou artigos com análise de minisséries históricas da Rede Globo, como Anos Dourados e Anos Rebeldes. É autora do livro Cinema, Televisão e História. Atualmente estuda as narrativas biográficas produzidas pelo cinema brasileiro recente no contexto de regimes ditatoriais.

Como pesquisadora no campo das ciências sociais, como você começou a interessar-se por cinema e TV? E quando começou a estudá-los sob a perspectiva da história? Adolescente, acompanhava, mesmo sem ser militante, os debates políticos do final dos anos 60 e começo dos 70. O meu interesse pelas questões sociais levou-me a fazer Sociologia na PUC do Rio e depois na Unicamp. É também dessa época o meu interesse por cinema. Frequentava a Cinemateca do MAM e o cine Paissandu, no Rio, e acompanhava o cinema moderno: no Brasil, o Cinema Novo e as diversas vertentes modernas no mundo inteiro. Já a história entrou na minha vida quando comecei a trabalhar no CPDOC da FGV e entrei em contato com a história recente. Em conversas informais, o professor e amigo Ismail Xavier incentivava-me a estudar a relação entre cinema e história. A televisão em particular. Ismail me deu forças, porque eram poucos os estudos sobre isso no Brasil. Fiz o doutorado na ECA na área de televisão e história, tendo como orientador o professor Ismail Xavier.

“O cinema e a televisão são ao mesmo tempo espelho e reflexo da sociedade e da história. Porque a memória é exatamente isto: uma construção”

Qual a importância e quais as particularidades do documento audiovisual como fonte histórica? Com o cinema, um maior número de pessoas começa a ter referências novas. É um fenômeno do século 20, com que os historiadores e cientistas sociais têm de lidar. Para entender como foi o pós-guerra, por exemplo, na Itália, é interessante assistir aos filmes de Vittorio de Sica e Rosselini. São dados fundamentais, porque falam sobre a crise social, sobre a

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crise das pessoas, as perseguições. O cinema e a televisão são ao mesmo tempo espelho e reflexo da sociedade e da história. E que temas o cinema ainda não trabalhou? Não existem muitos temas que ainda não tenham sido tratados pelo cinema. Mas o importante são as diferentes maneiras de se trabalhar com um mesmo tema, que pode ser diferente de um filme para outro, diferentes visões. Por isso é importante relacionar um conjunto de filmes que tratem de um mesmo tema para a construção de uma memória. Porque a memória é exatamente isto: uma construção. Hoje, qualquer um conhece Nova Iorque ou Paris mesmo sem ter ido até essas cidades, simplesmente porque viu na televisão. Então é possível ter uma visão dessas cidades, ter uma referência. E isso é ainda mais acelerado pelas tecnologias digitais, a Internet, o Youtube, ainda mais agora. Então os historiadores e cientistas sociais precisam achar formas de saber como lidar com isso.

“Hollywood tem o mesmo papel, nos Estados Unidos, de formar uma identidade nacional, que as novelas têm no Brasil. Aqui não tivemos, no cinema, a mesma força, mas a TV cumpriu esse papel” poucos, que há pouco estudo. São mais de cem anos de cinema e 60 anos de televisão. Isso precisa ser mais tematizado. E, mesmo que se fale sobre isso, a tendência é que se lide com a questão de maneira simplista, não considerando o audiovisual em sua complexidade. Precisa haver uma maior sofisticação e reflexão sobre o universo da imagem. O filme Tropa de Elite, por exemplo, é um fenômeno social, e um prato cheio para cientistas sociais. Há um fenômeno social por trás da explicação para o que atrai o público nesse tipo de filme, ou seja, trata-se do universo da recepção do público. Porque até aqui estamos falando da emissão, de como o filme é feito, do contexto de produção. Mas o universo da recepção é ainda mais complexo e menos óbvio, impossível de simplificar.

Pensando nos registros audiovisuais como construções da realidade, o historiador ou cientista social deve fazer distinções ao analisar uma peça de documentário e uma de ficção? Da mesma forma, há diferenças de análise entre cinema e TV? Seja uma ficção ou um documentário, os dois são uma construção da realidade. Um documentário ou uma reportagem de tv sobre as enchentes no Rio de Janeiro, por exemplo, mostram que aquilo está mesmo acontecendo, mas existe uma maneira de como essa informação chega, qual a narração utilizada, que recorte foi usado. Qualquer filme é um documento, não importa se é ficção ou documentário. Um filme está sempre tangenciando as questões do limite entre ficção e documentário. Todo filme ou programa de TV reconstrói uma realidade.

