Um novo mergulho em Luís Capucho – Há muitos fantasmas aqui, João? Era noite e estávamos em Ouro Preto. Se há algum lugar no mundo propício aos fantasmas – pelo sangue derramado naquelas ladeiras: revoltas, escravidão, lutas pelo ouro, poder e amor – este lugar é a velha Vila Rica. Respondi isso ao Luís, mas o Pedro, linda e ingenuamente, pontuou que não deveríamos acreditar em fantasmas. – Pedro, você gosta daquela minha música “Meu bem”? Luís já sabia que era uma das músicas favoritas do Pedro, que confirmou, alegre, ainda cantarolando um pedacinho e citando suas versões favoritas. – Então. Você gosta da minha música e ela existe. Ela existe e continua existindo mesmo que não esteja tocando agora, nem aqui e nem em lugar nenhum. A mesma coisa acontece com as pessoas. Não é só porque não estão mais aqui que elas deixam de existir. Sempre achei que Luís Capucho tinha alguma espécie de sensibilidade paranormal ao encarar nosso mundo. Eu não sei se ele vê todos os fantasmas que nos assombram, mas acredito que ele possa ver, como pouquíssimos, a nós, os assombrados. Este grande e múltiplo artista vaga por aí entre nossas vidas, tantas vezes mesquinhas, e da mesma forma sua obra tem o mérito de atravessar qualquer cotidiano com poesia. Extrair do simples, do cru e corriqueiro a beleza e a essência dos homens. Afinal, do que trata este Diário da Piscina? Da rotina de um cara qualquer indo nadar. Hoje ele chega, entra na piscina, nada, vai embora. Amanhã ele volta, nada alguns metros a mais ou algumas voltas a menos, e é só isso. Mas não, não é só isso. Sabe por quê? Porque Luís não tem medo de mergulhar ali, na parte mais funda. Esse cara que vai nadar olha pela janela do ônibus. Olha para quem lhe sorri. Olha para raia ao lado. E o que ele vê? Luís vê, da janela da lotação, um país. Mais de um. Vê ricos, pobres, vê bruxas e ciganas. E, procurando a si mesmo, revela-nos a todos. Eu não sei você, mas o Luís está atento a quem lhe dá bom-dia, a quem lhe sorri, e também a quem lhe ama. É assim que funciona sua escrita. Gauche na vida, Capucho pega seu olhar tão profundo e sensível e leva para passear. Leva para o cinema, leva para casa onde cresceu, leva para viajar. Agora, neste diário, ele nos leva para nadar. Passeia pelos pequenos gestos, pelo que há de torto no mundo, pelo que há de belo, pelas mulheres, pelos homens... e também pelo volume insinuado na sunga deles. Por favor,
não se assuste: aqui está um ponto importante, leitor que entra pela primeira vez nessas águas. Luís Capucho não é inocente. Em toda a sua produção, especialmente literária e musical, a sexualidade é uma questão, ainda que não extraordinária, de fundamental importância. Em seus livros anteriores, Cinema Orly, Rato e Mamãe me Adora, essa sexualidade talvez se mostrasse mais claramente. Mas é importante que se atente para a presença dela também aqui. Não que ela se esconda, mas nas sutilezas das primeiras páginas, o leitor pode achar que, passeando tanto por aí, o encontro do olhar de Capucho com os corpos dos colegas de piscina é quase um acaso. Repito: Luís Capucho não é inocente. Mas, se não é inocente, tampouco, e muito menos, ele tem culpa. Mesmo que aqui mais diluída, a sexualidade continua livre e sincera. E, mais contida, mais tranquila, a voz que aqui fala continua tendo, por detrás dela, um Werther obsceno, Don Juan tropical, uma Monga gorila que grita. O sexo sem dúvida é um fio que amarra a obra de Capucho. Mas não só ele. Todos os livros de Luís, todos os seus discos, suas pinturas, todos os seus papos maravilhosos, seus textos dispersos, posts no blog e no Facebook dialogam de uma maneira muito coerente e podem, de fato, serem lidos como sendo apenas uma grande construção. Eu realmente não sei se trata-se de estilo, porque, formalmente – em termos de dinâmica, ritmo, foco – há grandes diferenças entre os capítulos desta obra única. Mas há uma certa personalidade, presença, que se mantém sempre muito forte. Eu disse biografia ali em cima? Claro que disse. Uma vez assisti uma entrevista do Luís em que o repórter perguntava se ele não ficava incomodado em ter sua obra tachada de gay. Ele respondeu que não. Afinal, ele é gay e, sendo suas obras partes do que ele é, tudo o que ele escreveu é gay, tudo o que ele escreve é gay e tudo o que ele vier a escrever será gay. É isso que eu estou tentando dizer: a obra de Luís Capucho é Luís Capucho. O que é bom demais. Quando ele me mandou o texto deste diário para que eu lesse, estávamos há algum tempo sem conversar com muita frequência. Ler este livro foi reencontrá-lo. Como sempre é quando o leio, quando escuto e quando observo uma de suas pinturas na parede do meu quarto. O Diário da Piscina é uma nova oportunidade de estar com Luís. Um novo encontro com esse criador tão original que nos levando para essa piscina azul, transparente, deixa mais claro também o tempo de uma cidade e um país. Que sorte a minha. Que sorte a nossa. Que sorte a sua. Bom mergulho! João Santos
Diário da piscina Luís Capucho
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Para Marcelina:
“Falam tanto de uma nova era Quase esquecem do eterno é.” Gilberto Gil
18 de julho de 2000 Quando entrei na piscina, deixei, na arquibancada, minha bengala e roupas, ao lado de minha bolsa. Marcelina disse: – Pela primeira vez, hoje, você vai fazer dez chegadas direto. – Legal – respondi. E comecei. Sunga branca. Dez chegadas correspondem a trezentos metros, porque a piscina tem quinze. Água quente e quatro raias, marcadas em azul nos azulejos do fundo. Quando estou de pé, fico submerso, mais ou menos, até à altura de meus mamilos. A água límpida, cristalina, lembra os meus córregos da infância. Sem os espraiados, os peixes, a correnteza, seixos, passarinhos, insetos, pastos, bois, colinas, moitas de mato ensolaradas que ondulam presas nas beiras, o céu, as árvores. Cada córrego sob o céu tem um jeito e a piscina me lembra todos. Fiz as dez chegadas em catorze minutos. Dentre as pessoas que nadam no mesmo horário que eu, há bonitos rapazinhos com seus paus que flutuam por meus olhos dentro das sungas mergulhadas n’água. Em nosso banheiro, comum aos caras que fazem musculação, por vezes encontro com algum deles como são os deuses no Olimpo, nus e tranquilos. Comecei a frequentá-la em janeiro. No primeiro dia, Marcelina ajudou-me a descer a escadinha de metal e levou-me pela mão de uma borda a outra para que eu fosse me familiarizando com o ambiente. E naquele primeiro mês, todas as aulas, caiu comigo n‘água, ficou ao meu lado para aos poucos ir me largando, exatamente como um passarinho que ensinasse ao filhote as primeiras tentativas de voar.
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A Marcelina tem essa presença de passarinho para mim e naquela época me fazia rir muito com seus comentários de incentivo. Eu tinha a quase certeza de que não iria conseguir planar na superfície da água. Achava que me afogaria e não pensava que bater na água, num ritmo, com as pernas e os braços, fosse me fazer como um passarinho que voasse. Mas ela dizia: – Está excelente, Cláudio! E eu morrendo de rir, porque minha não coordenação motora era flagrante. E minha dificuldade de mover a cabeça para os lados e pegar o ar na superfície para nadar crawl me fazia parar engasgado e tossir a cada metro. E ela dizendo sempre: – Está excelente! Excelente! Muito bom! Aí, ela disse: – Depois do carnaval, se você quiser, venha todos os dias! Foi o que fiz. Comecei a nadar de segunda a sexta-feira. Hoje, todos os dias, um pouco depois do almoço, parto de ônibus para a piscina, cheio de entusiasmo. E me sinto voar suspenso à flor d’água, como passarinho que, através da pressão das asas com o ar, voa no céu. 19 de julho de 2000 Fiz vinte chegadas, que correspondem a seiscentos metros. Hoje, havia somente rapazes, como eu, nadando. As quatro raias ocupadas. No início, dividi minha raia com um deles. Depois, fiquei apenas eu nadando, porque o horário de todos terminou.
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No fim, no banheiro, troquei minha sunga branca por minha roupa de frio e fiquei na arquibancada, ao lado da piscina, esperando Troia. Tinha chegado uma senhora que fazia a aula de hidroginástica e o professor a instruía para os exercícios. Fiquei na arquibancada olhando para os deslocamentos da água, efervescentes aos movimentos da mulher dentro da piscina. As cordas que dividem as raias na superfície da água tinham sido retiradas, mas restava ainda uma corda marcando uma raia no fundo, rente à parede, no canto oposto ao que eu estava sentado, esperando. Além da água efervescendo, eu olhava também para a senhora, que seguia à risca as ordens do professor, ao mesmo tempo que másculas, doces. A senhora ficava sozinha dentro da piscina e a água mais ao seu redor explodia, como se movimentada pela música americana que saía, alta, do rádio. Vi que eu também explodia, porque a água, a música, a senhora e o professor com sua voz séria e doce me fissuravam a cabeça e me enchiam de tesão, de alegria. E quando reparei que a senhora, de repente, ficou constrangida com minha presença de observador, tentando desanuviar, eu gritei para o professor: – Essa ginástica é pesada, hein? – É, sim. A água oferece muita resistência... – ele disse. Então, foram chegando outras senhoras, umas mais velhinhas, outras mais enxutas, e foi muito divertido vê-las, depois de se colocarem de maiô, descer a escadinha de metal e ir invadindo a piscina, como se colocassem mais lenha, ou mais música embaixo da água que começou a fazer mais movimentos de ferver. De início, elas não esperavam pelas instruções do professor. Teve uma senhora que se jogou de costas sobre uma tripa de isopor e começou a salpicar as pernas na água até onde elas conseguiam afundar, sem que os pés tocassem o chão. E outra, ganhando juventude, nadava crawl muito lentamente e com a cabeça suspensa,
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alheia à técnica, mas lembrando a graciosidade de um cisne, de um veado. Humana, ela se mostrava vaidosa, metida, porque sabia que eu estava observando. A música americana dançante explodia na piscina fervente. A piscina coberta, cuja água azul balançava iluminada de luz elétrica, ficou muito viva, mais viva que o dia lá fora. Então, vi que entrou, rumo ao banheiro, um homem com uma roupa estilo bicho-grilo. Quando saiu de lá, tinha apenas uma sunga azul-celeste. Era muito moreno e grisalho, bonito, magrelo. Os cabelos amarrados num rabo de cavalo, atrás, na nuca. As pessoas não dizem sobre isso, mas esse homem tinha um pau muito grande, que se dobrava macio e grosso sob o pano de sua sunga. Desceu a escadinha de metal, passando através das senhoras irrequietas e ocupou a única raia ainda armada e vazia, no canto da parede. Nadou de costas, embaixo das luzes, alheio à técnica do estilo. Ele pegou o clima das senhoras e tinha a fisionomia muito convencida. Deslizou exuberante na água cheia de marolas ferventes de um azul cristalino, brilhante. Troia chegou. Saímos.
20 de julho de 2000 Marcelina dá aulas apenas às terças e quintas, mas, hoje, não foi. Em seu lugar estava o Germano, o professor de ontem, que ensinava hidroginástica para as senhoras. Germano também é o substituto de Domicila, nossa professora de natação às segundas, quartas e sextas. Domicila está de licença por conta de um problema no joelho.
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A seriedade do Germano, combinada com seu olhar triste, preto, deixa-o doce. Hoje nadamos apenas eu e Caio que, assim como eu, nunca falta. Caio é pequeno e tem corpo de nadador, com tórax enorme e os braços muito desenvolvidos. Nada pesado na água, nadar de macho. Outros rapazes não nadam pesado e forte assim. Caio nada atarracado, curto, o que me deixa pensar em sapos robustos no seco. Acho Caio um menino. Vim embora. 21 de julho de 2000 O caminho até a piscina é de enlouquecer de bonito. Eu sei que imaginar os canais internos da cidade, onde homens e mulheres forjam relações de poder e onde inventam os artifícios necessários para que pessoas sejam mantidas miseráveis, enquanto outras usufruem de uma vida farta e bela, é uma visão terrível, infernal mesmo. Mas olhá-la de fora – e, ao mesmo tempo, o cartão postal por dentro – vista do caminho que faço para chegar à piscina, faz dela magnífica paisagem, maravilhosa e boa. Pego dois ônibus para chegar até onde nado. O percurso feito pelo segundo ônibus é que é de ficar louco, porque o mar, depois que entra baía adentro, abre-se num braço para o lado de cá, onde estamos, formando as enseadas das praias da cidade, pequenas baías dentro da imensa Baía da Guanabara. Meu segundo ônibus passa na orla de Icaraí, situada exatamente à frente de Botafogo. Quando entramos na praia, bordejada de arranhacéus, em primeiro plano, o que invade o nosso cérebro é a visão azulada
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do Pão de Açúcar, lá, do outro lado, e que continua no Morro da Urca e, por trás e depois dos edifícios, o Corcovado com o Cristo Redentor. É essa visão, aos pés do mar ou de que o mar chega aos pés, que me deixa pensar na loucura. Os malucos da cidade perambulam por ali, loucos por ela, que, do lado de cá, também continua nos morros e prédios que beiram a praia. E o mundo ascende, voa. Faz poucos dias, decidi não mais usar da bengala para vir nadar, além do que, não desço mais a escadinha de metal para entrar na piscina. Pulo direto para a raia que o professor do dia me indica. Pulo, não. Desço. Sentado na borda, apoio as mãos bem na beirinha, mergulho primeiro os pés, depois canelas. Ainda sustentando as mãos na beirinha, com os cotovelos dobrados, tiro a bunda da beira e, amparado nos braços dobrados e deixados, numa alavanca, para trás do corpo, deixo descer as coxas na água. Depois, quadril, barriga, e, por fim e só então, deixo-me cair, quando meus pés já estão quase a tocar o fundo. A Marcelina queria que eu pulasse. Mas eu, com meu pouco equilíbrio, não tenho coragem. Pular na piscina significa ficar muito tempo, durante o pulo, sem apoio do chão nos pés, e tenho medo. Ainda que, ao passar de ônibus pela praia, olhando para o ritmo das ondas que se empurram para a areia, sinta que forcem a paisagem para o alto e que por isso, a própria cidade voe, tenho medo. Quer dizer, embora sabendo que a cidade em si seja uma cidade voadora, preciso de meus pés no chão. Mesmo que na água da piscina eu voe também. Não sinto medo de voar na água, porque ela, com sua qualidade líquida, nos dá muito mais sustentação que o ar e não precisamos de paliativos para voar. Apenas com a pressão dos braços e pernas nos deslocamos o corpo nela.
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Quando muito pequeno, me encantavam os peixes que via nos córregos de água muito limpa no meio da roça. Também eu via, refletidos na água, a beleza e liberdade do voo das aves na coroa das pedras altas. Daí que a piscina tem tido esse poder para mim, o de me evocar o início da vida do menino que fui, passarinho que aprende a voar. Essa lembrança de passarinhos a se misturarem refletidos nos peixes enquanto aprendo a nadar é um voo de alma para mim. Outro dia, ao falar sobre isso com Marcelina, ela disse que a piscina, por me trazer essas lembranças tão antigas, é como um útero materno meu. O que me faz pensar que irremediavelmente estou sempre a falar de mamãe. Já convidei mamãe para me assistir a nadar. Não se interessou muito. Disse que irá, quando terminar o inverno. 24 de julho de 2000 Muito frio. Estava com receio de ir nadar, mas imaginar a água quentinha me animou. Cada vez mais, confiante e familiarizado com a piscina, ao invés de descer pela escadinha de metal na raia junto da arquibancada, tenho descido, de sua borda, direto para a raia a que o instrutor do dia me indicar. Hoje, Germano pediu que eu dividisse uma das raias com Caio. Caio, que começou a nadar há uns dois meses depois de mim, progrediu muito no seu nado. É concentrado, quietinho. Parece ser daqueles caras cabeças duras e penso que por isso é que melhorou tanto seu nado. Seu corpo pequenino atravessa a água delimitada pelas cordas que demarcam a extensão da raia, aparentemente, sem nenhum prazer ou deleite. Nada com responsabilidade. Como quem trabalhasse. Miudinho, cheio de viço, costurando a água muito
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concentrado em si mesmo, é como se construísse alguma coisa que estivesse fora, um casulo, por exemplo. Vejo-me em Caio, apesar de sentir que eu nade mais manso e de sentir que a responsabilidade e a construção definem-se melhor nele, porque posso avistá-lo, coisa que não consigo comigo próprio – quer dizer, eu consigo me olhar, porque vir aqui no Diário da piscina é um pouco o exercício de me ver também – e porque Caio é muito pequenino, um pouco robusto e atarracado, de meu ponto de vista, posso assisti-lo inteiro. Entretanto, tenho a impressão de que ele, como eu, mesmo aparentando preocupação com os movimentos, diverte-se bastante aperfeiçoando seu nado.
25 de julho de 2000 Marcelina não foi novamente. Em seu lugar, a professora de natação das crianças pela manhã. Fiz quase setecentos metros. Além do voo, acho que nadar é um exercício de concentração. No início, apenas pensava na coordenação e correção de meus movimentos na água. Marcelina me avisou que é como se eu partisse para uma caminhada. Depois que automatizar, vou nadar pensando em outra coisa que não seja o bater de pernas, o levantar dos cotovelos sobre a água para trazer as mãos bem adiante da cabeça arrastando a água para trás, o rodar do pescoço para pegar o ar fora d’água, enfim, vou nadar vagabundeando o pensamento como quem andasse e não como quem trabalhasse responsável. Ainda não cheguei nisso. Mas concentrado nesses movimentos que preciso fazer para me manter suspenso e navegando na água, começo a ter os meus primeiros esquecimentos.
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Por vezes, sentindo a distância que me separa do chão da piscina, flutuando em sua superfície, me invade a sensação de que voo. E pareço um menino. Não penso que eu esteja a voar. Não estou louco assim, mas, loucamente, tenho a sensação do voo. É algo íntimo, uma onda de prazer que se detona e que vibra em meu peito. Fico imaginando brejos, córregos depois do quintal, nos fundos das casas, rios que transbordam no temporal, bichos estranhos que moram na água, pássaros debicando grotas, coisas de minha vida de garoto. Hoje, quando peguei o ônibus de volta para casa, vinha ainda imaginando essas coisas. É como se os acontecimentos de minha vida respeitassem a uma ordem cíclica e fosse, novamente, e em outras circunstâncias, fase de estar na água. Não sou um cara que acha ser a infância a melhor época da vida. E penso que porque eu tenho consciência do meu voo, agora, seja melhor.
26 de julho de 2000 Fiz vinte e duas chegadas hoje, que correspondem a seiscentos e sessenta metros. E estou nadando bem para um iniciante. Estou aprendendo o estilo peito, mas ainda não encontrei o ritmo desse nado. Sem ritmo, fico afobado para respirar e minha pernada fica ruim. Observo os nadadores nas raias vizinhas a minha, apreciando-os nadar, ao mesmo tempo em que, no fundo, fique na esperança de assimilar deles o jeito correto desse estilo. Sinto-me hostil. Quando vejo alguém que nade demasiadamente errado, ou desajeitado, sinto vontade de rir. Os professores à cabeceira d’água sempre corrigem, mas, às vezes, tem um cacoete sobre o que o olhar
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vigilante dos instrutores não faz caso. É assim com aquele homem estilo bicho-grilo que veio nadar hoje no mesmo horário meu. Ocupou uma raia ao lado da minha e tive de rir dele, disfarçando para que ninguém notasse. É que, num momento, sua largada coincidiu com a minha. E ao mergulhar as mãos na água, terminando as braçadas por sobre a cabeça, suas mãos, enfiadas na superfície da piscina de mal jeito, com as braçadas retas, sem que ele dobrasse os cotovelos, faziam a água espirrar com tanta força, quando eu vinha à tona pegar ar, que os espirros batiam dolorosamente, em cheio, na minha cara. Achei isso engraçadíssimo e vê-se que sou um tanto débil. Esse nadador não é assíduo em meu horário e, talvez, em nenhum outro. Acho que faz aulas avulsas. A primeira vez que o vi, não havia instrutor na piscina e era a aula de hidroginástica das senhoras. Ele, muito metido, nadava o estilo costas na água fervendo, o rabo de cavalo ondulando nos vincos estriados da água sob a cabeça, os ombros magros, o pau grande, o saco macio, estufando o pano da sunga azul-celeste. 27 de julho de 2000 Marcelina foi. Fiz por volta de vinte chegadas. É muito legal nadar. Fico leve. Atravesso a piscina cortando-a à flor d’água. Em Marapé, cidadezinha onde vivi, quando pequeno, havia recantos do rio de águas quase paradas. Nesses remansos, onde a água era mais funda e onde galhos e folhas velhas, trazidos pela correnteza, paravam encalhados e apodreciam rente aos matos das beiras, por ali, ficavam umas aranhazinhas que andavam correndo por sobre a água sem que fossem molhadas. Eram aranhazinhas tão pequeninas que a
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pele da água era para elas como é o chão firme para nós. E elas corriam pra lá e pra cá, muito orientadas e impermeáveis. Estranhamente, deslizavam e, armadas, se desenhavam na flor d’água, como entre os dedos o barbante a passar de um par de mãos para os dedos de outro par de mãos num jogo de cama de gato, quer dizer, as aranhazinhas estavam sempre a modificar o desenho em que se dispunham, ao mesmo tempo em que se mantinham coesas no bando. Eram pontinhos pretos com pernas, como estrelinhas num gráfico movediço sobre a água imóvel, sem frente nem trás, de lá pra cá, pra cá e pra lá. Não tenho esse peso de bichinho. A pele d’água não me é impermeável. Porém, a força da piscina faz-me sentir suspenso na superfície quase como elas. Por hoje, é isso.
