A Primeira Aula – Itaú Cultural

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com a língua, dessa capacidade de resistir à Norma ou de a subverter, dessa habilidade ou agilidade em se deslocar em relação a ela que as grandes obras literárias encerram. Só assim podemos continuar nos maravilhando com a leitura de textos que, às vezes, já conhecemos de sobra, mas que cada leitura pode reatualizar e tornar fundamentalmente inesperados, apontando para aquele espaço de exceção e de subversão que eles entreabrem na densidade da língua e em que eles, fatalmente, se dispõem (porque, afinal, também a literatura, como mostraram Gilles Deleuze e Giorgio Agamben – ambos na esteira de Foucault –, é, apesar de tudo, um “dispositivo”). O prêmio, o único prêmio que conseguimos ganhar nesse jogo enganoso e sem fim que é a literatura, sua análise e seu ensino (para além de salários baixos e de muita burocracia), é a alegria constrangedora de se colocar nesse lugar banido e abandonado que é a interpretação imprevista, alimentando, por sua vez, o “prazer do texto”. Conseguir compartilhar com os outros esse estupor, contagiar os alunos que se sucedem ao longo dos anos com esse “vício” é não apenas um modo de os introduzir num contexto cultural estranho e desconhecido, mas também o único remédio contra o transcorrer do tempo. Espelhando-me na primeira aula, no decorrer das muitas aulas – primeiras ou últimas – e na maravilha de meus alunos diante de uma página de Machado, de Rosa ou de Clarice, diante de um poema de Pessoa ou de Drummond, posso reencontrar meu rosto sem rugas e saborear o gosto inefável da liberdade e do “poder (não) ser” (ou do “poder-ser-que-não”) que apenas a juventude proporciona.


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