TRANSGRESSÕES DO BORDADO NA ARTE
26 NOVEMBRO 2020 — 8 MAIO 2021 curadoria
Ana Paula Cavalcanti Simioni 1
BordAdo A coNtrApeLo
O ambiente doméstico é habitado por uma série de trabalhos invisíveis, cujo grau de ocultamento é proporcional ao seu nível de exigência. Basta evocar, nesse sentido, os afazeres relacionados à alimentação dos que vivem em uma casa, os cuidados dedicados às suas crianças e idosos, a organização e limpeza de seus cômodos e a manutenção dos sistemas que os abastecem. Tradicionalmente relegada à invisibilidade, essa gama de práticas essenciais à vida cotidiana padece de sistemática desvalorização, associada à assimetria vigente entre as tarefas privadas e as atividades públicas, estas sim investidas de atenção e importância. Soma-se a isso ainda o fato de que, num país de passado escravista como o Brasil, as ocupações manuais seguem sendo notadamente depreciadas, ecoando os estigmas infligidos à atividade laboral ao longo do período colonial, e para muito além dele, infelizmente. Desprovidas de reconhecimento, as diligências alimentares, assistivas, higiênicas e técnicas têm no domínio privado uma atribulada rotina, a qual é delegada, sobretudo, às figuras sociais desprivilegiadas, a quem o acesso ao âmbito público e às suas plataformas de manifestação e participação é obliterado. Mas, a despeito do encobrimento e menosprezo comumente dispensados às funções caseiras, sua silenciosa execução guarda potências expressivas, abrangendo gestos e soluções carregados de sentidos existenciais – algo que parece exigir sua inserção na esfera pública, onde possam repercutir, atravessando as paredes. A acurada realização de atos e itens ligados ao zelo pelo outro e por si contraria, de longe, a ideia de uma reprodução puramente mecânica de providências desgastantes e repetitivas, ainda que essas condições se imponham a quem tem o cuidado por obrigação. É quando os afazeres são transformados em fazeres. Ou seja, quando aquilo que é demandado como ação funcional (e imprescindível) se vê ressignificado e complexificado como ensejo para a invenção de universos 2
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BordAdo A coNtrApeLo
O ambiente doméstico é habitado por uma série de trabalhos invisíveis, cujo grau de ocultamento é proporcional ao seu nível de exigência. Basta evocar, nesse sentido, os afazeres relacionados à alimentação dos que vivem em uma casa, os cuidados dedicados às suas crianças e idosos, a organização e limpeza de seus cômodos e a manutenção dos sistemas que os abastecem. Tradicionalmente relegada à invisibilidade, essa gama de práticas essenciais à vida cotidiana padece de sistemática desvalorização, associada à assimetria vigente entre as tarefas privadas e as atividades públicas, estas sim investidas de atenção e importância. Soma-se a isso ainda o fato de que, num país de passado escravista como o Brasil, as ocupações manuais seguem sendo notadamente depreciadas, ecoando os estigmas infligidos à atividade laboral ao longo do período colonial, e para muito além dele, infelizmente. Desprovidas de reconhecimento, as diligências alimentares, assistivas, higiênicas e técnicas têm no domínio privado uma atribulada rotina, a qual é delegada, sobretudo, às figuras sociais desprivilegiadas, a quem o acesso ao âmbito público e às suas plataformas de manifestação e participação é obliterado. Mas, a despeito do encobrimento e menosprezo comumente dispensados às funções caseiras, sua silenciosa execução guarda potências expressivas, abrangendo gestos e soluções carregados de sentidos existenciais – algo que parece exigir sua inserção na esfera pública, onde possam repercutir, atravessando as paredes. A acurada realização de atos e itens ligados ao zelo pelo outro e por si contraria, de longe, a ideia de uma reprodução puramente mecânica de providências desgastantes e repetitivas, ainda que essas condições se imponham a quem tem o cuidado por obrigação. É quando os afazeres são transformados em fazeres. Ou seja, quando aquilo que é demandado como ação funcional (e imprescindível) se vê ressignificado e complexificado como ensejo para a invenção de universos 2
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simbólicos que extrapolam o cumprimento de responsabilidades compulsórias. O bordado, enquanto fazer representativo da experiência doméstica, é um pródigo exemplo desse perspicaz movimento que articula a disposição para o cuidado com a vontade de expressão estética, através de formas que combinam utilidade e gratuidade. A arte é um campo de visibilidade por excelência, embora suas instituições não deixem de reproduzir injustiças e invisibilidades. Em função das fronteiras e hierarquias estipuladas, ao longo de séculos, pela Escola, pelo Museu e pela História da Arte, as criações oriundas de núcleos desprestigiados da vida social e cultural – como a produção têxtil engendrada no recôndito dos lares comuns – eram tidas como meros índices de práticas menores, destituídas de valor estético e interesse artístico. Por sua vez, artistas vinculados a setores das vanguardas modernas e, mais recentemente, a vertentes da arte contemporânea viriam se insurgir, cada qual a seu modo, contra esse apagamento institucional, incorporando o bordado (e o imaginário que ele traz consigo) às suas experimentações plásticas e conceituais. De maioria feminina, tais agentes são responsáveis por alargar limites e categorias no terreno da arte, fazendo desse campo uma plataforma de visibilização de práticas simbólicas historicamente desprezadas. Ao realizar a exposição Transbordar: transgressões do bordado na arte, com curadoria de Ana Paula Simioni, o Sesc contribui com as prementes abordagens críticas acerca da história e das instituições da arte ocidental. Ler essa trajetória e seus mecanismos a contrapelo é condição indispensável para a emergência de agentes e fazeres mantidos ocultos sob os mantos do anonimato e do esquecimento. Isso tudo em um momento delicado da civilização humana, marcado pela pandemia de Covid-19, ocasião em que o ato de cuidar adquiriu uma centralidade sem precedentes.
Danilo Santos de Miranda, Diretor do Sesc São Paulo
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simbólicos que extrapolam o cumprimento de responsabilidades compulsórias. O bordado, enquanto fazer representativo da experiência doméstica, é um pródigo exemplo desse perspicaz movimento que articula a disposição para o cuidado com a vontade de expressão estética, através de formas que combinam utilidade e gratuidade. A arte é um campo de visibilidade por excelência, embora suas instituições não deixem de reproduzir injustiças e invisibilidades. Em função das fronteiras e hierarquias estipuladas, ao longo de séculos, pela Escola, pelo Museu e pela História da Arte, as criações oriundas de núcleos desprestigiados da vida social e cultural – como a produção têxtil engendrada no recôndito dos lares comuns – eram tidas como meros índices de práticas menores, destituídas de valor estético e interesse artístico. Por sua vez, artistas vinculados a setores das vanguardas modernas e, mais recentemente, a vertentes da arte contemporânea viriam se insurgir, cada qual a seu modo, contra esse apagamento institucional, incorporando o bordado (e o imaginário que ele traz consigo) às suas experimentações plásticas e conceituais. De maioria feminina, tais agentes são responsáveis por alargar limites e categorias no terreno da arte, fazendo desse campo uma plataforma de visibilização de práticas simbólicas historicamente desprezadas. Ao realizar a exposição Transbordar: transgressões do bordado na arte, com curadoria de Ana Paula Simioni, o Sesc contribui com as prementes abordagens críticas acerca da história e das instituições da arte ocidental. Ler essa trajetória e seus mecanismos a contrapelo é condição indispensável para a emergência de agentes e fazeres mantidos ocultos sob os mantos do anonimato e do esquecimento. Isso tudo em um momento delicado da civilização humana, marcado pela pandemia de Covid-19, ocasião em que o ato de cuidar adquiriu uma centralidade sem precedentes.
Danilo Santos de Miranda, Diretor do Sesc São Paulo
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Uma das características dos meus trabalhos é a ambiguidade. A gente falou de sexualidade na semana passada. Eu dizia que meus trabalhos eram meio gays, assim, mas não é isso. Acho que eles são ambíguos mesmo. Por exemplo, eu trabalho com a delicadeza, uma costura, um bordado. Leda [Catunda] trabalha com aqueles colchões, aqueles monstros. Isto é uma ambiguidade em relação a ela como mulher. Assim como os bordados revelam minha ambiguidade na minha relação como homem. Leonilson (em Lagnado, 1998, p. 116)
A epígrafe, de autoria de Leonilson, um dos grandes nomes do circuito artístico brasileiro a utilizar o bordado em suas produções, aponta para uma questão central a esta exposição: o modo com que os bordados foram (e ainda são) vistos como uma arte “feminina”. O bordado comporta ainda outros estigmas: é arte ou artesanato? É realmente arte ou não passa de uma
transgressões DO bordado Na ARTe ANa pAulA caValcanti siMioNi 6
ANa PAulA CaValcanti SiMioNi
prenda doméstica?
Professora Associada do Instituto de Estudos Brasileiros – Universidade de São Paulo. Autora de diversos artigos, livros e capítulos de livros sobre as relações entre arte e gênero no Brasil. Entre eles, destaca: Profissão artista: pintoras e escultoras acadêmicas brasileiras (1884-1922). São Paulo, Edusp/Fapesp, 2008 (primeira reedição 2019).
por mulheres e homens artistas que se utilizam do bordado como um meio
A exposição busca responder a essas perguntas de modo crítico. Para tanto está estruturada em torno de dois módulos principais, “Artificando o bordado” e “Transbordamentos”. Neles estão dispostas obras realizadas expressivo capaz de contestar hierarquias estéticas e sociais. As fronteiras existentes entre arte e artesanato, entre artista e artesão; entre o artista (no singular masculino) e “as donas de casa prendadas” (no plural, feminino) são propositalmente borradas. A crença de que estamos diante de uma prática singela, puramente ornamental, é desafiada por obras que nos incitam a pensar sobre diversos tipos de violência, seja de gênero, racial, contra LGBTs, contra crianças e jovens, contra o movimento antimanicomial, contra corpos que não se enquadram nos padrões normativos socialmente impostos. O caráter intimista do bordado também é revolvido pelo sentido coletivo que essas obras podem ter. Isso porque elas evocam tradições de um saber fazer, muitas vezes anônimo, que é aqui apropriado e transformado. Assim, memórias (individuais e sociais) são costuradas, ou, como bem define Rosana Paulino, 7
Uma das características dos meus trabalhos é a ambiguidade. A gente falou de sexualidade na semana passada. Eu dizia que meus trabalhos eram meio gays, assim, mas não é isso. Acho que eles são ambíguos mesmo. Por exemplo, eu trabalho com a delicadeza, uma costura, um bordado. Leda [Catunda] trabalha com aqueles colchões, aqueles monstros. Isto é uma ambiguidade em relação a ela como mulher. Assim como os bordados revelam minha ambiguidade na minha relação como homem. Leonilson (em Lagnado, 1998, p. 116)
A epígrafe, de autoria de Leonilson, um dos grandes nomes do circuito artístico brasileiro a utilizar o bordado em suas produções, aponta para uma questão central a esta exposição: o modo com que os bordados foram (e ainda são) vistos como uma arte “feminina”. O bordado comporta ainda outros estigmas: é arte ou artesanato? É realmente arte ou não passa de uma
transgressões DO bordado Na ARTe ANa pAulA caValcanti siMioNi 6
ANa PAulA CaValcanti SiMioNi
prenda doméstica?
Professora Associada do Instituto de Estudos Brasileiros – Universidade de São Paulo. Autora de diversos artigos, livros e capítulos de livros sobre as relações entre arte e gênero no Brasil. Entre eles, destaca: Profissão artista: pintoras e escultoras acadêmicas brasileiras (1884-1922). São Paulo, Edusp/Fapesp, 2008 (primeira reedição 2019).
por mulheres e homens artistas que se utilizam do bordado como um meio
A exposição busca responder a essas perguntas de modo crítico. Para tanto está estruturada em torno de dois módulos principais, “Artificando o bordado” e “Transbordamentos”. Neles estão dispostas obras realizadas expressivo capaz de contestar hierarquias estéticas e sociais. As fronteiras existentes entre arte e artesanato, entre artista e artesão; entre o artista (no singular masculino) e “as donas de casa prendadas” (no plural, feminino) são propositalmente borradas. A crença de que estamos diante de uma prática singela, puramente ornamental, é desafiada por obras que nos incitam a pensar sobre diversos tipos de violência, seja de gênero, racial, contra LGBTs, contra crianças e jovens, contra o movimento antimanicomial, contra corpos que não se enquadram nos padrões normativos socialmente impostos. O caráter intimista do bordado também é revolvido pelo sentido coletivo que essas obras podem ter. Isso porque elas evocam tradições de um saber fazer, muitas vezes anônimo, que é aqui apropriado e transformado. Assim, memórias (individuais e sociais) são costuradas, ou, como bem define Rosana Paulino, 7
“suturadas”. A exposição compreende produções que variam profundamente em termos de escala, dimensão e técnica, congregando desde aquelas em que o sentido está no detalhe, até outras que explodem a dimensão do bastidor, da parede ou mesmo da instituição museal. Em todas o bordado mostra-se versátil, potente e capaz de transgredir os limites que lhe foram impostos historicamente.
1
Artificando o Bordado O primeiro módulo – “Artificando o bordado” – reúne trabalhos de artistas pioneiros na utilização das modalidades têxteis dentro do sistema artístico. É o caso, por exemplo, de Regina Gomide Graz (1897-1973) que após se formar na Escola de Belas-Artes de Genebra introduziu a tapeçaria art déco no Brasil
(Simioni, 2007). Atuando ao lado de seu marido, o artista suíço John Graz, foi responsável pela modernização da decoração de interiores nos lares da elite paulistana, durante as décadas de 1930 e 1940 (Figuras 1 e 2). Seu exemplo é muito similar ao da mexicana Lola Cueto (María Dolorez Velázquez Rivas, 1897-1978) que, em seus trabalhos, promoveu uma síntese original entre as tradições vernaculares de seu país e as técnicas e estilizações modernistas em voga em Paris, celebradas na famosa Exposition des Arts Industriels de 1925. Ambas são exemplos, na América Latina, de um processo de transgressão das hierarquias artísticas que se iniciou na Europa em finais do século XIX, e que foi abraçado por diversos movimentos de vanguarda. Estes se contrapunham a uma tradição que começou a se estabelecer no Renascimento e buscou individualizar e elevar socialmente a figura do artista. Até então, pintores, arquitetos e escultores pertenciam ao mesmo grupo social dos estucadores, pintores de paredes, ourives, entalhadores, bordadores etc., todos reunidos nas corporações de ofícios, ou guildas. Entretanto, aos poucos os três primeiros passaram a ser vistos como superiores aos demais por realizarem 8
1 Regina Gomide Graz. Diana Caçadora, c. 1930. Tapeçaria em feltro, 72 × 150 × 3 cm. Coleção Fulvia e Adolpho Leirner, São Paulo. foto Isabella Matheus 2 Regina Gomide Graz (atribuído). Índios, 1930 (segunda versão). Colagem de tecidos, 72 × 121 cm. Coleção Fulvia e Adolpho Leirner, São Paulo. foto Edouard Fraipont
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“suturadas”. A exposição compreende produções que variam profundamente em termos de escala, dimensão e técnica, congregando desde aquelas em que o sentido está no detalhe, até outras que explodem a dimensão do bastidor, da parede ou mesmo da instituição museal. Em todas o bordado mostra-se versátil, potente e capaz de transgredir os limites que lhe foram impostos historicamente.
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Artificando o Bordado O primeiro módulo – “Artificando o bordado” – reúne trabalhos de artistas pioneiros na utilização das modalidades têxteis dentro do sistema artístico. É o caso, por exemplo, de Regina Gomide Graz (1897-1973) que após se formar na Escola de Belas-Artes de Genebra introduziu a tapeçaria art déco no Brasil
(Simioni, 2007). Atuando ao lado de seu marido, o artista suíço John Graz, foi responsável pela modernização da decoração de interiores nos lares da elite paulistana, durante as décadas de 1930 e 1940 (Figuras 1 e 2). Seu exemplo é muito similar ao da mexicana Lola Cueto (María Dolorez Velázquez Rivas, 1897-1978) que, em seus trabalhos, promoveu uma síntese original entre as tradições vernaculares de seu país e as técnicas e estilizações modernistas em voga em Paris, celebradas na famosa Exposition des Arts Industriels de 1925. Ambas são exemplos, na América Latina, de um processo de transgressão das hierarquias artísticas que se iniciou na Europa em finais do século XIX, e que foi abraçado por diversos movimentos de vanguarda. Estes se contrapunham a uma tradição que começou a se estabelecer no Renascimento e buscou individualizar e elevar socialmente a figura do artista. Até então, pintores, arquitetos e escultores pertenciam ao mesmo grupo social dos estucadores, pintores de paredes, ourives, entalhadores, bordadores etc., todos reunidos nas corporações de ofícios, ou guildas. Entretanto, aos poucos os três primeiros passaram a ser vistos como superiores aos demais por realizarem 8
1 Regina Gomide Graz. Diana Caçadora, c. 1930. Tapeçaria em feltro, 72 × 150 × 3 cm. Coleção Fulvia e Adolpho Leirner, São Paulo. foto Isabella Matheus 2 Regina Gomide Graz (atribuído). Índios, 1930 (segunda versão). Colagem de tecidos, 72 × 121 cm. Coleção Fulvia e Adolpho Leirner, São Paulo. foto Edouard Fraipont
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obras pautadas pelo desenho, entendido como uma atividade gerada na mente
deles foram bordados pelas mais próximas colaboradoras de Morris, como
e executada pelas mãos. Por trás dessa ideia havia o desejo de elevar essas
sua esposa, Jane Burden, e sua filha, May Morris, cuja produção e autoria
artes, realçando seu caráter intelectual. O desenho passava a exercer a função
vêm sendo merecidamente reconhecidas (Callen, 1979).
de mediação, uma vez que se iniciava no cérebro e era apenas executado
Nas décadas seguintes diversos outros artistas, individualmente ou em
pelas mãos. Assim, o desenho era alçado à condição de trabalho intelectual
grupo, investiram contra as distinções entre belas-artes e artes aplicadas.
e tornava-se a base para distinguir as “grandes artes” (também chamadas
Esse lema perpassou desde criadores que hoje são identificados pelo nome
de “artes puras”) das outras modalidades, que passavam a ser vistas como
de movimento Art Nouveau (denominado Liberty na Itália, Modernismo na
inferiores, ou artesanais (Goldstein, 1996).
Catalunha, Jugenstil na Alemanha) até a orientação central da Bauhaus, a
O artesanato adquiriu um sentido negativo, associado a produções
prestigiosa escola alemã. Dentre eles, muitos – ou seria melhor dizer muitas,
coletivas, de caráter manual, técnico e não intelectual. Isso se aprofundou
uma vez que a presença feminina nesse domínio é geralmente maior –
nos séculos seguintes, com o avanço das Academias por países como França,
dedicaram-se às obras em tecido, incluindo tapetes, roupas, indumentárias
Itália, Alemanha, Inglaterra e mesmo Brasil e México, onde instituições
para teatro e, é claro, bordados (Weltge, 1993). São paradigmáticas as
similares foram fundadas no começo do século XIX. Com efeito, as
telas bordadas assinadas por Sonia Delaunay, cuja atuação no campo das
Academias foram instituições sólidas, que contaram com o apoio dos Estados
artes têxteis é hoje amplamente reconhecida, e pela artista genebrina
para formar artistas, termo que passou a compreender exclusivamente
Alice Bailly. Ao substituírem os pincéis por agulhas e as tintas por linhas,
pintores, escultores e arquitetos. As outras modalidades produtivas
ambas procuraram experimentar novas materialidades e seus efeitos
representadas pelas corporações de ofício foram cada vez mais vistas como
sobre as telas. Com isso, incluíram procedimentos e meios expressivos
meramente técnicas, e assim gozaram de menos prestígio e reconhecimento
que eram associados às artes decorativas no campo das “grandes” artes,
(Parker, 1996; Simioni, 2010).
assim promovendo uma artificação do bordar (Schapiro; Heinich, 2013).
Entre finais do século XIX e meados do seguinte, diversos grupos de
Ao incluírem as artes têxteis no campo das belas-artes, os/as artistas de
orientação modernista se insurgiram contra essas divisões do mundo
vanguarda contestaram hierarquias tradicionais e alargaram as fronteiras
da arte, cabendo o pioneirismo ao grupo inglês conhecido como Arts &
do mundo artístico (Bonnet, 2006; Bowlt; Drutt, 2000). Décadas mais
Crafts. O líder do grupo, William Morris, considerava que um dos maiores
tarde, o estatuto do bordado foi novamente revisitado de modo crítico, em
problemas gerados pelo capitalismo era o trabalho alienado. A divisão do
contexto bastante distinto. De um lado, o movimento hippie, disseminado
trabalho instaurada pelas fábricas impedia que o trabalhador tivesse uma
por diversos países, retomou e valorizou as práticas artesanais em oposição
visão completa do processo de produção, de modo que o operário não se
aos “produtos feitos”, associados ao capitalismo e ao consumo de massas.
reconhecesse no produto final. Pior, a mercadoria tornava-se externa e
Bordar a própria roupa tornou-se então um meio de reagir à padronização
até mesmo “superior” a quem trabalhou para realizá-la. Como antídoto a
cultural, inscrever a própria individualidade naquilo que reveste o corpo.
isso, Morris propôs a retomada dos métodos tradicionais empregados nos
Corpo esse que procurava se libertar dos padrões herdados, inclusive no que
ateliês medievais, pois neles o trabalhador participava de todas as etapas da
diz respeito aos mitos de masculinidade. Bordar foi, para tantos homens
produção, desde a escolha dos materiais até a venda. Foi nesse contexto que
naquele momento, um sinal de contestação dos estereótipos naturalizados
o Arts & Crafts retomou a produção têxtil, especialmente de tapetes. Diversos
sobre feminilidade e masculinidade (Parker, 1996).
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obras pautadas pelo desenho, entendido como uma atividade gerada na mente
deles foram bordados pelas mais próximas colaboradoras de Morris, como
e executada pelas mãos. Por trás dessa ideia havia o desejo de elevar essas
sua esposa, Jane Burden, e sua filha, May Morris, cuja produção e autoria
artes, realçando seu caráter intelectual. O desenho passava a exercer a função
vêm sendo merecidamente reconhecidas (Callen, 1979).
de mediação, uma vez que se iniciava no cérebro e era apenas executado
Nas décadas seguintes diversos outros artistas, individualmente ou em
pelas mãos. Assim, o desenho era alçado à condição de trabalho intelectual
grupo, investiram contra as distinções entre belas-artes e artes aplicadas.
e tornava-se a base para distinguir as “grandes artes” (também chamadas
Esse lema perpassou desde criadores que hoje são identificados pelo nome
de “artes puras”) das outras modalidades, que passavam a ser vistas como
de movimento Art Nouveau (denominado Liberty na Itália, Modernismo na
inferiores, ou artesanais (Goldstein, 1996).