28 de julho de 2000 O professor substituto de Domicila, o Germano, de olhos pretos e tristes, da hidroginástica, estava lindo hoje. De barba escanhoada, cabelos aparados e roupa de verão. Reparei nos braços bem torneados e nos pelos das pernas, enovelados e pretos. No horário em que nado, há um casal de fisioterapeutas que faz atendimento a seus clientes na piscina. Ainda não entendi o horário deles e o que acontece quando as raias lotam. Ah, sim... lembrei: ficamos em dupla nas raias e eles atendem na vazia. Às vezes, atendem juntos, mas no geral, há apenas um deles na piscina. Sei que são namorados, por intuição. Ambos são simpáticos, o Lúcio e a Lucila. Nos seus dias, Lucila não me cumprimenta quando chego na piscina, e nem eu a ela, mas há um clima amistoso em nosso silêncio. Lúcio é mais sociável e me cumprimenta chamando-me pelo nome e fazendo sinal de tinindo, ao que sempre retribuo.
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Por tudo isso, e por tudo o mais, a atmosfera da piscina é sempre muito boa, quer dizer, adoro o clima da fisioterapia ao lado de nós que nadamos. Um dia, perguntei a Marcelina se o astral da água não ficava pesado, já que descarregamos toda nossa tensão nela. Ela, então, me respondeu que se houver essa possibilidade, a água não é boa condutora. Se fosse, seria sua perdição, já que passa grande parte do dia ali. E disse que a piscina mantém esse ar sempre bom, porque nela não há tempo para criarmos trama, intriga, nenhum enredo, porque chegamos, nadamos por quarenta e cinco minutos e vamos embora. Não chegamos a criar vínculo algum, temos vida de pássaro ou de peixe nela, de animais que viessem ao poço na floresta beber água. Nadamos em bando, mas nadamos solitários. A essa sua observação, veio-me à cabeça uma gruta, onde mulheres viessem encher seus potes d’água para o trabalho do dia, como na estória da Moura Torta. A piscina coberta é uma gruta, leitor. A voz de Germano retumba nela, gostosa e macia, como coisa que eu engolisse. E é também um pasto aberto por onde corre um pequeno rio, manso. Eu, nesse diário, conto essa história cujos episódios não governo, apesar de se passarem dentro de mim, dentro da gruta, da qual é parte a piscina. E dessa vez, coincidiu, de nós que nadávamos hoje, termos ido para o banheiro trocar a roupa de ir para casa, quase ao mesmo tempo. Fui o último a chegar. Entrei imediatamente após o fisioterapeuta Lúcio que entrou para colocar a sunga. Iria atender a uma senhora. Acho sempre muito instigantes as sessões fisioterápicas do Lúcio. No geral, atende à senhoras, individualmente. Seu corpo também me instiga. Na cela do banheiro reparo na sua pele morena de homem pequeno e jovem, pelado, com lábios grossos e grandes, olhos e dentes grandes, nariz grande e bonito. Gosto das pernas dele, macias, com poucos pelos escuros e uma fina camada de gordura entre a pele e os músculos salientes. Tem peitos grandes, de homem que faz musculação.
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É um deus tranquilo. E acho instigante suas sessões fisioterápicas, porque sua dedicação aos exercícios de seus pacientes é tanta que meus olhos de observador libidinoso fazem parecer que as senhoras, e os senhores, estejam apaixonados. Parece-me impossível que um terapeuta tão gostoso e moço, não cause, naqueles pacientes fragilizados da velhice, ilusões de amor. Então, vejo que ficam olhando pra ele como se o bebessem. E ele é falante e afetuoso. E gostaria de ser um dos seus pacientes, porque teria essa oportunidade de, colado nele para os exercícios, contar-lhe histórias, respirar no seu bafo quente, quer dizer, ele fica ali complacente com os que atende, como fizesse um trabalho de michê. Em sua ficção e em sua verdade, nesse diário, tento contar essa história em que os dias passam de um para o outro, vão e voltam como no jogo de cama de gatos, a trama de barbante a armar-se em diferentes posições, quando passa de umas às outras mãos. Ele entrou no banheiro. Foi o penúltimo a entrar, depois, entrei eu.
31 de julho de 2000 Não havia fisioterapeutas na água, hoje. A piscina estava com as quatro raias ocupadas. Dividi minha raia com Caio. O Germano, substituto da Domicila, continua lindo. Hoje, nadei pouco, porque além de ter me atrasado para chegar, tive de sair mais cedo. Devo ter feito umas quinze chegadas. Com exceção do Caio, na hora de vir embora, encontramo-nos todos no banheiro. Tenho a impressão de que rola uma tensão ou ansiedade em nós que coincidimos de nos encontrar nessa hora no
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banheiro, porque, mesmo que nosso traje de nadar seja mínimo, no banheiro, ficamos definitivamente nus. E, uns, por serem tímidos, não gostam de ter o tamanho do pau à mostra, sujeitos à comparação de grossura, peso, cor e modelo. Outros, gostam da exposição, assim, escaldados, gostam de ver e mostrar. Então, seja como for a exibição, a verdade é que na hora do banheiro rola uma tensão diferente da tensão que é comum entre homens, quando dos encontros sociais em outros lugares livres, por conta de, no banheiro, ficarmos sob o efeito de estarmos pelados. Sinto que, no banheiro, como que disfarçamos naturalidade e, hoje, nele, não havia nenhum deus tranquilo. Todos me pareceram tensos. Vim embora. 1º de agosto de 2000 Troia decidiu começar a nadar e, hoje, foi à natação comigo. Fomos em seu carro. Germano, outra vez, substituía a Marcelina que não foi. No início, eu e Troia não conseguimos nos concentrar direito, porque ríamos. Sentíamo-nos engraçados no ambiente da água. Acho que, porque tínhamos consciência de que na água, a dinâmica de nossos movimentos era outra, tínhamos cumplicidade nisso. É mais ou menos como tomar uma droga que nos faça mudar a percepção das leis da natureza. Sob a efeito da água, nós, os dois, ríamos de nada. No início, em janeiro, quando comecei com as aulas de natação, também ria muito. É um pouco a felicidade de um aventureiro de estar num lugar novo, com outras perspectivas. Bom, querendo ser mais exato, eu estava feliz por ter a companhia de uma amiga na água e Troia, no seu primeiro dia, é possível que estivesse nervosa.
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Ou seria que ela tivesse fumado um baseado? Numa hora, chegou mesmo a dizer: – Estou ficando nervosa, Cláudio! Eu morria de rir, e ela também. Então, eu disse que precisávamos nos concentrar e, pelo meio da aula, conseguimos. Lúcio, hoje, atendia a um homem. Ele, com o homem nos braços, um dos braços apoiando-lhe por trás, na nuca, e o outro pegando-lhe por trás dos joelhos dobrados, rodava seu próprio tronco, ora para a direita, ora para a esquerda, acalentando o homem, como quem o ninasse. Como se o homem fosse um bebê. O senhor, de olhos fechados, era levado de um lado para o outro, nos seus braços fortes, na superfície d’água. Depois, quando novamente olhei, a fisioterapia tinha acabado e o homem de pé, no lado de fora da piscina, estava sendo enrolado numa toalha por uma senhora que se mantinha sentada num degrau mais alto da arquibancada. O homem, um senhor, pareceu nessa hora um adolescente cuja mãe, com a toalha, preocupava-se para que não se resfriasse. Tinha a barriga bojuda e a coluna curvada, numa corcova. Era um rapaz. Nadamos um pouco mais. Germano deu a aula de Troia por terminada e ela sentou-se na arquibancada com sua roupa de frio, de moletom vermelho. Esperou que minha aula acabasse. Viemos embora. 2 de agosto de 2000 Hoje, nadei muito. Depois que todos foram embora e que Germano ficou dando aula
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de hidroginástica, fiquei nadando na raia armada rente à parede, onde vi pela primeira vez o homem bicho-grilo. Nesse lado, oposto à arquibancada, não há passagem, não há como estar fora da piscina ali. E a piscina limita-se com uma parede cheia de lâmpadas acesas. Nadando costas, de dentro d’água não vemos o sol, o céu, o dia. Como disse, é uma piscina coberta. E, agora, no inverno, sua água quentinha, límpida e azul, com a música sempre rolando, seu balanço e a iluminação forte e artificial, tudo dissimula um mundo muito aconchegante e tanto ou mais iluminado que os dias lá de fora. Devo ter feito umas seis chegadas extras. O Germano continua lindo e muito sério, grave. Gosto de lhe fazer perguntas para vê-lo, quando me responde, olhar para mim. São muito bons seus olhos pretos e tristes. Germano não me acua. Não me causa tensão. Não faço olhos fugidios quando me olha. 3 de agosto de 2000 Fomos para a piscina, eu e Troia, atrasados. O casal de fisioterapeutas ocupava metade da piscina. Na outra metade, nas duas raias armadas, estavam o Caio e uma menina. Eu e Troia descemos para o lado sem raias, onde Lucila atendia a uma mulher que deslizava na superfície da água apoiada por boias que lhe estavam por sob a nuca e outras por sob os joelhos. Lúcio atendia ao senhor que a mãe traz à piscina. De verdade, é um rapaz com senilidade precoce. Descemos e esperamos, porque Marcelina fora atender ao telefone. Enquanto esperávamos, Lúcio armou a corda que forma as outras duas raias que completam a piscina. Ele e sua namorada ficaram com a raia do canto e eu e Troia dividimos a que restava no entremeio das outras.
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Começamos a nadar. Em seu segundo dia, Troia estava com medo de colocar a cabeça n’água e isso prejudicava seu deslize. Nadou com a cabeça para cima, engraçadamente. Não estava metida como a senhora que se mostrava para mim, quando assisti à aula de hidroginástica, noutro dia. Estava amedrontada, tensa. Tinha como uma agonia em seu difícil deslize. E passou mal. Sentou-se na beira da largada e esperou que Marcelina voltasse do telefonema para, só então, voltar a pular na água. Dessa vez, eu estava na minha, concentrado em nadar. Aperfeiçoei um pouco o nado peito. Marcelina elogiou-me, como sempre faz. Entrou um rapaz novo para as aulas. Bonito, homem. Dividiu a raia com o pequeno Caio. Disse chamar-se Tito e ouvi que nada desde menino. Nada delicado, lento, muito traquilo. Percebi que a experiência traz a tranquilidade com a água. Eu nado com medo, afobado, como Troia, não sou íntimo. Marcelina, à beira da piscina, de calção e camiseta, de volta de seu telefonema, observava e instruía. Dava as instruções com energia, quase gritando. Uma vez, reclamou que há garotos que resistem em ter aulas com ela, por terem dificuldade em admitir que uma mulher saiba ensinar a nadar.
4 de agosto de 2000 Não fui nadar. Chove frio. Fiquei metade do dia sob o edredom curtindo um cochilo cheio de preguiça e sem culpa.
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7 de agosto de 2000 A piscina estava salinizada. É um avanço tecnológico que mantém as características de higienização da água clorada, mas sem os efeitos corrosivos para a sunga, pele, olhos, cabelos. É isso que anunciam. Fiz dezoito chegadas. Duas delas no estilo peito, no qual estou cada vez melhor, embora minha pernada esteja ainda ruim. Esse é um estilo delicioso, porque descansa, tranquiliza. Diferente dos outros tipos de nadar, em que temos de manter nossos movimentos num ritmo continuado, sem instantes de repouso, esse estilo tem um momento em que apenas nos deixamos deslizar n’água, com braços e pernas esticados, quase como um super herói no espaço sideral. Esse tempo de deslize é o que tranquiliza e descansa, embora só depois de conseguir consertar a pernada eu vá curtir de verdade. Estava ávido por nadar porque no final de semana não o fiz e faltei na última sexta-feira chuvosa. Meus músculos, que se tornam mais tesos, sentem falta de retesarem-se para os movimentos do nado. É como um vício. Sinto falta dos batimentos cardíacos acelerados, falta da água invadindo as narinas de um jeito ácido, quando nado de costas. Nesse estilo, com a água me invadindo o nariz, é como se eu saboreasse minhas próprias mucosas. Sinto um quê de azedo nas entranhas da cara. E o azedo lembra-me o que imagino ser o sabor de minhas carnes internas, de minhas gorduras, o sabor do sangue nas minhas veias e vísceras. E, principalmente, sinto falta de cortar a pele d’água suspenso, como atravessasse a carne líquida da piscina, ritmado, voando. Eu já disse a Marcelina que nadar é como um sonho pra mim... um sonho cru.
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8 de agosto de 2000 Domicila tem nos visitado, porque nesse horário faz exercícios na academia para consertar o joelho, motivo de sua licença. Tem vinte e um anos. É uma menina, espevitada, amorosa e magrela. Hoje, Marcelina brincou conosco. Disse que não sinto falta da Domicila, que prefiro o Germano todos os dias. – Sacanagem... – disse Domicila. Troia foi. Matriculou-se. Nadamos seriamente, concentrados. Só tive um acesso de riso, quando ela, que dividiu a raia comigo, ao nadar de costas, perdeu a direção e tomou meu espaço de nadar. Tito, o aluno novo, também foi. Matriculou-se. Quando desceu para sua raia, cumprimentou-me. Curti. Fiz, pelo menos, umas vinte e cinco chegadas. Setecentos e cinquenta metros sem esbaforir-me. Depois de ter observado Tito, inspirado no estilo tranquilo em que nada, extraordinariamente, consegui que eu próprio nadasse com menos força, me cansando menos. Dessa forma, hoje, senti que meu aprendizado está mais para o ritmo manso de Tito, que para a energia do estilo forte de Caio. Penso que para nadar lento, precisamos de maior domínio sobre o nado. E, curiosamente, mesmo nadando mais lento, hoje, meu número de chegadas não diminuiu. Estou ganhando condicionamento, força, equilíbrio, um pouquinho de músculos e minha fisionomia que estava uma fisionomia apática começa a ganhar expressão. Minha apatia fisionômica está ganhando um pouco de sexo e agressão, afinal, sou mesmo um animal.
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9 de agosto de 2000 Quando cheguei, não havia nenhum aluno na piscina. Germano, o professor, esperava por eles, sentado na arquibancada. A arquibancada, ao longo de toda a piscina, tem abaixo dela um vão que dá continuação para o longo corredor de entrada. Assim que abri o portão e entrei, avistei Germano. Entre a piscina e o portão de entrada, está o prédio onde ficam os aparelhos de halteres. Então, o corredor de entrada, depois de atravessar-se ao longo desse prédio, continua por debaixo da arquibancada e dá acesso aos banheiros que ficam por trás de tudo. A piscina, entre os banheiros e as salas de musculação, fica num nível um pouco acima, e para chegar até ela, não passamos por baixo da arquibancada, mas antes, logo que termina o corredor que ladeia o edifício de entrada, subimos uma rampa à direita e vamos para sua cabeceira. Assim que cheguei onde estava Germano, sentado na arquibancada, e assim que ele me entregou os discos que lhe pedi que fizesse – pedi-lhe que compilasse em CDs únicos, músicas de Gilberto Gil que estavam em vários outros discos – conversamos um pouco. É muito gostoso conversar com o Germano olhando para seus olhos de fundo tristonhos, pretos, doces, inofensivos. Como já disse, não há, em seus olhos, com o que me acuar. É sério. Meus olhos até procuram os dele. E ele tem uma masculinidade muito legal, como se fosse um senhor. Mas é um rapazinho. 10 de agosto de 2000 Eu e Troia nadamos muito concentrados.
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Ela me surpreendeu, porque deslizava na superfície da água sem medo e não tinha a cabeça suspensa. Não tenho contado meu número de chegadas. Devem ser mais de vinte. No banheiro, na hora de trocar a roupa para vir embora, encontreime com um deus tranquilo. Nas outras vezes em que ele me apareceu, indo ou vindo pelo corredor de entrada para as aulas de musculação, não supus que fosse um deus, mas no banheiro, nu, enxugando-se, meu coração se encheu de luz. Iluminado, um nível abaixo da piscina, entrei por sob a arquibancada e acabado o corredor que ladeia o prédio dos halteres, viemos embora, eu e Troia.
11 de agosto de 2000 Muito frio, mas a piscina a trinta e um graus. Mais iluminada que o dia! Havia duas raias ocupadas. Numa delas, Caio e noutra, Germano que me deu as instruções, enquanto ele próprio treinava seu nado. Vi que Germano treina tão enérgico quanto Caio. Depois, chegou o Tito. É admirável a tranquilidade com que o Tito nada. Tentei imitá-lo de novo, mas, dessa vez, não consegui me dominar. É como se minha medida e meu peso imprimissem uma velocidade, um ritmo a meu nado do qual imagino não poder sair. Fiquei imaginando que se saísse, afundaria. E não saí dele. De modo que minhas braçadas foram rápidas, minhas pernadas curtas e velozes, meus deslocamentos de tronco acompanhando os movimentos da cabeça para pegar o ar, ora para a direita, ora para a esquerda, afobados. Tito, não. Cortando a água da piscina com segurança, ele nadou lento e experiente.
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Fiquei imaginando como ele faria seus movimentos na cama, para o amor. Nadando, os estilos de Caio e Tito são o avesso um do outro. Sigo perseguindo o modo de Tito. Fui. 14 de agosto de 2000 A água, pra mim, não estava tão quentinha, vinte e nove graus. Os fisioterapeutas não foram. Éramos cinco pessoas nadando, apenas uma menina. Germano, o professor, estava lindo. Não olhei para dentro de ninguém. Reparei no seu calção hiper largo, larguíssimo, que, mesmo assim, deixa suas pernas musculosas e peludas, bem colocadas. Fiz mais de vinte chegadas. Estou aperfeiçoando minhas braçadas no estilo crawl e tentando consertar a pernada no estilo peito. Na arquibancada, uma senhora pronta para entrar na piscina, assistia-nos, maiô cinza, enquanto esperava pelo horário da hidroginástica.
15 de agosto de 2000 Hoje, Troia me deu carona. Troia vai apenas às terças e quintas, os dias de Marcelina. Mais uma vez, os fisioterapeutas não estavam. Marcelina estava tranquila ao redor da água. Ela é sempre um espelho de como está a piscina. Se está agitada, cheia de nadadores,
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de gente, fica agitada, falando alto, dando as instruções por sobre nós. E como a água estava fria, com pouca gente, ela estava mais quieta. Ficamos todos concentrados em nadar para esquentar. 16 de agosto de 2000 Fui o primeiro a chegar. Germano esperava lendo o jornal na arquibancada. Depois, chegou Caio, como eu, outro rato da piscina. Estavam consertando o aquecedor e a água estava, mais ou menos, a vinte e cinco graus, fria. Fiz menos de vinte chegadas. A água fria me doía nos ouvidos...
17 de agosto de 2000 Dia de Marcelina. Eu e Troia fomos de carro. Troia comprou óculos e touca, equipando-se para nadar. Nadamos concentrados. Perguntei para Marcelina sobre aquela história que, dias atrás, Domicila disse sobre as mulheres flutuarem melhor na água, por terem o centro de gravidade mais abaixo do que o homem. Segundo ela, a Domicila, as mulheres têm esse centro de gravidade mais no quadril e o homem, no tórax. Perguntei à Marcelina o que é o centro de gravidade no corpo humano, exatamente. Ela me disse que irá procurar saber, mas pelo que já leu, nossa flutuação depende do volume do corpo, da gordura, da qualidade dos ossos, etc.
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Não sei porque quero saber isso. Acho que é influência dos amigos. Fiz vinte e seis chegadas. Nadei numa raia com o Caio que parecia um bicho sideral quando passava forte por mim, deixando rabos melífluos de estrias na água, no aperto da raia. No banheiro, para vir embora, reparei em duas sungas penduradas, suspensas em ganchos na parede. Eram sungas de homens grandes, sungas enormes, velhas. Esqueceram também uns óculos de nadar. Viemos embora, eu e Troia.
18 de agosto de 2000 Mamãe me fez uma surpresa! Sem que o inverno tenha acabado, quando cheguei, estava na arquibancada, sentadinha, gorda, maiô preto. Domicila voltou. E antes que eu chegasse até onde mamãe estava sentada, perguntou-me o que achei de seu substituto, o Germano. Disse-lhe que vou sentir a falta dele. – Mas ele é muito sério! – É doce – respondi. E fui em direção à mamãe, no que Domicila me seguiu. Quando, sorrindo, iria perguntar à mamãe, o que fazia ali, Domicila, segurando-me pelos ombros, virou-me para si e deu-me um grande abraço. E então, quando olhei para seu rosto muito de perto, reparei surpreendido que Domicila é mesmo muito menina. Tem o rosto cheio de viço, sedoso, de fisionomia ágil. Desvencilhando-me dela e dirigindo-me à mamãe: – Ué, mãe! Veio nadar? – Marquei uma sessão de fisioterapia com Lúcio! – ela disse. – Essa é minha mãe, Domicila! – apresentei-as.
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As mulheres vêm para a piscina foscas, sem nenhuma maquiagem, limpas, assim, diferentes de como são na rua. Mas mamãe tinha colocado o seu batom vermelho nos lábios finos de senhora e passado um lápis, que lhe clareasse e aumentasse os olhos cor de musgo. – Agora, já não desço mais pela escadinha de metal – eu disse às duas. Sentei-me à borda d’água e entrei. – É. Você está muito melhor – Domicila disse. E mamãe ficou me olhando, até que eu, jogando os pés pra trás e tomando impulso na parede da borda, me engolfasse na água, dando partida. Comecei. Quando Domicila me pediu que nadasse peito, elogiou o ritmo, mas advertiu-me quanto às pernadas. Disse que nas próximas aulas faremos educativos para melhorá-las. Lúcio chegou. Conversou um pouco com mamãe na arquibancada, trocou-se, e desceram os dois pela escadinha de metal. Comecei a repará-los conversando, enquanto paravam pelos cantos da piscina, Lúcio envolvendo mamãe pelos exercícios de fisioterapia. Estava com saudade de sua presença de homem, muito simpático e falante, com os peitos e costas grandes, morenos, largos, aparecendo acima da água da piscina. Novamente, em sua sessão fisioterápica com mamãe, tive a impressão de que rolava um romance, como se ele fizesse michê. Fiz vinte e seis chegadas, equivalentes a setecentos e oitenta metros. Quando saí da piscina, Lúcio, com mamãe no frescor de seus braços, ninava-a de um lado para o outro, na água. Lábios riscados de vermelho. Os olhos fechados com calma. Gorda e leve, no colo forte dele. Outra senhora, sentada num macarrão de isopor envolto em si mesma, balançava-se na água ao ritmo da música que Germano
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colocou para dar início à aula de hidroginástica. Era uma senhora muito espevitada também – na hidroginástica, elas são todas espevitadas – com uma cara feliz e lavada, de quem estivesse a curtir as possibilidades da própria velhice. Eu, que ainda vejo tudo com olhos concupiscentes, não compreendo a fragilidade de se ficar velho. É um segredo grande. Sentei-me na arquibancada e esperei por mamãe. As senhorinhas da hidroginástica ardiam, envoltas pelas labaredas de água e música que a seus movimentos incendiavam a piscina. Germano, com seus olhos doces e tristes, era o maestro infernal daquela dança. Viemos embora.
