No tempo mais que perfeito

Page 197

N o t e m p o m a i s q u e p e r f e i to

cado à cobertura de ocorrências policiais. O capital desse jornal veio, em parte, das bem nutridas reservas de Adhemar de Barros, que as investiu, simultaneamente, na Tribuna de Minas. A cobertura ampla dos episódios violentos do Rio deu ao O Dia uma inesperada liderança, em termos de tiragem diária. Já o sucesso histórico do Diário Carioca não apaga uma mudança para pior que, por ironia, partiu do seu grande diretor, Pompeu de Souza: a mutilação da língua portuguesa, com o abandono do artigo nas manchetes, dando a todos os títulos uma linguagem telegráfica, a fim de ganhar espaço. A prática foi logo adotada por toda a imprensa, e, de forma ainda mais lamentável, pelo rádio e pela televisão. Em vez de um estilo coloquial, ouvíamos do rádio e da televisão uma forma de expressar que não é a natural, já que ninguém conversa desprezando o artigo. Mas o hábito sobrevive até hoje. A imprensa do Rio tinha grande influência sobre a imprensa mineira. Era o modelo a ser seguido, em todos os aspectos. De acordo com esta acepção, em Belo Horizonte a Tribuna de Minas procurou dinamizar a cobertura política e destacou o repórter Helvécio de Oliveira Lima para cobrir também o Hotel Normandy, onde se hospedavam todos os políticos de passagem pela cidade. Certo dia, um dos entrevistados – que não pertencia propriamente à vida político-partidária – foi o polêmico almirante Carlos Penna Botto, da extrema-direita, que via sempre o dedo sinistro do comunismo russo em qualquer coisa ou fato que não fosse do seu agrado. Com um terço ostensivamente enrolado na cabeceira da cama, o baixinho Penna Botto recebeu o Helvécio demonstrando desagrado no rosto, pois um alcaguete da polícia mineira, que sempre o acompanhava, já havia lhe dado a “ficha” do entrevistador que, na verdade, era membro atuante do raquítico Partido Socialista Brasileiro. A conversa entre os dois começou fria e seguiu arrastada, sem calor e simpatia: o repórter, formal e distante; o almirante, inquieto, nervoso, talvez já arrependido de haver concordado com aquele encontro. Quase no final da entrevista, depois de denunciar a infiltração comunista na política, no clero e no exército, muito agitado, o almirante afirmou: — Esta Terceira Guerra é inevitável: se a Rússia não declarar guerra aos Estados Unidos, os Estados Unidos terão que declarar guerra à Rússia –. E completou: — Só assim salvaremos o mundo desse desgraçado sistema bolchevista... Bem seguro de si, o Helvécio, sem o menor cuidado, numa linguagem quase íntima, resolveu doutrinar o almirante: — Almirante, não seria mais sensato o Brasil e outros países não diretamente envolvidos nessa Guerra Fria darem à ONU maiores poderes?... E não pôde completar a frase... O almirante, que aspirava comunismo até numa rosa vermelha, ficou lívido, histérico, levantou-se da cama onde estava assentado e começou a andar pelo quarto, gritando: — O quê? Assustado com tão descabida reação, o Helvécio só conseguiu dizer: — Sim, sou contra a guerra e acho que não temos mais nada para conversar...

195


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.