Catalunha, Jugenstil na Alemanha) até a orientação central da Bauhaus, a
O artesanato adquiriu um sentido negativo, associado a produções
prestigiosa escola alemã. Dentre eles, muitos – ou seria melhor dizer muitas,
coletivas, de caráter manual, técnico e não intelectual. Isso se aprofundou
uma vez que a presença feminina nesse domínio é geralmente maior –
nos séculos seguintes, com o avanço das Academias por países como França,
dedicaram-se às obras em tecido, incluindo tapetes, roupas, indumentárias
Itália, Alemanha, Inglaterra e mesmo Brasil e México, onde instituições
para teatro e, é claro, bordados (Weltge, 1993). São paradigmáticas as
similares foram fundadas no começo do século XIX. Com efeito, as
telas bordadas assinadas por Sonia Delaunay, cuja atuação no campo das
Academias foram instituições sólidas, que contaram com o apoio dos Estados
artes têxteis é hoje amplamente reconhecida, e pela artista genebrina
para formar artistas, termo que passou a compreender exclusivamente
Alice Bailly. Ao substituírem os pincéis por agulhas e as tintas por linhas,
pintores, escultores e arquitetos. As outras modalidades produtivas
ambas procuraram experimentar novas materialidades e seus efeitos
representadas pelas corporações de ofício foram cada vez mais vistas como
sobre as telas. Com isso, incluíram procedimentos e meios expressivos
meramente técnicas, e assim gozaram de menos prestígio e reconhecimento
que eram associados às artes decorativas no campo das “grandes” artes,
(Parker, 1996; Simioni, 2010).
assim promovendo uma artificação do bordar (Schapiro; Heinich, 2013).
Entre finais do século XIX e meados do seguinte, diversos grupos de
Ao incluírem as artes têxteis no campo das belas-artes, os/as artistas de
orientação modernista se insurgiram contra essas divisões do mundo
vanguarda contestaram hierarquias tradicionais e alargaram as fronteiras
da arte, cabendo o pioneirismo ao grupo inglês conhecido como Arts &
do mundo artístico (Bonnet, 2006; Bowlt; Drutt, 2000). Décadas mais
Crafts. O líder do grupo, William Morris, considerava que um dos maiores
tarde, o estatuto do bordado foi novamente revisitado de modo crítico, em
problemas gerados pelo capitalismo era o trabalho alienado. A divisão do
contexto bastante distinto. De um lado, o movimento hippie, disseminado
trabalho instaurada pelas fábricas impedia que o trabalhador tivesse uma
por diversos países, retomou e valorizou as práticas artesanais em oposição
visão completa do processo de produção, de modo que o operário não se
aos “produtos feitos”, associados ao capitalismo e ao consumo de massas.
reconhecesse no produto final. Pior, a mercadoria tornava-se externa e
Bordar a própria roupa tornou-se então um meio de reagir à padronização
até mesmo “superior” a quem trabalhou para realizá-la. Como antídoto a
cultural, inscrever a própria individualidade naquilo que reveste o corpo.
isso, Morris propôs a retomada dos métodos tradicionais empregados nos
Corpo esse que procurava se libertar dos padrões herdados, inclusive no que
ateliês medievais, pois neles o trabalhador participava de todas as etapas da
diz respeito aos mitos de masculinidade. Bordar foi, para tantos homens
produção, desde a escolha dos materiais até a venda. Foi nesse contexto que
naquele momento, um sinal de contestação dos estereótipos naturalizados
o Arts & Crafts retomou a produção têxtil, especialmente de tapetes. Diversos
sobre feminilidade e masculinidade (Parker, 1996).
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Na mesma época, diversas artistas feministas revisitaram as artes têxteis no intuito de evidenciar o quanto o mundo da arte que conheciam estava estruturado sobre assimetrias de gênero. A norte-americana Miriam Schapiro (1923-2015) teve papel importante nesse cenário. Ela propôs a revalorização dos quilts, colchas bordadas desde o período colonial por mulheres norte-americanas, até então vistos como produções domésticas e não artísticas. Ao mesmo tempo, assinalou que esse projeto detinha um sentido político maior: a reapreciação desses objetos só faz sentido quando acompanhada de uma reflexão crítica sobre o modo com que o sistema da arte alicerçava-se em políticas de gênero que desvalorizavam tudo aquilo que fosse percebido como “essencialmente” feminino (Broude, 1982). Um bom exemplo dessa posição se encontra na obra Anonymous Was a Woman, em que a artista seleciona modalidades vistas como inferiores, tais como as toalhas de mesa, guardanapos e pequenos tecidos bordados, e as desloca de seu lugar “natural” – a casa – em direção a um espaço no qual, supostamente, não mereciam estar: o museu. O título da obra, que faz analogia a uma passagem do célebre livro Um teto todo seu de Virginia Woolf, aborda outro ponto central, o de que as obras de arte são produtos assinados por indivíduos reconhecidos como artistas. Schapiro provoca: os trabalhos artesanais, geralmente anônimos, são também femininos: “o anônimo era uma mulher”. A dimensão política das contestações realizadas durante as décadas
3 Arpilleras (autoria desconhecida). Centro de detención, 1973-1989. Tela e lã, 38,8 × 46,5 × 0,8 cm. Museo de la Memoria y Derechos Humanos, Chile. Fondo Fundación Solidaridad. Coleção Museo de la Memoria y los Derechos Humanos, Chile. 4 Arpilleras (autoria desconhecida). Carta de desaparecidos, 1973-1989. Tela e lã, 38,6 × 48,8 × 1,8 cm. Museo de la Memoria y Derechos Humanos, Chile. Fondo Fundación Solidaridad. Coleção Museo de la Memoria y los Derechos Humanos, Chile.
de 1960 e 1970 ganha contornos específicos na América Latina. De um lado, a revalorização de práticas têxteis tradicionalmente realizadas por grupos indígenas, especialmente na América Hispânica, responde a um projeto político-cultural de positivação das identidades locais. Esse projeto é nutrido por grupos de artistas e intelectuais latino-americanos, em sintonia com expectativas internacionais sobre a “particularidade” da cultura latino-americana. O trabalho da artista chilena Violeta Parra (1917-1967) merece destaque nesse cenário. Desde o final dos anos 1950, Parra se reapropriou das tradições arpilleras em seu país, passando a bordar obras em grandes dimensões. Essas tiveram bastante êxito em Paris, quando exibidas durante a década de 1960 (Planté, 2019). 12
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Na mesma época, diversas artistas feministas revisitaram as artes têxteis no intuito de evidenciar o quanto o mundo da arte que conheciam estava estruturado sobre assimetrias de gênero. A norte-americana Miriam Schapiro (1923-2015) teve papel importante nesse cenário. Ela propôs a revalorização dos quilts, colchas bordadas desde o período colonial por mulheres norte-americanas, até então vistos como produções domésticas e não artísticas. Ao mesmo tempo, assinalou que esse projeto detinha um sentido político maior: a reapreciação desses objetos só faz sentido quando acompanhada de uma reflexão crítica sobre o modo com que o sistema da arte alicerçava-se em políticas de gênero que desvalorizavam tudo aquilo que fosse percebido como “essencialmente” feminino (Broude, 1982). Um bom exemplo dessa posição se encontra na obra Anonymous Was a Woman, em que a artista seleciona modalidades vistas como inferiores, tais como as toalhas de mesa, guardanapos e pequenos tecidos bordados, e as desloca de seu lugar “natural” – a casa – em direção a um espaço no qual, supostamente, não mereciam estar: o museu. O título da obra, que faz analogia a uma passagem do célebre livro Um teto todo seu de Virginia Woolf, aborda outro ponto central, o de que as obras de arte são produtos assinados por indivíduos reconhecidos como artistas. Schapiro provoca: os trabalhos artesanais, geralmente anônimos, são também femininos: “o anônimo era uma mulher”. A dimensão política das contestações realizadas durante as décadas
3 Arpilleras (autoria desconhecida). Centro de detención, 1973-1989. Tela e lã, 38,8 × 46,5 × 0,8 cm. Museo de la Memoria y Derechos Humanos, Chile. Fondo Fundación Solidaridad. Coleção Museo de la Memoria y los Derechos Humanos, Chile. 4 Arpilleras (autoria desconhecida). Carta de desaparecidos, 1973-1989. Tela e lã, 38,6 × 48,8 × 1,8 cm. Museo de la Memoria y Derechos Humanos, Chile. Fondo Fundación Solidaridad. Coleção Museo de la Memoria y los Derechos Humanos, Chile.
de 1960 e 1970 ganha contornos específicos na América Latina. De um lado, a revalorização de práticas têxteis tradicionalmente realizadas por grupos indígenas, especialmente na América Hispânica, responde a um projeto político-cultural de positivação das identidades locais. Esse projeto é nutrido por grupos de artistas e intelectuais latino-americanos, em sintonia com expectativas internacionais sobre a “particularidade” da cultura latino-americana. O trabalho da artista chilena Violeta Parra (1917-1967) merece destaque nesse cenário. Desde o final dos anos 1950, Parra se reapropriou das tradições arpilleras em seu país, passando a bordar obras em grandes dimensões. Essas tiveram bastante êxito em Paris, quando exibidas durante a década de 1960 (Planté, 2019). 12
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Vista como emblemática de uma “verdadeira arte latino-americana”, a tradição de bordados conhecida como arpilleras adquire conotação política ainda mais intensa durante os anos em que o Chile viveu sob ditadura (1973-1990). Diversas mulheres e homens, alguns assinando suas obras e outros anonimamente, se reapropriaram dessa tradição para denunciar a violência a que foram submetidos, tais como prisões arbitrárias, assassinatos, adoções forçadas de crianças retiradas de seus pais, carência de alimentos e remédios, as incessantes buscas dos pais por seus filhos desaparecidos etc. (Figuras 3 e 4). No Brasil, a ditadura que se iniciou com o golpe de Estado de 1964 também fomentou reações de diversos artistas (Trizoli, 2018), mas os bordados foram, aqui, menos frequentes do que no Chile. Ainda assim, artistas como Anna Bella Geiger (1933), Paulo Bruscky (1949) e Regina
5 Zuzu Angel. Vestido de protesto político (réplica), 1971 Bordado à máquina, 135 × 81 cm Coleção Instituto Zuzu Angel foto Masao Goto Filho 6 Letícia Parente. Marca registrada, 1975. Frame de vídeo. Cortesia da família da artista e da Galeria Jaqueline Martins
Vater (1943), presentes na exposição, evidenciam em suas obras uma
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Vista como emblemática de uma “verdadeira arte latino-americana”, a tradição de bordados conhecida como arpilleras adquire conotação política ainda mais intensa durante os anos em que o Chile viveu sob ditadura (1973-1990). Diversas mulheres e homens, alguns assinando suas obras e outros anonimamente, se reapropriaram dessa tradição para denunciar a violência a que foram submetidos, tais como prisões arbitrárias, assassinatos, adoções forçadas de crianças retiradas de seus pais, carência de alimentos e remédios, as incessantes buscas dos pais por seus filhos desaparecidos etc. (Figuras 3 e 4). No Brasil, a ditadura que se iniciou com o golpe de Estado de 1964 também fomentou reações de diversos artistas (Trizoli, 2018), mas os bordados foram, aqui, menos frequentes do que no Chile. Ainda assim, artistas como Anna Bella Geiger (1933), Paulo Bruscky (1949) e Regina
5 Zuzu Angel. Vestido de protesto político (réplica), 1971 Bordado à máquina, 135 × 81 cm Coleção Instituto Zuzu Angel foto Masao Goto Filho 6 Letícia Parente. Marca registrada, 1975. Frame de vídeo. Cortesia da família da artista e da Galeria Jaqueline Martins
Vater (1943), presentes na exposição, evidenciam em suas obras uma
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consciência crítica aguda sobre o modo com que as relações imperialistas, especialmente entre as Américas do Norte e do Sul, impunham-se sobre o Brasil. E é justamente nos Estados Unidos, mais precisamente
TransbordaMentos: usos do bordado Na arte conteMporânea brAsileirA
no consulado brasileiro em Nova York, que Zuzu Angel (1921-1976) realizou, em 1971, um desfile-protesto (Figura 5). A célebre estilista brasileira bordou armas, tanques, homens fardados, pássaros engaiolados, bombas etc. nos vestidos de sua autoria como um meio de exigir das autoridades uma resposta sobre a prisão e morte de seu filho, motivada por seu posicionamento político. Finalmente, no imprescindível vídeo
O segundo módulo apresenta um panorama indicativo da excelência
Marca registrada (1975), Letícia Parente (1930-1991) borda na planta do
que caracteriza o uso do bordado em uma parte da produção artística
próprio pé a expressão “Made in Brazil” (Figura 6). O corpo é tornado
contemporânea, especialmente brasileira. A partir de finais dos anos 1980,
coisa, coisa produzida num lugar específico, num país específico; corpo
esse processo adquire uma vitalidade extraordinária. Por quê?
marcado como mercadoria patenteada, numa obra que permite diversas interpretações sobre violências políticas, simbólicas e de gênero. O que todas essas obras evidenciam é que o uso político do bordado na América Latina foi profundo e denso, embora com conotações relativamente distintas daquelas que estimularam a produção feminista que se desenvolveu nos países “centrais”. Ditadura e imperialismo parecem ter constituído as agendas mais urgentes para os artistas do sul.
A curadora Lisette Lagnado menciona o “efeito Bispo” (Lagnado, 1998). *
Segundo registros da Light, onde Bispo trabalhou entre 1933 e 1937, sua data de nascimento é 16 de março de 1911. Nos registros da Marinha de Guerra do Brasil, onde serviu entre 1925 e 1933, consta 14 de maio de 1909.
Arthur Bispo do Rosário (1911-1989),* artista de origem humilde, negro, jamais recebeu instrução formal em artes. Serviu à Marinha, foi pugilista, empregado doméstico e funcionário da Light & Power, em uma vida marcada por constantes internações em hospitais psiquiátricos. A primeira ocorreu em 1938, quando foi enviado ao Hospital dos Alienados no Rio de Janeiro classificado como portador de “esquizofrenia paranoide”. A partir daí seguiram-se diversas outras, na Colônia Juliano Moreira e também no Hospital Psiquiátrico do Engenho de Dentro. Ao longo desses períodos de confinamento produziu um conjunto imenso, composto por mais de 500 “obras”, termo colocado entre aspas. Bispo jamais se viu como artista. Acreditava que cumpria uma missão divina que o compelia a classificar todas as coisas do mundo. Para tanto dispunha dos parcos meios que podia acessar em sua limitada condição de vida, ou seja, objetos de uso cotidiano como lençóis, toalhas, roupas, latas, espelhos etc. Os uniformes dos internos eram desfeitos para assim obter as linhas com que bordaria estandartes, mantos, capas e jaquetas. Essas produções visavam compor um “inventário total do mundo”. Bordar, para Bispo, era uma maneira de afirmar sua singularidade diante de um contexto pautado pela padronização, pela eliminação
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consciência crítica aguda sobre o modo com que as relações imperialistas, especialmente entre as Américas do Norte e do Sul, impunham-se sobre o Brasil. E é justamente nos Estados Unidos, mais precisamente
TransbordaMentos: usos do bordado Na arte conteMporânea brAsileirA
no consulado brasileiro em Nova York, que Zuzu Angel (1921-1976) realizou, em 1971, um desfile-protesto (Figura 5). A célebre estilista brasileira bordou armas, tanques, homens fardados, pássaros engaiolados, bombas etc. nos vestidos de sua autoria como um meio de exigir das autoridades uma resposta sobre a prisão e morte de seu filho, motivada por seu posicionamento político. Finalmente, no imprescindível vídeo
O segundo módulo apresenta um panorama indicativo da excelência
Marca registrada (1975), Letícia Parente (1930-1991) borda na planta do
que caracteriza o uso do bordado em uma parte da produção artística
próprio pé a expressão “Made in Brazil” (Figura 6). O corpo é tornado
contemporânea, especialmente brasileira. A partir de finais dos anos 1980,
coisa, coisa produzida num lugar específico, num país específico; corpo
esse processo adquire uma vitalidade extraordinária. Por quê?
marcado como mercadoria patenteada, numa obra que permite diversas interpretações sobre violências políticas, simbólicas e de gênero. O que todas essas obras evidenciam é que o uso político do bordado na América Latina foi profundo e denso, embora com conotações relativamente distintas daquelas que estimularam a produção feminista que se desenvolveu nos países “centrais”. Ditadura e imperialismo parecem ter constituído as agendas mais urgentes para os artistas do sul.
A curadora Lisette Lagnado menciona o “efeito Bispo” (Lagnado, 1998). *
Segundo registros da Light, onde Bispo trabalhou entre 1933 e 1937, sua data de nascimento é 16 de março de 1911. Nos registros da Marinha de Guerra do Brasil, onde serviu entre 1925 e 1933, consta 14 de maio de 1909.
Arthur Bispo do Rosário (1911-1989),* artista de origem humilde, negro, jamais recebeu instrução formal em artes. Serviu à Marinha, foi pugilista, empregado doméstico e funcionário da Light & Power, em uma vida marcada por constantes internações em hospitais psiquiátricos. A primeira ocorreu em 1938, quando foi enviado ao Hospital dos Alienados no Rio de Janeiro classificado como portador de “esquizofrenia paranoide”. A partir daí seguiram-se diversas outras, na Colônia Juliano Moreira e também no Hospital Psiquiátrico do Engenho de Dentro. Ao longo desses períodos de confinamento produziu um conjunto imenso, composto por mais de 500 “obras”, termo colocado entre aspas. Bispo jamais se viu como artista. Acreditava que cumpria uma missão divina que o compelia a classificar todas as coisas do mundo. Para tanto dispunha dos parcos meios que podia acessar em sua limitada condição de vida, ou seja, objetos de uso cotidiano como lençóis, toalhas, roupas, latas, espelhos etc. Os uniformes dos internos eram desfeitos para assim obter as linhas com que bordaria estandartes, mantos, capas e jaquetas. Essas produções visavam compor um “inventário total do mundo”. Bordar, para Bispo, era uma maneira de afirmar sua singularidade diante de um contexto pautado pela padronização, pela eliminação
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da própria condição de sujeito (Cabañas, 2018, p. 72). O bordado era, portanto, um meio para realizar um projeto não propriamente artístico, ainda que profundamente estético (Figura 7). Embora Bispo nunca tenha mirado o sistema artístico, até porque estava às suas margens, foi por ele incorporado de forma vertiginosa. Esse processo começou em 1982, quando o crítico Frederico Morais exibiu algumas peças no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.* Logo após sua morte, em 1989, Morais organizou na Escola de Artes Visuais, no Rio de Janeiro, uma exibição com 500 objetos realizados
*
A exposição chamava-se À Margem da Vida (ver: Morais, 2013).
por ele, e finalmente, em 1993, uma individual do “artista” no MAM da mesma cidade. Embora a incorporação de Bispo ao sistema das artes seja algo controverso, uma coisa é incontestável: essas exibições de suas obras impactaram uma geração de artistas que emergia entre finais dos anos 1980 e inícios da década seguinte. A originalidade de seus trabalhos, as perguntas que colocava sobre categorias estabelecidas, como as de autor/obra/intenção e, claro, a expressividade de seus bordados, não passaram despercebidas por nomes como Leonilson (1957-1993), autor de uma obra poética tão delicada quanto impressionante, cuja carreira foi interrompida pela morte prematura. Ou ainda Lia Menna Barreto (1959), que revolucionou a prática do bordar utilizando bonecos derretidos, desconstruídos, numa produção autoral única e fortemente expressiva (Figura 8). E talvez pudéssemos mesmo pensar em ecos desse processo na produção de Edith Derdyk (1955), que faz da linha seu instrumento principal, uma obra que se constrói no próprio fazer, em um diálogo potente entre a matéria e o espaço. As questões fomentadas pelo “efeito Bispo” continuam inspiradoras, como bem demonstra a série "Odete" (2019) em que a exinterna da Colônia Juliano Moreira, instituição psiquiátrica tradicional, é figurada por fotografias bordadas, de um modo sensível e humanizador pelas mãos de Pola Fernandez (Figura 9). Durante os anos 1990 diversos(as) outros(as) artistas experimentaram materiais como linhas, costuras e tecidos em suas 18
7 Arthur Bispo do Rosário. Navios de guerra, s.d. Costura, bordado e escrita, 141 × 142 × 5 cm. Coleção Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. foto Rafael Adorján
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da própria condição de sujeito (Cabañas, 2018, p. 72). O bordado era, portanto, um meio para realizar um projeto não propriamente artístico, ainda que profundamente estético (Figura 7). Embora Bispo nunca tenha mirado o sistema artístico, até porque estava às suas margens, foi por ele incorporado de forma vertiginosa. Esse processo começou em 1982, quando o crítico Frederico Morais exibiu algumas peças no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.* Logo após sua morte, em 1989, Morais organizou na Escola de Artes Visuais, no Rio de Janeiro, uma exibição com 500 objetos realizados
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A exposição chamava-se À Margem da Vida (ver: Morais, 2013).