21 de agosto de 2000 Segunda-feira. Mamãe foi comigo, de ônibus. Risco de batom nos lábios finos, olhos clareados e engrandecidos de lápis, gorda, maiô preto, ficou sentadinha na arquibancada esperando por Lúcio. Domicila deu uma aula super séria. Quem sabe influenciada pelo meu elogio a Germano. Ou, talvez, estivesse com saudades de dar aulas. Nadavam o homem que faz aulas avulsas, o de estilo bicho-grilo, Caio e Jerson. Dessa vez, decidi usar a escadinha de metal, pois a raia vaga era próxima à arquibancada. Então, como o homem estilo bicho-grilo estivesse de saída, Domicila pediu para que eu ocupasse sua raia, a do canto, com os holofotes na parede. Fui atravessando a água para chegar àquela raia. Ele, saindo de onde estava, os cabelos amarrados
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num rabo, atrás, veio vindo em minha direção, para onde estava a escadinha de metal, por onde, dessa vez, eu desci. Eu estava com aquela sensação de ansiedade natural na gente, de tensão ante a aparição de um homem estranho a quem achamos bonito, pouco conhecido, quer dizer, meus olhos fugiam, não queria que ele me olhasse por dentro. Cruzamos nosso caminho no meio d’água e cheguei na cabeceira da raia, onde esperei pela orientação da Domicila. Mas ela, antes que me orientasse, perguntou: – Por que você está com essa cara de suspeito? – Porque sou neurótico – respondi rápido, sem pensar. E, depois de três chegadas, perguntei: – Suspeito de quê? – De um crime – ela disse. – É a primeira vez que faço essa cara? – Não. Mas hoje ficou mais nítida quando você cruzou o caminho daquele homem, que não nada sempre aqui – ela respondeu. Comecei. Enquanto nadava, ia pensando: Que coisa! Há homens, aqueles que são muito másculos, com quem numa conversa, não consigo manter os “olhos nos olhos”. É esse meu olhar fugidio que, certamente, me traz ares de suspeito, de não confiável. Mas suspeito de um crime, quer dizer, que eu me sinta um criminoso é exagero de Domicila! Envergonhar-me de que o homem bicho-grilo não me veja por dentro, não faz de mim, a meus olhos, um bandido. Faz? Cruz credo! Isso me explica o que, às vezes, sinto no jeito com que a Marcelina me olha quando estou para vir embora. Preciso perguntar-lhe se, para ela, tenho cara de suspeito também.
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Mamãe, olhos circunscritos de lápis, clareados de luz, esperava por Lúcio e assistia a tudo, na dela. Quando Lúcio chegou só eu nadava, e Jerson. Os outros já haviam acabado. E quando vi, Lúcio já estava na água. Tirou uma das cordas de demarcação de raias, deixando somente armada aquela em que eu estava, além da raia de Jerson. Fez tinindo pra mim, ao que retribuí com esse movimento de cabeça que quer dizer “sim”. Mamãe desceu e ficaram na metade livre e sem raias da piscina. Lúcio é bonito e bom. Sorte de mamãe. Ao lado de sua raia, no meio, Jerson olhou para mim. É nissei. Nada desde 1988, mas não tem corpo de atleta. É gordinho. Nada muito bem, com harmonia. Fiz vinte chegadas. Seiscentos metros. Acabada minha aula, esperei por mamãe na arquibancada, enquanto ela e Lúcio estavam n’água. Viemos embora. De bus... 22 de agosto de 2000 Mamãe não tem dia certo para ir. Ela faz suas combinações com Lúcio por telefone para fazer suas sessões fisioterápicas. E, hoje, não foi. Fomos eu e Troia, que está preparando capas de discos para mim. São para os discos que pedi a Germano com compilações diversas, de músicas do Gilberto Gil. Numa de minhas chegadas, quando Marcelina iria me indicar outra série de largadas, perguntei-lhe se ela também, às vezes, me acha com cara de suspeito, de criminoso. Expliquei-lhe a história da Domicila.
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E Marcelina quis tirar isso de minha cabeça. Disse que não tenho cara de suspeito e que Domicila viaja. E que é preciso ter cuidado com as coisas que me dizem, porque eu também viajo. – Viajo, não, voo – eu lhe disse rindo. E recomecei. Lúcio atendia ao jovem com senilidade precoce. Depois, atendeu a um paciente que ele trata desde que comecei a nadar, mas que tem sido pouco assíduo. É um senhor com um problema neurológico que o deixou absolutamente apático. Não anda, não fala, tem o olhar parado dos corpos sem alma, sem nada dentro. Chega numa cadeira de rodas, trazido por algum empregado. Às vezes, sua filha vem. É muito simpática. Fala comigo cheia de entusiasmo, elogia meus progressos de nadador. Às vezes, seu pai, dentro da piscina, ninado no colo de Lúcio, sorri para o nada, os olhos parados, fixos à luz das lâmpadas brilhantes, sobre o azul da piscina, sem existir, sem estar em qualquer país. Fiz vinte e cinco chegadas. Não acerto a pernada de peito, que é muito difícil. Chamei Lúcio para assistirmos ao Gilberto Gil, no final de semana, na praia. Ele disse imediatamente: – Estarei lá! Todos disseram que irão.
23 de agosto de 2000 Meu aniversário. Levei cartazes, conseguidos numa cabine de turismo da cidade, anunciando Gilberto Gil, para serem pregados na academia.
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A moça que fica na portaria disse que não podia colar cartazes que não fossem esportivos. Domicila colou para mim num painel ao lado da piscina, porque a Marcelina me disse, ontem, que poderia. Os fisioterapeutas não foram hoje. Perguntei ao Caio, ainda na arquibancada, antes de entrarmos na água, se ele tinha tido algum problema no ouvido e se era por isso que estava usando aquele trequinho que protege para que a água não entre. Disse que não, mas que o incomoda que a água lhe entre ouvido adentro, por isso é que usa o tampão. – Entendi – eu disse. Entramos. Jerson já nadava. Domicila pediu que eu fizesse uns educativos para a pernada de peito. Depois que voltou de sua licença, estou achando Domicila mais séria, mais profissional. Nadei curtindo. Meu condicionamento para a piscina ainda vai ser melhorado. No final da minha aula, chegou aquele homem que se veste à moda bicho-grilo, aquele que nadava à revelia na primeira vez em que o vi. E que, n’outro dia, me machucou com os espirros da água, nadando ao meu lado. E, no outro, fez Domicila ver que tenho cara de suspeito. Chegou no banheiro quando eu trocava minha roupa para vir embora. Assistiu-me nu. Sua presença teve o efeito de espelho na minha cabeça. Concentrado em mim mesmo, sem olhar nada, troquei a roupa sob seu ponto de vista, vi-me de seu lugar. É um comportamento meio autista esse meu, porque impossível saber o que se passou com o homem bicho-grilo, que, com seu rabo de cavalo e seu pau enorme, pode sequer ter me olhado. Quando desci a rampa para o corredor de saída, vi seu rosto aparecendo sobre o lençol da piscina. Como no primeiro dia em que
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o vi, nadava de costas, alheio, quer dizer, à revelia, com sua fisionomia de homem satisfeito, convencido, autossuficiente à flor d’água.. Vim embora. 24 de agosto de 2000 Fomos eu e Troia. Marcelina não estava, nem ninguém para substituí-la. Todas as raias ocupadas. Eu, Troia, Caio e Jerson. Fiquei a imaginar se, dessa vez, como em seu segundo dia, a ausência de Marcelina iria deixar Troia nervosa com a água, desorientada. Depois, quando desocupou uma raia, chegou o homem de cadeira de rodas e Lúcio. Olhei para o corpo belo de Lúcio, fingi que o olhava a ajudar o senhor de cadeira de rodas a descer para a piscina, mas olhava os volumes sobressaltados em sua sunga de homem pequeno: meio calção azul-celeste. E para suas pernas, os pelos curtos, pretos e poucos, molhados, deitados nos músculos morenos da coxa, costas lisas, peitos largos... Hoje, experimentei uma nova postura para nadar. Troia me disse que a ausência de orientação da Marcelina fez com que ela se experimentasse na água também. Ficamos animadíssimos sem alguém que nos dissesse o que fazer. Nós, os dois que nadamos afobados e ofegantes, fizemos competição para ver quem chegava por último, porque é preciso muita concentração e domínio para nadar lento, sem afobação. Ganhei. Depois, expliquei para Troia o ritmo de nadar o estilo peito, como quem soubesse. Ela quis ver como eu nadava costas.
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Depois, mostrou-se nadando. Parecia Elis Regina cantando “Arrastão”. Rimos. Na despedida, Lúcio disse: – Até domingo. – Até domingo – respondi. Domingo será o dia de Gilberto Gil na praia e irei nessa nova versão de mim mesmo, sem a bengala. 25 de agosto de 2000 Domicila estava com sono. Achei seu rostinho mais redondo. É uma menina. Lúcio, de sunga azul-celeste, falou, outra vez, que vai ao show da praia. Chamei Caio. Fiz vinte e oito chegadas, correspondentes a oitocentos e noventa metros. Senti-me atravessar a piscina no alto, suspenso como um anjo. No banheiro encontrei-me com o homem bicho-grilo, que ainda sem estar na piscina, tinha os cabelos grisalhos soltos, com mechas caídas em pontas sobre os ombros magros. Cumprimentou-me e havia tensão, a tensão do banheiro. Depois, entrou numa das cabines, a que tem a privada, e de pé, as costas viradas para mim, sem fechar a porta atrás de si, arriou a sunga até abaixo da bunda e mijou pesado na poça d’água da privada. A sombra do veludo de pentelhos mostrada para mim, nas dobras de sua bunda morena e larga, fervilhou meu coração. Vim embora.
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28 de agosto de 2000 Não fui nadar. 29 de agosto de 2000 Troia não foi. Marcelina me disse que esqueceu de ir à praia, no show do Gil. Lúcio não pôde ir. A filha do paciente do Lúcio, o senhor de cadeira de rodas, também disse que não pôde ir. Da piscina, foi somente a Domicila, mas eu e Troia, que foi comigo, não a encontramos no meio do povo. Hoje, fiz vinte e cinco chegadas. Quando cheguei, nadavam Tito e Lucila, que começou a vir nadar nas vezes em que não tem paciente que atenda nesse horário. Lucila é grande e morena, maior e mais clara que Lúcio, seu namorado. Ao nadar, tornase muito leve e é muito bonito assisti-la a planar, ágil, à flor de sua raia. Lúcio atendia ao jovem com senilidade precoce. O senhor da cadeira de rodas tem vindo à fisioterapia e quando chegou com sua filha, vi a sunga azul-celeste de Lúcio, que terminada a sessão com o rapaz senil, subiu na borda para colocá-lo para dentro da piscina. No fim, estávamos nadando apenas eu e Caio, que chegou depois que o Tito e Lucila se foram. Caio está meio doente e nadou pouco. A água estava a trinta graus. Estou a cada dia mais desenvolto e à vontade no ambiente da piscina. Tenho conseguido nadar mais lentamente, sem grandes esbaforimentos. E, habituando-me à sensação de grande prazer, aproveito para aperfeiçoar os detalhes que percebo ruins. Hoje, me
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liguei na posição da mão, na pressão que faço na carne mole da água para lançar-me para frente. O lado esquerdo é sempre mais difícil de ser comandado, de fazer o movimento tal como imagino. Esse lado de meu corpo está um pouco mais magro, por não corresponder em força e habilidade ao outro lado. É como que desafinado e mais fino. 30 de agosto de 2000 Quando cheguei, Jerson já nadava. Fiz vinte e oito chegadas. Domicila fez comigo um educativo para pernada de peito. Ainda não estou à vontade nessa pernada, mas melhorei bastante. Apareceu um fisioterapeuta lindo, que nunca vi antes, para atender a uma senhora que chegou de cadeira de rodas. Parei para assisti-los descerem para a piscina. Então, vi que a senhora não tinha uma das pernas. Um senhor, que deve ser o marido, ajudou. Ela me olhou de um jeito especial. Tinha uma espécie de aprovação no olhar dela, então, mesmo que não nos conhecêssemos, era muito real e, embora eu não me importasse com aquilo, senti que eu merecia estar ali, como se fosse certo que eu estivesse dentro d’água, e que aquele fosse meu lugar de merecimento. Seu olhar fazia-me sentir pertencente à piscina, ao ambiente dela. E fazia da piscina um país isolado, fora de todos os outros. Tal como é para o prisioneiro de Jean Genet, o crime, um país, o olhar amoroso daquela senhora desconhecida, tornava-me um nativo dali, daquele lugar morno e iluminado que ela, olhando-me daquele jeito, me sagrava. Então, eu nadei sentindo um imenso prazer em atravessar a água da piscina, suspenso, flutuando, deslocando-me como fazem os anjos num céu de nuvens.
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A água é, sem dúvida, um deus. E nadar, um sonho para mim, eu disse outro dia a Marcelina. Numa de minhas chegadas, ouvi Jerson dizer para Domicila que seu braço esquerdo também não atende aos seus comandos. Portanto, mais se confirma minha ideia de que, no ambiente da água, meus limites são os de todo mundo. Na água, um pouco sustentado por sua gelatina de clara de ovo, não tenho as mesmas dificuldades que me trazem o chão firme com sua gravidade, com a atmosfera leve e insegura, onde tenho que estar muito mais concentrado para, cambaleando, não cair. Na água, não tenho como cair. Posso evadir-me em sua natureza para qualquer direção, sempre envolvido no seu plasma, em suspensão na sua linfa, como pluma na atmosfera. Por isso, porque a água como que reabilita meu equilíbrio, não tenho usado mais bengala, abandonei-a. Estou nadando muito bem! 31 de agosto de 2000 Marcelina, que há muito não caía na piscina, caiu para mostrar-me a pernada de peito. Dificílima! Depois, ficou na raia de Troia, orientando-a. Viemos embora.
1º de setembro de 2000 Fui para a piscina. Cheguei a cair na água, mas não pude nadar.
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Ontem, quando voltava da Irineia, que cortou meu cabelo, andando na calçada para pegar meu ônibus, vinha uma enxurrada de água ensaboada saindo debaixo de um portão. Tentei pular por sobre o enxurro para um ponto da calçada onde havia se criado uma ilhazinha seca, mas não alcancei o que mirei e me estabaquei no meio do molhado. Porque desequilibrei-me para trás, amortecendo a queda com a mão do braço esquerdo, que é um braço sem força para o ímpeto em que caí, o músculo do pulso, encurtado, estirou-se. Daí, não consegui nadar, por causa da dor. 4 de setembro de 2000 Novamente, não consegui nadar. O músculo do pulso não consegue se esforçar na água sem doer. Por isso, fiz apenas oito chegadas de pernadas e vim embora. Com o frio, não havia muita gente na piscina. Estava o Tito. Depois, chegou o Caio. Vim embora.
5 de setembro de 2000 Eu e Troia fomos de carro. Estávamos apenas eu e ela na piscina. Meu pulso ainda não está bom para nadar. Por isso, fiz apenas pernadas. Marcelina ocupou-se apenas de Troia. Tito saía d’água quando chegamos. E me olhou. Na arquibancada, Lúcio disse para eu fazer fisioterapia no pulso dolorido.
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Quando saímos, o senhor catatônico de cadeira de rodas, o que não tem nada dentro, chegou. Lúcio trocou-se. Estava de sunga vermelha, muito gostoso. Troia chegou triste, mas saiu animada. Eu tenho sido zen. 6 de setembro de 2000 Não fui nadar.
7 de setembro de 2000 Feriado. 8 de setembro de 2000 Dei apenas pernadas. Meu pulso não está bom. Mamãe não tem combinado com Lúcio de vir. Combinou para recomeçar na segunda-feira. 11 de setembro de 2000 Fui com mamãe, que ficou na arquibancada a esperar por Lúcio. Na recepção, a moça que vigia a entrada franqueou-nos a porta, muito séria. Ainda não pude nadar.
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Fiz doze chegadas de perna. Nadávamos Caio, Jerson e eu. Lúcio chegou para atender mamãe. Depois que eles já estavam na piscina há um tempo, criei coragem para chamá-lo de furão. Ele sorriu e disse que fez um macarrão e dormiu. Disse que não gosta de viver à noite, pediu-me desculpas. E disse que no próximo show do Gil que combinarmos, irá. Mamãe disse: – Vá, sim, Lúcio! Vá se distrair um pouco! – e ficaram de conversa na água, enquanto eu dava minhas pernadas. No banheiro, eu e Lúcio trocamos a roupa juntos. Tensão. Mas ele, um deus tranquilo. Fui o primeiro a sair. Quando abri a porta disse: – Até logo, Lúcio! – eu disse com um tanto de alívio de, por fim, ter escapado do centro de gravidade que se criou em torno de seu corpo nu. – Até mais – respondeu. Na arquibancada, mamãe me esperava para virmos embora. 12 de setembro de 2000 Terça-feira. Troia não foi. Está adoentada. Eu, mesmo que não esteja ainda bom para dar braçadas, vou nadar. Fiz doze chegadas de pernada. Cumprimentei a moça da portaria e percorri o longo corredor ao lado do prédio dos halteres para chegar à piscina. No início, nos primeiros meses, quando comecei a frequentar a natação, ao passar pela portaria, sorria sincera e largamente para essa moça, porque
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sentia nela essa cumplicidade que comumente aflora entre nós, gays. Com o tempo, meu sorriso foi secando e, agora, sorrio mascaradamente, para manter a amizade aparente. Não há cumplicidade entre nós. Possivelmente, porque ela não deixa de ser a recepcionista, na portaria. E eu um assíduo frequentador da piscina. Mas também, o que quero? Um dia, estive pensando na prisão em que nos metemos, quando nos tornamos profissionais. Dificilmente uma empregada doméstica, numa família, sairá dos limites da profissão. É um encarceramento. Não há sonho ou fantasia que modifique isso. A academia tinha um zelador que eu sempre encontrava irritado no banheiro, mal-humorado. Ele batia a porta, reclamando. N’algumas vezes troquei minha roupa, enquanto ele, sentado num canto do largo banheiro, comia sua marmita do almoço. Eu, então, imaginava que seu humor mais se arruinava por ter de almoçar ali, onde outros homens forçosamente apresentavam-lhe o caralho, quando iam mudar a roupa. Nunca mais vi esse zelador e acho bom, porque ele era realmente casca-grossa. Acho que ele era inteligente demais para suportar os limites que a profissão de zelador lhe impunha e faltava-lhe generosidade para ser um homem simples. E eu, por ser um carinha, por não lhe apresentar nenhuma ameaça, por ser esse carinha que sou, principalmente, quando encontrava só comigo no banheiro, fazia questão de se mostrar arrogante, quase violento. Era realmente um zelador desagradável. Bom que foi embora. Ou quem sabe, essa era uma reação que lhe provocava a cela do banheiro, uma maneira rude, grotesca, de se mostrar macho. Aquela era a sua tensão do banheiro. Uma vez, ouvi quando disse ter vinte e oito anos. Com sua roupa simples de zelador, podia ter sido um homem tranquilo, mas não, era um idiota infernal, insuportável.
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No banheiro, somente os deuses são tranquilos, sem tensão. E na portaria, eu e a recepcionista cumprimentamo-nos ríspidos, desinteressados. Quando subi a rampa que dá na piscina, Lucila, a namorada de Lúcio, disse que não foram ao show, porque ela estava com dor de cabeça. Disse-me que Lúcio ainda falou que precisava ir, mas sua dor de cabeça era grande. Depois, Lúcio veio com uma sunga vermelha. Conversamos enquanto ele tirava o senhor de cadeira de rodas para a água. Tem tensão em mim com relação a Lúcio, embora ele seja um deus tranquilo. Ele já percebeu o jeito como olho pros seus volumes na sunga, tenso centro de gravidade. Lucila, sua namorada, também me olha para os volumes na sunga. Tensão. Marcelina, paradoxalmente, alheia e desconfiada, interfere, muda o dial, papisa da piscina, passarinho. Quando cheguei, Tito nadava. Dessa vez, não olhou para mim. Olhei, curtindo seu rosto bonito de homem e num ímpeto desabrochado, desejei que ele me olhasse por dentro. Caio chegou quando saí. Cumprimenta-me quando quer. 13 de setembro de 2000 Quarta-feira. Não é o dia de Troia nadar, mas foi comigo para repor aula. Fomos de carro. Na portaria, Troia parou para pegar o cartão de frequência. Na piscina, Domicila orientava Caio e Jerson, cada qual ocupando
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uma raia. Quando entrei, pediu-me que armasse minha raia e a de Troia. Armei. Um pouco depois, Jerson acabou. Ele me olhou. Domicila pediu que Troia ocupasse a raia em que Jerson estava, porque a senhora da cadeira de rodas havia chegado e iria ficar com seu fisioterapeuta lindo na raia do canto, onde Troia estava. Eu, por causa do pulso machucado, ainda não consigo nadar. Domicila, como Lúcio, diz que devo consultar um fisioterapeuta, mas não vou, porque os músculos, apesar de doloridos para nadar, estão melhores a cada dia. E o tempo é que é o melhor remédio. Fiz doze chegadas de pernada e saí, quando Lúcio chegou. No banheiro, novamente, eu e ele trocamos a roupa juntos. Outra vez, tensão, gravidade. Pelo espelho, vi sua gostosa bunda morena, os pelos pequenos, negros, lisos, poucos. Essa imagem desmanchou-se como um veneno que me invadisse e que desaparecesse pra dentro de mim. Viemos embora, eu e Troia. 14 de setembro de 2000 Quinta-feira. Dia de Marcelina. Fomos eu e Troia de carro. Quando subimos a rampa da piscina, depois de sorrir amarelo na portaria e depois de atravessado o imenso corredor margeando a academia, cumprimentei Marcelina, que estava de pé à cabeceira d’água e orientava o treino de Tito e de Lucila. Marcelina não me olhou. Cumprimentou-me trabalhando. Desci para a piscina e ajudei a armar a raia. O pulso, a cada dia, um pouco melhor.