Como a comunidade acadêmica internacional enxerga a importância da televisão brasileira e dos estudos brasileiros na relação entre audiovisual e história? Existe a consciência internacional da importância da televisão brasileira, mas existem fenômenos semelhantes no mundo inteiro; franceses, alemães estudam, em todos os países se estudam o cinema e a TV em relação com a história. O Brasil tem grandes sucessos internacionais, como a novela Escrava Isaura, e a grande exportação das novelas brasileiras. Mas o fenômeno de pensar a TV e o cinema como história e como construção de identidade nacional é mundial. O próprio cinema americano, Hollywood, tem essa força.

Quais são os cuidados que devem ser levados em conta pelas emissoras de TV e centros de documentação audiovisual públicos e privados, para a construção de um acervo audiovisual? É necessário ter, muito antes de uma preocupação pessoal, uma consciência das instituições em preservar esses documentos. Ter verba, local apropriado, estrutura, estudos. Isso também se aplica a empresas privadas, que também precisam ter consciência de que seu acervo deve ser preservado, de que seus arquivos devem ser disponibilizados ao público, para consulta, pesquisa. Para isso é necessário investimento. Além disso, é preciso formar profissionais de restauração e preservação, inclusive nos novos suportes que estão chegando, digitais. Mas também nos tradicionais, em película, porque o digital não resolve o problema da película, é preciso continuar preocupando-se em preservar os filmes em película.

Você acha que é possível comparar o papel de construção de identidade nacional das novelas no Brasil com o da indústria cinematográfica de Hollywood para os Estados Unidos? Sim, acho que é possível fazer essa comparação. Hollywood tem a mesma força, nos Estados Unidos, de formar uma identidade nacional, que as novelas também têm no Brasil. Guardando as devidas proporções, é claro, pois as novelas são mais destinadas ao consumo do público interno, enquanto os filmes hollywoodianos foram para o mundo inteiro. O Brasil não teve, no cinema, a mesma força de Hollywood nos Estados Unidos, mas a indústria televisiva cumpriu esse papel. Foto: divulgação

Que seleção deve ser feita nos acervos de emissoras pensando em formar um conjunto de memória audiovisual que possa ser ferramenta de pesquisa? As emissoras de TV devem guardar tudo o que produzem. Certamente com o tempo muitas delas perderam algumas coisas. Mas eu não acredito que elas devam fazer uma seleção de seu acervo: tudo deve estar guardado. Quando um pesquisador está pesquisando sobre um assunto e precisa ver como ele foi tratado na tal minissérie, a seleção não pode existir, ele deve ter acesso a tudo o que for possível. É como pensar em selecionar que jornais serão guardados no Arquivo Público ou na Biblioteca Nacional. Isso não se discute: é claro que eles devem ser todos guardados. Como os pesquisadores brasileiros têm lidado com a questão da memória audiovisual? Os historiadores brasileiros estão interessando-se pela questão, mas volto a dizer que existem

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artigo

Inconscientemente   Recentemente, o mercado brasileiro vem imprimindo duas diferentes chancelas aos nossos filmes: “comercial” ou “autoral”. O conceito de filme “de autor” foi criado entre as décadas de 60 e 70, quando jovens diretores que emergiam naquele momento queriam imprimir uma marca autoral em suas obras, enfrentando os grandes estúdios americanos que realizavam os filmes a partir de técnicas industriais. O cinema industrial impunha-se fortemente e os artesãos do cinema agrupavam-se em movimentos para defender a liberdade de fazer um cinema que expressasse uma visão do diretor (do autor da obra). Desta aglutinação de talentos, grandes filmes autorais foram produzidos com a assinatura de François Truffaut, Jean Luc Godard, Fellini e Ingmar Bergman, entre outros grandes mestres do cinema. Não só filmes, mas um novo pensamento intelectual oxigenava o mercado de produção, transformando-o de forma definitiva.   A partir do movimento de independência em relação aos conceitos e fórmulas de sucesso do cinema industrial, teve início esta divisão de conceitos. Entretanto, o cinema nunca deixou de ser arte, indústria e comércio. Os ingressos eram vendidos em bilheterias de pequenos cinemas e, num curtíssimo período de tempo, aqueles filmes cruzavam fronteiras e conquistavam públicos em todo o mundo. Ou seja, tais filmes eram comercializados no mercado, e ainda o são: basta procurar uma requintada caixa de DVD dos mestres do cinema nas melhores lojas da cidade.   Filmes são produtos autorais comercializados em pequenas boutiques ou em grandes redes de shoppings espalhadas por territórios nacionais e internacionais. Alguns conseguem atingir um grande público e outros têm potencial de comunicação com públicos mais restritos. Outros ainda não conseguem sequer testar seu potencial de comercialização, pois têm os canais de distribuição obstruídos. O que não quer dizer que devam ser chancelados como “filmes autorais”.   Os “melhores filmes” constroem uma narrativa capaz de interagir com os mais profundos sentimentos do espectador e permanecer no tempo. Outros não conseguem tal “feito”, mas servem como um maravilhoso entretenimento por duas horas de exibição. Por isso, estes conceitos não servem ao espectador que compra na bilheteria do cinema o seu ingresso para o inconsciente.