por ele, e finalmente, em 1993, uma individual do “artista” no MAM da mesma cidade. Embora a incorporação de Bispo ao sistema das artes seja algo controverso, uma coisa é incontestável: essas exibições de suas obras impactaram uma geração de artistas que emergia entre finais dos anos 1980 e inícios da década seguinte. A originalidade de seus trabalhos, as perguntas que colocava sobre categorias estabelecidas, como as de autor/obra/intenção e, claro, a expressividade de seus bordados, não passaram despercebidas por nomes como Leonilson (1957-1993), autor de uma obra poética tão delicada quanto impressionante, cuja carreira foi interrompida pela morte prematura. Ou ainda Lia Menna Barreto (1959), que revolucionou a prática do bordar utilizando bonecos derretidos, desconstruídos, numa produção autoral única e fortemente expressiva (Figura 8). E talvez pudéssemos mesmo pensar em ecos desse processo na produção de Edith Derdyk (1955), que faz da linha seu instrumento principal, uma obra que se constrói no próprio fazer, em um diálogo potente entre a matéria e o espaço. As questões fomentadas pelo “efeito Bispo” continuam inspiradoras, como bem demonstra a série "Odete" (2019) em que a exinterna da Colônia Juliano Moreira, instituição psiquiátrica tradicional, é figurada por fotografias bordadas, de um modo sensível e humanizador pelas mãos de Pola Fernandez (Figura 9). Durante os anos 1990 diversos(as) outros(as) artistas experimentaram materiais como linhas, costuras e tecidos em suas 18
7 Arthur Bispo do Rosário. Navios de guerra, s.d. Costura, bordado e escrita, 141 × 142 × 5 cm. Coleção Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. foto Rafael Adorján
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8 Lia Menna Barreto. Pintura de Taiwan, 2003. Plásticos derretidos e bordados, 150 × 312 cm. Coleção e foto Galeria Bolsa de Arte
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8 Lia Menna Barreto. Pintura de Taiwan, 2003. Plásticos derretidos e bordados, 150 × 312 cm. Coleção e foto Galeria Bolsa de Arte
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obras. O historiador da arte e curador Tadeu Chiarelli percebe neles(as) uma “inteligência artesanal” que, a seu ver, procura recuperar certa tradição local, expressa em materialidades como cestaria, tecelagem e bordados para fincar uma posição específica da arte brasileira diante de um contexto internacional. Diz ele: “Em vez de enrolar, vincar, torcer, cortar, esses artistas vêm costurando, bordando, ligando, colocando dobradiças entre a visualidade não erudita brasileira
9 Pola Fernandez. Sem título, série “Odete“, 2019. Bordado sobre fotografia, 100 × 100 cm. Coleção e foto da artista
22
10 Rosana Paulino. Sem título, série “Bastidores“, 1997. Imagem transferida sobre tecido e bordado, Ø 30 cm. Coleção Fernando Abdala. foto Cortesia da artista
11 Rosana Palazyan. †M, 1997. Bordado e sangue sobre travesseiro de cetim, 50 × 65 × 15 cm. *Baseado em uma história real, Rio de Janeiro (1996) e no conto Cinderela. Coleção Eduardo Leme. foto Vicente de Mello
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obras. O historiador da arte e curador Tadeu Chiarelli percebe neles(as) uma “inteligência artesanal” que, a seu ver, procura recuperar certa tradição local, expressa em materialidades como cestaria, tecelagem e bordados para fincar uma posição específica da arte brasileira diante de um contexto internacional. Diz ele: “Em vez de enrolar, vincar, torcer, cortar, esses artistas vêm costurando, bordando, ligando, colocando dobradiças entre a visualidade não erudita brasileira
9 Pola Fernandez. Sem título, série “Odete“, 2019. Bordado sobre fotografia, 100 × 100 cm. Coleção e foto da artista
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10 Rosana Paulino. Sem título, série “Bastidores“, 1997. Imagem transferida sobre tecido e bordado, Ø 30 cm. Coleção Fernando Abdala. foto Cortesia da artista
11 Rosana Palazyan. †M, 1997. Bordado e sangue sobre travesseiro de cetim, 50 × 65 × 15 cm. *Baseado em uma história real, Rio de Janeiro (1996) e no conto Cinderela. Coleção Eduardo Leme. foto Vicente de Mello
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12 Pedro Luis. O nosso amor sempre existiu, série “trabalhos autobiográficos com a memória alheia”, 2014. Bordados sobre fotografias antigas, 27,5 × 34 cm. Coleção Marcos Paulo e César Conrado. foto Marcos Paulo da Silva
e algumas das grandes questões da arte internacional das últimas décadas” (Chiarelli, 2002, p. 127). Essas “dobraduras” que amarram tradições (eruditas e populares; nacionais e internacionais), que costuram memórias coletivas e individuais atravessadas por questões de raça e gênero constitutivas da história do nosso país, podem ser lidas nas obras de Niobe Xandó (1915-2010), Sonia Gomes, Janaina Barros, Ju Bernardo (Jucélia da Silva) e também em Rosana Paulino (Figura 10). Seu bastidor desdobra-se em novas interseções, entre o belo e o abjeto, entre delicadeza e agressividade, entre ornamento e violência. Essas oposições são ultrapassadas, justamente quando costuradas, nas obras de Nazareth Pacheco, Rosana Palazyan (Figura 11), Beth Moysés, Brígida Baltar, Nara Amélia e Jeanete Musatti. Nelas os materiais nos seduzem pelo brilho dos tecidos, dos metais, das miçangas, das pérolas e das rendas, ou pelo bordado cuidadosamente elaborado. A sedução da matéria é um convite para um olhar mais detido... e então deparamos com discursos potentes, dilacerantes, sobre as insidiosas faces dos muitos tipos de violência que existem, tantas vezes acobertados, escondidos. Nesses trabalhos a beleza plástica tem o poder de estampar o abjeto que está nas práticas sociais. Nas mãos de Rodrigo Mogiz, Rick Rodrigues, Fábio Carvalho, Nazareno Rodrigues, Fernando Marques Penteado, Rodrigo Lopes, Pedro Luis, Nino Cais e Paulo Lima Buenoz o bordado torna-se uma prática que transgride atributos de gênero naturalizados na história da arte (Figura 12). O ato de bordar, em mãos masculinas, é em si transgressor. Ele contesta, como vimos no início deste texto, uma longa história que feminilizou, domesticou e inferiorizou o bordado (Parker, 1996). Os atos se materializam em resultados diversos em escala, técnica e dimensão. Mas cada um desses trabalhos, em sua unicidade, é um convite para refletir sobre estereótipos de masculinidade que nos circundam, tão naturalizados, tão inabaláveis. Nessas obras, a crítica social, estética, moral muitas vezes é alcançada por meio de uma fina ironia.
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12 Pedro Luis. O nosso amor sempre existiu, série “trabalhos autobiográficos com a memória alheia”, 2014. Bordados sobre fotografias antigas, 27,5 × 34 cm. Coleção Marcos Paulo e César Conrado. foto Marcos Paulo da Silva
e algumas das grandes questões da arte internacional das últimas décadas” (Chiarelli, 2002, p. 127). Essas “dobraduras” que amarram tradições (eruditas e populares; nacionais e internacionais), que costuram memórias coletivas e individuais atravessadas por questões de raça e gênero constitutivas da história do nosso país, podem ser lidas nas obras de Niobe Xandó (1915-2010), Sonia Gomes, Janaina Barros, Ju Bernardo (Jucélia da Silva) e também em Rosana Paulino (Figura 10). Seu bastidor desdobra-se em novas interseções, entre o belo e o abjeto, entre delicadeza e agressividade, entre ornamento e violência. Essas oposições são ultrapassadas, justamente quando costuradas, nas obras de Nazareth Pacheco, Rosana Palazyan (Figura 11), Beth Moysés, Brígida Baltar, Nara Amélia e Jeanete Musatti. Nelas os materiais nos seduzem pelo brilho dos tecidos, dos metais, das miçangas, das pérolas e das rendas, ou pelo bordado cuidadosamente elaborado. A sedução da matéria é um convite para um olhar mais detido... e então deparamos com discursos potentes, dilacerantes, sobre as insidiosas faces dos muitos tipos de violência que existem, tantas vezes acobertados, escondidos. Nesses trabalhos a beleza plástica tem o poder de estampar o abjeto que está nas práticas sociais. Nas mãos de Rodrigo Mogiz, Rick Rodrigues, Fábio Carvalho, Nazareno Rodrigues, Fernando Marques Penteado, Rodrigo Lopes, Pedro Luis, Nino Cais e Paulo Lima Buenoz o bordado torna-se uma prática que transgride atributos de gênero naturalizados na história da arte (Figura 12). O ato de bordar, em mãos masculinas, é em si transgressor. Ele contesta, como vimos no início deste texto, uma longa história que feminilizou, domesticou e inferiorizou o bordado (Parker, 1996). Os atos se materializam em resultados diversos em escala, técnica e dimensão. Mas cada um desses trabalhos, em sua unicidade, é um convite para refletir sobre estereótipos de masculinidade que nos circundam, tão naturalizados, tão inabaláveis. Nessas obras, a crítica social, estética, moral muitas vezes é alcançada por meio de uma fina ironia.
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Questionar a feminilidade “natural” do bordado é um mote geral à exposição, devedor das reflexões promovidas pelo feminismo e seus impactos no mundo da arte. As obras de Angela Od, Ana Miguel, Teresa Margolles, Rosângela Rennó, Sol Casal, Caroline Valansi e Karen Dolorez nos convidam, por meio de soluções muito diversas entre si, a repensar tais questões (Figura 13).* Elas explodem a própria ideia de um sujeito feminino único, estável, conformado às expectativas sociais. Suas produções transgridem ainda limites e fronteiras entre as tipologias (Fotografia? Vídeo? Instalação? Escultura? Performance? Bordado?). A escala de alguns desses trabalhos extrapola até mesmo o espaço expositivo dos museus, levando o bordado às ruas. Esse caráter “artivista” desafia de modo evidente qualquer mitologia associada à docilidade, feminilidade
*
Também seria possível incluir aqui trabalhos anteriormente mencionados, como os de Beth Moysés, Regina Vater, Rosana Paulino e Letícia Parente, entre outros.
13 Karen Dolorez. A traição da arte, 2020. Crochê sobre tela instalado sobre parede, 250 × 200 cm. Coleção e foto da artista
e domesticidade “natural” do ato de bordar. A partir de poéticas e técnicas diversas, esses(as) artistas e suas obras aqui reunidos mostram o quanto o bordado, antes um meio visto como dócil e docilizador, foi apropriado, politizado, desestabilizado. O bordado transbordou as hierarquias, identidades e fronteiras que lhe foram impostas histórica e socialmente.
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REFERÊNCIAS BONNET, Marie-Jo. Les Femmes Artistes dans les Avant-Gardes. Paris: Odile Jacob, 2006. BOWLT, John; DRUTT, Matthew. Amazons of the Avant-Garde. New York: Guggenheim Museum, 2000. BROUDE, Norma. Miriam Schapiro and ‘Femmage’: Reflections on the Conflict Between Decoration and Abstraction in Twentieth-Century Art. In: BROUDE, Norma; GARRARD, Mary (ed.). Feminism and History of Art: Questioning the Litany. New York: Harper & Row, 1982. CABAÑAS, Kaira. A contemporaneidade de Bispo. Ars, São Paulo, ano 16, n. 32, 2018. CALLEN, Anthea. Women Artists of the Arts and Crafts Movement, 1870–1914. New York: Pantheon Books, 1979. CHIARELLI, Tadeu. Arte internacional brasileira. São Paulo: Lemos, 2002. GOLDSTEIN, Carl. Teaching Art: Academies and Schools from Vasari to Albers. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.
LAGNADO, Lisette. Leonilson: são tantas verdades. São Paulo: DBA: Melhoramentos, 1998. MORAIS, Frederico. Arthur Bispo do Rosário: arte além da loucura. Rio de Janeiro: NAU Livre Galeria, 2013. PARKER, Rozsika. The Subversive Stitch: Embroidery and the Making of the Feminine. London: Women’s Press, 1996. PLANTÉ, Isabel. Las “tapisseries chiliennes” de Violeta Parra entre lo vernáculo y lo internacional. Artelogie (en ligne), n. 13, 2019, mis en ligne le 7 janv. 2019. Disponível em: https://journals. openedition.org/artelogie/2923. SCHAPIRO, Roberta; HEINICH, Nathalie. Quando há artificação? Sociedade e Estado, v. 28, n. 1, jan./abr. 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/ scielo.php?script=sci_arttext&pid= S0102-69922013000100002.
SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti. Bordado e transgressão: questões de gênero na arte de Rosana Paulino e Rosana Palazyan. Revista Proa, v. 1, n. 2, 2010. Disponível em: http://www.ifch.unicamp.br/proa. SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti. Regina Gomide Graz: Modernismo, arte têxtil e relações de gênero no Brasil. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, v. 45, p. 87-106, 2007. TRIZOLI, Talita. Atravessamentos feministas: um panorama de mulheres artistas no Brasil dos anos 60/70. 2018. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2018. TVARDOVSKAS, Luana Saturnino. Dramatização dos corpos: arte contemporânea e crítica feminista no Brasil e na Argentina. São Paulo: Intermeios, 2015. v. 1. WELTGE, Sigrid Wortmann. Women’s Work: Textile Art From the Bauhaus. London: Thames and Hudson, 1993.
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Questionar a feminilidade “natural” do bordado é um mote geral à exposição, devedor das reflexões promovidas pelo feminismo e seus impactos no mundo da arte. As obras de Angela Od, Ana Miguel, Teresa Margolles, Rosângela Rennó, Sol Casal, Caroline Valansi e Karen Dolorez nos convidam, por meio de soluções muito diversas entre si, a repensar tais questões (Figura 13).* Elas explodem a própria ideia de um sujeito feminino único, estável, conformado às expectativas sociais. Suas produções transgridem ainda limites e fronteiras entre as tipologias (Fotografia? Vídeo? Instalação? Escultura? Performance? Bordado?). A escala de alguns desses trabalhos extrapola até mesmo o espaço expositivo dos museus, levando o bordado às ruas. Esse caráter “artivista” desafia de modo evidente qualquer mitologia associada à docilidade, feminilidade
*
Também seria possível incluir aqui trabalhos anteriormente mencionados, como os de Beth Moysés, Regina Vater, Rosana Paulino e Letícia Parente, entre outros.
13 Karen Dolorez. A traição da arte, 2020. Crochê sobre tela instalado sobre parede, 250 × 200 cm. Coleção e foto da artista
e domesticidade “natural” do ato de bordar. A partir de poéticas e técnicas diversas, esses(as) artistas e suas obras aqui reunidos mostram o quanto o bordado, antes um meio visto como dócil e docilizador, foi apropriado, politizado, desestabilizado. O bordado transbordou as hierarquias, identidades e fronteiras que lhe foram impostas histórica e socialmente.
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REFERÊNCIAS BONNET, Marie-Jo. Les Femmes Artistes dans les Avant-Gardes. Paris: Odile Jacob, 2006. BOWLT, John; DRUTT, Matthew. Amazons of the Avant-Garde. New York: Guggenheim Museum, 2000. BROUDE, Norma. Miriam Schapiro and ‘Femmage’: Reflections on the Conflict Between Decoration and Abstraction in Twentieth-Century Art. In: BROUDE, Norma; GARRARD, Mary (ed.). Feminism and History of Art: Questioning the Litany. New York: Harper & Row, 1982. CABAÑAS, Kaira. A contemporaneidade de Bispo. Ars, São Paulo, ano 16, n. 32, 2018. CALLEN, Anthea. Women Artists of the Arts and Crafts Movement, 1870–1914. New York: Pantheon Books, 1979. CHIARELLI, Tadeu. Arte internacional brasileira. São Paulo: Lemos, 2002. GOLDSTEIN, Carl. Teaching Art: Academies and Schools from Vasari to Albers. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.
LAGNADO, Lisette. Leonilson: são tantas verdades. São Paulo: DBA: Melhoramentos, 1998. MORAIS, Frederico. Arthur Bispo do Rosário: arte além da loucura. Rio de Janeiro: NAU Livre Galeria, 2013. PARKER, Rozsika. The Subversive Stitch: Embroidery and the Making of the Feminine. London: Women’s Press, 1996. PLANTÉ, Isabel. Las “tapisseries chiliennes” de Violeta Parra entre lo vernáculo y lo internacional. Artelogie (en ligne), n. 13, 2019, mis en ligne le 7 janv. 2019. Disponível em: https://journals. openedition.org/artelogie/2923. SCHAPIRO, Roberta; HEINICH, Nathalie. Quando há artificação? Sociedade e Estado, v. 28, n. 1, jan./abr. 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/ scielo.php?script=sci_arttext&pid= S0102-69922013000100002.
SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti. Bordado e transgressão: questões de gênero na arte de Rosana Paulino e Rosana Palazyan. Revista Proa, v. 1, n. 2, 2010. Disponível em: http://www.ifch.unicamp.br/proa. SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti. Regina Gomide Graz: Modernismo, arte têxtil e relações de gênero no Brasil. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, v. 45, p. 87-106, 2007. TRIZOLI, Talita. Atravessamentos feministas: um panorama de mulheres artistas no Brasil dos anos 60/70. 2018. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2018. TVARDOVSKAS, Luana Saturnino. Dramatização dos corpos: arte contemporânea e crítica feminista no Brasil e na Argentina. São Paulo: Intermeios, 2015. v. 1. WELTGE, Sigrid Wortmann. Women’s Work: Textile Art From the Bauhaus. London: Thames and Hudson, 1993.
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CoSTURANdo seNtidos: o Uso de bordAdos e CosTuRAs Na DisCUssão de GêNero e etNia eM uMA poétiCa CoNteMPoRâNeA RosANA PAuLiNo
rosAnA pAuLino
(São Paulo, 1967) Doutora em Artes Visuais e bacharel em Gravura pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), é especialista em gravura pelo London Print Studio. Em 2014 foi agraciada com a bolsa para residência no Bellagio Center da Fundação Rockefeller. Seus trabalhos focam principalmente na posição da mulher negra na sociedade brasileira e os diversos tipos de violência sofridos por essa população decorrentes do racismo e das marcas da escravidão. Suas obras estão em acervos como MASP, Pinacoteca e University of New Mexico Art Museum (EUA), entre outros importantes museus, além da constante participação em diversas exposições nacionais e internacionais.
A escolha dos materiais que constituirão um trabalho plástico ou mesmo uma poética – entendida aqui como o corpo de trabalhos que compõem a obra de um artista – pode ser, e frequentemente é, influenciada pelos materiais que ele ou ela escolheu para sua obra. A escolha de determinado material traz em si vários significados. A artista franco-americana Louise Bourgeois (1911-2010) em seu livro Destruição do pai, reconstrução do pai destaca que “Você não faz escultura porque gosta de madeira. Isso é absurdo. Você faz escultura porque a madeira lhe permite expressar algo que outro material não permite” (Bourgeois, 2000, p. 161). Ao escolher, portanto, determinado material e não outro o autor da obra, seja ela pintura, escultura, instalação etc., não faz uma escolha aleatória. Faz, sim, uma escolha na qual já estão em grande parte implícitas as questões que serão discutidas em sua obra. Pretendo, assim, justificar como essas escolhas são essenciais para a construção da minha poética. Em outras palavras, como o material e a técnica escolhidos por mim têm sido utilizados para destacar determinado conjunto de ideias que estão no cerne do meu trabalho.
TécNicAs e MatériAs: Arte eRuditA O Arte Não eruditA Ao refletirmos sobre os elementos que constituem uma obra de arte, devemos ter em mente que alguns materiais e processos foram historicamente associados à construção artística, sendo considerados como elementos “nobres” ou “artísticos”, ao passo que outros foram relegados à esfera do artesanato. Ao compreendermos essa distinção estaremos não só observando um dado histórico, mas entendendo como esses recursos, dentre outros fatores, têm sido utilizados para eleger o que é arte, determinando assim o que é de domínio de um grupo de elite, muitas vezes
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CoSTURANdo seNtidos: o Uso de bordAdos e CosTuRAs Na DisCUssão de GêNero e etNia eM uMA poétiCa CoNteMPoRâNeA RosANA PAuLiNo
rosAnA pAuLino
(São Paulo, 1967) Doutora em Artes Visuais e bacharel em Gravura pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), é especialista em gravura pelo London Print Studio. Em 2014 foi agraciada com a bolsa para residência no Bellagio Center da Fundação Rockefeller. Seus trabalhos focam principalmente na posição da mulher negra na sociedade brasileira e os diversos tipos de violência sofridos por essa população decorrentes do racismo e das marcas da escravidão. Suas obras estão em acervos como MASP, Pinacoteca e University of New Mexico Art Museum (EUA), entre outros importantes museus, além da constante participação em diversas exposições nacionais e internacionais.
A escolha dos materiais que constituirão um trabalho plástico ou mesmo uma poética – entendida aqui como o corpo de trabalhos que compõem a obra de um artista – pode ser, e frequentemente é, influenciada pelos materiais que ele ou ela escolheu para sua obra. A escolha de determinado material traz em si vários significados. A artista franco-americana Louise Bourgeois (1911-2010) em seu livro Destruição do pai, reconstrução do pai destaca que “Você não faz escultura porque gosta de madeira. Isso é absurdo. Você faz escultura porque a madeira lhe permite expressar algo que outro material não permite” (Bourgeois, 2000, p. 161). Ao escolher, portanto, determinado material e não outro o autor da obra, seja ela pintura, escultura, instalação etc., não faz uma escolha aleatória. Faz, sim, uma escolha na qual já estão em grande parte implícitas as questões que serão discutidas em sua obra. Pretendo, assim, justificar como essas escolhas são essenciais para a construção da minha poética. Em outras palavras, como o material e a técnica escolhidos por mim têm sido utilizados para destacar determinado conjunto de ideias que estão no cerne do meu trabalho.
TécNicAs e MatériAs: Arte eRuditA O Arte Não eruditA Ao refletirmos sobre os elementos que constituem uma obra de arte, devemos ter em mente que alguns materiais e processos foram historicamente associados à construção artística, sendo considerados como elementos “nobres” ou “artísticos”, ao passo que outros foram relegados à esfera do artesanato. Ao compreendermos essa distinção estaremos não só observando um dado histórico, mas entendendo como esses recursos, dentre outros fatores, têm sido utilizados para eleger o que é arte, determinando assim o que é de domínio de um grupo de elite, muitas vezes
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em detrimento de outros grupos que não se valeram dos códigos dominantes
exemplo, frequentemente utilizados por essas pessoas na manufatura
relacionados a determinadas formas de expressão.
de suas peças de arte, foram muitas vezes, e sem justificativa, relegados
O mesmo ocorre quando procuramos definir o que são ou não práticas
à esfera dos materiais populares, não eruditos, colocando assim tais
artesanais dentro de uma produção artística erudita. A priori, poderíamos
artefatos automaticamente na categoria de artesanato, sem antes analisar as
pensar como prática “artesanal” qualquer uma que faça uso da manualidade.
qualidades intrínsecas presentes em tal produção.