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Ficamos eu e Troia juntos. Na última raia ficou Lúcio e o adolescente com senilidade precoce. Não olhei para Tito. Não sei se ele me viu nadar na raia a seu lado. Depois, conversei um pouco com Marcelina sobre como estou melhor de equilíbrio. Ela, então, me disse que eu deveria começar a pular na piscina, ao invés de descer. Fiz dez chegadas de pernada com pé de pato e mais seis com meus próprios pés. Viemos embora.
15 de setembro de 2000 Quando chegamos, eu e mamãe, Domicila estava dentro da piscina. Estava animada, falante. Contou para mamãe sobre o dia em que um sobrinho seu desapareceu. Então, mamãe contou da vez em que, com três anos de idade, eu também desapareci. Que eu jogava boleba tranquilamente, no terraço do vizinho. Fiz quatorze chegadas de perna. Dia de sol, primavera. Depois que Lúcio chegou para a sessão fisioterápica, ficaram ele e mamãe num canto da piscina, tocando-se para os exercícios como dois amantes. Não falei com eles, que estavam muito distraídos, concentrados. Domicila voltou a falar da história do sobrinho, e logo silenciou, ficou quieta. Além de mim, apenas Lucila nadou hoje. A atmosfera em torno à piscina ficou silenciosa. Troquei minha roupa no banheiro em silêncio, tranquilo. Eu sou Cláudio.
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Sou um deus? Esperei por mamãe na arquibancada e viemos embora.
18 de setembro de 2000 Segunda-feira. Como um peixe machucado, hoje, enfim, nadei um pouco. Não estou desenvolto na água e é difícil tomar ar para o lado oposto ao do pulso machucado. Meu nadar, assim como eu, é claudicante. Fiz quinze chegadas. Domicila estava animada, outra vez. Contou-nos o dia extraordinário em que, primeiro, uma barata subiu-lhe pelos braços, depois, outra barata subiu-lhe pelas pernas. Ela corria desnorteada e gritava para que matassem os bichos. E nós, os alunos mergulhados até aos ombros à cabeceira da piscina, escutávamos rindo, gargalhando. Vim embora caminhando a pé margeando a praia até Icaraí. Está nublado, o dia menos brilhante que a piscina. E o mar um pouco agitado. Muitos adolescentes aproveitam o mar assim para pegar onda na Pedra de Itapuca, onde há os catadores de mexilhão. Vivemos num mundo extraordinário em que os pobres atravessam os bairros de classe média alta como quem atravessasse um feudo estranho. Há muitos pobres. 19 de setembro de 2000 Terça-feira. Fui sozinho para a piscina. Alguém avisou pelo telefone que Troia não iria.
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Quando cheguei na portaria Tito estava indo embora. É um homem alto, jovem, bonito. Fizemos cumprimento com a cabeça, quando passamos um pelo outro, sem falar, como se fôssemos dois animais. Entrei. Dei boa-tarde para a recepcionista. Marcelina veio vindo e foi telefonar. Fiquei por um tempo nadando sozinho na piscina. Do outro lado, Lúcio atendia ao jovem com senilidade precoce. Depois, chegou o senhor da cadeira de rodas. Assisti Lúcio descer o senhor para a piscina. Sunga vermelha. Fiz vinte chegadas nadando ainda meio manco. Eu e Marcelina ficamos animados com as vinte chegadas. Vim embora. Marcelina ficou sozinha, sentada à cabeceira da piscina sobre um bloco de pranchinhas que usamos para dar as pernadas, tranquilamente, fazendo notas numa prancheta que tinha nas mãos. Dentro d’água, Lúcio atendia ao senhor de cadeira de rodas. Dei tchau para eles. Vim embora. 20 de setembro de 2000 Fiz vinte e quatro chegadas. Ainda não posso forçar o nado com a mão esquerda, mas consigo nadar. Nadamos eu, Caio e Lucila. Lúcio atendia a um casal de velhos. Esse casal há muito tempo não vem à piscina. Porém, como hoje faz muito calor, vieram. Em maio, quando começaram a ficar mais frios os dias, a despeito da água sempre quente da piscina, causava-me impressão ver a
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senhora que compõe esse casal tentar acompanhar Lúcio nas sessões fisioterápicas. Enquanto o senhor, manso, seguia as instruções do fisioterapeuta, raia afora, o desconforto dela na água era tanto que mal conseguia mover-se. Arredia, enojada, mantinha ambos os braços de mãos trêmulas acima d’água. Lúcio guiando-a por uma delas, meio sem jeito, insistia na sessão, ela querendo sair d’água e, por fim, o casal acabou por não vir mais. Hoje, vieram inaugurar a primavera. A senhora trouxe broa de fubá para o Lúcio. O senhor deu-me um largo sorriso de recepção. A senhora de cadeira de rodas, que não tem uma das pernas, chegou para ser atendida por seu fisioterapeuta lindo. Quando apareceu na cabeceira da piscina, me olhou cheia de amor. Depois, reparei que deitada na crista d’água, com o fisioterapeuta lindíssimo apoiando-lhe os ombros, lançou-me olhares interessados, curiosos. Ela quis me olhar por dentro. Eu subia a escadinha de metal. Esnobei-a, devolvendo-lhe um olhar de esguelha, por sobre meus ombros. Estou no meu pedaço, na minha área, no meu sonho. Vim embora.
21 de setembro de 2000 Quinta-feira. Marcelina não foi. Fomos eu e Troia. Armamos nossas raias. Na outra metade livre da piscina, Lúcio atendia ao rapaz com senilidade precoce, que tem um cabelo ralíssimo, de velho.
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– Que liberdade! – Troia disse com voz embargada. Ela estava emocionada. E deu a largada. De minha raia, segui-lhe o ritmo. A fisioterapia de Lúcio com o rapaz senil precoce acabou. Troia saiu da prisão da sua raia e ocupou a outra metade livre da piscina. – Se não fôssemos tão limitados, daria uma festa! – e fez como quem abraçasse a água. O homem de cadeira de rodas chegou. Lúcio pediu a Troia que voltasse para sua raia e desceu o homem. Estava animado. Com o senhor no colo, fazia provocações, tacava-lhe beijos estalados no rosto, brincava. O homem de olhos parados reagia uivando, soltando guinchos de voz pela garganta. Eram quase gemidos, de prazer. Lúcio provocava mais. O homem uivava. Era um troço alegre, que me impressionava. O homem catatônico, sem nada dentro, existia! Na arquibancada, a filha simpática desse senhor e a menina sua ajudante, complacentes, esperavam olhando. Nadamos mais. Troia reparou que nado de costas feito um peixe preguiçoso. Fiz vinte chegadas. Às vezes, acerto a pernada de peito. Troia foi trocar-se. Lucila veio atrasada. Entrou muito de leve na água e seu corpo grande flutuou igualmente leve. Quando chegou na direção de Lúcio parou e, atravessando a raia, beijou carinhosa seu rosto.
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Quando se aproximou de mim, perguntou por Marcelina. – Não veio – respondi. Viemos embora de carro, eu e Troia. 22 de setembro de 2000 Sexta-feira. Ontem, mamãe combinou por telefone fisioterapia com Lúcio para hoje. Fomos os dois. Dia sombrio. No caminho, o mar estava cinza e crespo, cheio de marolas. O vento forte e frio. O horário em que vou, é o horário da saída do turno matutino das escolas. No ônibus e calçadas, muitas crianças e adolescentes. Meninas desabrochadas, garotos lindos: pernas, músculos, virilidade. À certa altura do percurso do ônibus sempre vejo o mesmo casal de adolescentes. Ambos loiros, gorduchinhos, típicas pessoas de classe média alta. Ficam no ponto do ônibus abraçados, namorando, saídos de alguma escola. Mordiscam-se e agarram-se pela boca feito dois peixinhos. São notáveis porque não têm os movimentos lentos e graves que compõem o tesão apaixonado. São alegres, festivos, carinhosos. Conversam grudados um no outro, as duas mãos dele agarradas nas duas mãos dela, as bocas brilhantes faíscam para encostarem-se uma na outra, sempre sorrindo, a despeito do rebuliço da rua em torno, num mundo só deles. O sorriso deles deslumbra, como os cabelos esfuziantes. Brilhantes como a piscina. Como os olhos de mamãe clareados a lápis. Tem-se a impressão de que fariam qualquer coisa, como se estivessem sozinhos no Paraíso. Hoje, sentados ao pé de uma árvore no ponto do ônibus, ele, com a
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cabeça sobre o colo dela, deixava que ela lhe catasse piolhos. Em torno, o rebuliço de gente e automóveis. Na academia, a recepcionista conversava com uma amiga de cabelos cortados rentes, tipo joãozinho. Atravessamos, eu e mamãe, o corredor após o boa-tarde. Mamãe sorria. Na piscina, sorri para Domicila que retribuiu. Desci para minha raia e comecei. Em outras duas raias nadavam Caio e Lucila. Mamãe, sorridente, esperava na arquibancada. Lúcio chegou e foi para o banheiro trocar-se. Sunga vermelha, pau deitado para a esquerda, centro de gravidade que a sunga vermelha suportava. Mamãe, de maiô preto, gorda, iria descer a piscina pela escadinha de metal, mas quando, curvando-se à borda, com a mão, experimentou a água fria, surpreendente, jogouse. A água, então, sob o impacto grande de seu corpo, explodiu num estrondo e um círculo de marolas irradiou-se, embaixo das cordas de demarcação das raias, por toda a piscina. A surpresa do acontecido me fez rir, Domicila riu, todos rimos. Depois, começamos a conversar sobre a impressão que se tem da temperatura da água. No termômetro está quase sempre marcando os mesmos trinta graus. Mamãe disse: – Tem que entrar assim para espantar o frio! A água está um gelo... – e ela e Lúcio continuaram a conversar durante a sessão fisioterápica. Nós, que nadávamos, concentramo-nos. Fiz vinte e uma chegadas, o braço um pouco dolorido ainda. Troquei a sunga no banheiro. Lúcio. Tensão. Viemos embora, eu e mamãe.
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25 de setembro de 2000 Segunda-feira. Dia chuvoso. Cai, insistente, uma chuva fina e fria. Eu e mamãe fomos à piscina assim mesmo. Não havia ninguém. Domicila esperava pelos alunos lendo sozinha na arquibancada. Mamãe sentou-se ao lado e esperou. Maiô preto. Depois que comecei a nadar, chegaram a mulher de cadeira de rodas, o seu fisioterapeuta lindo e Lúcio, para as sessões fisioterápicas. Ficamos eu, nadando numa raia e, no resto da piscina, os fisioterapeutas com suas pacientes. Estou quase sem dor para nadar. Conversei com Domicila sobre a difícil pernada de peito. Ela disse que achava ser uma questão genética conseguir fazê-la. Fiquei frustrado. É muito gostoso nadar. Domicila aproveitou a falta de alunos para conversar comigo sobre como andam suas aulas. Disse-lhe que eram ótimas, que adorava. Quando saímos da piscina, eu e mamãe, ainda chovia. 26 de setembro de 2000 Dia chuvoso como ontem. Resolvi não ir nadar.
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27 de setembro de 2000 Dia chuvoso também, e frio. Dessa vez, fui sozinho. As ruas, reparei, estão mais cheias, pois hoje é dia de São Cosme e São Damião. Turmas de crianças muito pobres, famílias pobres andam à cata de casas que estejam dando doces. O bairro de classe média infestase de gente pobre e estranha, na chuva! Penso nos burgos da Idade Média falados nas aulas de história. Estamos parecidos. Precisamos de avanços sociais à altura dos avanços tecnológicos a que chegamos. É tão bonito estar aqui escrevendo iluminado de luz elétrica. É lindo atravessar a piscina azul com sua luz difusa... O mar está cheio, bravio. As ondas agressivas. E muita gente fodida, famílias inteiras passeiam nas calçadas, enquanto o moço rico, de calção, pernas fortes, da sacada de vidro de seu apartamento, joga para baixo a guimba acesa de seu cigarro, após o último trago. Vejo tudo trancado no ônibus. E um branco espesso da neblina do céu pesando sobre as montanhas em torno do braço de mar. A chuva. Na academia dei boa-tarde para a recepcionista. Havia dois alunos novos somente. Ninguém conhecido. Os alunos novos, às vezes, fazem aulas avulsas e não ficam. Era um rapaz gostoso, cuja namorada esperava sentada na arquibancada. E uma moça que precisa aprender a nadar. Domicila ficou animada, ensinando. Comecei. Estava também na arquibancada o fisioterapeuta da senhora de cadeira de rodas, esperando.
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Estou quase nadando normal, sem dor no braço. Chegou a senhora da cadeira de rodas. O fisioterapeuta lindo e ela entraram na piscina. O marido da senhora apareceu e ajudou a colocá-la n’água. A senhora me olhava com interesse, de dentro. Tem os olhos muito tristes e cheios de amor. Seu fisioterapeuta lindo não me olhou. Cumprimentei-a. O rapaz gostoso, aluno novo, foi embora com sua namorada. Usava sunga vermelha. A namorada fingiu não me olhar. Fiz vinte e seis chegadas. Vim embora. A cidade ainda enxovalhada. 28 de setembro de 2000 Lindo dia de sol com nuvens brancas e céu azul. Troia não foi. Marcelina não foi. Estava de instrutor um homem de verdade, substituindo-a. Não era um senhor, não era um rapaz. Era um homem. Voz poderosa. Para mim, na seca, puro erotismo. Uma moça linda fazia aula avulsa. Lúcio atendia ao jovem com senilidade precoce. Perto do novo instrutor, Lúcio ficou com pouco encanto, sunga azul-celeste. Ver um homem pela primeira vez é muito lindo. Lá estava o instrutor, sentado em sua cadeira colocada diante da raia em que eu nadava, uma das mãos entre as pernas abertas, sobre o calção preto, instruindo-nos, a mim e à menina da aula avulsa. Marcelina também erotiza as aulas.
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Fica agachada à maneira dos índios ou sentada de perna aberta à cabeceira das raias, instruindo-nos. Também, o que pode fazer um atleta, sem que se torne erótico pra mim, na seca? O outro paciente de Lúcio chegou, paralítico, na cadeira de rodas. Vi que Lúcio já descobriu um jeito de comunicar-se com o senhor sem fazer com que ele fique guinchando, enlouquecido. O senhor não reage muito, mas Lúcio lhe fala incessante, faz-lhe solicitações com palavras muito doces, como se ele estivesse a entender. E, então, ele parece existir. Pude nadar mais forte hoje, o braço quase não dói. O novo instrutor disse que nado bem. Perguntou sobre minha fisioterapia. Disse-lhe que não faço fisioterapia e que na água não sinto os mesmos limites que sinto na gravidade da atmosfera. – É. Na água, você está bem – ele disse. Fiz mais de vinte chegadas. Estou de sunga nova. E branca ainda. Vim embora.
29 de setembro de 2000 Muita gente nadando. Todas as raias lotadas. Dividi minha raia com uma aluna da qual não sei o nome ainda. É uma jovem gordinha que nada atarracado. Como Caio, seus braços não começam a puxar a água enfiando as mãos à frente da cabeça, alongando, mas curtos, entram na água ainda dobrados, à frente dos ombros, desenhando no ar quase o braço dianteiro de um escorpião ou, arredondado, curto como a cabeça, uma ponta de tridente. Uma das alunas, Katia, está bem no começo de aprender a nadar.
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Tem dificuldade de virar a cabeça para pegar ar. – O Cláudio, nos dois primeiros meses, vivia se afogando. Depois, melhorou – ouvi Domicila dizer-lhe. – Espero daqui a dois meses, nadar como ele – Katia disse. Fiquei todo bobo. Depois, a piscina foi se esvaziando e fiquei com uma raia só para mim. Fiz vinte e seis chegadas. 2 de outubro de 2000 Dia lindo de sol. Fui com mamãe. Melhorei minha pernada de peito. Quando chegamos, eu e mamãe, ainda na arquibancada, conversamos um pouco com a filha do senhor da cadeira de rodas. Ele estava na água com Lúcio. Na piscina coberta, de luz artificial e água quente, estava como que um outro dia, diferente do dia lá fora, com a azáfama dos nadadores embaixo da música que vem do rádio à cabeceira d’água e com outra temperatura na atmosfera, por causa da água morna. Entrei na piscina e Lúcio falou comigo, cumprimentando-me, enquanto o homem da cadeira de rodas era puxado para fora d’água. Nadei. Domicila estava animada e mamãe desceu a escadinha de metal, gorda, de maiô preto, batom, para a fisioterapia. O senhor da cadeira de rodas tinha ido embora com sua filha. Mamãe, de maiô preto, encontrou-se com Lúcio sem que ele saísse da água e andaram de um canto a outro da raia conversando baixinho, no tom dos namorados. Noutro canto da piscina, a senhora de cadeira de rodas era atendida por seu fisioterapeuta lindo. Nadávamos apenas eu e Caio, que nada muito mais rápido que eu,
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mesmo que minhas pernadas e braçadas valham mais que as dele, porque são maiores. Fui o último a sair. Sem saber quanto nadei. Ao sair do banheiro, habituei-me a beber um pouco d’água no bebedouro da academia, lugar onde, assim como no banheiro, é comum que eu me encontre com os deuses tranquilos. Eles vêm vestidos, mas como animais saídos da floresta, cuidadosamente, matar a sede à luz da lagoa. O bebedouro, nos fundos da academia e à cabeceira da piscina, fica num vão mais abaixo, de modo que desço três degraus para alcançá-lo, assim, um poço. E a nova zeladora, substituta do zelador casca-grossa, estava bebendo água. Sentindo-me descer os degraus da escadinha, ainda curvada para a bica d’água, torcendo-se, olhou e sorriu pra mim. Deu-me a vez. Voltei à piscina e sentei-me na arquibancada esperando mamãe para virmos embora. 3 de outubro de 2000 Dia de muito sol. Troia não foi. Está em São Paulo. Marcelina, que ficou um tanto de aulas sem vir, estava animada. Todas as raias ocupadas. No início, dividia minha raia, outra vez, com a menina gordinha, tridente atarracada, semelhante ao Caio. Depois, fiquei só na raia. De homem, estávamos apenas eu e Tito, que não me viu por dentro, mas que me olhou. Marcelina fica animada com a piscina cheia.
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Bati meu record: vinte e oito chegadas em quarenta e cinco minutos. Lúcio, de sunga verde, atendia ao rapaz com senilidade precoce, na raia perto da arquibancada. Com a piscina cheia, ele também se anima. E disse para Marcelina: – É realmente espantoso que o ser humano, inventor de tanta coisa, ainda não tenha inventado uma guelra artificial – e ela riu. Na volta, a praia estava lotada. O mar inchado. A tarde linda. Olhar a praia assim ensolarada, espaçosa, fez-me pensar num tempo remoto. Senti uma nostalgia estranha, que não sei explicar, sem motivo, de antiguidade em ruínas, de um tempo perdido, de eternidade, de eterno é... Vim embora.
4 de outubro de 2000 Dia estranho, de chumbo. Fiz vinte e sete chegadas. Domicila estava animada. Entrei na raia com Caio. Quando ponho meus pés na parede da piscina para dar a largada e debruço-me sobre a superfície da água, dando o primeiro impulso, a piscina toda a minha frente com sua profundidade e cumprimento é, justamente, como deve ser o céu para um passarinho. A natureza da água não poderia ser para mim mais generosa e surpreendente, fazendo-me descobrir nela, com o pequeno Caio ao lado, essa possibilidade humana de voar. À medida em que vou avançando no número de chegadas e que o
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cansaço vai me tomando e, obviamente que sou um cara, um homem que treina nadar, vou tomando consciência de outras semelhanças. Enquanto nado, enquanto mergulho, as imagens vão se abrindo na minha cabeça, como bolhas de ar que borbulhassem no fundo da água: o voo de pássaros, o rastejar desmembrado das serpentes, o pairar dos anjos, o deslocar-se de micróbios, de larvas, de peixes grandes em alto mar... A mulher da cadeira de rodas, que tem amor por mim, e seu fisioterapeuta lindo tiveram que esperar um pouco até que vagasse a raia do canto à arquibancada. Essa raia é escolhida para a fisioterapia, porque nela há, de fora a fora, uma barra que lhes serve para os exercícios e também acho que tem uma lógica no fato de a escolherem, por ser perto da arquibancada, onde tem a escadinha de metal. É que as outras raias, mais ao meio da piscina e a outra, no canto da parede, onde estão as lâmpadas acesas, são de difícil acesso para os estropiados que fazem a fisioterapia. Fui o último a sair. 5 de outubro de 2000 Outro dia embruscado, estranho. Às vezes, chuvisca, mas um dia abafado de calor, preparado para um toró. Às vezes, o sol aparece. Marcelina recebeu-me muito séria, concentrada, à cabeceira da piscina, no treinamento dos nadadores. Antes que eu pulasse na água, ainda na beirola, Lúcio que atendia ao rapaz senil, na raia do canto, na barra, olhou para mim. Viu-me por dentro. Respondi-lhe com um sinal de tinindo.
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Marcelina perguntou por minha sunga. Respondi que estava gostando. É que ela me indicou comprar sunga de jersey. Comprei. Sunga branca. Lúcio estava de sunga verde. Depois que acabou o atendimento, nadou conosco. Nada rápido e forte, como Caio e Germano, com virilidade e juventude. Parou, quando chegou o senhor de cadeira de rodas. E disse que adora atender à mamãe. Que ela deveria vir mais vezes. Fiz vinte e oito chegadas em quarenta e cinco minutos. Marcelina disse que ainda esse ano chegarei aos mil metros. E ano que vem, mil e quinhentos. Disse que estou nadando bem. Estou empolgado em progredir. Vim embora. 6 de outubro de 2000 Na ida para a piscina, no percurso que faço margeando o braço de mar, de dentro do ônibus, através de seus vidros que faz tudo cintilar lá fora, veio vindo, atravessando a rua, saído da praia, do povo, um rapaz lindo, grande, mestiço, pesado, forte, pernas poderosas. Esse rapaz, com seu volume, concentrou toda a bonita paisagem do mar sob o sol. Não é comum ver homem tão belo e mesmo assim, depois, o tempo nos faz esquecer deles. Na piscina fiz o meu melhor: trinta chegadas. Novecentos metros.