Quando chegamos à bilheteria de um cinema e compramos um ingresso para um filme que foi escolhido quer pelo título ou tema, quer pela sinopse, quer por referência ao trabalho do roteirista ou do diretor, estamos depositando muitas expectativas no contrato de compra que assinamos com esse filme, que irá entreter-nos por duas ou três horas. Estamos entregando a reações imprevisíveis nossas sensibilidades e, por que não dizer, o nosso inconsciente. Saímos do cinema “leves” ou “pesados”, “mudos” ou “falando pelos cotovelos”. Um filme sempre provoca, além das reações imprevisíveis, uma boa conversa – e dizem que bons filmes são aqueles que “não saem da cabeça por alguns dias”. Eu diria ainda: por algumas semanas, meses ou anos. São tais sensações que, quando descritas para alguém, fazem com que o conhecido “boca a boca” leve mais e mais pessoas aos cinemas. O sucesso de um filme depende de vários fatores, entre os quais o gosto do espectador pelo filme e o tempo que o mercado comercial lhe oferece para que possa ser visto por um público expressivo. Acredito que um filme imperdível é aquele que, a partir da extraordinária comunhão de todos os seus elementos, tem o poder de conduzir nossos sentimentos. Steven Spilberg é um desses regentes de inconscientes: vendo a cena clássica da bicicleta que voa com as crianças e E.T., em que elas se abstraem de um perigo eminente, os espectadores, numa sensação de alívio, aplaudiam coletivamente. Pedro Almodóvar, um dos grandes mestres do cinema contemporâneo, é um autor absolutamente inovador e com grande comunicabilidade com o público. Assisti ao filme Tudo Sobre Minha Mãe, ao som de evidentes “fungares de narizes” e, já nos créditos finais, os olhos avermelhados de espectadores se entreolhavam, como se um espectador pudesse ler o que o outro sentia. Mas afinal, E.T. e Tudo Sobre Minha Mãe são filmes autorais ou comerciais?   Algumas listas de especialistas destacam Gritos e Sussurros, de Ingmar Bergman, como um dos dez melhores filmes do mundo. Em outra lista, do American Film Institute, que seleciona os cem melhores em cem anos, o primeiro lugar é ocupado por Cidadão Kane, de Orson Welles. Ambos os filmes propuseram inovações na narrativa cinematográfica e foram impactantes no ano em que foram produzidos e exibidos. E, por terem sido criados e produzidos de forma inovadora, permanecem na memória de muitos como filmes referenciais. Gritos e Sussurros, de Ingmar Bergman, conduziu minha geração rumo a uma compreensão irreversível sobre nossos conflitos familiares.

Carla Esmeralda é produtora, consultora de programas e projetos audiovisuais e idealizadora de projetos de desenvolvimento de roteiros para cinema.

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foto: marco lima

foto: nicola labate foto: divulgação

último Bloco

Homenagem à Semana de Arte Moderna

Traduções literárias

Seis programas do SescTV abordam artistas que integraram o movimento cultural realizado em fevereiro de 1922. No dia 17, às 24h, Vila Tarsila - Cia. Druw repagina o universo infantil da pintora Tarsila do Amaral, na série Dança Contemporânea. Dia 14, às 22h, a pianista Heloisa Fernandes executa canções próprias baseadas em pesquisa sobre melodias criadas pelo escritor Mario de Andrade, na série Instrumental Sesc Brasil. Obras de pintores permeiam três episódios da série O Mundo da Arte, às 21h: dia 02, Desenho: arte e criação, sobre Di Cavalcanti, idealizador do movimento da Semana de 22; dia 09, Anita Malfatti: modernista por natureza; dia 16, Lasar Segal: um modernista brasileiro; e dia 23, Ismael Nery: as cores da alma.

