JackMichel Participação Especial | Revista Divulga Escritor N° 36

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DIVULGA ESCRITOR

Que temáticas estão sendo abordadas nesta obra literária? Apresente-nos alguns tópicos do Sumário. Francisco Luís - Estabelecemos como base para a estruturação desta obra, a analogia entre as migrações geográficas e as migrações de género/ sexo. Para tal dissecamos as migrações de género das travestis brasileiras em contexto de prostituição e os seus projetos migratórios para Portugal e Europa. A partir desta matriz, desenvolvemos um enquadramento destes fluxos e mobilidades, naquilo que consideramos ser um processo que potencia a tal ideia de confronto construtivo com o outro. Nunca como hoje, as pessoas viajam, a informação circula e as sociedades se transformam com uma intensidade não compatível com estruturas sociais mais estáveis, assentes na tradição e na reprodução acrítica de modelos socio-normativos. Hoje como nunca, as identidades estão repartidas e a noção de raíz identitária original se encontra sob forte escurtínio da reflexividade crítica dos sujeitos, outrora, incentivados a não se desenvolverem na sua especificidade identitária. Tal, coloca novos desafios aos Estados-Nação e aos próprios atores sociais que o revitalizam por ação duma crítica

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www.divulgaescritor.com | agosto 2018

transformadora do contrato social que os sustenta. Hoje, como nunca, o sistema mundo se tornou polissémico e instável. Um dos exemplos dessa transitividade questionadora, reside quanto a mim, na capacidade revelada pelas travestis brasileiras em se reinventarem identitariamente e se projetarem para fora das fronteiras brasileiras, revelando com todo o esplendor a sua capacidade de integração num sistema mundo, relativamente ao qual parecem pulular nas suas margens. Demonstrando, portanto, como um produto da cultura brasileira se auto.recria e estrategicamente se desenvolve fora dessas fronteiras. Como todos os migrantes, apenas desejam alcançar projetos de cidadania/dignidade plena e mobilidade social ascendente. Quais os principais desafios para construção do enredo que compõe o livro? Francisco Luís - Primeiramente O facto de utilizar recorrentemente a expressão “travestis brasileiras” resulta daquilo que considero ser uma especificidade identitária e cultural não constatável noutras geografias e não da colagem de algo negativo a uma nacionalidade. Como exemplo, posso referir a aplicação de silicone

industrial entre a pele a a carne dos sujeitos travestis, a que inclusivamente assisti em Portugal. Pois bem, as maiores dificuldades residiram em conseguir aceder à rede social travesti em Portugal. Duplamente fragilizadas em termos de cidadania, quer enquanto transgéneros, quer como migrantes maioritariamente indocumentadas e trabalhadoras do sexo. Mesmo um trabalho académico exige uma estrutura ou, se quisermos, um enredo. Não foi fácil, pois este universo de estudo revela-se uma fonte de múltiplas matérias de interesse relevante a vários níveis. A seleção desses campos socio-antropológicos, revelou-se portanto, um segundo obstáculo a ultrapassar. Quais os principais desafios para escrita de “Travestis brasileiras em Portugal”? Francisco Luís - O grande desafio a que me propus foi a realização dum trabalho académico que pudesse ser lido e interpretado por não-especialistas. Manter o interesse na leitura exige ritmo e fluidez semântica, para tal, tentei conciliar uma perspectiva explicativa e descritiva dos factos, com uma narrativa dinâmica centrada nas vidas e dificuldades experien-


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