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9 de outubro de 2000 Segunda-feira. Fiz mil metros: trinta e quatro chegadas. Domicila deu mole: cinco chegadas de pé de pato. Lúcio, no canto da piscina, na raia onde fica a barra, atendia ao rapaz com senilidade precoce. Me olhou. O rapaz senil nunca olha ninguém. Acho que não conversam, ele e Lúcio. Na mesma raia, mais para o fim, Lucila, a namorada, dessa vez, atendia a uma senhora. Sorri para ela, que retribuiu. Não sinto mais a dor no antebraço.
10 de outubro de 2000 Terça-feira. Dia da Marcelina. Estava ansioso para dar-lhe a notícia dos mil metros. Na portaria, dei meu bom-dia para a recepcionista que, afetada, disse: – É boa tarde! Já passa do meio-dia! – Mas é estranho dar boa tarde com esse dia lindo. Ainda mais que é horário de verão. Na verdade, agora, são onze horas e pouquinho. Vamos dar bom dia! – ordenei sorridente e fui adentrando o corredor. Na rampa para a piscina, avistei Domicila. Marcelina não veio. – Vamos repetir o feito – eu disse, referindo-me aos mil metros. – Mas não vá ficar chateado se não conseguir, nade devagar! – Domicila disse.
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Nadei devagar, só parando para descansar, quando já tinha ido e vindo ao longo do comprimento da piscina. Fiz mil metros. Estou animado. 11 de outubro de 2000 Firmei-me nos mil metros. Era Marcelina quem estava e elogiou-me. Disse que estou nadando bem. E que sirvo-lhe de exemplo para quando dá aulas para iniciantes. Como Domicila, Marcelina diz: – O Cláudio, quando começou, afogava-se. Olhe como nada, agora! Achou engraçado que não dou mais gargalhadas para os elogios. – É que, agora, também acredito que eu esteja razoável! – Ué! Você não acreditava? Mas sempre fui sincera! Quando eu saía da água, a mulher da cadeira de rodas, estendida na superfície da raia, com seu fisioterapeuta lindo sustentando-lhe o corpo pelos ombros, sorriu pra mim, cheia de tristeza e amor. O fisioterapeuta que está sempre a lhe sustentar os ombros para que não se afunde, deixa sob o quadril dela, um macarrão de isopor. E outro macarrão de isopor sob o joelho que ainda existe, porque a ausência de uma das pernas dificulta-lhe flutuar, naturalmente. Não tive espontaneidade para retribuir-lhe, pois fui pego de surpresa. Seu sorriso ficou sozinho. Subi a escadinha de metal. Sem olhar para trás, vim embora. 12 de outubro de 2000 Feriado.
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13 de outubro de 2000 Não tem. 16 de outubro de 2000 Segunda-feira. Mamãe marcou fisioterapia. Dia de Domicila. Domicila disse que gosto mais de nadar que ela. Assim como mamãe, a senhora da cadeira de rodas veio para a fisioterapia. Com os olhos tristes, ela me olhava cheia de amor, enquanto mamãe, gorda, de maiô preto, risco de batom vermelho nos lábios finos, olhos enormes clareados de lápis preto, passeava pela raia, com Lúcio. O feriado prolongado deixou-me mole. Fiz apenas vinte chegadas. Vim embora. 17 de outubro de 2000 Fomos eu e Troia, já de volta de São Paulo. Minhas canelas, embora não sejam cor de cinza, estão como a pele dos peixes. É que quase não tenho pelos ali. Tenho pelos nas coxas, mas nas pernas, eles são como de criança, finos e débeis, sem cor. Nadei sentindo-me um enorme peixe do oceano. Marcelina não mais me corrige tanto e aproveito para aperfeiçoar os movimentos de nadar. Hoje, eu e Troia não conversamos. Nadamos concentrados.
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Foi bom. Quando saí do banheiro e passei por baixo da arquibancada, subi a rampa para a cabeceira da piscina, onde, o leitor sabe, num resvalo de chão, está o poço do bebedouro. Como um bicho na floresta, vergado sobre o bebedouro, bebi um pouco d’água. Germano, de visita à piscina, estava na arquibancada. Fui até ele. Conversamos. Ele é muito sério e triste. – Estou com saudades – eu disse. E conversamos mais. O rapaz que nadava na raia ao lado da minha, um cara que nada no horário anterior ao meu, hoje, revelou-se debiloide. Sua mãe, uma senhora de uns setenta anos, foi apresentar-se a Marcelina. Conversou com ela em separado. O rapaz, um grandalhão, de mais ou menos uns dezoito anos, fez demonstrações para a mãe em estilo peito. A mãe reagiu condescendente ao modo infantiloide como foi feita a demonstração. Marcelina disse: – Muito bom! Excelente! Mostre agora o crawl! – e ele mostrou, cheio de alegria. Nadou como uma galinha d’angola. Vim embora.
18 de outubro de 2000 Fui com mamãe. No caminho para a piscina, numa rua paralela à praia, antes que o ônibus chegasse à margem do braço de mar da baía, vi, da janela, uma mulher sentada na calçada, sobre uns panos, as pernas esticadas no chão sobre o tapete de panos velhos e sujos, uma das mãos na cintura e a outra, não sei, não vi ao certo, mas por trás de seu corpo visto da
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janela do ônibus, uma cortina de fumaça que passava, saída de uma ponta de cigarro jogada por alguém, na calçada. A mulher tinha os cabelos longos e crespos, cuidados apenas com um enlace, atrás, na nuca. O grosso feixe dos cabelos presos ia, então, até abaixo dos ombros. Aquela senhora muito tranquila, sob os transeuntes da calçada, das crianças que iam para a escola, com sua fisionomia impassível, de quem estivesse fazendo a sesta na cama em seu quarto, pareceume ter poder, ser uma alma eterna e forte, atravessando através das encarnações. Tinha em sua imagem a mesma nostalgia de antiguidade em ruínas, sem explicação, da areia branca da praia, de um tempo remoto e feliz, assim, a nostalgia da eternidade, do eterno é. Fiquei, até quando chegamos no prédio da academia, com essa senhora na cabeça, uma senhora que se colocou ou que foi colocada à margem, sem que a gente que passa por ali soubesse o motivo, ela pairando na calçada, sob as pessoas, fora do tempo, como quem tivesse se colocado fora do país... Na piscina, demos nosso boa-tarde para a recepcionista. Entrei na raia que beira a arquibancada, a raia dos fisioterapeutas e mamãe sentada na arquibancada, esperou por Lúcio, maiô preto. Na raia ao meu lado, nadava Tito, que hoje, achei, não nadava manso como era seu costume. Nadava forte e agitado. Fiquei seduzido por suas costas grandes. Seu nadar estava profundo. Seu corpo grande e pesado navalhava a água da piscina como um grande peixe no oceano. Na superfície, cortando a pele da água, vez em quando eu via apenas as grandes costas molhadas. Mamãe, quieta, assistia. Chegaram o fisioterapeuta lindo e a senhora da cadeira de rodas, cheia de amor, com o marido. Como Domicila não me pediu para desocupar a raia da fisioterapia, perguntei-lhe se queria que eu dividisse a raia de alguém, para liberar aquela.
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Então, Domicila mandou que eu fosse para a raia ao lado, onde estava o Tito. Oba! Então, Tito voltou a ser tranquilo. Nadou manso ao meu lado. Seu corpanzil, nadando rente a mim, não era assustador, ao contrário, seus movimentos na água, seu deslize calmo, poderiam passar quase como se seu corpo fosse do mesmo tamanho que o meu. Sua proximidade me encheu o coração. Mamãe olhava. Fiz mil metros. Fui o último a sair. Estranhamente, sem que me desse conta de como aconteceu, quando já tinha saído da piscina, Domicila veio dizer que meus óculos estavam no fundo da água. Mamãe já havia se trocado para virmos embora. Lúcio telefonou que não conseguiria chegar a tempo. Caí na água novamente, mergulhei para pegar os óculos. Viemos embora. 19 de outubro de 2000 Fomos eu e Troia, de carro. Marcelina recebeu-nos sorrindo sentada no monte de pranchinhas à cabeceira d’água. No decorrer da aula, soube que ela estava com febre. Fiz novecentos metros. Na saída, esperei por Troia que ainda se trocava no banheiro. Esperei na recepção, onde a recepcionista conversava com sua amiga de cabelo joãozinho e imenso relógio de pulso.
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– Ah! Não quero mais ir à terapia! – reclamou. – Por que, Vitória? – a joãozinho perguntou. Eu estava em silêncio, ouvindo, sentado. Então, minha recepcionista chama-se Vitória! Troia apareceu. Viemos embora. 20 de outubro de 2000 Fiz mais de mil metros. Dessa vez, no final, Domicila disse que estou nadando melhor que ela. Também, não tem treinado, por causa do joelho machucado. Fiquei bobo mesmo assim. Uma amiga sua, na arquibancada, que me viu nadar há seis meses, deu-me parabéns pelo progresso, impressionada. Ganho força, fôlego e habilidade para nadar a cada dia. E meu nado no estilo peito, aos poucos, vai tomando melhor jeito. Quase encontro a posição e o tempo das alavancadas de perna. É um pequeno detalhe. Vi, novamente, a senhora sentada no chão da esquina daquela rua paralela à praia. Seu aspecto, hoje, era de maior abandono. A luz do dia não a fazia brilhar, na eternidade, pairando sobre a calçada, a despeito de estar a mesma. Com sua saia indiana, sentada com as pernas esticadas para a frente, no chão, e o feixe de cabelos longos para trás, ela tinha um tique nervoso dos velhos, de estarem sempre mastigando, como numa ruminação. Não resplandecia, estava apagada. Em cinzas, não ardia, desinflamada, coitada, isolada, fora do país e fora da eternidade.
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23 de outubro de 2000 Troia foi repor aula. Lívia, sua visita, foi conosco. Fiz vinte e oito chegadas. Nadei muito concentrado. Está um dia abafado de sol. Vitória, na recepção, recebeu-nos com um sorriso. Estava com sua amiga joãozinho. Lívia nada bem. Domicila orientou-a para esticar mais o braço adiante da cabeça, buscando maior quantidade de água. Tito nadava. E Jerson, o nissei. Troia concentrada. Na raia ao lado da arquibancada, o fisioterapeuta lindo atendia à senhora da cadeira de rodas. Quando saí, ela deitada na superfície d’água, com a cabeça apoiada numa boia e sem nada que lhe apoiasse as pernas à tona d’água, seu fisioterapeuta torcia-lhe o tronco de um lado para o outro, de modo que ora sua perna direita estava à flor d’água, ora afundava. Vi as cicatrizes escuras dos pontos da costura do seu coto de perna, acompanhando-lhe os movimentos. Olhou para mim. Sorriu. Os olhos cheios de amor. Vim embora. 24 de outubro de 2000 Troia, outra vez, foi para São Paulo. Fui nadar. Marcelina orientava Lucila.
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Na outra raia, Germano, moreno e concentrado, atendia ao adolescente débil que nadara ao meu lado semana passada. A mãe do rapaz, a senhora que estava com ele da outra vez, foi quem o trouxe para a piscina. Sentada na arquibancada, assistia. Acho que Marcelina aconselhou-a a colocar o filho com um professor particular. E lá estavam eles. Esse rapaz lembra-me um pouco o paciente de Lúcio, o rapaz com senilidade precoce. Depois de uns quinze minutos que eu já nadava, chegaram Lívia, hóspede de Troia, e Plotina, nossa amiga, para nadar. Fiquei feliz. A piscina encheu-se. Armei outra raia. Marcelina conversou comigo sobre o livro do João Silvério Trevisan, mas cortei o papo. Estava ansioso para nadar. Germano acabou a sessão com o rapaz débil. Fiquei olhando para o seu corpo de pé, ao lado da arquibancada, a conversar com a senhora, mãe de seu paciente. O corpo peludo, mas molhado, de sunga, estava mais bonito, mais nítido, sem o veludo de pelos secos em seu entorno. Me deu apetite. Chegaram Lúcio e o senhor da cadeira de rodas. Entre uma chegada e outra, quando olhei outra vez, Lúcio já o ninava na superfície da água. Marcelina orientava Lívia que nada delicado e inteligente, mas Plotina se parece com um bicho em agonia. Precisa não suspender tanto a cabeça para respirar. Respirar para o lado, com a cabeça deslizando à superfície. Sem medo. Eu e, acho que Lucila, ficamos reparando melindrados, na atenção que Marcelina dava para Lívia e Plotina, duas novatas, de aulas avulsas...
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Fiz trinta e cinco chegadas. Mil metros e um pouquinho. Domicila apareceu. Ficou na arquibancada, junto à mãe do rapaz débil, a esperar por Germano. Não olhou para mim nem falou comigo, embora eu tenha dado mole. Quando, saído do banheiro, fui ao bebedouro, no poço, enquanto esperava por Lívia e Plotina, Lúcio veio perguntar-me quem era a moça de olhos verdes, Lívia. Fui para a arquibancada e esperei por elas. A filha do senhor de cadeira de rodas, de saída, disse que me amava e me deu rosquinhas. Lívia e Plotina vieram. Viemos embora. 25 de outubro de 2000 Mamãe marcou uma sessão com Lúcio e fomos para a piscina. No caminho, com as pernas esticadas na calçada, descalça, as solas dos pés pretas, acabadas de sair da enorme saia indiana, lá estava a senhora de cabelos longos, o largo feixe de cabelos amarrado frouxamente, para trás. Dessa vez, fumava um cigarro e falava sozinha, para ninguém. Pairava na calçada, mas sob os transeuntes, iluminada, de volta a seu lugar de eternidade, nostálgico, na eternidade, falando. O ônibus passou e logo alcançou a braço do mar. Muita gente na praia. Na recepção da academia, passei sem cumprimentar Vitória. Já não sou um estranho, entro livremente pelo estreito corredor, sem precisar falar. Mamãe cumprimentou. Deu boa-tarde.
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Ainda no corredor avistei a bunda de Lúcio, quando rente à arquibancada, pulou na água. Fazia as últimas manobras de atendimento ao senhor paralítico, de cadeira de rodas. A piscina estava cheia. Comecei a nadar. Mamãe sentou-se a esperar que Lúcio terminasse para lhe atender. Chegou a senhora da cadeira de rodas e seu fisioterapeuta lindo. Encheu-me de amor. Dividi minha raia com outro aluno para dar lugar à raia de fisioterapia. Fico interessado em ver o marido da senhora de cadeira de rodas colocá-la na água. Quando a levanta da cadeira, abraçando-a sob os braços, e vai de movimento em movimento ajeitando-a para dentro da piscina, a grossa e pesada única perna dela, como que morta, sem movimento próprio, acompanha os movimentos do marido que a suspende pelas axilas, e fico com a impressão de que ele não vai conseguir, que vai haver um tropeço. Mas, aí, tudo corre bem e o fisioterapeuta lindo recebendo a senhora na água, começa a trabalhar nela, como num corpo de marionete. Seus olhos, engordados de amor, me procuram na água, e se por coincidência eu me dou com eles, me sorri. Sua descida para a água, é um pouco parecida com a hora em que Lúcio desce o senhor de cadeira de rodas. Mas o senhor da cadeira de rodas com os seus olhos duros é mais leve e Lúcio consegue colocá-lo na piscina com bem mais facilidade. Depois que a mulher sem uma das pernas foi, vagarosamente, posta n’água, Lúcio, terminado com seu paciente, chamou por mamãe, maiô preto, sentadinha na arquibancada. Eles, então, dividiram a raia da fisioterapia com a senhora que me ama e seu fisioterapeuta lindo. Como é o comum, Lúcio e minha mãezinha
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começaram a andar pela raia feito namorados. A senhora que me ama com seu terapeuta lindo ficaram trabalhando parados, na borda. Fiz quarenta chegadas: mil e duzentos metros, meu record. Vim embora. 26 de outubro de 2000 Fui nadar. Dei meu boa-tarde quase inaudível para Vitória, que retribuiu, enquanto prestava atenção em outra coisa. Na piscina, ninguém. Enfim, conversei com Marcelina sobre o livro do João Silvério Trevisan. E ela me disse que no primeiro capítulo, onde está a ler, há a argumentação de que a ideologia do povo brasileiro faz com que nós, os homossexuais, não nos sintamos parte da nação, não somos cidadãos desse país. Comecei a nadar. Só então vi que Lúcio estava na raia do canto, atendendo ao rapaz com senilidade precoce. Hoje, a piscina vazia, quando Lúcio começou a fisioterapia do senhor da cadeira de rodas, enquanto ninava-o, cantava uma música que tocava no rádio: “Deliciosamente clara a água, do lindo lago do amor.” E eu nadava, nadava. Fiz trinta e cinco chegadas. Estou encontrando minha posição para nadar peito. Tenho a impressão de que nadar é uma coisa ideal, a qual estamos sempre tentando alcançar. E, por isso, porque estamos sempre tentando a posição ideal, a posição mais perfeita, estamos sempre aperfeiçoando, quer dizer, a posição mais perfeita que a gente busca é uma posição
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impossível e não existe em nosso corpo de carne e osso, na água, porque nosso corpo é definitivamente conformado para viver em terra. Mas, aí, vou aperfeiçoando meu nadar mesmo assim, como quem vivesse um amor platônico, que nunca vai acontecer. Vim embora.
27 de outubro de 2000 Fomos eu e mamãe para a piscina. No braço de mar, a caminho dela, por ser muito bonito, as casas antigas há muito foram substituídas por imensos edifícios, onde cabe quase toda a classe média da cidade. Esses edifícios estão por toda a orla e olhando-a de algum ponto panorâmico, eles todos juntos formam uma grande muralha, como a de um burgo medieval, exatamente, como são Botafogo e Flamengo, do outro lado da baía. A classe média, moradora dessa muralha, porém, não frequenta as praias daqui, por causa da água suja da Baía da Guanabara. Prefere as praias oceânicas, mais longe, onde estão agora construídas as casas de seus filhos. Os frequentadores da praia ao longo desse braço de mar, por onde passo a caminho da piscina, são, então, a gente mais pobre e rude da cidade, cujos corpos, por uma lógica na qual não me detenho, têm conformação diferente, de gente do povo, mais ou menos, como poderia dizer, é como se fosse um país ao lado, um outro país inteiro conformado de corpos mais rudes, com os quais um corpo de classe média não tem identidade e acha-os feios. Entretanto, eu, que equilibro as forças do universo entre os países, rumo à piscina, e que pareço ter a força do universo controlada no meu tesão voraz, de dentro do ônibus, olhando, vejo muita gente bonita,
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rapazes bonitos, lindos, no amontoado de corpos que estão na praia. O ônibus saiu da orla, entrou na rua da academia. Saltamos. Na recepção, Vitória distraída com outro cliente não respondeu ao boa-tarde de mamãe. Entramos. Na piscina, Domicila recebeu-nos com um sinal de tinindo. Mamãe dirigiu-se a Lúcio que a esperava sentado na arquibancada. Tirei o calção e a camiseta que, quando estou com mamãe, deixo sempre junto a suas coisas. E os chinelos. Não uso mais a bengala. Sunga branca. Sunga branca, touca e óculos de mergulho, como quem entra num país, desci para a piscina. Domicila orientou-me para o treino. Lúcio desceu para a raia da fisioterapia com mamãe, gorda, de maiô preto. Passearam pela raia de um lado a outro tocando-se e conversando feito dois amantes de jardim. Observei isso com Domicila, que disse: – Mas tem que ser... Continuei meu treino. Nado mais veloz. Fiz vinte e nove chegadas. Domicila, ao léu, dispensou-me mais cedo. Saí. Esperei por mamãe, que ainda na água com Lúcio, terminava a sessão fisioterápica. Na recepção, Vitória cumprimentou-nos. Viemos embora.
30 de outubro de 2000 Não fui nadar.
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31 de outubro de 2000 Cumprimentei Vitória na portaria. Na piscina, Marcelina. Sunga, óculos, touca. Comecei. Fiz quarenta chegadas que correspondem a mil e duzentos metros. Marcelina disse que se eu ficar nos mil e duzentos metros, estará ótimo!
1º de novembro de 2000 Fui com mamãe ao hospital para refazer o curativo da queimadura de café em seu braço. Não refizemos o curativo. Comprei os ingredientes e refiz, eu mesmo, em casa. Não refizemos o curativo no hospital porque o idiota do atendente exigiu que tivéssemos o encaminhamento do médico, que não tínhamos. É uma maluquice absoluta que o funcionamento do hospital esteja sujeito a que tenhamos um papel. Se não temos o papel, não conseguimos entrar na máquina. A burocracia do hospital é uma grande máquina trituradora, que exige um papel. Pelos corredores, durante horas, centenas de pessoas cabisbaixas, sentadas, exauridas. Cada qual com um papelzinho na mão, o dente da engrenagem que os rumina, que os tritura. Deus livre-nos de depender de serviço assim. Viemos embora.
2 de novembro de 2000 Finados.
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3 de novembro de 2000 Fiz trinta chegadas, novecentos metros. Estavam nadando duas meninas. Domicila, hoje, estava desanimada, com dor nos ombros. Estava vermelha de sol, quase rosa. Quando cheguei mais ou menos na décima chegada, de repente, apareceram Troia e Plotina. Dividi minha raia com Troia. As duas meninas foram embora. Troia saiu da minha raia, ocupou uma ao lado, e ficamos somente nós nadando: eu, ela e Plotina. Fiquei feliz e pensando em como a vida é gostosa. Nadei como um grande peixe do oceano, imitando Tito, sentindome forte e hábil. Cortei a grande massa de gelatina azul que é a piscina, deliciando-me no êxtase que é o poder de voar. Por enquanto, a possibilidade humana de voar é desajeitadamente essa. Uma imperfeição, um paliativo. Quando terminamos, troquei minha roupa e sentei-me na arquibancada lendo, enquanto as esperava sair do banheiro. Viemos embora. 6 de novembro de 2000 No ônibus, fui com o peito em erupções de prazer, eclodindo, porque o motorista mulato tinha os braços nus, sem pelos, e as mãos girando no volante, grandes, com dedos bojudos, longos e lisos. Estava com a perna da calça suspensa até aos joelhos, por causa do calor. A perna aparecia lisa, grossa, e fez meu peito derreter. Na academia, dei meu boa-tarde para Vitória.