Nesse sentido, uma pintura a óleo ou uma escultura em mármore poderiam ser
A arte contemporânea, entretanto, derrubou essas barreiras, e tais
consideradas artesanais, como de fato são. Porém, algumas práticas, tais como
práticas passaram a ser aceitas como processos artísticos. É necessário, porém,
a pintura, a escultura, o desenho e a gravura, mesmo sendo produtos diretos da
compreender como alguns desses procedimentos passaram a fazer parte do
mão do artista e, portanto, ligados a certa “habilidade manual” ou “artesanal”,
circuito de arte erudito – e mais, o momento em que os artistas perceberam o
adquiriram ao longo do tempo um status muito particular, reservado apenas
seu valor e tomaram partido dessas técnicas para constituir sua poética, dando
às obras de arte. É claro que não basta que um objeto tenha sido confeccionado
a esse tipo de práxis um caráter diferente do que gozava até o momento.
por intermédio de uma dessas técnicas para ser considerado um objeto de arte, porém, o uso de uma delas já constitui, ainda hoje, um primeiro passo para validar tais objetos. O mesmo se pode dizer dos instrumentos frequentemente ligados a essas técnicas, tais como o mármore para a escultura, os diversos tipos
CosTuRAs e boRdAdos
de tinta para a pintura, a chapa de cobre para a gravura e os diferentes materiais específicos do desenho, como o carvão ou fusain, por exemplo. Embora alguns autores destaquem o caráter artesanal que um objeto de arte
A inserção de materiais novos, ou que tradicionalmente não fazem parte do corpo da arte, é tarefa que demanda tempo. Tempo para a aceitação dessa
possa ter em sua fatura, como Tadeu Chiarelli no texto de abertura de seu livro
produção, que num primeiro momento certamente irá chocar os mais
Arte internacional brasileira (Chiarelli, 1999, p. 18-23), considero neste texto que
tradicionalistas e levantará discussões sobre o que está sendo apresentado,
o vocábulo “artesanato” ou “artesanal” refere-se às práticas mais distantes de
se aquilo merece ou não a classificação de arte.
uma produção de arte considerada erudita, ou seja, daquelas que se valem das
Outra dificuldade em relação a essa mudança diz respeito ao fato de que
técnicas e materiais já citados, acrescidos das novas mídias tecnológicas, como o
cada material traz em si desafios intrínsecos à sua natureza e que dizem
vídeo ou a web art. “Artesanal ou artesanato”, no contexto por mim designado,
respeito à maneira como ele deverá ser pensado, elaborado e manufaturado
refere-se a práticas como bordado, costura ou arranjos com contas, entre outras,
para que o artista obtenha um resultado final compatível com as questões
bem como ao uso de “materiais artesanais” ou “materiais próprios para o
que procurou levantar em seu trabalho.
artesanato”, tais como linhas de bordado, agulhas, contas, papel machê etc. Grupos tradicionalmente excluídos na sociedade ocidental, tais como
Bordado e, principalmente, costura ascendem ao plano da arte internacional em razão de seu uso por pequenos grupos de mulheres
mulheres, negros, indígenas e alienados, muitas vezes utilizaram-se, na
artistas, notadamente nos Estados Unidos. Dentre essas artistas vale destacar
construção de seus objetos, de materiais característicos e que via de regra não
a influência de Eva Hesse (1936-1970), que ao inserir em sua produção
eram reconhecidos por um “circuito erudito”, circuito este formado por museus
materiais mais leves e flexíveis tais como fibra de vidro, borracha, cordas,
de arte, colecionadores, galerias, bienais etc. Bordados, cestaria e contas, por
linhas e tecidos, acabou por chamar a atenção de artistas e apreciadores para
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em detrimento de outros grupos que não se valeram dos códigos dominantes
exemplo, frequentemente utilizados por essas pessoas na manufatura
relacionados a determinadas formas de expressão.
de suas peças de arte, foram muitas vezes, e sem justificativa, relegados
O mesmo ocorre quando procuramos definir o que são ou não práticas
à esfera dos materiais populares, não eruditos, colocando assim tais
artesanais dentro de uma produção artística erudita. A priori, poderíamos
artefatos automaticamente na categoria de artesanato, sem antes analisar as
pensar como prática “artesanal” qualquer uma que faça uso da manualidade.
qualidades intrínsecas presentes em tal produção.
Nesse sentido, uma pintura a óleo ou uma escultura em mármore poderiam ser
A arte contemporânea, entretanto, derrubou essas barreiras, e tais
consideradas artesanais, como de fato são. Porém, algumas práticas, tais como
práticas passaram a ser aceitas como processos artísticos. É necessário, porém,
a pintura, a escultura, o desenho e a gravura, mesmo sendo produtos diretos da
compreender como alguns desses procedimentos passaram a fazer parte do
mão do artista e, portanto, ligados a certa “habilidade manual” ou “artesanal”,
circuito de arte erudito – e mais, o momento em que os artistas perceberam o
adquiriram ao longo do tempo um status muito particular, reservado apenas
seu valor e tomaram partido dessas técnicas para constituir sua poética, dando
às obras de arte. É claro que não basta que um objeto tenha sido confeccionado
a esse tipo de práxis um caráter diferente do que gozava até o momento.
por intermédio de uma dessas técnicas para ser considerado um objeto de arte, porém, o uso de uma delas já constitui, ainda hoje, um primeiro passo para validar tais objetos. O mesmo se pode dizer dos instrumentos frequentemente ligados a essas técnicas, tais como o mármore para a escultura, os diversos tipos
CosTuRAs e boRdAdos
de tinta para a pintura, a chapa de cobre para a gravura e os diferentes materiais específicos do desenho, como o carvão ou fusain, por exemplo. Embora alguns autores destaquem o caráter artesanal que um objeto de arte
A inserção de materiais novos, ou que tradicionalmente não fazem parte do corpo da arte, é tarefa que demanda tempo. Tempo para a aceitação dessa
possa ter em sua fatura, como Tadeu Chiarelli no texto de abertura de seu livro
produção, que num primeiro momento certamente irá chocar os mais
Arte internacional brasileira (Chiarelli, 1999, p. 18-23), considero neste texto que
tradicionalistas e levantará discussões sobre o que está sendo apresentado,
o vocábulo “artesanato” ou “artesanal” refere-se às práticas mais distantes de
se aquilo merece ou não a classificação de arte.
uma produção de arte considerada erudita, ou seja, daquelas que se valem das
Outra dificuldade em relação a essa mudança diz respeito ao fato de que
técnicas e materiais já citados, acrescidos das novas mídias tecnológicas, como o
cada material traz em si desafios intrínsecos à sua natureza e que dizem
vídeo ou a web art. “Artesanal ou artesanato”, no contexto por mim designado,
respeito à maneira como ele deverá ser pensado, elaborado e manufaturado
refere-se a práticas como bordado, costura ou arranjos com contas, entre outras,
para que o artista obtenha um resultado final compatível com as questões
bem como ao uso de “materiais artesanais” ou “materiais próprios para o
que procurou levantar em seu trabalho.
artesanato”, tais como linhas de bordado, agulhas, contas, papel machê etc. Grupos tradicionalmente excluídos na sociedade ocidental, tais como
Bordado e, principalmente, costura ascendem ao plano da arte internacional em razão de seu uso por pequenos grupos de mulheres
mulheres, negros, indígenas e alienados, muitas vezes utilizaram-se, na
artistas, notadamente nos Estados Unidos. Dentre essas artistas vale destacar
construção de seus objetos, de materiais característicos e que via de regra não
a influência de Eva Hesse (1936-1970), que ao inserir em sua produção
eram reconhecidos por um “circuito erudito”, circuito este formado por museus
materiais mais leves e flexíveis tais como fibra de vidro, borracha, cordas,
de arte, colecionadores, galerias, bienais etc. Bordados, cestaria e contas, por
linhas e tecidos, acabou por chamar a atenção de artistas e apreciadores para
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o uso de materiais com qualidades orgânicas, ou que remetessem
entretanto, aumenta a violência e a dor da condição humana
a ambientes domésticos e femininos.
expressas nessa obra. Verdadeiro Frankenstein formado por
Porém, é principalmente com Louise Bourgeois que o uso
retalhos, parece mostrar aos seres que vivem o momento atual
de materiais artesanais, antes alheios ao circuito erudito, irá
os rebotalhos em que nos transformamos ao aderirmos a um
despertar olhares e se consolidar como um caminho viável para
modo de vida de uma sociedade onde falta tempo, afetividade,
a pesquisa artística. Valendo-se da costura, entre outras práticas,
sentimento de pertença ao grupo e harmonia, ou seja, tudo
Bourgeois montou seu universo feminino, onde o ato de coser é
aquilo que o ato de costurar ressalta. Esses sentimentos
em si tão importante como seu resultado. Essa conjunção entre
positivos, entretanto, em razão da técnica e dos materiais
sentidos buscados e uso dos materiais fica mais compreensível
escolhidos pela artista para exprimir-se, passam por uma
quando sabemos um pouco mais da origem da artista. Os pais
transformação, tornando-se assim o negativo das qualidades
de Louise eram proprietários de uma oficina de restauro de tapeçarias antigas, e sua mãe era extremamente hábil no manejo de linhas e agulhas. Quando criança, Louise passou horas a observar os trabalhos ali realizados e mais tarde foi encarregada pelo pai de desenhar as partes avariadas – pés, mãos etc. – que faltavam nessas peças, além de criar os cartões para o reparo que se daria posteriormente. Tal conjunção de arte e vida prenuncia um valor muito
1 Arthur Bispo do Rosário (fotografia). Coleção Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. foto Hugo Denizart
que a costura deveria ressaltar. “Grito contra o esquecimento”, como queria Bourgeois, essa cabeça parece gritar um pouco por cada um de nós. No Brasil, paradoxalmente, o artista mais importante a produzir valendo-se de tecidos, linhas, costuras e bordados, e em seu caso também sucatas, foi um homem, Arthur Bispo do Rosário (Figura 1). Ele passou 50 dos seus aproximadamente 80 anos de vida – sua data de nascimento é incerta – recolhido
querido aos artistas das gerações pós-modernas: a arte como
num asilo psiquiátrico, e hoje é um nome marcante para
forma de resgatar uma história pessoal, ou ainda, um tipo de arte
a arte contemporânea brasileira. Sua importância para as
mais intimista, em que o artista se coloca como protagonista de
novas gerações de artistas plásticos é incontestável. Bispo,
sua própria história. É a chamada History art, que irá permitir um
que pertenceu a dois segmentos historicamente excluídos
confronto entre uma história particular e a história geral, tirando
pela sociedade brasileira, uma vez que era negro e apresentou
assim o indivíduo do anonimato imposto pela moderna sociedade
durante toda a vida problemas psiquiátricos, bordou ao longo
de consumo. Pelos sentimentos de afetividade, grupo e intimidade
de todo o seu período de internamento. Sem material, serviu-se
que ressaltam, ou pelos sentimentos contrários de corte, de ferir,
do que estava à mão para realizar seus trabalhos. Sua produção
de montar ou desmontar histórias ou situações, os trabalhos de
foi feita sempre em condições precárias. Trabalhou muitas vezes
agulha irão encaixar-se como uma luva nessa nova tendência.
recusando tratamento psiquiátrico ou mesmo a frequência a
A escultura Rejection nos dá um bom exemplo da obra
ateliês de arteterapia. Seu trabalho é só seu, e ele não necessita
de Bourgeois quando a artista adentra o universo da costura
de orientação para realizar sua cosmologia. É ainda um apego às
para comentar a condição humana. A cabeça em desespero
suas raízes, pois na região onde nasceu, o município de Japaratuba,
contrasta com a delicadeza da fatura, domínio feminino, que,
Sergipe, o bordado não é atributo exclusivo das mulheres.
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o uso de materiais com qualidades orgânicas, ou que remetessem
entretanto, aumenta a violência e a dor da condição humana
a ambientes domésticos e femininos.
expressas nessa obra. Verdadeiro Frankenstein formado por
Porém, é principalmente com Louise Bourgeois que o uso
retalhos, parece mostrar aos seres que vivem o momento atual
de materiais artesanais, antes alheios ao circuito erudito, irá
os rebotalhos em que nos transformamos ao aderirmos a um
despertar olhares e se consolidar como um caminho viável para
modo de vida de uma sociedade onde falta tempo, afetividade,
a pesquisa artística. Valendo-se da costura, entre outras práticas,
sentimento de pertença ao grupo e harmonia, ou seja, tudo
Bourgeois montou seu universo feminino, onde o ato de coser é
aquilo que o ato de costurar ressalta. Esses sentimentos
em si tão importante como seu resultado. Essa conjunção entre
positivos, entretanto, em razão da técnica e dos materiais
sentidos buscados e uso dos materiais fica mais compreensível
escolhidos pela artista para exprimir-se, passam por uma
quando sabemos um pouco mais da origem da artista. Os pais
transformação, tornando-se assim o negativo das qualidades
de Louise eram proprietários de uma oficina de restauro de tapeçarias antigas, e sua mãe era extremamente hábil no manejo de linhas e agulhas. Quando criança, Louise passou horas a observar os trabalhos ali realizados e mais tarde foi encarregada pelo pai de desenhar as partes avariadas – pés, mãos etc. – que faltavam nessas peças, além de criar os cartões para o reparo que se daria posteriormente. Tal conjunção de arte e vida prenuncia um valor muito
1 Arthur Bispo do Rosário (fotografia). Coleção Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. foto Hugo Denizart
que a costura deveria ressaltar. “Grito contra o esquecimento”, como queria Bourgeois, essa cabeça parece gritar um pouco por cada um de nós. No Brasil, paradoxalmente, o artista mais importante a produzir valendo-se de tecidos, linhas, costuras e bordados, e em seu caso também sucatas, foi um homem, Arthur Bispo do Rosário (Figura 1). Ele passou 50 dos seus aproximadamente 80 anos de vida – sua data de nascimento é incerta – recolhido
querido aos artistas das gerações pós-modernas: a arte como
num asilo psiquiátrico, e hoje é um nome marcante para
forma de resgatar uma história pessoal, ou ainda, um tipo de arte
a arte contemporânea brasileira. Sua importância para as
mais intimista, em que o artista se coloca como protagonista de
novas gerações de artistas plásticos é incontestável. Bispo,
sua própria história. É a chamada History art, que irá permitir um
que pertenceu a dois segmentos historicamente excluídos
confronto entre uma história particular e a história geral, tirando
pela sociedade brasileira, uma vez que era negro e apresentou
assim o indivíduo do anonimato imposto pela moderna sociedade
durante toda a vida problemas psiquiátricos, bordou ao longo
de consumo. Pelos sentimentos de afetividade, grupo e intimidade
de todo o seu período de internamento. Sem material, serviu-se
que ressaltam, ou pelos sentimentos contrários de corte, de ferir,
do que estava à mão para realizar seus trabalhos. Sua produção
de montar ou desmontar histórias ou situações, os trabalhos de
foi feita sempre em condições precárias. Trabalhou muitas vezes
agulha irão encaixar-se como uma luva nessa nova tendência.
recusando tratamento psiquiátrico ou mesmo a frequência a
A escultura Rejection nos dá um bom exemplo da obra
ateliês de arteterapia. Seu trabalho é só seu, e ele não necessita
de Bourgeois quando a artista adentra o universo da costura
de orientação para realizar sua cosmologia. É ainda um apego às
para comentar a condição humana. A cabeça em desespero
suas raízes, pois na região onde nasceu, o município de Japaratuba,
contrasta com a delicadeza da fatura, domínio feminino, que,
Sergipe, o bordado não é atributo exclusivo das mulheres.
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2 Arthur Bispo do Rosário. Lutas e condecorações, s. d. Costura, bordado e escrita, 84 × 57 × 2 cm. Coleção Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. foto Rafael Adorján
Por meio dos bordados, Bispo organizou seu mundo e deixou um testemunho marcante da sua situação (Figura 2). Sua obra constitui o seu memorial, o registro de sua passagem pelo mundo.
CostUraNdo seNtidos Sempre pensei em arte como um sistema que devesse ser sincero. Devemos observar que na produção de uma poética é importante que o artista, ao invés de aderir a modismos passageiros, procure atender as necessidades profundas que o levaram a investir na produção de um trabalho, evitando assim o risco de tornar-se superficial. O artista deve sempre trabalhar com as coisas que o tocam profundamente. No meu caso, tocaram-me sempre as questões referentes à minha condição de mulher e negra. Olhar no espelho e me localizar em um mundo que muitas vezes se mostra preconceituoso e hostil é um desafio diário. Aceitar as regras impostas por um padrão de beleza ou de comportamento que traz muito de preconceito, velado ou não, ou discutir esses padrões – eis a questão. A escolha e a utilização de objetos do domínio quase exclusivo das mulheres, tais como tecidos e linhas, têm o caráter de reforçar as questões que estão sendo discutidas no trabalho. Nesse sentido, a escolha dessa via em Parede da memória (Figura 3) tem a propriedade de ligar, não apenas simbolicamente, mas também fisicamente, os elementos da família e das origens socioculturais das quais eu derivo. A importância do ato da costura nesse trabalho pode ser verificada no comentário da historiadora da arte Annateresa Fabris, que destaca: Se graças a um processo técnico, Rosana Paulino traz a público uma história familiar forjada, não se pode esquecer que um gesto arquetipicamente feminino é igualmente determinante na conformação de suas relíquias. Ao costurar seus escapulários, a artista
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2 Arthur Bispo do Rosário. Lutas e condecorações, s. d. Costura, bordado e escrita, 84 × 57 × 2 cm. Coleção Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. foto Rafael Adorján
Por meio dos bordados, Bispo organizou seu mundo e deixou um testemunho marcante da sua situação (Figura 2). Sua obra constitui o seu memorial, o registro de sua passagem pelo mundo.
CostUraNdo seNtidos Sempre pensei em arte como um sistema que devesse ser sincero. Devemos observar que na produção de uma poética é importante que o artista, ao invés de aderir a modismos passageiros, procure atender as necessidades profundas que o levaram a investir na produção de um trabalho, evitando assim o risco de tornar-se superficial. O artista deve sempre trabalhar com as coisas que o tocam profundamente. No meu caso, tocaram-me sempre as questões referentes à minha condição de mulher e negra. Olhar no espelho e me localizar em um mundo que muitas vezes se mostra preconceituoso e hostil é um desafio diário. Aceitar as regras impostas por um padrão de beleza ou de comportamento que traz muito de preconceito, velado ou não, ou discutir esses padrões – eis a questão. A escolha e a utilização de objetos do domínio quase exclusivo das mulheres, tais como tecidos e linhas, têm o caráter de reforçar as questões que estão sendo discutidas no trabalho. Nesse sentido, a escolha dessa via em Parede da memória (Figura 3) tem a propriedade de ligar, não apenas simbolicamente, mas também fisicamente, os elementos da família e das origens socioculturais das quais eu derivo. A importância do ato da costura nesse trabalho pode ser verificada no comentário da historiadora da arte Annateresa Fabris, que destaca: Se graças a um processo técnico, Rosana Paulino traz a público uma história familiar forjada, não se pode esquecer que um gesto arquetipicamente feminino é igualmente determinante na conformação de suas relíquias. Ao costurar seus escapulários, a artista
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3 Rosana Paulino. Parede da memória, 1994-2015 (detalhe e página dupla seguinte). Aquarela, manta acrílica e fotocópia sobre papel colado sobre tecido e papel costurados, 173,5 × 724 × 2 cm. Coleção da Pinacoteca do Estado de São Paulo. Doação da Associação Pinacoteca Arte e Cultura – APAC, 2016. foto Isabella Matheus
Sublinhando a origem negra do trabalho, o historiador da arte e curador Nelson Aguilar no catálogo da Mostra do Redescobrimento comenta: Centenas de pequenas almofadas se abrigam entre os cantos da parede e cada uma traz a imagem de uma pessoa da família transferida para o tecido. Um conjunto afro-brasileiro feito de retratos de identidade ou de fotos de criança constitui mural. Vários artistas contemporâneos trabalham assim. Por exemplo, o francês Christian Boltanski. Mas em Rosana a enumeração adquire um outro teor. A reunião subentende o deslocamento dos africanos ao Brasil na condição de escravos. Trata-se de um exorcismo do passado pelo presente. Se há algo de comum entre Boltanski e Rosana é a referência a um destino similar em épocas distintas da história: a deportação. No caso da brasileira, as personagens estão reunidas para uma nova partida, ou seja, elas reveem o passado para compreender o crime de que sua etnia foi vítima. Há um elo espiritual que solda e cria uma solidariedade entre esses rostos “de olhos escancaradamente abertos como os dos retratos de Fayoun, criando um
coloca-os sob o signo de duas configurações distintas: se a reprodução
efeito de vertigem e de mistérios, uma abertura a um mundo secreto e de
infinita remete à série e à indiferenciação, os atos de acumular e de
emoção”, como escreveu o apresentador da exposição O Caminho da Arte
coser reatualizam o arquétipo da mulher que elabora e transmite
sobre o Caminho dos Escravos. (Aguilar, 2000, p. 32)
a memória familiar de maneira fragmentária, graças a imagens descontínuas, que podem ser sucessivamente rearticuladas nos vários
Assumindo outro tipo de posicionamento na maneira de pensar o trabalho
processos de transferência mnemônica. (Fabris, 1994)
e valendo-me da ironia como ponto de partida, trabalhos como Bastidores (Figura 4) costuram, calam, impedem a expressão das mulheres ali relatadas.
Além da questão do gênero, os problemas ligados à identidade étnica
Bastidores retratam mulheres negras, com partes do rosto costuradas.
também despontam nesse trabalho por meio de sua fatura. Ao escolher o
A costura, aqui, ganha importância fundamental ao ser posta sobre
formato dos “patuás”, pequenos escapulários que guardam imagens dentro,
determinadas partes da face.
a questão do grupo de origem torna-se patente. Esses escapulários, tão
As seis imagens que formam o conjunto original e que se encontram
presentes na tradição católica nas medalhinhas que guardam relíquias ou
no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) retratam séculos de
imagens consagradas por um padre, por exemplo, são aqui retrabalhados no
opressão sobre essas mulheres. Por serem negras, temos aí agregada
viés de uma cultura mestiça onde a umbanda irá funcionar como ponto de
a carga advinda do preconceito racial, uma vez que a mulher negra
apoio à criação estética.
representa a minoria das minorias.
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3 Rosana Paulino. Parede da memória, 1994-2015 (detalhe e página dupla seguinte). Aquarela, manta acrílica e fotocópia sobre papel colado sobre tecido e papel costurados, 173,5 × 724 × 2 cm. Coleção da Pinacoteca do Estado de São Paulo. Doação da Associação Pinacoteca Arte e Cultura – APAC, 2016. foto Isabella Matheus
Sublinhando a origem negra do trabalho, o historiador da arte e curador Nelson Aguilar no catálogo da Mostra do Redescobrimento comenta: Centenas de pequenas almofadas se abrigam entre os cantos da parede e cada uma traz a imagem de uma pessoa da família transferida para o tecido. Um conjunto afro-brasileiro feito de retratos de identidade ou de fotos de criança constitui mural. Vários artistas contemporâneos trabalham assim. Por exemplo, o francês Christian Boltanski. Mas em Rosana a enumeração adquire um outro teor. A reunião subentende o deslocamento dos africanos ao Brasil na condição de escravos. Trata-se de um exorcismo do passado pelo presente. Se há algo de comum entre Boltanski e Rosana é a referência a um destino similar em épocas distintas da história: a deportação. No caso da brasileira, as personagens estão reunidas para uma nova partida, ou seja, elas reveem o passado para compreender o crime de que sua etnia foi vítima. Há um elo espiritual que solda e cria uma solidariedade entre esses rostos “de olhos escancaradamente abertos como os dos retratos de Fayoun, criando um
coloca-os sob o signo de duas configurações distintas: se a reprodução
efeito de vertigem e de mistérios, uma abertura a um mundo secreto e de
infinita remete à série e à indiferenciação, os atos de acumular e de
emoção”, como escreveu o apresentador da exposição O Caminho da Arte
coser reatualizam o arquétipo da mulher que elabora e transmite
sobre o Caminho dos Escravos. (Aguilar, 2000, p. 32)
a memória familiar de maneira fragmentária, graças a imagens descontínuas, que podem ser sucessivamente rearticuladas nos vários
Assumindo outro tipo de posicionamento na maneira de pensar o trabalho
processos de transferência mnemônica. (Fabris, 1994)
e valendo-me da ironia como ponto de partida, trabalhos como Bastidores (Figura 4) costuram, calam, impedem a expressão das mulheres ali relatadas.