Gravada nas unidades do Sesc SP, a série Tertúlia – Encontro de Literatura exibe encontros de autores e tradutores literários que comentam e discutem obras de autores consagrados. Tertúlia deste mês destaca tradutores, que comentam obras por eles traduzidas. José Rubens Siqueira comenta a obra de John Maxwell Coetzee. Dia 04/02; Leonardo Fróes, de Virginia Woolf. Dia 11/02; Modesto Carone, de Franz Kafka. Dia 18/02; e Boris Schnaiderman, de Lev Tolstoi. Dia 25/02. Direção: Albert Klinke, às 20h.

O sonho acima das adversidades Documentário Fome de Viver, dirigido pelo cineasta e antropólogo Kiko Goifman, revela a vida de jovens que, apesar dos infortúnios da vida social, não deixam de sonhar e acreditar em um futuro melhor. No roteiro, relatos de adolescentes, não identificados, sob custódia judicial, que em sua maioria tiveram a infância marcada pela violência, álcool, drogas e fome. A produção foi realizada em 2008, durante as atividades do projeto Murographia, do Sesc Ipiranga, na capital paulista. O objetivo do trabalho foi oferecer aos jovens de 12 a 18 anos a troca de conhecimentos e experiências desses adolescentes com artistas que atuam no meio urbano. A trilha sonora original do filme é de autoria do músico Lívio Tragtenberg, criador – entre outras – da Orquestra de Músicos das Ruas de São Paulo. Dia 24, às 21h30.

Literatura amazonense Coprodução do SescTV com a TV Cultura, a série Autor por Autor traça perfis de grandes nomes da literatura, aproximando o público dos mais importantes autores contemporâneos brasileiros. Neste mês, a vida e a obra do escritor Milton Hatoum, mostrando a origem de sua relação com a literatura em uma época em que ainda não existia televisão. Hatoum comenta sua familiaridade com as obras de Machado de Assis, além de descrever todo o processo de trabalho que envolveu a publicação de seu primeiro livro de poesia, Amazonas, um rio entre ruínas. Direção geral: Ricardo Elias. Dia 28/02 às 23h.

Verifique a classificação indicativa e horários em www.sesctv.org.br Para sintonizar o SescTV: Aracaju, Net 26; Belém, Net 30; Belo Horizonte, Oi TV 28; Brasília, Net 3 (Digital); Campo Grande, JET 29; Cuiabá, JET 92; Curitiba, Net 11 (Cabo) e 42 (MMDS); Fortaleza, Net 3; Goiânia, Net 30; João Pessoa, Big TV 8, Net 92; Maceió, Big TV 8, Net 92; Manaus, Net 92, Vivax 24; Natal, Cabo Natal 14 (Analógico) e 510 (Digital), Net 92; Porto Velho, Viacabo 7; Recife, TV Cidade 27; Rio de Janeiro, Net 137 (Digital); São Luís, TVN 29; São Paulo, Net 137 (Digital). No Brasil todo, Sky 3. Para outras localidades, consulte www.sesctv.org.br

SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO – SESC Administração Regional no Estado de São Paulo

Presidente: Abram Szajman Diretor Regional: Danilo Santos de Miranda

A Revista é uma publicação do Sesc São Paulo sob coordenação da Superintendência de Comunicação Social. Distribuição gratuita. Nenhuma pessoa está autorizada a vender anúncios. Rua Cantagalo, 74, 13.º andar. Tel.: (11) 2227-6527 Coordenação Geral: Ivan Giannini Editoração: Érico Peretta Revisão: Maria Lucia Leão Supervisão Gráfica e editorial: Hélcio Magalhães

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Direção Executiva: Valter Vicente Sales Filho Direção de Programação: Regina Gambini Coordenação de Programação: Juliano de Souza Coordenação de Comunicação: Marimar Chimenes Gil Redação: Adriana Reis, Fernanda Fava e Sílvia Garcia Divulgação: Jô Santina e Jucimara Serra Estagiário: Luiz Andrade www.sesctv.org.br atendimento@sesctv.sescsp.org.br


Foto: Giros Produtora

documentário

Família Diniz em março

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