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Domicila, sentada à cabeceira da piscina, tinha gelo no joelho direito. A piscina estava cheia. Todas as raias ocupadas. Chegaram a senhora de cadeira de rodas, o marido e o fisioterapeuta lindo. Repetiu-se a operação de colocá-la na água, perna imóvel de marionete. E os olhos de puro amor, em mim. Eu estava em meu país. Fiz mil metros. Aos poucos, a piscina foi tranquilizando-se. Fui o último a sair. Mas deixei ainda a senhora de cadeira de rodas, rodeada por boias, e seu fisioterapeuta lindo, na água. Vim embora. 7 de novembro de 2000 Fiz mil e duzentos metros, quarenta chegadas. Nadamos apenas eu e Tito. Caio não veio. Trocou de horário. Troia não vem mais, começou a trabalhar em São Paulo. E hoje, chove. Não olhei para Tito. Hoje, vieram Lucila e outro fisioterapeuta para substituir Lúcio no atendimento do senhor de cadeira de rodas. Estou mais forte. É gostoso sentir que tenho força, sinto-me poderoso por me locomover sobre a superfície pressionando a água. Não fico excitado, mas a tensão de meus músculos tesos para locomover-me suspenso, dá-me prazer. Marcelina, como sempre, elogiou-me. Estou nadando muito bem.
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– Excelente! – disse. Vim embora.
8 de novembro de 2000 Fiz mil metros. Na piscina, na raia próxima à arquibancada, Germano dava aula particular ao adolescente débil e feliz. Ele, segurando-o sob os ombros, deslizava-o de um lado a outro na raia da fisioterapia. O rapaz, enlaçado pelas mãos de Germano nas axilas, tinha o rosto que aparecia, na superfície, feliz, muito feliz. E Germano orientava-o para bater as pernas com força, de modo que seus pés se mostrassem fora d’água. Ele, então, homenzarrão adolescente e débil, gargalhava batendo as pernas. Na arquibancada, sua velha mãe esperava. Concentrado em seu trabalho, Germano não me olhou sequer uma vez, do mesmo modo em que eu não olhei para as outras raias que não fosse a dele. Mas sei que havia meninas nadando nas outras raias. Então, chegaram a senhora da cadeira de rodas, que me ama, e o marido. Esperaram na arquibancada que o fisioterapeuta lindo chegasse para atendê-la. No banheiro, conheci o zelador novo. É discreto, silencioso e, dessa vez, usa uniforme azul. Vim embora.
9 de novembro de 2000 Ao terminar a aula, Marcelina disse que nunca viu, entre seus alunos, alguém que tivesse os progressos que tive em tão pouco tempo.
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– Isso entre os alunos normais, que não têm os limites que você tem – ela falou, relacionando-se ao meu uso da bengala. – Eu já não uso bengala, Marcelina! – E eu não sei? Você é o cara! – ela falou. Tal elogio, que obviamente inflou-me a vaidade, veio depois que eu lhe disse estar ficando com todo o meu lado esquerdo, onde sou menos eficiente, mais fino que o lado direito. E isso porque esse meu lado não responde aos meus comandos com a mesma elaboração do outro. Meu pé e mão esquerdos não pressionam a água com a eficácia com que pressionam a água o pé e mão direitos. Então, meu deslize é maior e melhor ao me locomover na água quando da braçada direita. Fiz mil e duzentos metros em quarenta e cinco minutos. Quando estava de saída, Germano chegava. Sério e triste. E está mais forte. E bonito. Com espinhas aparecidas no rosto moreno. Vim embora.
10 de novembro de 2000 Febre. Não fui.
13 de novembro de 2000 Dia abafado de calor. Do ônibus, avistei a senhora pairando na calçada, sentada de pernas esticadas no chão. Saia indiana, grande feixe de cabelos para trás. Recostava-se sobre uma trouxa de farrapos sujos, na calçada, como uma Vênus deitada. Na praia, muita gente. Dei boa-tarde pra Vitória e entrei.
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Domicila pediu que eu esperasse vagar um lugar na piscina cheia. Sentei na arquibancada, tirei o calção, peguei meus óculos de nadar, a touca e esperei. Na primeira raia, a raia próxima à arquibancada, Germano atendia, quer dizer, dava aula para o rapaz débil e feliz. Ao meu lado, na arquibancada, a senhora sua mãe, folheando uma revista velha, esperava. Com os dedos firmados nas costas do rapaz débil, Germano mantinha-o no fundo da água, enquanto ele se movia muito desajeitadamente, feito uma tartaruga gorda, pernas e braços jogando-o pra frente, no fundo da raia. Essa era uma operação quase acrobática, porque Germano é bem menor que o rapaz débil. De tempos em tempos, Germano deixava de fazer pressão para baixo e o rapaz, como uma galinha d’angola, vinha à tona respirar. Iam assim até o final da raia e quando voltavam, olhos pretos e tristes, Germano, contagiado pela felicidade do rapaz, vinha assoviando a canção que ouvíamos no rádio. O rapaz voltava espalmando a superfície da água e ria, ria muito. Numa dessas vezes, os olhos de Germano viraram-se para os meus, eu estava na arquibancada, onde ele me olhou, mas não me viu. Aproveitando-me do contágio de parvalhice que a presença do rapaz apalermado grandalhão causava na piscina, fui audacioso. Olhei com desejo para dentro da piscina negra dos olhos de Germano, quase ostensivo. Ele viu, mas continuou sem mostrar interesse. Domicila me chamou para ocupar a raia oposta à do fisioterapeuta, a das luzes elétricas embutidas na parede. Fui. Dividi-a com uma adolescente enorme. Comecei. Chegaram a senhora de cadeira de rodas com seu marido. Ficaram esperando. Depois de umas dez chegadas, a piscina ficou, num repente, vazia.
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A senhora da cadeira de rodas, cheia de amor, ocupou a raia em que estava o rapaz débil. Jerson chegou. Enquanto eu nadava, por um momento, repetiu-se a sensação de voar, mas envolvido pelo esforço que tenho que fazer para tentar nadar bem, para aperfeiçoar minhas braçadas, pernadas e torcidas do tronco, pescoço e cabeça para respirar, logo minha atenção perdeu-se do voo e fiquei ligado em minha força, minha capacidade de flutuar, a pressão dos pés na pele d’água, a pressão das mãos e tudo. Quando terminei, subi a escadinha de metal que sai da piscina. A senhora da cadeira de rodas olhou-me. Ela me ama. Sunga branca. Vim embora. 14 de novembro de 2000 Marcelina cortou os cabelos. Ficou melhor. Quando cheguei, nadavam Tito e uma moça. Duas raias, portanto, montadas. Na outra metade da piscina, Lúcio, que estava há um tempo sumido, atendia ao rapaz com senilidade precoce. Armei uma raia para mim. Comecei. À primeira chegada, afobado como sempre, Marcelina pediu-me para ir mais devagar. É que no início, nado com energia e vigor, como um monstro voador. Depois, no decorrer das outras chegadas, vou tornando-me humano, com as dificuldades que um homem tem na água, vou ficando submisso, embora sempre me mantendo à flor da piscina, animal cansado. Lúcio disse para Marcelina que estou ficando com um dos braços mais fino que o outro.
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E ficaram falando disso: – É falta de sensibilidade – disse Lúcio. – Não é, não – eu disse. O problema é que o braço esquerdo não atende aos meus comandos tão perfeitamente, como o outro. E não trabalha certo. Não trabalha com a sofisticação do braço direito. É menos hábil. – Em fisioterapia chamamos isso de falta de sensibilidade cinestésica – Lúcio falou e indicou-me uns exercícios e no final da aula, Marcelina caiu na piscina para fazê-los comigo. O senhor da cadeira de rodas chegou e Lúcio começou a niná-lo na água. Minha aula estava no fim, quando Germano chegou e disse para Marcelina que estou nadando muito. No banheiro, ao trocar a roupa, pude ver muito de perto, no homem bicho-grilo, alto e másculo, sua sombra veludosa, acetinada, de pentelhos, onde as bandas da bunda se encontram. O rabo de cavalo endurecido, para trás. A despeito dos cabelos longos, o homem bicho-grilo não usa a touca de nadar. Ele iria nadar num horário após o meu. Vim embora. Coração fissurado. Sem país.
15 de novembro de 2000 Feriado.
16 de novembro de 2000 Entrei n’água.
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Marcelina mandou que eu repetisse três vezes uma série de oito chegadas e ficou conversando com Lúcio que acabara de atender ao rapaz com senilidade precoce. Achei que falaram de mim um pouco, porque Lúcio me olhava nadar, enquanto conversavam. Depois, chegou Germano para a aula particular com o adolescente débil. Tirou o calção muito largo e ficou de sunga. Começou a falar com Marcelina, enquanto esperava pelo rapaz. Achei estranho que Lúcio, conversador como é, tenha se afastado e sentando na arquibancada e ficado quietinho, quando o natural seria que tivesse entrado na conversa. Chegaram a mãe e o menino. Então, pude ver, muito de pertinho, o corpo moreno e peludo de Germano. Via imediato à minha frente, à altura de meus olhos, ampliado em mil vezes, os poros todos arregaçados do pano de sua sunga, quando sentou-se na beirinha da piscina para ajudar o homem a cair. Ao que ele escorregou para dentro d’água, com os fundos da sunga agarrados ao piso da borda, seu enorme pau espremeu-se derramando num desenho, suculento e carnudo, no pano que se estirou, pelo mal jeito de cair na água. Vi tudo isso muito grande e muito de perto, tudo muito escancarado, tudo muito aberto, concentrado, indecente, e meu coração acelerou-se e derreteu, sorou apertando-se. Nadei. Fiz trinta e cinco chegadas. Quando vinha embora, Marcelina deu-me de presente uma camiseta. Propaganda da academia. Adorei, porque poderei mostrar meus brações. Germano me olhou. Vim embora. No corredor de saída encontrei-me com o fisioterapeuta lindo que
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vinha chegando. Sorri para ele que passou por mim sem quase me olhar, mas me viu. Em seguida a ele, vieram chegando a senhora que me ama e seu marido. Ela me sorriu. E retribuí. 17 de novembro de 2000 Na ida para a piscina o rapaz débil e sua mãe entraram no ônibus em que eu estava com mamãe. Fiquei feliz, porque iria ver Germano outra vez. Mas, aí, eles não saltaram na academia, passaram direto. Dei meu boa-tarde para Vitória, seriamente. Mamãe também cumprimentou, mas ninguém se olhou. Na piscina, Germano era substituto de Domicila, que entrou de férias. Treinava dois alunos. Na outra metade da piscina, Lúcio entrou com mamãe, maiô preto. Enquanto caminhavam ao longo da água, ele ia ajeitando-lhe os ombros com apertozinhos pequenos e conversando sobre a queimadura na mão dela. Ela mantinha a mão enfaixada sobre um dos ombros dele, à sua frente. E contou-lhe sobre o hospital e o meu curativo ótimo, segundo ela. Na cabeceira da piscina, falei com Germano, que tentou ser simpático comigo, mas foi seco. Comecei. Fiz quarenta chegadas em uma hora. No espelho do banheiro vi como a camiseta nova que Marcelina me deu mostra a diferença enorme entre a grossura de meus dois braços. Viemos embora.
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20 de novembro de 2000 Não fui. 21 de novembro de 2000 Cheguei sério na piscina achando que Marcelina não iria aguentar mais olhar para minha cara, eu que vou todos os dias nadar, sem faltar nunca. E Marcelina me recebeu super bem, animada, elogiou que também cortei os cabelos. Comecei. Fiz quarenta e cinco chegadas, que correspondem a mil trezentos e cinquenta metros. Por momentos, nadei como pássaro, voei. Noutros, nadei como monstro do mar. Depois, Germano chegou e Marcelina foi embora. Falei para Germano que sua seriedade, às vezes, me deixa preocupado. Ele desculpou-se dizendo-se cansado. Uma espinha nova despontava sob seus lábios marrons. Pensei em chamá-lo pra um cinema. Vim embora.
22 de novembro de 2000 Feriado.
23 de novembro de 2000 Fui nadar.
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Somente Tito nadava. Entrei. Estava Marcelina que me instruiu animada. Tito foi embora. Marcelina entrou na água para ensinar-me a não colocar os pés no chão quando das chegadas. Ensinou-me a fazer a virada. Mas ainda não é a virada legal, que damos aquela cambalhota n’água e impulsionamos com os pés a borda da piscina dando nova largada. É uma virada mais simples, para principiante. Lucila, que flutua n’água feito pluma na atmosfera, chegou. Marcelina na água comigo, instruindo-me, encheu-me de felicidade de passarinho, quando me disse que tenho muita coisa para aprender. Outro professor daria-se por satisfeito com o que já consegui, mas ela ainda iria me ensinar muito mais coisas. Com essa virada que estou aprendendo ganharei mais condicionamento e aumentarei minhas chegadas. Vim embora. 24 de novembro de 2000 Quando chegamos, Lúcio conversava animadamente com Vitória, na recepção. Surpreendente, ao me ver, passou-me o braço pelos ombros e abraçado a mim, entramos corredor adentro. Mamãe, a um passo atrás, seguia-nos. Lúcio me disse: – Sua mãe já me contou de seu amor por Gilberto Gil! Tenho um amigo que faz cover dele. Podemos um dia desses, quando quiser, ir vê-lo... – e meu andar, mesmo que pareássemos o mesmo tamanho, perdeu a fluidez. O braço pesado de Lúcio ao redor de meu pescoço e sua mão em meu ombro, de súbito, fez-me perder o compasso.
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Tive medo de Lúcio, de seu corpo bonito e forte. Tentei perder meu receio, pegar-lhe o ritmo, mas no estreito e curto corredor, andávamos feito dois vagões desencontrados, que se batessem um no outro. Foi com alívio que o senti, rápido, me deixar e voltar-se para mamãe. Abraçou-a e, na arquibancada, ficaram os dois a conversar. Logo desceram para a raia da fisioterapia, as raias todas ocupadas. Fiquei na raia imediata a deles. Na cabeceira da piscina, estava Germano. Suas lindas e graves pernas peludas, substituíam as pernas leves e fracas de Domicila. Comecei. Este é meu país. Na arquibancada chegaram o rapaz débil e sua mãe. Esperavam que vagasse uma raia, para que Germano o chamasse. A virada que Marcelina me ensinou ontem fez-me ganhar tempo. Rapidamente, terminei as oito chegadas que Germano me pediu. Vagou uma das raias na piscina e Germano, sunga azul-marinho, entrou com o rapaz débil. Enquanto, na água, dava aula para o rapaz, também instruía-nos. Fiquei entre as raias em que Lúcio atendia mamãe e a raia de Germano com o rapaz débil. No canto da parede de holofotes, nadava o Jerson. Não sei como Germano podia, para os exercícios, com o rapaz, que é muito grande. Dava ordens de modo doce para ele, que olhava e sorria para mim, logo ao lado. Porque o rapaz sorria para mim, Germano, então, olhou-me curioso. Reagi com naturalidade ao olhar, embora, no íntimo, meu coração se apertasse derretido. Na raia do meu outro lado, Lúcio, apertando os ombros de mamãe enquanto caminhavam, conversava com ela raia afora,
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como jovens enamorados. Nadei mil metros em menos tempo do que o comum. Sentia o sabor da piscina no fundo das narinas, como sentisse o sabor de minhas vísceras. E senti grande, muito grande prazer com isso. Quando saía d’água, sorri para Lúcio, que ainda atendia mamãe. Ele me perguntou se tinha cortado os cabelos. – Sim – respondi. E, depois de me trocar, sentei-me na arquibancada e esperei que terminassem a sessão. Viemos embora.
27 de novembro de 2000 Não fui. 28 de novembro de 2000 Quando cheguei havia duas raias ocupadas. Lúcio, que terminava a fisioterapia com o rapaz senil, ajudou Marcelina a arrumar minha raia. Comecei. Marcelina estava à cabeceira da piscina sentada no monte de pranchinhas que usamos para as pernadas. Lúcio agachou-se de cócoras ao seu lado e ficaram um tempo conversando. Não sei do que conversavam, porque com a virada que Marcelina me ensinou, quase não paro à borda. Depois, Lúcio afastou-se para o lado da arquibancada e começou a fazer exercícios de alongamento. E não resisti olhar para seu corpo de homem jovem, pernas fortes e suculentas.
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Com o tempo, quando estiver exímio nas viradas e com bom condicionamento, não terei mais essa oportunidade para olhar o entorno da piscina e ver o que acontece e, talvez, acabe com esse meu diário. Marcelina me passou um exercício super difícil: fazer nove chegadas descansando apenas na terceira, sexta e nona chegadas. Primeiro, descansei na segunda chegada. Marcelina, também atenta aos outros nadadores achou – ou fingiu achar – que era a terceira... legal, pensei. Depois, descansei na quarta. Aí, ela insistiu que eu apenas descansasse na sétima. Disse: – Não se preocupe, Cláudio, porque não vai acontecer nada! Você não vai passar mal, não tenha medo! Consegui. Adoro nadar. Gosto muito da sensação de estar mais forte, com músculos mais tesos, mais de acordo com a ideia de homem que sou. Mais de acordo com a fantasia de enfim completar quarenta anos com o meu melhor corpo, assim, um Yukio Mishima, o mais próximo do moreno de vinte anos, fisioterapeuta lindo, que atende à mulher sem uma das pernas e que me ama. E mais perto de Germano e Lúcio, e Tito e Caio, enfim, os rapazes da piscina. Fiz quarenta chegadas: mil e duzentos metros. Vim embora. 29 de novembro de 2000 Cumprimentei Vitória e entrei.
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Na piscina, Germano como que se desculpou, dizendo que na sexta-feira Domicila estará de volta de suas férias. Havia uma raia desocupada, onde entrei. Era uma raia ao lado da que ele estava a dar aulas para o rapaz débil, que me olhava sempre sorrindo, desconcentrado. Germano, sempre muito paciente, continuava a orientá-lo para os exercícios, feitos imperfeitamente. A senhora de cadeira de rodas esperava pela chegada de seu fisioterapeuta lindo, para o momento de ser posta na piscina e começar sua fisioterapia. Quase não paro mais às bordas. Estou ganhando condicionamento e meus movimentos de nadar estão cada vez mais automáticos. Por isso, aos poucos, vão me aparecendo outras sensações, aparentemente, alheias à piscina, a seu entorno e ao nado, como, por exemplo, a lembrança do corpo da senhora na calçada, velha Vênus em seu “eterno é”, recostada nos farrapos, grosso feixe de cabelos enlaçados para trás. Fiz mil e duzentos metros. Vim embora.
30 de novembro de 2000 Quando desci do ônibus para atravessar a rua e entrei na recepção da academia, onde está Vitória, antes disso, antes de atravessar a rua, parei numa banca de jornal, porque queria dar um carro de presente de aniversário para Marcelina. Mas naquela banca só haviam raspadinhas comuns, que não sorteiam carros. Comprei assim mesmo. Entrei.
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Dei meu boa-tarde à Vitória. Na piscina, Marcelina sentada sobre as pranchinhas orientava Tito e mais uma menina. Na outra metade da piscina Lúcio ninava o senhor da cadeira de rodas. Dei-lhe as raspadinhas. Enquanto raspava, nadei. Rimos muito, porque as raspadinhas sequer sortearam o direito de outra raspadinha. De qualquer modo foi muito divertido. Estou adorando as viradas que aprendi, por agilizarem minhas chegadas. Não preciso mais colocar os pés no chão quando chego nas bordas. À certa altura, Marcelina caiu n’água para ensinar-me o estilo borboleta. Vê-la nadando parece ser tão fácil. Ela é experiente na piscina, age com autoridade, de modo que parece que vou conseguir. Vim embora.
1º de dezembro de 2000 Chove desde a madrugada. Sentados numa banqueta de plástico preta, usada para os exercícios fisioterápicos dentro da água, Domicila e Germano conversavam com muita afinidade à cabeceira da piscina. Falavam muito baixo, fofocavam, de modo que quando algum de nós, nadadores, chegássemos à borda, nada ouvíamos. Perguntei à Domicila por suas férias. Respondeu que foram ótimas. Germano, ao seu lado, ficou tão sério, fechou-se tanto e, talvez, se eu tivesse puxado assunto, se destrancasse.
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Mas sua fisionomia dura me afastou. Comecei. Estou adorando fazer as viradas que Marcelina me ensinou. Não consigo fazer tal qual ela disse, mas dou meu jeito e acho que está bom. Enquanto nadava, Germano e Domicila intensificaram o assunto, a voz baixa e a proximidade. Até que Domicila colocou suas pernas sobre as pernas dele. Chovia. Ouvia-se a chuva sobre um pouco de telhas plásticas que cobrem a área da arquibancada. Sobre o corpo da piscina, laje. Estão namorando.
4 de dezembro de 2000 Antes de atravessar a rua para entrar na academia, encontrei Germano que saía da piscina. Puxei assunto e conversamos rapidamente. À cabeceira da piscina, Domicila estava animada. Nadei igualmente animado. E pensativo... No final, apenas eu e Domicila na piscina: eu dentro, debruçado à borda, e ela fora respondendo às minhas perguntas sobre glicose, colesterol, triglicerídeos e natação. – A natação consome, em forma de energia, gorduras e açúcar. Além de diminuir a pressão sanguínea – ela falou. Vim embora.
5 de dezembro de 2000 No corredor de entrada, encontrei-me com o rapaz senil,
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acompanhado de sua mãe. Estava com o ralo cabelo penteado para o lado, mal disfarçando a imensa careca. E usava óculos. Na piscina, Marcelina recebeu-me com um sorriso. De imediato, passou-me quinze chegadas. Quando instruiu-me para as cinco últimas, três de crawl e duas de borboleta, sorriu com a língua pra fora, sacaneando-me, porque, obviamente, não sei fazer borboleta direito. Fiz, mesmo assim, sem saber. Ela me deu toques. Entrou na água comigo. Chegou o senhor da cadeira de rodas, sua filha e a menina acompanhante. Lúcio desceu para a água e começou a niná-lo. Marcelina reclamou de cólica. Germano chegou e ela se foi. Fiz quarenta chegadas. Quando terminei, olhei profundamente para Germano e não me senti um suspeito. Ele manteve seu olhar no meu, sério e desinteressado. No banheiro, quando já estava pronto para vir embora, Lúcio entrou. Entrou para a cabine de banho. Conversamos um pouco sem nos ver. Deus tranquilo. Despedi-me e vim embora. 6 de dezembro de 2000 Dei meu boa-tarde para Vitória. Entrei. Domicila estava animada. Comecei.