Além da questão do gênero, os problemas ligados à identidade étnica
Bastidores retratam mulheres negras, com partes do rosto costuradas.
também despontam nesse trabalho por meio de sua fatura. Ao escolher o
A costura, aqui, ganha importância fundamental ao ser posta sobre
formato dos “patuás”, pequenos escapulários que guardam imagens dentro,
determinadas partes da face.
a questão do grupo de origem torna-se patente. Esses escapulários, tão
As seis imagens que formam o conjunto original e que se encontram
presentes na tradição católica nas medalhinhas que guardam relíquias ou
no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) retratam séculos de
imagens consagradas por um padre, por exemplo, são aqui retrabalhados no
opressão sobre essas mulheres. Por serem negras, temos aí agregada
viés de uma cultura mestiça onde a umbanda irá funcionar como ponto de
a carga advinda do preconceito racial, uma vez que a mulher negra
apoio à criação estética.
representa a minoria das minorias.
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do ato de costurar ou bordar para o do uso da linha em si, como elemento constitutivo da obra. Nesse momento, outros materiais ligados ao artesanato são agregados ao trabalho tais como argila, contas e palha, entre outros. Além disso, o tipo de tecidos e linhas utilizados passa a ser mais variado. Creio que neste breve texto consegui pontuar como as práticas artesanais, com destaque para o bordado e a costura, estiveram e O texto do crítico chileno Justo Pastor Mellado captura com bastante propriedade a importância da costura nesse trabalho: O que faz uma bordadeira...? Reproduz o monograma das iniciais de uma cena conjugal, representada ao pé da letra. No entanto, há algo de notório aqui: as intervenções com linhas bordadas nas imagens revelam uma feitura extremamente desajeitada; essa acaba
estão presentes em minha produção, e como esses elementos são
4 Rosana Paulino. Sem título, série “Bastidores”, 1997. Xerografia e linha sobre tecido montado em bastidor, Ø 31,5 cada. Coleção MAM, Prêmio Estímulo Embratel – Panorama 1997. foto João Musa
importantes para uma compreensão aprofundada do trabalho por mim realizado e para a construção de uma poética que tem como principal foco discutir problemas ligados a gênero e etnia, além de situar esse trabalho dentro de uma práxis contemporânea ao dialogar com outros artistas que utilizaram ou utilizam esses métodos na construção de suas poéticas. A escolha desse modo de proceder foi muito importante, uma vez que conectou meu trabalho com minhas
confundindo o bordado regular com a desordem de um cerzido que
origens, meu entorno e minha sociedade, e é por meio dele que
não cumpre as regras mínimas de uma fabricação correta. Isso implica
tenho me colocado no mundo como mulher, artista e cidadã.
evidenciar a presença, no nível da imagem, da irregularidade no reparo do trauma. O trauma é uma perturbação na continuidade da pele. O cerzido (tecnologia manual), ao exercer sua violência inscrita na tela (tecnologia xeroscópica), está reproduzindo, por sua vez, a violência social anteriormente exercida na própria representação facial das mulheres e, de alguma forma, possibilitada pela tecnologia fotográfica. O acúmulo de fios, nas áreas indicadas na imagem, forma um relevo cuja sugestão deve ser entendida como um cemitério gráfico, indicando, assim, o irreparável do rosto, como um campo de forças no qual a agressão converge; isto é, da representação facial como agressão constitutiva de uma identidade danificada. (Mellado, 2004, p. 64)
Ainda em outros trabalhos, como Holes (1996/1997), Casulos (2000) e Lapidar – homenagem a Anália Franco (2003), a costura ou o bordado aparecem como fatores determinantes do trabalho. A partir de Tecelãs (2003) e Colônia (2005/2006) a fatura manual se torna mais solta, transferindo a ênfase 42
REFERÊNCIAS AGUILAR, Nelson. Arte Afro-Brasileira. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo: Associação Brasil 500 anos, 2000. AQUINO, Ricardo. Catalogador. In: Arthur Bispo do Rosário, José Rufino e Raimundo Camilo (Catálogo da mostra). Curitiba: Museu Oscar Niemeyer, 2005. BAHIA, Ana Beatriz. Bordados e bordaduras na arte contemporânea brasileira: Edith Derdyk, Lia Menna Barreto e Leonilson. Periscope magazine. (online). Disponível em: http://www.casthalia.com.br/ periscope/anabahia/bordadurasnaarte contemporanea.htm. Acesso em: 16 fev. 2005.
BOURGEOIS, Louise. Destruição do pai, reconstrução do pai: escritos e entrevistas. São Paulo: Cosac Naify, 2000. CHIARELLI, Tadeu. Arte internacional brasileira. São Paulo: Lemos, 1999. FABRIS, Annateresa. Costurando a memória. In: MOSTRA dos Selecionados do CCSP (folder). São Paulo: Centro Cultural São Paulo, 1994. GROSENICK, Uta. Mulheres artistas nos séculos XX e XXI. S. l.: Taschen, 2005. MELLADO, Justo Pastor. Rosana Paulino. Catálogo da 1ª TRIENAL Poli/Gráfica de San Juan – América Latina e Caribe 2004 (Catálogo). San Juan de Porto Rico: Instituto de Cultura Puerto Riqueña, 2004.
ROSANA PAULINO: a Costura da memória (Catálogo de exposição). Curadoria de Valeria Piccoli e Pedro Nery). São Paulo: Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2018. SIMIONI, Ana Paula C. Bordado e transgressão: questões de gênero na arte de Rosana Paulino e Rosana Palazyan. Proa: Revista de Antropologia e Arte (online), v. 2, p. 1-19, 2010. TVARDOVSKAS, Luana Saturnino. Tramas feministas na arte contemporânea brasileira e argentina: Rosana Paulino e Claudia Contreras. Artelogie (online), v. 5, p. 246, 2013.
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do ato de costurar ou bordar para o do uso da linha em si, como elemento constitutivo da obra. Nesse momento, outros materiais ligados ao artesanato são agregados ao trabalho tais como argila, contas e palha, entre outros. Além disso, o tipo de tecidos e linhas utilizados passa a ser mais variado. Creio que neste breve texto consegui pontuar como as práticas artesanais, com destaque para o bordado e a costura, estiveram e O texto do crítico chileno Justo Pastor Mellado captura com bastante propriedade a importância da costura nesse trabalho: O que faz uma bordadeira...? Reproduz o monograma das iniciais de uma cena conjugal, representada ao pé da letra. No entanto, há algo de notório aqui: as intervenções com linhas bordadas nas imagens revelam uma feitura extremamente desajeitada; essa acaba
estão presentes em minha produção, e como esses elementos são
4 Rosana Paulino. Sem título, série “Bastidores”, 1997. Xerografia e linha sobre tecido montado em bastidor, Ø 31,5 cada. Coleção MAM, Prêmio Estímulo Embratel – Panorama 1997. foto João Musa
importantes para uma compreensão aprofundada do trabalho por mim realizado e para a construção de uma poética que tem como principal foco discutir problemas ligados a gênero e etnia, além de situar esse trabalho dentro de uma práxis contemporânea ao dialogar com outros artistas que utilizaram ou utilizam esses métodos na construção de suas poéticas. A escolha desse modo de proceder foi muito importante, uma vez que conectou meu trabalho com minhas
confundindo o bordado regular com a desordem de um cerzido que
origens, meu entorno e minha sociedade, e é por meio dele que
não cumpre as regras mínimas de uma fabricação correta. Isso implica
tenho me colocado no mundo como mulher, artista e cidadã.
evidenciar a presença, no nível da imagem, da irregularidade no reparo do trauma. O trauma é uma perturbação na continuidade da pele. O cerzido (tecnologia manual), ao exercer sua violência inscrita na tela (tecnologia xeroscópica), está reproduzindo, por sua vez, a violência social anteriormente exercida na própria representação facial das mulheres e, de alguma forma, possibilitada pela tecnologia fotográfica. O acúmulo de fios, nas áreas indicadas na imagem, forma um relevo cuja sugestão deve ser entendida como um cemitério gráfico, indicando, assim, o irreparável do rosto, como um campo de forças no qual a agressão converge; isto é, da representação facial como agressão constitutiva de uma identidade danificada. (Mellado, 2004, p. 64)
Ainda em outros trabalhos, como Holes (1996/1997), Casulos (2000) e Lapidar – homenagem a Anália Franco (2003), a costura ou o bordado aparecem como fatores determinantes do trabalho. A partir de Tecelãs (2003) e Colônia (2005/2006) a fatura manual se torna mais solta, transferindo a ênfase 42
REFERÊNCIAS AGUILAR, Nelson. Arte Afro-Brasileira. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo: Associação Brasil 500 anos, 2000. AQUINO, Ricardo. Catalogador. In: Arthur Bispo do Rosário, José Rufino e Raimundo Camilo (Catálogo da mostra). Curitiba: Museu Oscar Niemeyer, 2005. BAHIA, Ana Beatriz. Bordados e bordaduras na arte contemporânea brasileira: Edith Derdyk, Lia Menna Barreto e Leonilson. Periscope magazine. (online). Disponível em: http://www.casthalia.com.br/ periscope/anabahia/bordadurasnaarte contemporanea.htm. Acesso em: 16 fev. 2005.
BOURGEOIS, Louise. Destruição do pai, reconstrução do pai: escritos e entrevistas. São Paulo: Cosac Naify, 2000. CHIARELLI, Tadeu. Arte internacional brasileira. São Paulo: Lemos, 1999. FABRIS, Annateresa. Costurando a memória. In: MOSTRA dos Selecionados do CCSP (folder). São Paulo: Centro Cultural São Paulo, 1994. GROSENICK, Uta. Mulheres artistas nos séculos XX e XXI. S. l.: Taschen, 2005. MELLADO, Justo Pastor. Rosana Paulino. Catálogo da 1ª TRIENAL Poli/Gráfica de San Juan – América Latina e Caribe 2004 (Catálogo). San Juan de Porto Rico: Instituto de Cultura Puerto Riqueña, 2004.
ROSANA PAULINO: a Costura da memória (Catálogo de exposição). Curadoria de Valeria Piccoli e Pedro Nery). São Paulo: Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2018. SIMIONI, Ana Paula C. Bordado e transgressão: questões de gênero na arte de Rosana Paulino e Rosana Palazyan. Proa: Revista de Antropologia e Arte (online), v. 2, p. 1-19, 2010. TVARDOVSKAS, Luana Saturnino. Tramas feministas na arte contemporânea brasileira e argentina: Rosana Paulino e Claudia Contreras. Artelogie (online), v. 5, p. 246, 2013.
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KAReN Cordero ReiMAN
INteRvenções sUAVes: CuMplicidAdes eNtRe ARTe e MídiA têXTil KAReN Cordero ReiMAn 44
Historiadora da arte e curadora radicada na Cidade do México. Foi professora da Universidad Iberoamericana e da Universidad Nacional Autónoma de México e é membro fundador do Curare, Espacio Crítico para las Artes. Autora de diversas publicações sobre a arte dos séculos XX e XXI, especialmente no que diz respeito a: relações entre as chamadas arte erudita e arte popular no México; historiografia e crítica de arte; corpo, gênero e identidade sexual na arte mexicana; e políticas curatoriais e de museus. Também teve participação constante no campo dos museus, com atividades de curadoria, consultoria e pesquisa.
Na produção artística do século passado, assim como nas reflexões histórico-artísticas com base nos estudos de gênero e nas perspectivas decoloniais, surgiram várias iniciativas que destacaram e recuperaram o papel do bordado e da tecelagem, bem como o uso de tecidos na criação artística. E, ao mesmo tempo, a maior presença e reflexão no campo cultural sobre esses suportes e mídias nos últimos anos provocou novas reflexões e reajustes em nossa percepção do campo da arte e da sua história. Os processos corporais e temporais envolvidos nesses modos de produção são fundamentais para estabelecer vínculos com contextos históricos e culturais, além de transformações afetivas e significativas que propiciam diferentes modelos de convivência e interação social. Da mesma forma, essas ações estéticas frequentemente rompem com os horizontes comuns de expectativa em relação a fatores como: a relação hierárquica entre arte e artesanato; a gestão e/ou a combinação de mídias e gêneros artísticos; os referentes convencionais de gênero sexual, classe e etnia; e os modelos de arte política. Como pesquisadora, observo esses processos no campo artístico e cultural do México ao longo do século XX e nas primeiras décadas do século XXI, e ao mesmo tempo percebo que eles estabelecem um diálogo com manifestações relacionadas no nível internacional e ao longo de todo o continente americano. Neste ensaio, buscarei desenvolver alguns aspectos que surgem desse diálogo e podem fornecer um contexto mais amplo para a exposição Transbordar: transgressões do bordado na arte. Além disso, por meio da análise de alguns exemplos específicos, examinarei a maneira como algumas obras de arte recentes – especialmente do contexto mexicano – colocam em jogo diferentes relações intertextuais entre os fatores mencionados acima, para provocar experiências de recepção que desmontam categorias, dicotomias e cartografias que constituem o cânone histórico-artístico e cultural.
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KAReN Cordero ReiMAN
INteRvenções sUAVes: CuMplicidAdes eNtRe ARTe e MídiA têXTil KAReN Cordero ReiMAn 44
Historiadora da arte e curadora radicada na Cidade do México. Foi professora da Universidad Iberoamericana e da Universidad Nacional Autónoma de México e é membro fundador do Curare, Espacio Crítico para las Artes. Autora de diversas publicações sobre a arte dos séculos XX e XXI, especialmente no que diz respeito a: relações entre as chamadas arte erudita e arte popular no México; historiografia e crítica de arte; corpo, gênero e identidade sexual na arte mexicana; e políticas curatoriais e de museus. Também teve participação constante no campo dos museus, com atividades de curadoria, consultoria e pesquisa.
Na produção artística do século passado, assim como nas reflexões histórico-artísticas com base nos estudos de gênero e nas perspectivas decoloniais, surgiram várias iniciativas que destacaram e recuperaram o papel do bordado e da tecelagem, bem como o uso de tecidos na criação artística. E, ao mesmo tempo, a maior presença e reflexão no campo cultural sobre esses suportes e mídias nos últimos anos provocou novas reflexões e reajustes em nossa percepção do campo da arte e da sua história. Os processos corporais e temporais envolvidos nesses modos de produção são fundamentais para estabelecer vínculos com contextos históricos e culturais, além de transformações afetivas e significativas que propiciam diferentes modelos de convivência e interação social. Da mesma forma, essas ações estéticas frequentemente rompem com os horizontes comuns de expectativa em relação a fatores como: a relação hierárquica entre arte e artesanato; a gestão e/ou a combinação de mídias e gêneros artísticos; os referentes convencionais de gênero sexual, classe e etnia; e os modelos de arte política. Como pesquisadora, observo esses processos no campo artístico e cultural do México ao longo do século XX e nas primeiras décadas do século XXI, e ao mesmo tempo percebo que eles estabelecem um diálogo com manifestações relacionadas no nível internacional e ao longo de todo o continente americano. Neste ensaio, buscarei desenvolver alguns aspectos que surgem desse diálogo e podem fornecer um contexto mais amplo para a exposição Transbordar: transgressões do bordado na arte. Além disso, por meio da análise de alguns exemplos específicos, examinarei a maneira como algumas obras de arte recentes – especialmente do contexto mexicano – colocam em jogo diferentes relações intertextuais entre os fatores mencionados acima, para provocar experiências de recepção que desmontam categorias, dicotomias e cartografias que constituem o cânone histórico-artístico e cultural.
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TRANsforMAção dA RelAção entRe ArTe e artesANaTo
mexicanas” da arte popular e em suas raízes na arte pré-colombiana, com a ideia de que, fornecendo à criança mexicana – ainda não corrompida pelos valores estéticos alheios – esses elementos que são seus, ela produziria *
Um dos contextos mais importantes para o surgimento de novas cumplicidades entre a arte moderna e contemporânea e a arte têxtil é a reconsideração da hierarquia entre arte e artesanato, que remonta ao Renascimento europeu e é transferida para as Américas desde o período
Para um estudo mais detalhado desse fenômeno, consultar: Cordero Reiman, 1985.
“espontaneamente” uma arte que incorpora a essência da “mexicanidade”.* No contexto das vanguardas do início do século XX, que buscaram reintegrar o campo das artes reinstituindo uma visão abrangente da arte e do design em todas as áreas da vida cotidiana, várias artistas tomaram a dianteira no uso de tecidos como meio de produção plástica. É o caso de
colonial. Na Europa, no final do século XIX e início do século XX, surgiram
Lola Cueto (1897-1978), no México, que usou meios têxteis para a criação
novas teorias estéticas que descobrem a arte não ocidental e não acadêmica
de obras bidimensionais como India oaxaqueña, tapeçaria e manta, em
como fonte para a arte contemporânea. E no México, a partir de 1910,
1928, e também colocou em jogo essas mídias em seu extenso trabalho
diversos fatores políticos e culturais levam a uma mudança na percepção
artístico-educacional com o teatro de fantoches. Além disso, no ambiente
estética do que costumava ser chamado de “indústrias manuais” ou
da Bauhaus europeia, figuras como Sonia Delaunay (1885-1979) e Sophie
“indústrias étnicas”, o que confere a essas manifestações plásticas a categoria
Taeuber-Arp (1889-1943) exploraram as possibilidades de inovação estética
de “arte popular” e as relaciona integralmente com as concepções da cultura
no campo da vestimenta, levando a novos limites seus escopos plásticos e
nacional e a uma estética mexicana (ou mexicanista) nas belas-artes. Estas
performativos, tanto no cotidiano como no contexto do teatro e da dança.
são formuladas durante esses anos da Revolução Mexicana e o período de consolidação subsequente (Cordero Reiman, 2002). A presença da decoração geométrica em um poncho da Paisaje zapatista, pintada por Diego Rivera em 1915 no contexto do Cubismo francês, é um
ArTe têXTil, gêNeRo e feMinisMo
exemplo da compatibilidade da estética da arte popular com os modos de representação de vanguardas europeias e de sua apropriação por artistas
Ao mesmo tempo, a reflexão sobre bordado, tecelagem e confecção
latino-americanos a partir de discursos e de processos locais. Além disso,
de vestuário como atividades principalmente femininas na sociedade
em seus escritos e obras plásticas desenvolvidos a partir da década de 1920,
ocidental permite esta análise do campo de pesquisa que temos traçado sob
Rivera colocou a arte popular sob uma perspectiva neorromântica como
uma perspectiva de gênero. Em 1984, a historiadora da arte e psicanalista
evidência das qualidades criativas inatas do mexicano, assim como uma
inglesa Rozsika Parker (1945-2010) publicou The Subversive Stitch:
cultura visual livre da corrupção burguesa, ao mesmo tempo que celebrou suas
Embroidery and the Making of the Feminine [O ponto subversivo: o bordado
qualidades estéticas e sua integração em imagens simbólicas do nacional como
e a confecção do feminino], um estudo do fenômeno social do bordado sob
elemento-chave da arte mexicana moderna. Concomitantemente, por meio do
uma visão feminista. O livro é um divisor de águas que estabelece as bases
sistema de educação artística, com ferramentas como o Método de Desenho
para compreender como o bordado opera como uma ferramenta que age
Best Maugard, foram propostos um vocabulário e uma gramática visuais para
reforçando estereótipos repressivos para as mulheres e, ao mesmo tempo,
a criação de uma arte nacional baseada nas características “essencialmente
como um veículo que contribui para a sua educação e conscientização
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TRANsforMAção dA RelAção entRe ArTe e artesANaTo
mexicanas” da arte popular e em suas raízes na arte pré-colombiana, com a ideia de que, fornecendo à criança mexicana – ainda não corrompida pelos valores estéticos alheios – esses elementos que são seus, ela produziria *
Um dos contextos mais importantes para o surgimento de novas cumplicidades entre a arte moderna e contemporânea e a arte têxtil é a reconsideração da hierarquia entre arte e artesanato, que remonta ao Renascimento europeu e é transferida para as Américas desde o período
Para um estudo mais detalhado desse fenômeno, consultar: Cordero Reiman, 1985.