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Às vezes, nadar é voar. Noutras vezes, prestar tanta atenção à execução de seus movimentos por sobre a água, faz parecer que quebro pedras, resfolegante e responsável. Apenas Jerson nadava. O resto da piscina estava para Germano e o rapaz débil. Fiz quarenta chegadas em quarenta e cinco minutos, quase uma chegada por minuto. Não sei como, perdi meu óculos. Vim embora.
7 de dezembro de 2000 Marcelina esperava na arquibancada. Disse que estava bem das cólicas. Contei-lhe que perdi os óculos. Ela emprestou-me outros. Comecei. Germano chegou. E o rapaz débil. Ocuparam a raia ao lado. Com a virada que aprendi e na qual estou a cada dia mais esperto, ganho maior condicionamento. Faço três chegadas direto, sem descansar. Essa fase, em que estou condicionando-me a não parar é como trabalhar. Esforço-me, como já disse, responsável e resfolegante, como um estivador. Estou um pouco mais forte e mais magro. E deixando, definitivamente, para trás, aquele aspecto traumático em que fiquei, típico de quem usa bengala para andar. Sou um cara de sorte. É claro que não consigo correr, pular ou andar de bicicleta. Mas é questão de tempo. Também, ainda ando um tanto arrastado e cambo para um
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lado, porque minha perna esquerda é menos viva e não responde, quer dizer, não tem a elaboração dos movimentos que a outra tem. Fiz várias chegadas de pé de pato. Um pé de pato que não se encaixava direito em meu pé. Só depois, reparei que minha pele machucou-se, onde a borracha do pé de pato, preso ao pé, ficou atritando. – Tchau, Germano! – Marcelina despediu-se. Depois que Marcelina foi embora e que troquei minha roupa no banheiro, chegou Lucila, namorada de Lúcio, de corpo enorme, que flutua na água feito pluma no ar. Quando eu passava sob a arquibancada, ela, abaixando seu tronco para o vão entre os assentos, perguntou-me por Marcelina. – Foi há uns cinco minutos – respondi. Antes que terminasse de passar por sob a arquibancada, pude vê-la descer para a raia em que eu estava. Ao lado, Germano e o rapaz débil. 8 de dezembro de 2000 Não havia fisioterapeutas. Caio veio. Fiz mil e duzentos metros. Dia de muito calor. A água da piscina não estava ligada ao aquecedor. A cada dia, apefeiçoo um pouco mais os estilos. Já faço bem melhor a pernada de peito. Estou mais safo à superfície d’água. A cada dia vai ficando mais fácil. Paradoxalmente, a cada dia, o prazer de nadar divide-se ao esforço. Nadar torna-se árduo, as gostosas sensações de nadar menos me surpreendem, meus músculos suportam mais tempo de esforço, porque cada vez paro menos, cada vez coloco menos meus pés no chão.
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Fui o último a sair. Hoje nadamos apenas eu, Caio e Marcela, a dançarina de flamenco. Vim embora. A piscina ficou quieta, vazia. 11 de dezembro de 2000 Quando cheguei, apenas Germano e o rapaz débil estavam na piscina. Ele, então, parou de indicar os exercícios para o rapaz e começou a chamar por Domicila, que estava dentro do prédio em frente, na academia. – Vou nadando – eu disse. Mas ele insistiu em chamar por ela. Comecei. A piscina quase transbordando. Depois, quando Domicila chegou, explicou que colocaram um caminhão pipa de água nela. Achei que essa água nova, colocada durante o final de semana, comportava-se diferente da água antiga. A água antiga, presa há muito tempo pelos limites azulejados da piscina, era uma água mais quieta, comportada, mais domesticada, acostumada a nós, que íamos de um canto a outro do seu retângulo. E a carne da piscina estava milhões de vezes cortada em fatias, por nossas muitas chegadas. Essa água nova, pareceu-me indócil, era mais selvagem e, estava inteira. Estar em seu meio, fazia-me pensar em corredeiras compactas de rios que atravessam pastos, feixes de mato, como cabelos, ondulando na água corrente e presos nos barrancos ao lado. Sentia-me vencido, dominado por ela, como nos primeiros dias. Por conta disso, dessa água arisca, desacostumada aos seus limites
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e aos nossos atravessamentos, não consegui fazer os meus mil e duzentos metros. Sequer mil metros. Fiz apenas trinta chegadas, que correspondem a novecentos metros. O rapaz débil também estranhou. Desobedecia as instruções, parava, ou fazia outra coisa. Germano, docemente, insistia com ele: – Volta, Tibério... Jerson chegou. Sempre estranho ver que um nadador tão bom quanto Jerson, não tenha um corpo lindo, atlético. Estou ficando mais homem. Farei quarenta anos, finalmente, com a ilusão de um corpo amadurecido de homem, e não, o de um menino. Sereio, corpo de peixe.
12 de dezembro de 2000 A água nova, hoje, mais resignada ao retângulo da piscina, vai domesticando-se. Fiz trinta e oito chegadas, mil cento e quarenta metros. Nadamos apenas eu e Jerson. Não tinha luz. Quando saía do banheiro escuro, entrou o homem bicho-grilo, cuja sombra de pentelhos, de onde se encontram as bandas da bunda, vi bem de perto um dia. Não atravessei por sob a arquibancada, mas subi a escadinha e sentei-me nela, na arquibancada, esperando por Plotina que iria me pegar e me dar uma carona para o Rio. Lúcio terminava de atender ao senhor da cadeira de rodas e assisti-o tirá-lo da piscina. Suspendeu-o pelos quadris enquanto a menina ajudante, do alto, de fora d’água, suspendia-o pelas axilas.
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Colocaram-no sentado à borda. O senhor tem os olhos vidrados como os de um manequim, mas, como o leitor sabe, Lúcio consegue comunicar-se com ele. E ele sorriu, soltou gritos guturais e apertou os músculos dos braços de Lúcio, que saindo da piscina, colocou-o na cadeira. Então, meu coração derreteu-se, porque Lúcio, sunga azul-celeste, estufada de volumes e músculos, olhou-me dentro dos olhos. Germano chegou. Assisti um pouco sua aula de hidroginástica para duas peruas e uma senhora. Uma das peruas era mulher do homem bicho-grilo, que entrou no banheiro, quando eu saía, o homem das bandas da bunda sombreadas de veludo de pentelhos. Ele, com sua filha bebê, de três ou quatro anos, passeava na raia do canto, onde estão pregados os spots de luz elétrica. Tinha o rabo de cavalo duro, seco, para trás. Plotina chegou.
13 de dezembro de 2000 Quando atravessei a rua para entrar na recepção da academia, alguém me chamou. Era o Germano, de motorista num carro, estava chegando. Disse que os outros discos de Gil que lhe pedi, me entregará, amanhã. Aproximei-me. A porta do carro ainda aberta. Fiquei parado tentando entender o que me dizia sobre os discos. Ajudei-o, sem precisar, a fechar a porta do carro, empurrando-a lentamente e entramos recepção adentro, não sem antes dar meu boa-tarde à Vitória, que hoje estava mais bonita. Achei que Germano também estava mais bonito: cabelos mais
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curtos, quase rentes ao crânio e sem o feio cavanhaque que usava na semana passada. Dessa vez, ele tinha espinhas amadurecendo-lhe em ambos os lados da cara. Na piscina, Domicila à cabeceira. Caio numa das raias. Entrei na raia vazia. Na outra metade da piscina, Germano e Tibério entraram e começaram a andar de um lado a outro, exercitando-se. Jerson chegou. Ouvi que falava com Domicila sobre, às vezes, vir nadar duas vezes ao dia. Achei que era a oportunidade que eu tinha para perguntar-lhe porque não ficava forte, mas não perguntei, fiquei tímido. Jerson armou sua raia. Germano e Tibério estavam na raia ao lado. Olhei cheio de admiração para Germano, como quem o amasse. Ele não me olhou. Sunga preta. Peitos cabeludos e definidos. A mãe de Tibério estava sentada na arquibancada assistindo a tudo e esperava. Caio, na raia ao lado da minha, a raia colada à parede de holofotes, trabalhava rápido, cozendo a água com suas puãs. Ele vai muito rápido pela raia, apesar de seu corpo pequeno, de parecer que suas pernas e braços pequenos não terão impulso. Todavia, como depois que aprendi a me virar nas bordas, quase não paro de pés no chão, e mesmo tentando um nado mais lento, consigo nadar tanto quanto ele. Não fico ligado a essa competição invisível, mas reparo nela. Bem, acho que não me ligo. Jerson, que faz a virada olímpica, nunca põe os pés no chão e é incrivelmente rápido. A água, enfim, de novo fatiada por nós nadadores, partida, resignada, permitiu-me as quarenta chegadas. Chegaram a senhora da cadeira de rodas e o marido. A senhora sorriu
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para mim. Está mais magra. Correspondi-lhe com um aceno de cabeça. O marido ajudou Petrônio, o fisioterapeuta lindo, a colocá-la na água. Sou parecido com a água selvagem que fora colocada na piscina na semana passada. Aos poucos, também vou resignando-me, aperfeiçoando os estilos, mais condicionado, mais submisso à sua condição líquida, divina. Ela, por sua vez, resignada a esse retângulo de azulejos nos fundos da academia, mil vezes esfacelada por nós que a cortamos de fora a fora e, que, de um a outro lado, em cima, embaixo, infinitamente recortamo-la em nosso vaivém de chegadas, é meu pequeno espaço de voar, um deus para mim. Vim embora.
14 de dezembro de 2000 Quando apareci no final do corredor de entrada, apenas Lúcio ninava o rapaz senil na piscina e Marcelina estava na arquibancada. Logo Lúcio gritou: – Veio preparado, Cláudio? – Pra quê? – perguntei. – Para enfrentar eu e Marcelina, na piscina, hoje! – Estou, ué! Rimos. Cheguei. Tirei a camiseta e o calção e deixei-os na arquibancada. Sunga, óculos, touca, comecei. Marcelina instruía-me da arquibancada. Depois, chegou Germano. Entraram todos na água. Marcelina entrou na minha raia e conversamos um pouco. Com Marcelina dentro d’água, na mesma raia que eu, quis
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mostrar-lhe que eu já era tão descolado naquele país e, assim que ela afundou-se a meu lado, lancei-me também de corpo inteiro para a frente, trançando pernas e pés submersos e tomando impulso na fluidez líquida da piscina, desloquei-me suspenso para frente, dando braçadas, assim, sobre-humano. Eu me sentia agraciado como um anjo, mais parecido com o que sinto ser os meus deslocamentos nos sonhos e tal. Mergulhava na água e muito disposto e muito interessado naquele mundo dela a me envolver, a água animada, a água feliz. E quando, novamente, me situei em meio às pequenas marolas que eu mesmo havia feito com meu impulso e marolas que vinham de todos os lados, pelos movimentos dos outros rapazes e tentei saber de Marcelina, ela desengolfando-se e emergindo na outra ponta da raia, já vinha de volta em minha direção nadando crawl. Então, parou a minha frente e me deu umas dicas de como obter um melhor deslize: – Você tem de buscar o máximo à sua frente, assim... – e mostrouse nadando. Depois subiu para a cabeceira da piscina e começou a comandar os tiros de Germano e de Lúcio. Já reparei lá atrás, você sabe, que Germano e Lúcio não se cruzam, há alguma questão entre eles. Mas sob o comando de Marcelina, eles participavam ali de um mesmo jogo, cada qual na sua raia, como se cada um no seu país. Também em meu país, continuei nadando, na água cheia de marolas provocadas pelo jeito agressivo com que eles nadavam. Nem sei quantas chegadas fiz. Depois que Marcelina foi-se, fiz umas cinco chegadas e saí para o banheiro. Já tinha trocado a roupa, quando Lúcio chegou, sunga branca. Fiquei nervoso e sem graça. Não que eu não olhasse para o centro que se mostrou, enchendo e ultrapassando todo o espaço pesado, grande e escuro do banheiro,
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flutuando em suspensão, entre as pernas de carnes muito fortes de Lúcio. Não que eu não tivesse olhado, mas não via, tudo ficou muito rápido. De relance, pelo espelho, também a bunda lisa, de poucos pelos, curtos, ao infinito, um pouco mais branca, bunda de homem. Não que eu não olhasse, mas tudo muito tenso, assim, uma força delirante se dispersando por dentro de mim, um lance nervoso, iluminado, difícil de dizer... Vim embora.
15 de dezembro de 2000 Não fui. 18 de dezembro de 2000 Acordei com chuva. Na piscina, somente eu fui nadar. Comecei. Dez chegadas de crawl. Depois de um tempo comecei a sentir o que Domicila chama de dor de veado. É a terceira vez que sinto. Comecei a sentir a dor de veado depois que comecei a não parar mais nas bordas para descansar com os pés no chão. Quando começo a esforçar-me para as braçadas e pernadas que constituem os movimentos de nadar, algo acontece em meu metabolismo que começo a ter vontade de arrotar. Uso o tempo das chegadas, em que ponho meus pés no chão, para dar os meus fracos arrotos. Esses arrotos, em que sinto o bafo dos alimentos ingeridos no almoço, fazem o caminho inverso, agora, que não tenho parado mais
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para soltá-los. E ao descerem para os intestinos, vão pressionando meus órgãos internos e, acho eu, ficam presos sob o pulmão, causando-me a dor de veado. Deve haver algum jeito de evitar esse incômodo. Fiz trinta e seis chegadas. Antes que eu saísse d’água, chegaram a senhora de cadeira de rodas, o marido e o fisioterapeuta lindo. Não os olhei. Vim embora. 19 de dezembro de 2000 Cheguei atrasado. Somente Tito nadava. Marcelina instruía-o sentada da arquibancada, onde, antes de entrar na água, conversamos um pouco. Naquele momento, Tito, numa de suas chegadas, olhou para mim. Quando nossos olhares se encontraram minha fisionomia comportou-se como uma flor abalada por vento súbito. Uma flor suspeita. Ele deve ter percebido esse meu ruflar de flor. Não o olhei mais, envergonhado. Marcelina passou-me uma série que repeti três vezes, o que logo de início somou vinte e quatro chegadas. Depois, fiz outra série de seis chegadas. Germano chegou e Marcelina foi-se. Conversei um pouco com Germano que me mandou fazer oito chegadas de pull boy e duas livres para acabar. Fiz, então, quarenta chegadas. Mil e duzentos metros. Comecei a sentir a dor de veado e comentei com Germano. Queria saber se eu poderia evitá-la. Ele riu e disse: – Não é dor de veado, Cláudio. É dor desviada. Acontece porque o
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sangue esvazia-se do baço para suprir os músculos que fazem parte dos movimentos que você está fazendo e, aí, o baço vazio, murchado, fica como um pêndulo. E a cada vez que você vira o corpo, nadando, bate esbarrando em seu fígado, então, você sente a dor desviada! –! Quando saí, chegaram duas meninas acabadas de entrar na adolescência para nadar orientadas por Germano. Ainda as vi nadar um pouco, desengonçadas, iniciantes, e, hostil, senti vontade de rir. Eram adolescentes pequenas, morenas, cúmplices, amigas. Uma delas nadava melhor que a outra, porque a outra nadava suspendendo a cabeça na água, quando torcia respirando para o lado, prejudicando o deslize. Dei tchau para Germano. Vim embora. 20 de dezembro de 2000 Caio nadava quando cheguei. Desci para a piscina e logo Caio foi embora. Ocupei sua raia. Através dos óculos embaçados, apreciei seu corpo pequeno e forte que ia, através da arquibancada, para o banheiro. Chegaram Germano, Tibério e a empregada, que substituía, dessa vez, a mãe. A senhora de cadeira de rodas e o marido chegaram mais cedo e esperaram por Petrônio, o fisioterapeuta lindo. Hoje, a presença de Germano na piscina deixou-me afetado. Minhas braçadas e pernadas tornaram-se, a partir de então, digamos, dramáticas. Tibério debatia-se na água e me sorria.
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Germano dizia com encanto de homem doce: – Nade, Tibério, nade. Domicila, que agora está com Germano, outro dia me disse que já fora apaixonada pelo irmão dele. A tirar pelo jeito suave e másculo de Germano, imaginei seu irmão como o ideal de uma garota. E eu? Nadei com mais drama. Fiz mil e duzentos metros. No ônibus, de volta para casa, ao olharmos pela janela as ondas fracas, mas tensas, do mar da baía, infestadas de lixo e com meninos negros gritando e correndo pela areia da praia, uma madame que estava sentada ao meu lado, disse: – Como a cidade está fedendo! Quase não vou ao centro, meu Deus! Que decadência! Vi gente pobre morando na rua, abrigadas em montes de lixo! Aqui eles ainda cuidam, porque vejo passar toda noite, a carrocinha da limpeza, mas no centro... e naquela praia que passou... Eu sorri-lhe condescendente, enquanto o ônibus seguia, à beira do mar, fazendo suas manobras entre os países. Vim embora. 21 de dezembro de 2000 Apenas Lúcio ninava o jovem senil na piscina. Apareci e ele disse: – Acabei de falar em você, Cláudio. Achei que você tivesse mudado de academia, porque ontem te vi em frente à outra. – Não, não mudei. E Marcelina? – perguntei. – Marcelina está aí. Era com ela que eu falava. Marcelina apareceu e sentamo-nos na arquibancada onde dei-lhe
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minhas lembranças de Natal: o livro Marcellina, de Cassandra Rios, e um dos discos com músicas do Gil, que Germano fez pra mim. Comecei. Chegaram o senhor da cadeira de rodas, a filha e uma ajudante. Lúcio começou a ninar o Senhor Atenodoro, que é o nome do senhor da cadeira de rodas. O rapaz senil foi-se. Marcelina também foi embora e fiquei sob a orientação de Germano que acabara de chegar. Germano, você sabe, é um cara trancado, mas doce e bom. Ao terminar minhas quarenta chegadas, conversei um pouco com ele, que surpreendente, estava alegre, pois segundo me disse, tinha sabido, naquela manhã, que tinha passado de ano. E estava de férias. Dei-lhe os parabéns e fui trocar minha roupa. No banheiro, ainda estava nu, quando Lúcio entrou falando como se fôssemos amigos antigos. Tirou rápido e agressivo sua sunga. Não poderia ter feito outra coisa. O banheiro é o lugar que usamos para trocar de roupa. Colocou outra roupa, sem que eu tivesse tempo de recuperar-me do aprisionamento que sua entrada de homem jovem no banheiro me causou. E apreciá-lo livre delas, das roupas, livre de vergonha, tranquilo, como fazem os deuses. Enquanto isso, fazia-me o convite para irmos assistir seu amigo cover do Gil. Abobalhado, minha hesitação em aceitar seu convite, fez com que me desse o número de seu celular para que combinássemos melhor.
22 de dezembro de 2000 Fiz sinal de tinindo para Domicila. Nadava Caio.
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Quando entrei, acabou o tempo dele, que saiu da piscina. De novo, apreciei seu corpo pequeno e forte passando ao longo da arquibancada rumo ao banheiro. Caio está ficando um homem. Uma vez, vi-o nu no banheiro: centro de gravidade curto e espremido, pentelhos pequenos. Pau grego. Chegaram Tibério e Germano. Quase não olhei para eles. Nadei tranquilo, devagar, sentindo que voava. Vim embora. 26 de dezembro de 2000 Marcelina orientava Jerson e Tito. Não olhei para eles. Falei com Marcelina e fui para a arquibancada. Lúcio, sentado, alongando as pernas, esperava por Seu Atenodoro. Conversamos. Disse o porquê de não lhe ter telefonado. E ele disse que terminou por não ir ao show do amigo cover, porque brigaram, ele e Lucila. – Também não consegui ir – eu disse. Comecei. Nadei na metade sem raias da piscina. Tito foi embora e ocupei sua raia. Senhor Atenodoro chegou e Lúcio começou a niná-lo na parte da piscina em que eu estivera. Germano chegou e Marcelina foi-se. Ao terminar a série de chegadas que Marcelina passou para mim, Germano, à cabeceira d’água, explicava-me os exercícios que ela deixou para eu fazer: nadar borboleta. Estou aprendendo com muita dificuldade esse estilo em que temos
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de voar costurando-nos à flor d’água. Não consigo a sinuosidade e força de corpo suficientes para essa costura. Germano passou uns educativos. Como fiquei um tanto envergonhado por causa de minha inaptidão, então, numa de minhas chegadas, comecei a falar. Germano quis envolver-se no meu assunto e ficamos um tempo grande conversando. Lúcio, Seu Atenodoro, a filha e a ajudante foram embora. Chegaram as senhoras para a hidroginástica. Fui trocar-me. Achei-me bonito no espelho. Bebi água no poço. Nenhum deus ali. Germano começou sua aula de hidroginástica com um animado boa-tarde – suas férias começam hoje. No corredor, Vitória passou por mim sem me olhar e sem falar comigo. Vim embora. 27 de dezembro de 2000 Não fui.
28 de dezembro de 2000 Marcelina estava na arquibancada e sorriu para mim. Conversamos. Lúcio, próximo da gente, esperava por Seu Atenodoro. Mamãe decidiu não vir mais às sessões fisioterápicas.