“espontaneamente” uma arte que incorpora a essência da “mexicanidade”.* No contexto das vanguardas do início do século XX, que buscaram reintegrar o campo das artes reinstituindo uma visão abrangente da arte e do design em todas as áreas da vida cotidiana, várias artistas tomaram a dianteira no uso de tecidos como meio de produção plástica. É o caso de
colonial. Na Europa, no final do século XIX e início do século XX, surgiram
Lola Cueto (1897-1978), no México, que usou meios têxteis para a criação
novas teorias estéticas que descobrem a arte não ocidental e não acadêmica
de obras bidimensionais como India oaxaqueña, tapeçaria e manta, em
como fonte para a arte contemporânea. E no México, a partir de 1910,
1928, e também colocou em jogo essas mídias em seu extenso trabalho
diversos fatores políticos e culturais levam a uma mudança na percepção
artístico-educacional com o teatro de fantoches. Além disso, no ambiente
estética do que costumava ser chamado de “indústrias manuais” ou
da Bauhaus europeia, figuras como Sonia Delaunay (1885-1979) e Sophie
“indústrias étnicas”, o que confere a essas manifestações plásticas a categoria
Taeuber-Arp (1889-1943) exploraram as possibilidades de inovação estética
de “arte popular” e as relaciona integralmente com as concepções da cultura
no campo da vestimenta, levando a novos limites seus escopos plásticos e
nacional e a uma estética mexicana (ou mexicanista) nas belas-artes. Estas
performativos, tanto no cotidiano como no contexto do teatro e da dança.
são formuladas durante esses anos da Revolução Mexicana e o período de consolidação subsequente (Cordero Reiman, 2002). A presença da decoração geométrica em um poncho da Paisaje zapatista, pintada por Diego Rivera em 1915 no contexto do Cubismo francês, é um
ArTe têXTil, gêNeRo e feMinisMo
exemplo da compatibilidade da estética da arte popular com os modos de representação de vanguardas europeias e de sua apropriação por artistas
Ao mesmo tempo, a reflexão sobre bordado, tecelagem e confecção
latino-americanos a partir de discursos e de processos locais. Além disso,
de vestuário como atividades principalmente femininas na sociedade
em seus escritos e obras plásticas desenvolvidos a partir da década de 1920,
ocidental permite esta análise do campo de pesquisa que temos traçado sob
Rivera colocou a arte popular sob uma perspectiva neorromântica como
uma perspectiva de gênero. Em 1984, a historiadora da arte e psicanalista
evidência das qualidades criativas inatas do mexicano, assim como uma
inglesa Rozsika Parker (1945-2010) publicou The Subversive Stitch:
cultura visual livre da corrupção burguesa, ao mesmo tempo que celebrou suas
Embroidery and the Making of the Feminine [O ponto subversivo: o bordado
qualidades estéticas e sua integração em imagens simbólicas do nacional como
e a confecção do feminino], um estudo do fenômeno social do bordado sob
elemento-chave da arte mexicana moderna. Concomitantemente, por meio do
uma visão feminista. O livro é um divisor de águas que estabelece as bases
sistema de educação artística, com ferramentas como o Método de Desenho
para compreender como o bordado opera como uma ferramenta que age
Best Maugard, foram propostos um vocabulário e uma gramática visuais para
reforçando estereótipos repressivos para as mulheres e, ao mesmo tempo,
a criação de uma arte nacional baseada nas características “essencialmente
como um veículo que contribui para a sua educação e conscientização
46
47
política. Com foco principalmente no caso da Inglaterra, Parker demonstra
e Miriam Schapiro (1923-2015), pioneiras na proposta de estratégias e
que, a partir do século XV, o bordado se torna um meio que contribui para
processos de educação artística feministas. Judy Chicago coordenou mais
circunscrever a atividade da mulher de classe alta no ambiente doméstico,
de 300 voluntários no processo de criação da grande instalação The Dinner
representando – com o desenho e o romance – seu refinamento e status
Party, realizada entre 1974 e 1979, que consistia em um tributo por meio de
social, bem como seu papel de mãe e “anjo do lar”. Os modelos, ou riscos
uma mesa triangular e um piso de ladrilhos no mesmo formato dedicado às
de bordar, serviam como veículo de um sistema de educação moralizante
mulheres que fizeram contribuições de destaque para a cultura e a história.
para as mulheres, mas com o tempo se tornaram também espaços criativos
Cada lugar na mesa era montado com elementos artesanais: um prato pintado
para refletir sobre suas circunstâncias políticas e – em alguns contextos –
à mão, guardanapo e corredor de mesa bordados, cada um com um design
veículos subversivos de comunicação (Parker, 1984).
diferente, aludindo à figura homenageada. Esses elementos eram unidos pelo uso de uma iconografia que aludia à forma da vagina, que, para Chicago,
À luz da segunda onda do movimento feminista, nos anos 1970, há precisamente um processo de reivindicação do bordado e de outras “artes
constituía uma figura simbólica do poder feminino (Withers, 1992). Além
menores” que haviam sido relegadas como atividades associadas ao
disso, no contexto mexicano dessa época, Marta Palau usa artes têxteis como
âmbito doméstico e feminino. Como as mulheres foram quase sempre
veículo de intervenção espacial, fazendo eco ao conceito de “escultura em um
excluídas do trabalho criativo na concepção hegemônica de Arte, o que elas
campo expandido”, com instalações nas quais estruturas abstratas em juta ou
produziam costumava ser incluído no campo do artesanato, em um estrato
lã adquirem uma corporeidade que evoca aspectos sensoriais e psicológicos,
hierárquico considerado inferior à produção “artística”, primordialmente
como no caso de Llerda V, de 1973 (Krauss, 1979; Medina, 2006).
masculina. No entanto, como consequência da conscientização feminista, questiona-se a invisibilização das mulheres na esfera institucional da arte e na história da arte. Um dos aspectos importantes da arte feminista
CuMplicidAdes coNtínuAs
é a recuperação e a integração na produção artística contemporânea de técnicas e materiais da chamada produção artesanal – incluindo quilts,* bordados, tecelagens, confecção de roupas e materiais “suaves” em geral, que costumavam ser considerados o oposto da monumentalidade e minimalismo formal em voga no período – com os processos sociais que os acompanham. Desse modo, a arte feminista valoriza, diante do conceito canônico de artista como gênio individualista, o aspecto da produção coletiva e muitas vezes anônima que historicamente caracterizou parte da atividade estética feminina, dando origem a processos de comunicação em grupo, solidariedade e subversão política por meio da arte (Broude, 1982; Mainardi, 1982). Encontramos excelentes exemplos dessa tendência no trabalho das duas iniciadoras do Programa de Arte Feminista (Feminist Art Program) no California Institute of Arts, em 1971, as artistas Judy Chicago 48
*
Quilting é a técnica de confecção dos quilts, colchas, acolchoados e almofadas em geral preenchidos com algo macio. A técnica é usualmente associada ao patchwork, o artesanato com retalhos. [N. E.]
Essas iniciativas, ao longo do século XX, abrem a arte contemporânea a diversas possibilidades expressivas que colocam em jogo de diferentes maneiras os potenciais plásticos e políticos da mídia têxtil, abordando e desafiando, de uma perspectiva crítica e criativa, seus referentes de gênero sexual, classe e etnia. Os exemplos nesse sentido representados na exposição Transbordar: transgressões do bordado na arte encontram pontos de interlocução significativos na arte mexicana recente. Bordado, tecelagem e tela têm sido utilizados nas últimas décadas para reconfigurar as representações artísticas do corpo, fazendo referência a suas implicações em termos de identidade e memória social. Miriam Medrez, artista radicada em Monterrey, México, trabalha há anos com representações 49
política. Com foco principalmente no caso da Inglaterra, Parker demonstra
e Miriam Schapiro (1923-2015), pioneiras na proposta de estratégias e
que, a partir do século XV, o bordado se torna um meio que contribui para
processos de educação artística feministas. Judy Chicago coordenou mais
circunscrever a atividade da mulher de classe alta no ambiente doméstico,
de 300 voluntários no processo de criação da grande instalação The Dinner
representando – com o desenho e o romance – seu refinamento e status
Party, realizada entre 1974 e 1979, que consistia em um tributo por meio de
social, bem como seu papel de mãe e “anjo do lar”. Os modelos, ou riscos
uma mesa triangular e um piso de ladrilhos no mesmo formato dedicado às
de bordar, serviam como veículo de um sistema de educação moralizante
mulheres que fizeram contribuições de destaque para a cultura e a história.
para as mulheres, mas com o tempo se tornaram também espaços criativos
Cada lugar na mesa era montado com elementos artesanais: um prato pintado
para refletir sobre suas circunstâncias políticas e – em alguns contextos –
à mão, guardanapo e corredor de mesa bordados, cada um com um design
veículos subversivos de comunicação (Parker, 1984).
diferente, aludindo à figura homenageada. Esses elementos eram unidos pelo uso de uma iconografia que aludia à forma da vagina, que, para Chicago,
À luz da segunda onda do movimento feminista, nos anos 1970, há precisamente um processo de reivindicação do bordado e de outras “artes
constituía uma figura simbólica do poder feminino (Withers, 1992). Além
menores” que haviam sido relegadas como atividades associadas ao
disso, no contexto mexicano dessa época, Marta Palau usa artes têxteis como
âmbito doméstico e feminino. Como as mulheres foram quase sempre
veículo de intervenção espacial, fazendo eco ao conceito de “escultura em um
excluídas do trabalho criativo na concepção hegemônica de Arte, o que elas
campo expandido”, com instalações nas quais estruturas abstratas em juta ou
produziam costumava ser incluído no campo do artesanato, em um estrato
lã adquirem uma corporeidade que evoca aspectos sensoriais e psicológicos,
hierárquico considerado inferior à produção “artística”, primordialmente
como no caso de Llerda V, de 1973 (Krauss, 1979; Medina, 2006).
masculina. No entanto, como consequência da conscientização feminista, questiona-se a invisibilização das mulheres na esfera institucional da arte e na história da arte. Um dos aspectos importantes da arte feminista
CuMplicidAdes coNtínuAs
é a recuperação e a integração na produção artística contemporânea de técnicas e materiais da chamada produção artesanal – incluindo quilts,* bordados, tecelagens, confecção de roupas e materiais “suaves” em geral, que costumavam ser considerados o oposto da monumentalidade e minimalismo formal em voga no período – com os processos sociais que os acompanham. Desse modo, a arte feminista valoriza, diante do conceito canônico de artista como gênio individualista, o aspecto da produção coletiva e muitas vezes anônima que historicamente caracterizou parte da atividade estética feminina, dando origem a processos de comunicação em grupo, solidariedade e subversão política por meio da arte (Broude, 1982; Mainardi, 1982). Encontramos excelentes exemplos dessa tendência no trabalho das duas iniciadoras do Programa de Arte Feminista (Feminist Art Program) no California Institute of Arts, em 1971, as artistas Judy Chicago 48
*
Quilting é a técnica de confecção dos quilts, colchas, acolchoados e almofadas em geral preenchidos com algo macio. A técnica é usualmente associada ao patchwork, o artesanato com retalhos. [N. E.]
Essas iniciativas, ao longo do século XX, abrem a arte contemporânea a diversas possibilidades expressivas que colocam em jogo de diferentes maneiras os potenciais plásticos e políticos da mídia têxtil, abordando e desafiando, de uma perspectiva crítica e criativa, seus referentes de gênero sexual, classe e etnia. Os exemplos nesse sentido representados na exposição Transbordar: transgressões do bordado na arte encontram pontos de interlocução significativos na arte mexicana recente. Bordado, tecelagem e tela têm sido utilizados nas últimas décadas para reconfigurar as representações artísticas do corpo, fazendo referência a suas implicações em termos de identidade e memória social. Miriam Medrez, artista radicada em Monterrey, México, trabalha há anos com representações 49
1 Miriam Medrez. Vestido del colegio, série “Vestidos invertidos”, 2013. Estrutura de ferro, tecido estampado e tecido bordado. Coleção da artista foto Roberto Ortiz
básico de barro, ixtle* e fios (emulando, no último caso, uma técnica da cultura indígena Huichol) intervém em configurações que sugerem mapas e ambientes naturais (Cordero Reiman, 2007). Em vários casos, o trabalho contemporâneo em mídia têxtil no México atual incorpora, de maneira conceitual e material, o questionamento do binômio arte erudita-arte popular e o diálogo que ele suscita entre os espaços rurais e urbanos. Carlos Arias, artista chileno radicado no México, considera-se um “pintor com agulhas” e trabalhou várias décadas com bordado, do qual lançou mão na criação de painéis e estruturas tridimensionais com forte caráter corporal e tátil, que desafiam convenções sociais relacionadas à sexualidade e às associações tradicionais entre técnicas artísticas e gênero (Medina, 2016). Da mesma forma, ele interveio com sua própria agulha nas tradicionais telas de Pahuatlán (Puebla) – bordadas com motivos de flora e fauna – com elementos geométricos aludindo à pintura estadunidense denominada “abstração pós-pictórica”, para criar o que ele chama de configurações “mestiças”, como no caso de Pahuatlán-Stella (2015) (Figura 3). Em algumas ocasiões, as iniciativas artísticas em diálogo com a produção têxtil tradicional também adquiriram dimensões de instalação
esculturais de mulheres utilizando barro, madeira e fibras naturais, como
e se constituíram em obras procedimentais da prática social. É o caso
vime, e a partir de 2010 começou a colaborar com várias costureiras para
da obra Tejidos emergentes, de Mariana Gullco (Figura 4), realizada nas
criar a série Zurciendo, que consiste em “bonecas de pano” femininas
ruas da cidade de Oaxaca em 2012, na qual o espectador é convidado a
em tamanho real, representando suas colegas e amigas, e localizadas em
desviar sua atenção e orientação corporal para os bueiros da cidade, que se
diálogos que lembram o surrealismo, com órgãos corporais gigantescos
tornam, por meio de intervenções sutis e sensíveis de Gullco, dispositivos
também feitos de tecido (Cordero Reiman, 2012). Além disso, em sua
poéticos polissêmicos que aludem à riqueza do design e da produção têxtil
série Vestidos invertidos (2011-2012) (Figura 1), ela parte do formato do
da região. Os logotipos no centro das tampas dos bueiros nos remetem
vestido para abri-lo e revelar seu status como repositório de subjetividades,
a estruturas institucionais que sustentam e alimentam a infraestrutura
memórias e experiências de sujeição e libertação corporal.
urbana (CFE, Telmex, Água, Prefeitura), mas estão cercados por desenhos
Héctor Velázquez, artista mexicano que trabalha entre a Cidade do
abstratos, que Mariana Gullco destaca e reinterpreta com tinta esmalte
México e Berlim, usou a forma do corpo humano com a pele aberta em
para apontar sua semelhança com desenhos têxteis de diferentes áreas
uma série intitulada Cuerpos desdoblados (2001-2005) (Figura 2), para criar
do estado de Oaxaca. Desse modo, ela estabelece uma conversa entre a
uma série de autorretratos e retratos simbólicos nos quais esse formato
cidade e o campo, e entre a dureza industrial das superfícies metálicas e os
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1 Miriam Medrez. Vestido del colegio, série “Vestidos invertidos”, 2013. Estrutura de ferro, tecido estampado e tecido bordado. Coleção da artista foto Roberto Ortiz
básico de barro, ixtle* e fios (emulando, no último caso, uma técnica da cultura indígena Huichol) intervém em configurações que sugerem mapas e ambientes naturais (Cordero Reiman, 2007). Em vários casos, o trabalho contemporâneo em mídia têxtil no México atual incorpora, de maneira conceitual e material, o questionamento do binômio arte erudita-arte popular e o diálogo que ele suscita entre os espaços rurais e urbanos. Carlos Arias, artista chileno radicado no México, considera-se um “pintor com agulhas” e trabalhou várias décadas com bordado, do qual lançou mão na criação de painéis e estruturas tridimensionais com forte caráter corporal e tátil, que desafiam convenções sociais relacionadas à sexualidade e às associações tradicionais entre técnicas artísticas e gênero (Medina, 2016). Da mesma forma, ele interveio com sua própria agulha nas tradicionais telas de Pahuatlán (Puebla) – bordadas com motivos de flora e fauna – com elementos geométricos aludindo à pintura estadunidense denominada “abstração pós-pictórica”, para criar o que ele chama de configurações “mestiças”, como no caso de Pahuatlán-Stella (2015) (Figura 3). Em algumas ocasiões, as iniciativas artísticas em diálogo com a produção têxtil tradicional também adquiriram dimensões de instalação
esculturais de mulheres utilizando barro, madeira e fibras naturais, como
e se constituíram em obras procedimentais da prática social. É o caso
vime, e a partir de 2010 começou a colaborar com várias costureiras para
da obra Tejidos emergentes, de Mariana Gullco (Figura 4), realizada nas
criar a série Zurciendo, que consiste em “bonecas de pano” femininas
ruas da cidade de Oaxaca em 2012, na qual o espectador é convidado a
em tamanho real, representando suas colegas e amigas, e localizadas em
desviar sua atenção e orientação corporal para os bueiros da cidade, que se
diálogos que lembram o surrealismo, com órgãos corporais gigantescos
tornam, por meio de intervenções sutis e sensíveis de Gullco, dispositivos
também feitos de tecido (Cordero Reiman, 2012). Além disso, em sua
poéticos polissêmicos que aludem à riqueza do design e da produção têxtil
série Vestidos invertidos (2011-2012) (Figura 1), ela parte do formato do
da região. Os logotipos no centro das tampas dos bueiros nos remetem
vestido para abri-lo e revelar seu status como repositório de subjetividades,
a estruturas institucionais que sustentam e alimentam a infraestrutura
memórias e experiências de sujeição e libertação corporal.
urbana (CFE, Telmex, Água, Prefeitura), mas estão cercados por desenhos
Héctor Velázquez, artista mexicano que trabalha entre a Cidade do
abstratos, que Mariana Gullco destaca e reinterpreta com tinta esmalte
México e Berlim, usou a forma do corpo humano com a pele aberta em
para apontar sua semelhança com desenhos têxteis de diferentes áreas
uma série intitulada Cuerpos desdoblados (2001-2005) (Figura 2), para criar
do estado de Oaxaca. Desse modo, ela estabelece uma conversa entre a
uma série de autorretratos e retratos simbólicos nos quais esse formato
cidade e o campo, e entre a dureza industrial das superfícies metálicas e os
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desenhos de materiais suaves, criando um espaço metafórico e dialógico que poderia ser estendido ao masculino-feminino, à produção mecânica e artesanal, e, sem dúvida, a várias outras abordagens dicotômicas subjacentes à nossa cultura ocidental racionalista. A documentação fotográfica dessas intervenções foi exibida no Museo Textil de Oaxaca, em agosto e setembro
*
Ixtle é uma fibra vegetal conhecida por sua resistência e usada tradicionalmente pelos povos mexicanos.
de 2012, e o resultado da venda de uma edição limitada
3 Carlos Arias Vicuña. Pahuatlán-Stella, 2015. Intervenção de bordado indígena de San Pablito Pahuatlán, 178 × 190 cm. Coleção do artista. foto César López
dessas imagens foi destinado a coletivos de bordadeiras das comunidades mencionadas nas representações (Cordero Reiman, 2012a). Da mesma forma, a arte têxtil, o bordado e a tecelagem têm desempenhado um papel importante nas relações entre ativismo político e arte, pois contribuem para a organização de atividades coletivas nas quais as pessoas participantes podem dialogar e compartilhar experiências de luto, comemoração e representação no espaço público por meio dessas “intervenções suaves”. Um exemplo-chave disso, que teve importância internacional e, ao mesmo tempo, segue sendo uma presença semanal constante em espaços públicos em várias partes do México, é o movimento Bordado para la Paz, iniciado em 2011 como uma atividade de vários coletivos e organizações civis do México para protestar contra a violência, os assassinatos e o desaparecimento forçado de pessoas, presentes no cenário social há várias décadas. Em suas ações, bordam em lenços brancos com linhas coloridas os nomes das vítimas de violência no México, levando em consideração o lema “uma vítima, um lenço” (Figura 5). A iniciativa busca dar visibilidade à extensão do aparato de violência sistêmica em todo o país, por meio da exibição de lenços em espaços públicos e manifestações, criando um espaço interpessoal de solidariedade, resistência, luto e memória coletiva (Olalde Rico, 2019). O coletivo Lana Desastre, ativo no México desde 2012, adota a postura de grupos de yarn bombing (bombardeio 52
2 Héctor Velázquez Gutiérrez. Héctor abierto. Banff, 2005. Tecido e linha de nylon, 118 × 200 cm. Coleção Terreno Baldio Arte, apoio Fondo Nacional para la Cultura y las Artes, México, e Banff Centre, Canadá. foto Francisco Kochen
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desenhos de materiais suaves, criando um espaço metafórico e dialógico que poderia ser estendido ao masculino-feminino, à produção mecânica e artesanal, e, sem dúvida, a várias outras abordagens dicotômicas subjacentes à nossa cultura ocidental racionalista. A documentação fotográfica dessas intervenções foi exibida no Museo Textil de Oaxaca, em agosto e setembro
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Ixtle é uma fibra vegetal conhecida por sua resistência e usada tradicionalmente pelos povos mexicanos.
de 2012, e o resultado da venda de uma edição limitada
3 Carlos Arias Vicuña. Pahuatlán-Stella, 2015. Intervenção de bordado indígena de San Pablito Pahuatlán, 178 × 190 cm. Coleção do artista. foto César López
dessas imagens foi destinado a coletivos de bordadeiras das comunidades mencionadas nas representações (Cordero Reiman, 2012a). Da mesma forma, a arte têxtil, o bordado e a tecelagem têm desempenhado um papel importante nas relações entre ativismo político e arte, pois contribuem para a organização de atividades coletivas nas quais as pessoas participantes podem dialogar e compartilhar experiências de luto, comemoração e representação no espaço público por meio dessas “intervenções suaves”. Um exemplo-chave disso, que teve importância internacional e, ao mesmo tempo, segue sendo uma presença semanal constante em espaços públicos em várias partes do México, é o movimento Bordado para la Paz, iniciado em 2011 como uma atividade de vários coletivos e organizações civis do México para protestar contra a violência, os assassinatos e o desaparecimento forçado de pessoas, presentes no cenário social há várias décadas. Em suas ações, bordam em lenços brancos com linhas coloridas os nomes das vítimas de violência no México, levando em consideração o lema “uma vítima, um lenço” (Figura 5). A iniciativa busca dar visibilidade à extensão do aparato de violência sistêmica em todo o país, por meio da exibição de lenços em espaços públicos e manifestações, criando um espaço interpessoal de solidariedade, resistência, luto e memória coletiva (Olalde Rico, 2019). O coletivo Lana Desastre, ativo no México desde 2012, adota a postura de grupos de yarn bombing (bombardeio 52
2 Héctor Velázquez Gutiérrez. Héctor abierto. Banff, 2005. Tecido e linha de nylon, 118 × 200 cm. Coleção Terreno Baldio Arte, apoio Fondo Nacional para la Cultura y las Artes, México, e Banff Centre, Canadá. foto Francisco Kochen
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de fios) de se reunir para tecer e realizar intervenções no espaço público relacionadas à visibilidade de questões de injustiça social, e ao mesmo tempo cria um modelo de colaboração e resistência coletiva pacífica (Angulo; Martínez, 2016). Um exemplo a esse respeito é o Panal monumental (Figura 6), que foi inicialmente criado para o XLV Festival Internacional Cervantino, em outubro de 2017, em colaboração com o coletivo Madeja jaja, e apresentado nas escadarias da Universidade de Guanajuato. Essa peça comunitária compõe-se de 1.300 hexágonos tecidos em diversos tons de amarelo, e mais de 280 tecelãs de todo o México participaram de sua criação. O objetivo era convidar as pessoas a refletir sobre o desaparecimento das abelhas, além de criar uma comunidade, e foi acompanhada por oficinas, uma conferência e a exibição do documentário islandês YARN, sobre quatro artistas que usam a tecelagem como suporte para seu trabalho. A obra foi exibida posteriormente em várias outras cidades do país.
REFERÊNCIAS ANGULO, Annuska; MARTÍNEZ, Miriam Mabel. La cosa está en el tejido. Ciudad de México: Futura, 2016. BROUDE, Norma. Miriam Schapiro and ‘Femmage’: Reflections on the Conflict Between Decoration and Abstraction in Twentieth-Century Art. In: BROUDE, Norma; GARRARD, Mary (ed.). Feminism and Art History: Questioning the Litany. New York: Harper & Row, 1982. p. 314-329. CORDERO REIMAN, Karen. Cuerpos desdoblados, dicotomías invertidas. In: Héctor Velázquez. Cuerpos desdoblados. Ciudad de México: Terreno Baldío Arte, 2007. p. 6-23. CORDERO REIMAN, Karen. La invención del arte popular y la construcción de la cultura visual Moderna en México. In: ACEVEDO, Esther (ed.). Hacia otra historia del arte en México: La fabricación del arte nacional a debate (1920-1950). Tomo III. México: Consejo Nacional para la Cultura y las Artes/ Curare, A.C., 2002. p. 67-90.
CORDERO REIMAN, Karen. Mujeres nacidas de mujer: esculturas en tela de Miriam Medrez. In: MIRIAM Medrez: Zurciendo y Lo que los ojos no alcanzan a ver. Monterrey: Consejo para la Cultura y las Artes de Nuevo León, 2012. p. 9-23. CORDERO REIMAN, Karen. Para volver su inocencia a la nación (apuntes sobre el origen y el desarrollo del Método Best Maugard). In: ABRAHAM Ángel y su tiempo. (cat. exp.). México: Museo de San Carlos, 1985. p. 9-21. CORDERO REIMAN, Karen. Tejidos emergentes de Mariana Gullco. In: TEJIDOS emergentes. Mariana Gullco. (cat. exp.). Oaxaca: Museo de Arte Textil, 2012a. KRAUSS, Rosalind. Sculpture in the Expanded Field, October 8, p. 30-44, Spring 1979. MAINARDI, Patricia. Quilts: The Great American Art. In: BROUDE, Norma; GARRARD, Mary (ed.). Feminism and Art History: Questioning the Litany. New York: Harper & Row, 1982. p. 330-346.
MEDINA, Cuauhtémoc. Escultura suave, disidencia suave. In: MARTA Palalu: Naualli. Ciudad de México: Turner, 2006. p. 181-211. MEDINA, Cuauhtémoc (ed.). El hilo de la vida. San Andrés Cholula, Puebla: Fundación Universidad de las Américas, Puebla, 2016. OLALDE RICO, Katia. Una víctima, un pañuelo: bordado y acción colectiva contra la violencia en México. Ciudad de México: Red Mexicana de Estudios de los Movimientos Sociales: Conacyt, 2019. PARKER, Roszika. The Subversive Stitch: Embroidery and the Making of the Feminine. London: The Women’s Press, 1984. WITHERS, Josephine. Judy Chicago’s Dinner Party: A Personal Vision of Women’s History. In: BROUDE, Norma; GARRARD, Mary (ed.). The Expanding Discourse: Feminism and Art History. New York: HarperCollins, 1992. p. 451-465.
A tíTulo de coNclUsão Estes são apenas alguns exemplos de um panorama amplo e variado da arte atual que incorpora bordado, tecelagem e confecção de peças de vestuário com sentido artístico e performativo. A maneira como essas estratégias estéticas contribuem para a reconfiguração da vida cotidiana, do afeto e das relações sociais permite-nos contextualizar, analisar e avaliar o papel da arte na articulação de novas subjetividades e na transformação da consciência de gênero, classe e etnia no marco do ativismo social e cultural, aspectos que têm ressonância com as iniciativas latino-americanas, continentais e globais realizadas nas últimas décadas e que buscam influenciar a transformação do cenário estético-político global no futuro.
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de fios) de se reunir para tecer e realizar intervenções no espaço público relacionadas à visibilidade de questões de injustiça social, e ao mesmo tempo cria um modelo de colaboração e resistência coletiva pacífica (Angulo; Martínez, 2016). Um exemplo a esse respeito é o Panal monumental (Figura 6), que foi inicialmente criado para o XLV Festival Internacional Cervantino, em outubro de 2017, em colaboração com o coletivo Madeja jaja, e apresentado nas escadarias da Universidade de Guanajuato. Essa peça comunitária compõe-se de 1.300 hexágonos tecidos em diversos tons de amarelo, e mais de 280 tecelãs de todo o México participaram de sua criação. O objetivo era convidar as pessoas a refletir sobre o desaparecimento das abelhas, além de criar uma comunidade, e foi acompanhada por oficinas, uma conferência e a exibição do documentário islandês YARN, sobre quatro artistas que usam a tecelagem como suporte para seu trabalho. A obra foi exibida posteriormente em várias outras cidades do país.
REFERÊNCIAS ANGULO, Annuska; MARTÍNEZ, Miriam Mabel. La cosa está en el tejido. Ciudad de México: Futura, 2016. BROUDE, Norma. Miriam Schapiro and ‘Femmage’: Reflections on the Conflict Between Decoration and Abstraction in Twentieth-Century Art. In: BROUDE, Norma; GARRARD, Mary (ed.). Feminism and Art History: Questioning the Litany. New York: Harper & Row, 1982. p. 314-329. CORDERO REIMAN, Karen. Cuerpos desdoblados, dicotomías invertidas. In: Héctor Velázquez. Cuerpos desdoblados. Ciudad de México: Terreno Baldío Arte, 2007. p. 6-23. CORDERO REIMAN, Karen. La invención del arte popular y la construcción de la cultura visual Moderna en México. In: ACEVEDO, Esther (ed.). Hacia otra historia del arte en México: La fabricación del arte nacional a debate (1920-1950). Tomo III. México: Consejo Nacional para la Cultura y las Artes/ Curare, A.C., 2002. p. 67-90.
CORDERO REIMAN, Karen. Mujeres nacidas de mujer: esculturas en tela de Miriam Medrez. In: MIRIAM Medrez: Zurciendo y Lo que los ojos no alcanzan a ver. Monterrey: Consejo para la Cultura y las Artes de Nuevo León, 2012. p. 9-23. CORDERO REIMAN, Karen. Para volver su inocencia a la nación (apuntes sobre el origen y el desarrollo del Método Best Maugard). In: ABRAHAM Ángel y su tiempo. (cat. exp.). México: Museo de San Carlos, 1985. p. 9-21. CORDERO REIMAN, Karen. Tejidos emergentes de Mariana Gullco. In: TEJIDOS emergentes. Mariana Gullco. (cat. exp.). Oaxaca: Museo de Arte Textil, 2012a. KRAUSS, Rosalind. Sculpture in the Expanded Field, October 8, p. 30-44, Spring 1979. MAINARDI, Patricia. Quilts: The Great American Art. In: BROUDE, Norma; GARRARD, Mary (ed.). Feminism and Art History: Questioning the Litany. New York: Harper & Row, 1982. p. 330-346.
MEDINA, Cuauhtémoc. Escultura suave, disidencia suave. In: MARTA Palalu: Naualli. Ciudad de México: Turner, 2006. p. 181-211. MEDINA, Cuauhtémoc (ed.). El hilo de la vida. San Andrés Cholula, Puebla: Fundación Universidad de las Américas, Puebla, 2016. OLALDE RICO, Katia. Una víctima, un pañuelo: bordado y acción colectiva contra la violencia en México. Ciudad de México: Red Mexicana de Estudios de los Movimientos Sociales: Conacyt, 2019. PARKER, Roszika. The Subversive Stitch: Embroidery and the Making of the Feminine. London: The Women’s Press, 1984. WITHERS, Josephine. Judy Chicago’s Dinner Party: A Personal Vision of Women’s History. In: BROUDE, Norma; GARRARD, Mary (ed.). The Expanding Discourse: Feminism and Art History. New York: HarperCollins, 1992. p. 451-465.
A tíTulo de coNclUsão Estes são apenas alguns exemplos de um panorama amplo e variado da arte atual que incorpora bordado, tecelagem e confecção de peças de vestuário com sentido artístico e performativo. A maneira como essas estratégias estéticas contribuem para a reconfiguração da vida cotidiana, do afeto e das relações sociais permite-nos contextualizar, analisar e avaliar o papel da arte na articulação de novas subjetividades e na transformação da consciência de gênero, classe e etnia no marco do ativismo social e cultural, aspectos que têm ressonância com as iniciativas latino-americanas, continentais e globais realizadas nas últimas décadas e que buscam influenciar a transformação do cenário estético-político global no futuro.
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4 Mariana Gullco. Estribo, série ˝Tejidos emergentes˝, intervenção no espaço público de Oaxaca, México, 2012. Pintura sobre tampa de metal. foto Mariana Gullco 5 Bordado por la paz. Bordados expostos pelo coletivo Fuentes Rojas, Jardín Centenario, Coyoacán, Cidade de México, 2 de dezembro de 2012. foto Katia Olalde Rico
56
6 Nas páginas seguintes: Coletivo Lana Desastre em colaboração com o coletivo Madeja jaja. Panal monumental, 2017. Instalação no XVL Festival Internacional Cervantino, Guanajuato, México. Lã tricotada, medidas variáveis. foto Manuel Guerrero
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4 Mariana Gullco. Estribo, série ˝Tejidos emergentes˝, intervenção no espaço público de Oaxaca, México, 2012. Pintura sobre tampa de metal. foto Mariana Gullco 5 Bordado por la paz. Bordados expostos pelo coletivo Fuentes Rojas, Jardín Centenario, Coyoacán, Cidade de México, 2 de dezembro de 2012. foto Katia Olalde Rico
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6 Nas páginas seguintes: Coletivo Lana Desastre em colaboração com o coletivo Madeja jaja. Panal monumental, 2017. Instalação no XVL Festival Internacional Cervantino, Guanajuato, México. Lã tricotada, medidas variáveis. foto Manuel Guerrero
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obras xpostas
ostaspx obras obras * expostas
* Imagens dispostas por ordem de data de produção
60
AUTORA DESCONHECIDA Pensilvânia, Estados Unidos
Colcha “cubos tridimensionais”, c.1890 Lã e algodão 216 × 200 cm Coleção Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand — MASP Compra no contexto da exposição Histórias das mulheres, 2019 MASP. 10872 foto MASP
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obras xpostas
ostaspx obras obras * expostas
* Imagens dispostas por ordem de data de produção
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AUTORA DESCONHECIDA Pensilvânia, Estados Unidos
Colcha “cubos tridimensionais”, c.1890 Lã e algodão 216 × 200 cm Coleção Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand — MASP Compra no contexto da exposição Histórias das mulheres, 2019 MASP. 10872 foto MASP
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AUTORA DESCONHECIDA
ALDO BONADEI
Colcha “cerca de trilho”, c.1890 Seda e algodão 203 × 204 cm Coleção Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand — MASP Compra no contexto da exposição Histórias das mulheres, 2019 MASP. 10874 foto MASP
Saia, s.d. Óleo, barbante e lã sobre estopa e juta 75 × 10 × 105 cm Coleção da Pinacoteca do Estado de São Paulo. Doação de Helena Wiechmann, 1996 foto Isabella Matheus
Pensilvânia, Estados Unidos
AUTORA DESCONHECIDA Grã-Bretanha
Amostra de pontos de bordado “Berlin Wool Work”, século 19 Fio de lã sobre tecido de algodão 81 × 74 cm Coleção Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand — MASP Compra no contexto da exposição Histórias das mulheres, 2019 MASP. 10864 foto MASP
62
São Paulo, SP, 1906 — 1974
ARthur BISPO DO ROSÁRIO Jabaratuba, SE, 1909 (?) — Rio de Janeiro, RJ, 1989
Navios de Guerra, s.d. Costura, bordado e escrita 141 × 142 × 5 cm Coleção Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro foto Rafael Adorján
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AUTORA DESCONHECIDA
ALDO BONADEI
Colcha “cerca de trilho”, c.1890 Seda e algodão 203 × 204 cm Coleção Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand — MASP Compra no contexto da exposição Histórias das mulheres, 2019 MASP. 10874 foto MASP
Saia, s.d. Óleo, barbante e lã sobre estopa e juta 75 × 10 × 105 cm Coleção da Pinacoteca do Estado de São Paulo. Doação de Helena Wiechmann, 1996 foto Isabella Matheus
Pensilvânia, Estados Unidos
AUTORA DESCONHECIDA Grã-Bretanha
Amostra de pontos de bordado “Berlin Wool Work”, século 19 Fio de lã sobre tecido de algodão 81 × 74 cm Coleção Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand — MASP Compra no contexto da exposição Histórias das mulheres, 2019 MASP. 10864 foto MASP
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São Paulo, SP, 1906 — 1974
ARthur BISPO DO ROSÁRIO Jabaratuba, SE, 1909 (?) — Rio de Janeiro, RJ, 1989
Navios de Guerra, s.d. Costura, bordado e escrita 141 × 142 × 5 cm Coleção Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro foto Rafael Adorján
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LETÍCIA PARENTE
Salvador, BA, 1930 — Rio de Janeiro, RJ, 1991
Marca registrada, 1975 Vídeo, 10min34s Cortesia da família da artista e Galeria Jaqueline Martins
REGINA GOMIDE GRAZ
[atribuído] Itapetininga, SP, 1897 — São Paulo, SP, 1973
ZUZU ANGEL
Curvelo, MG, 1921 — Rio de Janeiro, RJ, 1976
Índios, 1930 (segunda versão) Colagem de tecidos 72 x 121 cm Coleção Fulvia e Adolpho Leirner, São Paulo foto Edouard Fraipont
ANNA BELLA GEIGER Rio de Janeiro, RJ, 1933
Vestido de protesto político (réplica), 1971 Bordado à máquina 135 × 81 cm Coleção Instituto Zuzu Angel foto Masao Goto Filho
64
Variáveis, 1978 Bordado sobre linho branco 52 × 62 cm Coleção da artista foto Eduardo Ortega
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LETÍCIA PARENTE
Salvador, BA, 1930 — Rio de Janeiro, RJ, 1991
Marca registrada, 1975 Vídeo, 10min34s Cortesia da família da artista e Galeria Jaqueline Martins
REGINA GOMIDE GRAZ
[atribuído] Itapetininga, SP, 1897 — São Paulo, SP, 1973
ZUZU ANGEL
Curvelo, MG, 1921 — Rio de Janeiro, RJ, 1976
Índios, 1930 (segunda versão) Colagem de tecidos 72 x 121 cm Coleção Fulvia e Adolpho Leirner, São Paulo foto Edouard Fraipont
ANNA BELLA GEIGER Rio de Janeiro, RJ, 1933
Vestido de protesto político (réplica), 1971 Bordado à máquina 135 × 81 cm Coleção Instituto Zuzu Angel foto Masao Goto Filho
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Variáveis, 1978 Bordado sobre linho branco 52 × 62 cm Coleção da artista foto Eduardo Ortega
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REGINA VATER
PAULO LIMA BUENOZ
Rio de Janeiro, RJ, 1943
Marília, SP, 1955
Oxalá que dê bom Tempo, série “ART”, 1978 Bandeira bordada em seda 70 × 100 cm Coleção Fernando Assad Abdalla foto Cortesia da artista
Manual de sobrevivência 01, 1988 Técnica mista 105 × 90 × 70 cm Coleção Museu de Arte Brasileira — MAB FAAP foto Fernando Silveira
NIOBE XANDÓ
Campos Novos Paulista, SP, 1915 — São Paulo, SP, 2010
Toalha VII, 1987-1993 Tinta acrílica sobre linha Ø 48 cm Coleção da Pinacoteca do Estado de São Paulo. Doação de Maria de Lourdes Ribeiro Rosa, 2007 foto Isabella Matheus
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REGINA VATER
PAULO LIMA BUENOZ
Rio de Janeiro, RJ, 1943
Marília, SP, 1955
Oxalá que dê bom Tempo, série “ART”, 1978 Bandeira bordada em seda 70 × 100 cm Coleção Fernando Assad Abdalla foto Cortesia da artista
Manual de sobrevivência 01, 1988 Técnica mista 105 × 90 × 70 cm Coleção Museu de Arte Brasileira — MAB FAAP foto Fernando Silveira
NIOBE XANDÓ
Campos Novos Paulista, SP, 1915 — São Paulo, SP, 2010
Toalha VII, 1987-1993 Tinta acrílica sobre linha Ø 48 cm Coleção da Pinacoteca do Estado de São Paulo. Doação de Maria de Lourdes Ribeiro Rosa, 2007 foto Isabella Matheus
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BETH MOYSÉS
ROSANA PALAZYAN
Maria, 1995 Tecido e madeira 200 × 250 × 250 cm aprox. Coleção Museu de Arte Brasileira — MAB FAAP foto Fernando Silveira
MÃEFILHO, 1996 Bordado sobre lenço bordado; agulha 37 × 19 × 6 cm Coleção da artista foto Cortesia da artista
São Paulo, SP, 1960
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Rio de Janeiro, RJ, 1963
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BETH MOYSÉS
ROSANA PALAZYAN
Maria, 1995 Tecido e madeira 200 × 250 × 250 cm aprox. Coleção Museu de Arte Brasileira — MAB FAAP foto Fernando Silveira
MÃEFILHO, 1996 Bordado sobre lenço bordado; agulha 37 × 19 × 6 cm Coleção da artista foto Cortesia da artista
São Paulo, SP, 1960
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Rio de Janeiro, RJ, 1963
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SONIA GOMES Caetanópolis, MG, 1948
Memória, 2004 Costura, amarrações, tecidos, rendas e fragmentos diversos 140 × 270 cm Cortesia da artista e Mendes Wood DM, São Paulo, Nova York e Bruxelas foto Eduardo Ortega
ROSANA PAULINO São Paulo, SP, 1967
Sem título, série “Bastidores”, 1997 Imagem transferida sobre tecido e bordado Ø 30 cm Coleção Fernando Assad Abdalla foto Cortesia da artista
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SONIA GOMES Caetanópolis, MG, 1948
Memória, 2004 Costura, amarrações, tecidos, rendas e fragmentos diversos 140 × 270 cm Cortesia da artista e Mendes Wood DM, São Paulo, Nova York e Bruxelas foto Eduardo Ortega
ROSANA PAULINO São Paulo, SP, 1967
Sem título, série “Bastidores”, 1997 Imagem transferida sobre tecido e bordado Ø 30 cm Coleção Fernando Assad Abdalla foto Cortesia da artista
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ROSÂNGELA RENNÓ Belo Horizonte, MG, 1962
FERNANDO MARQUES PENTEADO
O profeta da negociação, 2008 Bordado e ampliação sobre papel fotográfico 46,8 × 43,5 cm Coleção da Pinacoteca do Estado de São Paulo. Doação de Jones Bergamin, Alessandra D’Aloia, Ângela e Ricard Akagawa, Maguy e Jean Marc Etlin, Carolina e Benjamin Steinbruch, Liane e Roberto Bielawski, Teresa e Candido Bracher, Susana e Ricardo Steinbruch, Eliana Finkelstein, Mônica e Eduardo Vassimon e Luisa Strina, 2010 foto Isabella Matheus
SOL CASAL Buenos Aires, Argentina, 1984
Nó na garganta, série “Muô, mistérios corpóreos”, 2008 Fotografia com intervenção em tricô, resina e alumínio 40 × 30 cm Coleção particular foto Cortesia da artista
São Paulo, SP, 1955
Judas o rei da traição, série “Camafeu e broches de reis santos e homens veados”, 2005 PVC bordado a mão e a máquina e argola metálica industrial Ø 71 × 3 cm Cortesia do artista e Mendes Wood DM, São Paulo, Nova York e Bruxelas foto Bruno Leão
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ROSÂNGELA RENNÓ Belo Horizonte, MG, 1962
FERNANDO MARQUES PENTEADO
O profeta da negociação, 2008 Bordado e ampliação sobre papel fotográfico 46,8 × 43,5 cm Coleção da Pinacoteca do Estado de São Paulo. Doação de Jones Bergamin, Alessandra D’Aloia, Ângela e Ricard Akagawa, Maguy e Jean Marc Etlin, Carolina e Benjamin Steinbruch, Liane e Roberto Bielawski, Teresa e Candido Bracher, Susana e Ricardo Steinbruch, Eliana Finkelstein, Mônica e Eduardo Vassimon e Luisa Strina, 2010 foto Isabella Matheus
SOL CASAL Buenos Aires, Argentina, 1984
Nó na garganta, série “Muô, mistérios corpóreos”, 2008 Fotografia com intervenção em tricô, resina e alumínio 40 × 30 cm Coleção particular foto Cortesia da artista
São Paulo, SP, 1955
Judas o rei da traição, série “Camafeu e broches de reis santos e homens veados”, 2005 PVC bordado a mão e a máquina e argola metálica industrial Ø 71 × 3 cm Cortesia do artista e Mendes Wood DM, São Paulo, Nova York e Bruxelas foto Bruno Leão
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JANAINA BARROS São Paulo, SP, 1979
Bulina-me, 2010 Tecido, algodão, linho, paetês, costura e bordado 55 × 100 cm Coleção Janaina Barros foto Diana Proença Módena
CAROLINE VALANSI Rio de Janeiro, RJ, 1979
Era uma vez, 2006-2009 Bordado sobre fotografia 150 × 110 cm Coleção da artista foto Cortesia da artista
JANAINA BARROS São Paulo, SP, 1979
Bulina-me, 2010 Tecido, algodão, linho, paetês, costura e bordado 55 × 100 cm Coleção Janaina Barros foto Diana Proença Módena
CAROLINE VALANSI Rio de Janeiro, RJ, 1979
Era uma vez, 2006-2009 Bordado sobre fotografia 150 × 110 cm Coleção da artista foto Cortesia da artista
NAZARETH PACHECO São Paulo, SP, 1961
Minha infância nunca perdeu sua magia, 2012 Bordado sobre tecido 110 × 70 cm Cortesia Galeria Kogan Amaro foto Mileni Rinaldi
NAZARENO RODRIGUES São Paulo, SP, 1961
Felicidade, 2010 Relevo de parede e crochê 30 × 40 cm Coleção Fernando Assad Abdalla foto Eduardo Ortega
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NAZARETH PACHECO São Paulo, SP, 1961
Minha infância nunca perdeu sua magia, 2012 Bordado sobre tecido 110 × 70 cm Cortesia Galeria Kogan Amaro foto Mileni Rinaldi
NAZARENO RODRIGUES São Paulo, SP, 1961
Felicidade, 2010 Relevo de parede e crochê 30 × 40 cm Coleção Fernando Assad Abdalla foto Eduardo Ortega
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PEDRO LUIS Rio de Janeiro, RJ, 1989
NARA AMÉLIA
O nosso amor sempre existiu, série “Trabalhos autobiográficos com a memória alheia”, 2014 Bordados sobre fotografia antiga 27,5 × 35 cm Coleção Marcos Paulo e César Conrado foto Marcos Paulo da Silva
Três Passos, RS, 1982
LIA MENNA BARRETO
Gentileza, 2014 Bordado sobre tecido 29 × 29 cm Coleção Galeria Bolsa de Arte foto Cortesia Galeria Bolsa de Arte
Rio de Janeiro, RJ, 1959
Beijo azul, 2013 Organza de seda pura e plástico 142 × 142 cm Coleção Galeria Bolsa de Arte foto Cortesia Galeria Bolsa de Arte
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PEDRO LUIS Rio de Janeiro, RJ, 1989
NARA AMÉLIA
O nosso amor sempre existiu, série “Trabalhos autobiográficos com a memória alheia”, 2014 Bordados sobre fotografia antiga 27,5 × 35 cm Coleção Marcos Paulo e César Conrado foto Marcos Paulo da Silva
Três Passos, RS, 1982
LIA MENNA BARRETO
Gentileza, 2014 Bordado sobre tecido 29 × 29 cm Coleção Galeria Bolsa de Arte foto Cortesia Galeria Bolsa de Arte
Rio de Janeiro, RJ, 1959
Beijo azul, 2013 Organza de seda pura e plástico 142 × 142 cm Coleção Galeria Bolsa de Arte foto Cortesia Galeria Bolsa de Arte
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FÁBIO CARVALHO Rio de Janeiro, RJ, 1965
Delicado desejo n° 2 (AK-48), 2014 Rendas 50 × 120 cm Coleção Fábio Carvalho [grupo Almofadinhas] foto Cortesia do artista
Delicado desejo nº 10, 2015 Rendas 30 × 40 cm Coleção Fábio Carvalho [grupo Almofadinhas] foto Cortesia do artista
Delicado desejo nº 1 (AR-15), 2014 Rendas 50 × 120 cm Coleção Fábio Carvalho [grupo Almofadinhas] foto Cortesia do artista Delicado desejo n° 9, 2015 Rendas 30 × 40 cm Coleção Fábio Carvalho [grupo Almofadinhas] foto Cortesia do artista
Delicado desejo nº 4, 2014 Rendas 30 × 40 cm Coleção Fábio Carvalho [grupo Almofadinhas] foto Cortesia do artista
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FÁBIO CARVALHO Rio de Janeiro, RJ, 1965
Delicado desejo n° 2 (AK-48), 2014 Rendas 50 × 120 cm Coleção Fábio Carvalho [grupo Almofadinhas] foto Cortesia do artista
Delicado desejo nº 10, 2015 Rendas 30 × 40 cm Coleção Fábio Carvalho [grupo Almofadinhas] foto Cortesia do artista
Delicado desejo nº 1 (AR-15), 2014 Rendas 50 × 120 cm Coleção Fábio Carvalho [grupo Almofadinhas] foto Cortesia do artista Delicado desejo n° 9, 2015 Rendas 30 × 40 cm Coleção Fábio Carvalho [grupo Almofadinhas] foto Cortesia do artista
Delicado desejo nº 4, 2014 Rendas 30 × 40 cm Coleção Fábio Carvalho [grupo Almofadinhas] foto Cortesia do artista
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JEANETE MUSATTI São Paulo, SP, 1944
Sem título, série “Pantanal”, 2016/17 Técnica mista em caixa de madeira 30 × 20 × 10 cm Coleção Galeria Bolsa de Arte foto Cortesia Galeria Bolsa de Arte
BRÍGIDA BALTAR
Rio de Janeiro, RJ, 1959
O hematoma #1, 2016 Bordado sobre linho 37 × 27 cm Coleção Carbono Galeria foto Gui Gomes
NINO CAIS
São Paulo, SP, 1969
Alegoria, 2015 Tecidos 118 × 79 × 16 cm Coleção da Pinacoteca do Estado de São Paulo. Doação do artista, por intermédio da Associação Pinacoteca Arte e Cultura — APAC, em processo. foto Isabella Matheus
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RODRIGO MOGIZ Belo Horizonte, MG, 1978
Alfineteiro nu, 2016 Bordado sobre tecido, pedraria, alfinetes, feltro e espuma 47 × 28 × 8 cm Coleção do artista [grupo Almofadinhas] foto Lucas Galeno
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JEANETE MUSATTI São Paulo, SP, 1944
Sem título, série “Pantanal”, 2016/17 Técnica mista em caixa de madeira 30 × 20 × 10 cm Coleção Galeria Bolsa de Arte foto Cortesia Galeria Bolsa de Arte
BRÍGIDA BALTAR
Rio de Janeiro, RJ, 1959
O hematoma #1, 2016 Bordado sobre linho 37 × 27 cm Coleção Carbono Galeria foto Gui Gomes
NINO CAIS
São Paulo, SP, 1969
Alegoria, 2015 Tecidos 118 × 79 × 16 cm Coleção da Pinacoteca do Estado de São Paulo. Doação do artista, por intermédio da Associação Pinacoteca Arte e Cultura — APAC, em processo. foto Isabella Matheus
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RODRIGO MOGIZ Belo Horizonte, MG, 1978
Alfineteiro nu, 2016 Bordado sobre tecido, pedraria, alfinetes, feltro e espuma 47 × 28 × 8 cm Coleção do artista [grupo Almofadinhas] foto Lucas Galeno
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RODRIGO LOPES Fortaleza, CE, 1995
JUCÉLIA DA SILVA
Sem título, 2018 Bordado sobre tecido Ø 30 cm Coleção do artista e Douglas da Silva foto Lucas Dilacerda
Pedra, PE, 1985
Cabeças, 2017 Desenho inspirado na renda renascença 47 × 32,5 cm Coleção da artista foto Ana Pigosso
RICK RODRIGUES João Neiva, ES, 1988
Sem título, série “Almofadinhas“, 2017 Desenho bordado sobre capa de almofada 24 × 24 × 5 cm (cada) Coleção do artista [grupo Almofadinhas] foto Junior Luis Paulo
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ANGELA OD
Rio de Janeiro, RJ, 1973
Lavanda é a cor mais livre 3, 2019 Lã e linha sobre linhão 100 × 150 cm Coleção da artista foto Cortesia da artista
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RODRIGO LOPES Fortaleza, CE, 1995
JUCÉLIA DA SILVA
Sem título, 2018 Bordado sobre tecido Ø 30 cm Coleção do artista e Douglas da Silva foto Lucas Dilacerda
Pedra, PE, 1985
Cabeças, 2017 Desenho inspirado na renda renascença 47 × 32,5 cm Coleção da artista foto Ana Pigosso
RICK RODRIGUES João Neiva, ES, 1988
Sem título, série “Almofadinhas“, 2017 Desenho bordado sobre capa de almofada 24 × 24 × 5 cm (cada) Coleção do artista [grupo Almofadinhas] foto Junior Luis Paulo
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ANGELA OD
Rio de Janeiro, RJ, 1973
Lavanda é a cor mais livre 3, 2019 Lã e linha sobre linhão 100 × 150 cm Coleção da artista foto Cortesia da artista
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TERESA MARGOLLES Culiacán, México, 1963
Priscilla presente, 2019 Trans.bordando Vídeo, 22min34s Coleção da artista foto Rafael Burillo
EDITH DERDYK São Paulo, SP, 1955
Sopro, 2020 Linha e agulha Instalação site specific, Sesc Pinheiros, São Paulo 300 x 200 cm aprox. Coleção da artista foto Katia Kuwabara
KAREN DOLOREZ Bauru, SP, 1985
Foi assim que entendi que vocês se sentiam, 2019 Crochê e costura 120 × 80 cm Coleção da artista foto Laís Domingues
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TERESA MARGOLLES Culiacán, México, 1963
Priscilla presente, 2019 Trans.bordando Vídeo, 22min34s Coleção da artista foto Rafael Burillo
EDITH DERDYK São Paulo, SP, 1955
Sopro, 2020 Linha e agulha Instalação site specific, Sesc Pinheiros, São Paulo 300 x 200 cm aprox. Coleção da artista foto Katia Kuwabara
KAREN DOLOREZ Bauru, SP, 1985
Foi assim que entendi que vocês se sentiam, 2019 Crochê e costura 120 × 80 cm Coleção da artista foto Laís Domingues
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exposição
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exposição
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obRas dA exposição
AUTORAS DESCONHECIDAS Amostra de pontos de bordado “Berlin Wool Work”, século 19 Colcha “cerca de trilho”, c.1890 Colcha “cubos tridimensionais”, c.1890 Carta de desaparecidos, 1973–1989 Centro de detención, 1973–1989 Muerte del presidente Salvador Allende en el Palacio de la Moneda, 1973–1989 Justicia para Rodrigo y Carmen Gloria, 1973–1989 Marcha de mujeres familiares de detenidos desaparecidos (AFDD), 1980–1992 Marcha por la Verdad y la Justicia, 1985–1999 ALDO BONADEI Saia, s.d. ANA MIGUEL para sempre meus, 2000 Um livro para Rapunzel, 2004 Amor a Kafka: relato de viagem, 2006–2009 Angela OD Lavanda é a cor mais livre 1, 2019 Lavanda é a cor mais livre 2, 2019 Lavanda é a cor mais livre 3, 2019 ANNA BELLA GEIGER Variáveis, 1978 ARTHUR BISPO DO ROSÁRIO Dicionário de nomes letra A II, s.d. Merendeira cor de rosa, s.d. Navios de guerra, s.d. BETH MOYSÉS Maria, 1995 Bastidor, 1997 Gotejando, 2001 Reconstruindo sonhos, série “Mãos bordadas”, 2002 Reconstruindo sonhos, 2005 BRÍGIDA BALTAR O hematoma #1, 2016
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CAROLINE VALANSI Copacabana, 2006–2009 Era uma vez, 2006–2009 Rede, 2006–2009 EDITH DERDYK Sopro, 2020 FÁBIO CARVALHO Bai feliz buando, no bico dum passarinho n.4, série “Portugal — lenços de namorados”, 2012 Bai feliz buando, no bico dum passarinho n.6, série “Portugal — lenços de namorados”, 2012 Delicado desejo n° 1 (AR-15), 2014 Delicado desejo n° 2 (AK-48), 2014 Delicado desejo n° 4, 2014 Delicado desejo n° 9, 2015 Delicado desejo n° 10, 2015 Fado indesejado, 2013/2016 Breves Desgenerificações n° 2, 2017 FERNANDO MARQUES PENTEADO Homem-veado do Mato Grosso, série “Camafeu e broches de reis, santos e homens veados”, 2004 Judas o rei da traição, série “Camafeu e broches de reis, santos e homens veados”, 2005 Homenagem a Câmara Cascudo, série “Cortinas Franjadas”, 2008 Christian Maier [CM], 2016 JANAINA BARROS Bulina-me, 2010 Invólucros, série “Sou todo seu”, 2010 Toca-me, 2010 JEANETE MUSATTI Sem título, série “Pantanal”, 2016/2017 JOSÉ LEONILSON Se você sonha com nuvens, 1991 JUCÉLIA DA SILVA Cabeças, 2017 O que distingue I, 2020 O que distingue II, 2020 “pelo Bilro e pelo Espinho”, 2020
KAREN DOLOREZ Foi assim que entendi que vocês se sentiam, 2019 A traição da arte, 2020 Auto-retrato I, 2020 Auto-retrato II, 2020 LETÍCIA PARENTE Marca registrada, 1975 LIA MENNA BARRETO Sem título (edição única), 1996 Pintura de Taiwan, 2003 Beijo azul, 2013 Eu te amo, 2013 Passeio no parque, 2013 NARA AMÉLIA Gentileza, 2014 Uma tristeza muito antiga, 2014 Natureza morta (fantasmas), 2016 NAZARENO RODRIGUES Felicidade, 2010 NAZARETH PACHECO Sem título, 1997 Saia, 1998 Bustiê, 2011 Minha infância nunca perdeu sua magia, 2012 Corta costura, 2016 Ex Congelado, 2016 Lança, 2016 NINO CAIS Alegoria, 2015 NIOBE XANDÓ Toalha VII, 1987–1993 Toalha XXXIII, 1987–1993 PAULO LIMA BUENOZ Manual de Sobrevivência 01, 1998 Manual de Sobrevivência 02, 1998 Manual de Sobrevivência 03, 1998
PEDRO LUIS A maior distância entre nós, 2014 O nosso amor sempre existiu, série “Trabalhos autobiográficos com a memória alheia”, 2014 Tentando remendar o irremendável, 2014 POLA FERNANDEZ Sem título, série “Odete”, 2019 Sem título, série “Odete”, 2019 Sem título, série “Odete”, 2019 Sem título, série “Odete”, 2019 REGINA GOMIDE GRAZ (atribuído) Índios, 1930 (2ª versão) REGINA VATER Oxalá que dê bom Tempo, série “ART”, 1978 RICK RODRIGUES Sem título, série “Almofadinhas”, 2017 Sem título, série “Almofadinhas”, 2017 Sem título, série “Almofadinhas”, 2017 Sem título, série “Almofadinhas”, 2017 RODRIGO LOPES Sem título, 2018 Sem título, série “Pai”, 2018 Sem título, série “Pai”, 2018 Sem título, série “Pai”, 2018
ROSANA PALAZYAN †M..., 1997 “...nunca mais quis saber de futebol, de mais nada...”, 2006, da série “...uma história que você nunca mais esqueceu?”, 2000/2007 Emilia sonchifolia homo, 2012, da série “Minha coleção de sementes Daninhas”, 2006/2018 Love story – versão 4, 1999/2020 MÃEFILHO, 1996 Rosa daninha?, 2012 ROSANA PAULINO Sem título, série “Bastidores”, 1997 ROSÂNGELA RENNÓ O profeta da negociação, 2008 SOL CASAL Nó na garganta, da série “Muô, mistérios corpóreos”, 2008 Todo tempo não é um, 2019 SONIA GOMES Memória, 2004 TERESA MARGOLLES Lista Negra, s.d. Priscilla presente, 2019 ZUZU ANGEL Desfile-protesto, 1971 Vestido de protesto político (réplica), 1971
RODRIGO MOGIZ Com quem você tem bordado?, 2006 Da minha angústia, série “Alfineteiros”, 2006 Da minha nobreza, série “Alfineteiros”, 2006 Do meu desejo, série “Alfineteiros”, 2006 Do meu íntimo, série “Alfineteiros”, 2006 Alfineteiro nu, 2016
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AUTORAS DESCONHECIDAS Amostra de pontos de bordado “Berlin Wool Work”, século 19 Colcha “cerca de trilho”, c.1890 Colcha “cubos tridimensionais”, c.1890 Carta de desaparecidos, 1973–1989 Centro de detención, 1973–1989 Muerte del presidente Salvador Allende en el Palacio de la Moneda, 1973–1989 Justicia para Rodrigo y Carmen Gloria, 1973–1989 Marcha de mujeres familiares de detenidos desaparecidos (AFDD), 1980–1992 Marcha por la Verdad y la Justicia, 1985–1999 ALDO BONADEI Saia, s.d. ANA MIGUEL para sempre meus, 2000 Um livro para Rapunzel, 2004 Amor a Kafka: relato de viagem, 2006–2009 Angela OD Lavanda é a cor mais livre 1, 2019 Lavanda é a cor mais livre 2, 2019 Lavanda é a cor mais livre 3, 2019 ANNA BELLA GEIGER Variáveis, 1978 ARTHUR BISPO DO ROSÁRIO Dicionário de nomes letra A II, s.d. Merendeira cor de rosa, s.d. Navios de guerra, s.d. BETH MOYSÉS Maria, 1995 Bastidor, 1997 Gotejando, 2001 Reconstruindo sonhos, série “Mãos bordadas”, 2002 Reconstruindo sonhos, 2005 BRÍGIDA BALTAR O hematoma #1, 2016
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CAROLINE VALANSI Copacabana, 2006–2009 Era uma vez, 2006–2009 Rede, 2006–2009 EDITH DERDYK Sopro, 2020 FÁBIO CARVALHO Bai feliz buando, no bico dum passarinho n.4, série “Portugal — lenços de namorados”, 2012 Bai feliz buando, no bico dum passarinho n.6, série “Portugal — lenços de namorados”, 2012 Delicado desejo n° 1 (AR-15), 2014 Delicado desejo n° 2 (AK-48), 2014 Delicado desejo n° 4, 2014 Delicado desejo n° 9, 2015 Delicado desejo n° 10, 2015 Fado indesejado, 2013/2016 Breves Desgenerificações n° 2, 2017 FERNANDO MARQUES PENTEADO Homem-veado do Mato Grosso, série “Camafeu e broches de reis, santos e homens veados”, 2004 Judas o rei da traição, série “Camafeu e broches de reis, santos e homens veados”, 2005 Homenagem a Câmara Cascudo, série “Cortinas Franjadas”, 2008 Christian Maier [CM], 2016 JANAINA BARROS Bulina-me, 2010 Invólucros, série “Sou todo seu”, 2010 Toca-me, 2010 JEANETE MUSATTI Sem título, série “Pantanal”, 2016/2017 JOSÉ LEONILSON Se você sonha com nuvens, 1991 JUCÉLIA DA SILVA Cabeças, 2017 O que distingue I, 2020 O que distingue II, 2020 “pelo Bilro e pelo Espinho”, 2020
KAREN DOLOREZ Foi assim que entendi que vocês se sentiam, 2019 A traição da arte, 2020 Auto-retrato I, 2020 Auto-retrato II, 2020 LETÍCIA PARENTE Marca registrada, 1975 LIA MENNA BARRETO Sem título (edição única), 1996 Pintura de Taiwan, 2003 Beijo azul, 2013 Eu te amo, 2013 Passeio no parque, 2013 NARA AMÉLIA Gentileza, 2014 Uma tristeza muito antiga, 2014 Natureza morta (fantasmas), 2016 NAZARENO RODRIGUES Felicidade, 2010 NAZARETH PACHECO Sem título, 1997 Saia, 1998 Bustiê, 2011 Minha infância nunca perdeu sua magia, 2012 Corta costura, 2016 Ex Congelado, 2016 Lança, 2016 NINO CAIS Alegoria, 2015 NIOBE XANDÓ Toalha VII, 1987–1993 Toalha XXXIII, 1987–1993 PAULO LIMA BUENOZ Manual de Sobrevivência 01, 1998 Manual de Sobrevivência 02, 1998 Manual de Sobrevivência 03, 1998
PEDRO LUIS A maior distância entre nós, 2014 O nosso amor sempre existiu, série “Trabalhos autobiográficos com a memória alheia”, 2014 Tentando remendar o irremendável, 2014 POLA FERNANDEZ Sem título, série “Odete”, 2019 Sem título, série “Odete”, 2019 Sem título, série “Odete”, 2019 Sem título, série “Odete”, 2019 REGINA GOMIDE GRAZ (atribuído) Índios, 1930 (2ª versão) REGINA VATER Oxalá que dê bom Tempo, série “ART”, 1978 RICK RODRIGUES Sem título, série “Almofadinhas”, 2017 Sem título, série “Almofadinhas”, 2017 Sem título, série “Almofadinhas”, 2017 Sem título, série “Almofadinhas”, 2017 RODRIGO LOPES Sem título, 2018 Sem título, série “Pai”, 2018 Sem título, série “Pai”, 2018 Sem título, série “Pai”, 2018
ROSANA PALAZYAN †M..., 1997 “...nunca mais quis saber de futebol, de mais nada...”, 2006, da série “...uma história que você nunca mais esqueceu?”, 2000/2007 Emilia sonchifolia homo, 2012, da série “Minha coleção de sementes Daninhas”, 2006/2018 Love story – versão 4, 1999/2020 MÃEFILHO, 1996 Rosa daninha?, 2012 ROSANA PAULINO Sem título, série “Bastidores”, 1997 ROSÂNGELA RENNÓ O profeta da negociação, 2008 SOL CASAL Nó na garganta, da série “Muô, mistérios corpóreos”, 2008 Todo tempo não é um, 2019 SONIA GOMES Memória, 2004 TERESA MARGOLLES Lista Negra, s.d. Priscilla presente, 2019 ZUZU ANGEL Desfile-protesto, 1971 Vestido de protesto político (réplica), 1971
RODRIGO MOGIZ Com quem você tem bordado?, 2006 Da minha angústia, série “Alfineteiros”, 2006 Da minha nobreza, série “Alfineteiros”, 2006 Do meu desejo, série “Alfineteiros”, 2006 Do meu íntimo, série “Alfineteiros”, 2006 Alfineteiro nu, 2016
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SESC – SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO ADMINISTRAÇÃO REGIONAL NO ESTADO DE SÃO PAULO Presidente do Conselho Regional Abram Szajman Diretor do Departamento Regional Danilo Santos de Miranda SUPERINTENDENTES Técnico-Social Joel Naimayer Padula Comunicação Social Ivan Giannini Administração Luiz Deoclécio Massaro Galina Assessoria Técnica e de Planejamento Sérgio José Battistelli GERENTES Artes Visuais e Tecnologia Juliana Braga de Mattos Estudos e Desenvolvimento Marta Raquel Colabone Artes Gráficas Hélcio Magalhães Difusão e Promoção Marcos Ribeiro de Carvalho Contratações e Logística Adriana Mathias Patrimônio e Serviços Nelson Fonseca Sesc Pinheiros Flávia Carvalho
© Direitos autorais reservados pelos autores, artistas e fotógrafos. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida ou transmitida sob qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia ou qualquer sistema de armazenamento, sem a permissão por escrito do editor. Sesc e Art Unlimited estão à disposição das pessoas que eventualmente queiram se manifestar a respeito de licença de uso de imagens e/ou de textos reproduzidos neste material, tendo em vista determinados artistas e/ou representantes legais que não responderam às solicitações ou não foram identificados, ou localizados.
TRANSBORDAR – TRANSGRESSÕES DO BORDADO NA ARTE Curadoria Ana Paula Cavalcanti Simioni Curadora assistente Jordana Braz Equipe Sesc Adriana Lazarini Sales, Adriano Alves, Andréa Lanaro, Camila Hion, Carolina Barmell, Claudia Talita Oliveira, Claudia Garcia, Cláudio Hessel, Daniel Ramos, Diogo de Moraes, Fernanda Monteiro, Fernanda Porta Nova, Fernando Fialho, Gabriela Farcetta, Henrique Vizeu, Ilona Hertel, José Lima, Karina Musumeci, Lidia Borba, Ligia Moreli, Luciano Amadei, Luciano Quirino, Márcio Donisete Lopes, Nilva Luz, Paulo Roberto Ferreira, Silvana Santos, Silvio Miron, Suellen Barbosa, Thais Franco, Thais Guimarães Coordenação geral Art Unlimited – Tânia Mills, Pieter Tjabbes Produção executiva Sonia Leme Produção Cristiane Zago Equipe Art Unlimited Cristiane Guimarães, Martina Balieriro, Reginaldo de Souza, Rose Teixeira, Sandra Klinger Rocha Projeto expográfico Estúdio Gru – Jeanine Menezes, Lia Untem (assistente) Projeto luminotécnico Aline Santini, Vitória Pamplona (assistente) Identidade visual e design gráfico Tereza Bettinardi, Barbara Cutlak (assistente) Tratamento de imagem Wagner Fernandes Coordenação editorial Rafael Roncato Tradução do espanhol Cecilia Farias Revisão de textos Armando Olivetti Laudos de conservação Camila Ayla (MG), Evaldo Portela (ES), Gustavo Possamai (RS), Priscila Moret (RJ), R&M Conservação de obras de arte (SP) Montagem fina Alexandre Cruz da Silva, Cicero Bibiano da Silva Junior, Gustavo Silva Rosa, Helio Iwasa Ação educativa Rochele Beatriz Sá (coordenação) Transporte Art Quality Execução cenografia AYO Making of Castanheira Audiovisual Fotografias da exposição Kazuo Kajihara
Vídeo Making of bit.ly/making_of_transbordar
contato@artunlimited.com.br © Sesc, os artistas e os autores, São Paulo 2020
Fontes Voir, Amalia Pro e Graphik