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Comecei. Seu Atenodoro chegou e entraram na água, ele e Lúcio. Marcelina caiu, dizendo que não aguentava o calor, e saiu rapidamente. Sentou-se à cabeceira da piscina instruindo-me. Os pingos d’água caíam-lhe do corpo ensopado, no chão. Não sei quantas chegadas fiz. Marcelina foi-se. Após sair do banheiro, fui ao poço incrustado nos fundos do prédio, onde é a academia. Desci os degrauzinhos. Seu Atenodoro, na cadeira de rodas, esperava que o levassem para casa, com sua expressão de manequim de vitrine. Fez um som, rugiu. Olhei para Lúcio, que estava dentro da piscina, para encontrar alguma cumplicidade com quem tivesse ouvido o rugido. Lúcio já estava me olhando, já estava meu cúmplice e tinha uma expressão tão linda me olhando que fiquei confuso. Estava com cara de quem me amasse. – Feliz Ano Novo, Cláudio! – Tudo de bom, Lúcio! Vim embora. 29 de dezembro de 2000 Quando me deitei, ontem, para dormir, com a luz do quarto apagada e olhos fechados, tive a sensação das suavíssimas e frescas estrias d’água a me envolverem o corpo, luminosas e vibrantes, exatamente como quando flutuo na piscina de uma borda a outra, os sulcos d’água escorrendo-me pelos flancos, nadando.
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Sentia como me sinto com a cabeça à meio na superfície d’água, assim, uma ausência de zênite, de horizonte, de fundura. Apenas uma dimensão interior. Na água, nadando, a respiração compassada faz com que me sinta um iogue. E, de noite, fiquei curtindo a sensação no cubículo do quarto. Hoje, fiz quarenta e duas chegadas. Nadamos apenas eu e Marcela, a bailarina de flamenco. Marcelina instruía-nos muito afetuosa. Quase não coloquei meus pés no chão, o que me fez sentir que nadasse de verdade. Ultimamente, tenho nadado um bom tempo, às vezes, de cinco a seis chegadas interligadas, sem parar, condicionando-me ao esforço e isso tem me feito sentir “nadar de verdade”, de modo que nadar seja inacreditavelmente semelhante ao sonho de voar. Vejo as linhas azuis nos azulejos do fundo da piscina e não há abismo. Mal posso acreditar que meu corpo não afunde e que não se afogue, que flutue velejando, torcendo-se de um lado a outro, no ritmo e direção de meus braços. Vou batendo suavemente as pernas que flutuam, e estou ganhando condicionamento. A cada dia canso menos. De volta para casa, vi na praia pela janela do ônibus, um sol muito forte, a água tranquila e, dessa vez, sem lixo flutuante. E a frequência de uma grande maioria de gente verdadeiramente pobre. E os pobres rapazes bonitos, caminhando. Os rapazes da piscina me instigam demais. Preciso foder, você sabe! Pronto, falei...
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2 de janeiro de 2001 Fiz trinta e seis chegadas. Fui nadar embaixo de chuva pesada. É gostoso demais quando o ônibus chega à margem da baía, porque o horizonte se abre e entra luz em nosso cérebro, mesmo com a chuva e o dia cinza. Marcelina, achei-a casmurra, hoje. Esperava na arquibancada e quase não nos falamos. Nadamos eu, Troia e a bailarina de flamenco. Na raia restante, Lúcio ninava Seu Atenodoro. Troia voltou de São Paulo decidida a nadar todos os dias, porque, segundo ela, está mais gorda, entupida. Quando saímos, a chuva tinha cessado. Troia estava de ônibus. Pegou o seu. Peguei o meu. E vim embora.
3 de janeiro de 2001 De novo, fui nadar embaixo de chuva: uma chuvinha fina, peneirada, como chuva de inverno. Nesses dias em que chove desse jeito, sinto vontade de sair por aí e arrumar um estranho com quem fosse a um hotel. Nadamos apenas eu e Lucila, que reapareceu. Na metade vazia de piscina, a senhora de cadeira de rodas e seu fisioterapeuta lindo. Fiz mil e duzentos metros. Um dos educativos que Domicila passou arregaçou-me o corpo inteiro e aprumei-me n’água de tal maneira que nadei, durante as
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chegadas desse educativo, com muito tesão, alegria. O prumo que tal educativo me deu, fez-me nadar com as braçadas abertas, atarracadas, como as puãs de um pitu, ou como um escorpião. Senti-me também com os braços fortes do Caio, como um sapo, também como aquela menina que nada curto, arredondado, gordinha, de quem falei outro dia. Esse prumo que me alargou o corpo, não me fez achar que nadasse curto. Ao contrário, achei-me potente e veloz. Depois de findo esse educativo, Domicila chamou minha atenção para as braçadas muito largas que comecei a dar e tentei corrigir. Melhorei. Vim embora com a chuva fina e com tesão. Peguei meu ônibus. Voltei para casa.
4 de janeiro de 2001 Fiz um aceno de cabeça pra Vitória e entrei. Na piscina Marcelina instruía a bailarina, Troia e Lívia. Lúcio esticava os músculos próximo à arquibancada. Conversamos um pouco. Antes de entrar na piscina, conversei um pouco também com Marcelina. Senhor Atenodoro chegou. Ele e Lúcio ocuparam a raia do canto. Comecei. Dividi a raia com Lívia que hoje reparou em meu ritmo de nadar. Ela me viu nadar há meses atrás e achou que estou como um atleta olímpico. Marcelina pegou um pouco dos louros para si. Disse: – É que ele vem todos os dias. Nunca falta. E depois, se ele não estivesse nadando assim, seria um atestado de minha incompetência. Minha e de Domicila.
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– É verdade – eu disse. A bailarina foi embora. Vim embora. 5 de janeiro de 2001 Domicila indicou-me a metade da piscina vaga. Na outra metade, nas duas cordas de raias armadas, estavam Jerson e Lucila. Comecei. Domicila chamou minha atenção para não cruzar as braçadas sob o corpo. – Deve-se imaginar uma linha que cruza o corpo de comprido e as braçadas, quando passam embaixo, principalmente, não devem atravessar essa linha – ela disse. Comecei com dez chegadas de crawl. Depois, mais sete chegadas de pernada nesse estilo. Quando eu estava na segunda chegada, Jerson começou essa mesma série. Não entendo porque consegue ir muito mais rápido que eu. Resignado a minha lentidão e concentrado nela, espero que a prática me diga o macete, o jeito de ser rápido como ele. Noutra série de chegadas, as braçadas com o pull boy suspendendonos entre as pernas, tentei acompanhar seu ritmo. Consegui isso na primeira chegada, depois voltei a meu tempo. No meu tempo, consigo apreciar o ritmo do nado com grande prazer. Se acelero como Jerson, nadar é um esforço que não consigo manter, como num orgasmo. Lembro-me da primeira vez, quando usei o pull boy. Tinha as escápulas mais presas do que agora. Por isso, meus braços saíam da água com muita dificuldade (às vezes nem saíam), para buscar a água adiante da cabeça e me impulsionar para frente.
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Já não estou assim. Só tenho a impressão de que minhas escápulas ainda estão um pouco presas nas vezes em que Marcelina pede-me para nadar o estilo borboleta. Ela diz que estou nadando, mas minhas tentativas são tão desconjuntadas que me dificultam entrar no ritmo. Minhas braçadas não voam, não saem da água. Ainda estou lagarta no casulo, não borboleta. Fiz quarenta chegadas. Vim embora. 8 de janeiro de 2001 Passei por Vitória e fui pelo corredor adentro. No final do prédio em que funciona a academia, subi, à direita, a rampa para a cabeceira da piscina. O corredor, de onde saí, continua sob a arquibancada e vai dar nos banheiros, como já disse outro dia. A piscina estava tranquila. Não havia ninguém. Sentado na arquibancada, tirei minha roupa. Entrei na água. Fiquei um tempo em pé, afundado ali, com água até aos peitos, olhando para a piscina vazia de gente. Seu silêncio e ela vazia; era o mundo a minha frente. E tive que voltar à arquibancada para pegar meus óculos esquecidos na bolsa. Subi a escadinha. Peguei na bolsa meus óculos e voltei para meu mundo, meu país. A piscina é um sonho para mim, você sabe. Comecei. Com o mundo inteiro para mim, eu pensava no homem bicho-grilo. Fiz as doze primeiras chegadas sentindo a lembrança de nós dois naquela cama de hotel, ontem, à tarde. Ele tinha as mãos fortes e magras, de veias salientes, acariciando-me os flancos, quadris e apertando, tão leve e doce, meus mamilos.
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– Seus mamilos parecem os de um garoto – ele disse. E eu sentia a cama do hotel na sombra do quarto como se estivéssemos no fundo do poço. Mas o poço é onde os animais e os deuses tranquilos bebem água. E fora do fundo do poço, da cama de hotel, mais abismo. Na cama fofa, eu tinha uma sensação estranha de queda, de falta de apoio e claustrofobia. Caídos na penumbra da cama vermelha, quando eu olhava, a gente caía outra vez nas profundezas do espelho refletindo a cama, no aperto do quarto. Eu via minha pele mais branca iluminada de sombras encarnadas. As sombras saltavam entre tons mais escuros de outras sombras sobre a cama e eram puxadas para o corpo dele que se grudava no meu, mexendo-se com fissura. Eu não parava de cair. Eu não tinha olhos suspeitos, deixava que o homem bicho-grilo olhasse dentro de mim, mas ele não me viu. E eu procurava seus olhos para não cair, eu me jogava dentro da força da piscina dos olhos dele, onde eu queria nadar. Ele não parava de cair em mim, como no jogo de cama de gatos, de uma posição para outra posição, sempre caindo, de um para outro desenho, de uma forma para outra... eu nadava... eu aprendia a nadar... Ele pediu que eu ficasse de joelhos. Debruçando-me a cabeça para frente no travesseiro cheio de sombras, ele se colocou por trás de mim e a gente se satisfez assim. Ouvíamos deliciosa música brega. Eu sentia dó de sermos, os dois, mortais. Tudo ficou profundo e doloroso. Não conseguia saber porque delícia tão grande me parecia o fundo do poço ou, quem sabe, a prisão da floresta, do inferno. O quarto de hotel... ele não me via... Jerson, o nissei, chegou.
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Cumprimentou-me. Perguntei quantas chegadas ele costuma fazer. – Oitenta em média – ele disse. Domicila apareceu. Estava na academia fazendo exercícios para o joelho ruim. Ela havia me pedido para, quando acaso eu chegasse e ela não estivesse ali, que a procurasse na academia. Não havia feito isso e já tinha começado a nadar. Então, ela veio e tomou as rédeas das instruções. Sob sua orientação, pensei menos no homem bicho-grilo, pois estava menos livre, teria de estar concentrado para os educativos. De qualquer modo, eu estava encantado por ele, por aquela foda estranha, mas foda. E nadar assim, ajudou-me a nadar mais tranquilo, porque a paixão, o encantamento, tem um ritmo suave. A sacanagem é que é acelerada. Caídos dentro do espelho, na cama vermelha, conversamos devagar, acariciando-nos. Eu lhe falei do dia em que ri dele, do dia dos olhos suspeitos, do veludo da sombra de pentelhos de seu corpo, tudo... e quando ele acelerou e gozou, eu disse: – É, você viu que não tinha freio mesmo e acelerou! – É. Fomos embora. Não é um romance, o homem bicho-grilo tem uma família. Fiz quarenta chegadas. Sorri para Domicila. Olhamo-nos para dentro de nossos olhos. A mulher da cadeira de rodas flutuava sustentada por boias. O fisioterapeuta lindo passeava com ela, empurrando-a bem devagar através da flor da água da piscina. A mulher da cadeira de rodas, sem sua perna, sorria para mim. Seu olhar estava lindo! Ela me amava! Vim embora.
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9 de janeiro de 2001 Troia voltou definitivamente de São Paulo. Veio me pegar em seu carro para irmos nadar. Plotina e Lívia estavam de carona e foram nadar também. Marcelina estava na arquibancada. Lúcio ninava o menino senil. Depois foi a vez do Senhor Atenodoro e, por último, quando saímos, chegou um paciente novo, de muletas. Não conversei. Fiz mais de quarenta chegadas. No meio da aula, tocou Gilberto Gil, “Esperando na janela”, no rádio. Marcelina aumentou o volume. Troia me olhou. Plotina disse que também adora essa música do Gil. Não consegui me concentrar direito nas instruções de Marcelina. Disse que estava distraído, porque estou apaixonado. – Por quem? – Marcelina perguntou. – Um homem. – Ele sabe? – Sim. Já estivemos num hotel. Mas não é um romance... – Que bom! – Marcelina disse e sorriu. Nos finais de semana, às vezes, faço o que tenho chamado de meu programa hard. Meu programa hard consiste em pegar o ônibus até o terminal rodoviário, onde salto, ando de minha plataforma para a nave central e me sento num dos bancos que tem ali para ficar apreciando os transeuntes e, por ventura, pegar algum homem distraído sentado, esperando perdido, com as mesmas intenções que eu. Sexta-feira à tarde, após nadar, fiz isso. Sentei-me na nave do terminal à margem da baía. Meus olhos desconfiados marcavam os caras sentados nos bancos
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ao meu lado. Qualquer gesto de complacência, um olhar que eu sentisse mais solícito, mais receptivo, de algum daqueles solitários ali, me faria tomar a iniciativa de tentar uma sedução. Pensei que, se eu pudesse criar uma situação para que surgisse a oportunidade, um assunto e tal, era bom, mas meu temperamento não deixa que eu seja esse Don Juan todo. E fico apenas com o olhar. Como ninguém me deu mole mais declarado, levantei-me para vir embora. Ao passar mais adiante, no próximo conjunto de bancos, surpreendente, entre os velhos feios e as mulheres feias, estava sentado o homem bicho-grilo, de calção preto, as pernas abertas, o rabo de cavalo duro, para trás. Olhei com receio, esse olhar receoso, suspeito, investigativo que tenho, de Werther. De soslaio, vi que ele me olhava também. Mas passei direto e vim embora. Não achei que fosse pro meu bico. Vim embora e não pensei mais nem me lembrei mais dele. Entretanto é minha intenção, agora, crer que, no curtíssimo tempo em que nosso olhar se encontrou – eu com receio, de soslaio, ele de frente, resoluto – tenha havido um entendimento que não me passou à consciência, mas que me fez voltar à nave do terminal no dia seguinte, no sábado, sem saber. O primeiro olhar que se prendeu ao meu, quando no dia seguinte, cheguei aos bancos, foi o dele. Eu, dessa vez, disposto à aventura, segui adiante, dei meia volta e, coincidentemente, vagou um lugar no quadrado de bancos onde estava. Sentei. Eu estava voltado para a baía. O banco em que ele estava, voltava-se para a entrada da nave do terminal. De vez em quando, virava minha cabeça para olhá-lo no banco atrás do meu. Estudava-o fora do ambiente da piscina, fora de nosso
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país. E, na rua, sem o que na piscina torna a lascívia um pecado grande e, por isso, fico suspeito, o homem bicho-grilo e eu estávamos no estrangeiro, estávamos sem país. Não se virou para mim. Limpava os ouvidos com a tampa de uma caneta. Ele também parecia estar a escapar do que nos imobiliza no entorno da piscina, para usufruir um pouco de sua própria iniciativa, e limpava os ouvidos, pensativo. Ao seu lado, um morador de rua, debruçado no espaldar do banco, dormia. Ao meu lado, outro maltrapilho ressonava. Atrás de mim, de pé, um senhor dizia a um rapaz: – Quando nasci, havia no Brasil, 29 milhões de pessoas. Agora, no Brasil tem 190 milhões de habitantes. Você acha que eu tenho de entender essa gente? Eu não entendo nada! Senti-me um incompreendido. Comecei a prestar atenção no homem velho que começou a elogiar o tempo do presidente Getúlio Vargas. De repente, o cara que dormia debruçado no banco em que o homem bicho-grilo estava, mexeu-se estranhamente. Virei-me. O homem bicho-grilo virou-se também e nos olhamos, outra vez. Apostando que ele, como eu, via nas circunstâncias que se formaram ali uma oportunidade que não se sustentaria no ambiente da piscina, perguntei: – Tudo bom? – e meu sorriso se abriu descontroladamente, arvoredo bafejado de vento. Ele foi simpático e retribuiu meu sorriso. Acenou com a cabeça. Os olhos melados de sexo. Logo levantou-se e foi em direção a um orelhão do outro lado da nave. O senhor getulista foi embora.
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Tomei seu lugar para olhar na direção do orelhão. O homem bicho-grilo, de pé, estava perfeito. Não me olhou. Ficou um tempo falando ou fingindo falar ao telefone. Sua bolsa, deixara-a marcando seu lugar no banco. Ao retornar, sentou-se ao meu lado e explicou-me sua situação: que, como era de se supor do que vi na academia, ele tinha uma família e tudo, mas curtia uma brincadeira por fora. Não gostava de envolvimento, porque amava esposa e filho. – Entendi. Eram os últimos movimentos da tarde. Fomos para o hotel!
10 de janeiro de 2001 A piscina estava cheia. Apenas uma das raias armada. Domicila dava as instruções sentada na arquibancada, seu joelho piorou. Dia muito forte de calor. A água, com o aquecedor desligado, estava deliciosa. Livre das cordas que delimitam as raias e com todas elas ocupadas, a piscina estava alegre, cheia de marolas. Nadei pensando no homem bicho-grilo, idiotamente apaixonado. Quando saímos do hotel e atravessamos a rua para entrar na nave do terminal rodoviário, ele disse: – Parece uma Arca de Noé! Depois, despedindo-nos, cada qual entrou na plataforma onde o seu ônibus fazia ponto final. E lhe dei meu telefone para caso quisesse repetir o programa, que me telefonasse. Vim embora.
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Onze horas da noite, quando me deito para dormir, ele telefonou dizendo que gostaria de me encontrar no dia seguinte. – Vamos almoçar juntos – disse no telefone. – Mas se você não gosta de envolvimento! – eu disse. – Deixa de veadagem, Cláudio! – e ficamos a conversar, então. Apenas ouvindo-lhe a voz, a impressão que havia se criado dele, em mim, não existia mais. O homem bonito, grisalho, moreno, que eu tinha criado na cabeça e com quem estive na cama de hotel, não existia naquela voz. Sem explicação, sua voz era a de um daqueles vilões feiosos das histórias em quadrinhos. Era como se enxergasse uma vantagem que eu não estava conseguindo ver. Por momentos parecia que, proveitoso, iria até dar aquela risada: – Hi hi hi hi hi hi hi hi! E no que nosso assunto se desenvolvia no telefonema, essa imagem ia se modificando, como num caleidoscópio. Numa hora, argumentou: – Eu sou um rei. Tenho um rebanho para cuidar. Estou ligado a Deus – ouvia-o sugar a atmosfera com força pelas narinas fortes e expirava devagar, continuando a se explicar – ... estou ligado a essa força cósmica... E continuou falando sobre isso, de forma que vi que o homem bicho-grilo era louco. E vi que eu não conseguia entender as pessoas, os homens, os rapazes. Vi que, mesmo que sejamos reais, todos são um mistério para mim, eu mesmo sou um mistério e ele era, como dizia, um rei de verdade, quer dizer, tinha suas próprias leis. E acreditei nisso, iludido, louco também... serei eu, Cláudio, um deus? – É tudo cabeça, Cláudio! – ele disse. Expliquei-lhe que aquele seu assunto estava muito nas nuvens, muito alto e altura me dá medo. – Ah! Então, é isso?! – ele falou. Era um rei. Por fim, não conseguimos marcar nada.
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11 de janeiro de 2001 Chegamos atrasados à aula de natação. Fomos eu, Plotina e Troia em seu carro. Lúcio atendia ao Senhor Atenodoro. Não olhei para ninguém. Comecei. A água deliciosa, no dia de muito calor. Fiz quarenta chegadas. Estou aprendendo a nadar relaxado. Mantenho um ritmo constante, condicionado. Hoje, Marcelina deu-me a mão para se despedir. Em seu lugar, Germano terminou a aula.
12 de janeiro de 2001 O dia abafado de muito calor deixou a água da piscina uma delícia, porque a piscina, abrigada do sol por aquela laje e, agora, no verão, sem aquecimento, guarda o frescor de água subterrânea, de água de cavernas. Comecei. Fiz minhas quarenta chegadas. Domicila estava mais animada. Todas as raias ocupadas. Não havia fisioterapeutas, a não ser Lucila, que flutua como pluma. Noutra raia Marcela, a bailarina de flamenco. Ocupei a raia da esquerda, perto da arquibancada e que, normalmente, é a raia usada para fisioterapia. No fim, dei “até logo” para Domicila. Vim embora. Meu rei telefonou outra vez. Estava precisando de sexo, se eu poderia me encontrar com ele.
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Não argumentei sobre sua esposa. Eu disse: – Também quero – e marcamos um encontro na nave do terminal. Após nadar, em seguida, fui encontrá-lo, mas ele não apareceu. Então, liguei para Troia e fomos à praia. Quando à noitinha cheguei em casa, telefonou. – Estou careca, Cláudio! Pelei a cabeça – espero que goste. – Vou gostar, você é lindo – falei. Além do quê, me seduz sua estranheza, vejo inteligência nela. Fico pensando em como ele traduziu bem o que estou sentindo. Disse, no telefone: – Nosso encontro foi como a explosão de uma estrela. Mas não uma estrela que explodisse para brilhar, para aparecer. Foi uma estrela que explodiu dentro. É assim que sinto as evoluções no meu peito. E também disse: – Para mim, a piscina é como uma estação orbital com a qual me identifico. Nunca pensei, Cláudio, que pudesse encontrar essa estação tão bem ocupada. Para mim, não é uma estação fantasma. – Poxa, que bom! Mas isso é muito envolvente! – eu disse. Disse que vai me telefonar hoje. Estou esperando. 15 de janeiro de 2001 Germano esperava por Tibério na arquibancada. A despeito do homem bicho-grilo, suas pernas grossas e cabeludas, comportadas, ferveram meu peito. Comecei. Finalmente começo a nadar com tranquilidade, devagar, sem medo de na água, de repente, perder o fôlego. Estou nadando a cada dia com maior controle, estou tomando nas mãos a cada dia as rédeas de
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nadar e ficando livre. É uma arte, um aprendizado constante, sem fim. Tibério chegou. Entrou com Germano na piscina. Meu peito ferveu. Felizmente, tenho meu rei. A senhora da cadeira de rodas chegou. Ela e o marido esperavam por Petrônio, o fisioterapeuta lindo. A mulher da cadeira de rodas me ama! Domicila estava bem dos joelhos. Vieram nadar Tito e Marcela. Entramos no banheiro eu e Germano. Não olhei pra ele. Na saída, Tibério batia palmas para Vitória. Vitória não entendeu que teria de bater palmas também. Tibério insistia sem ir embora. A mãe explicou. Vitória bateu palmas. Vim embora. 16 de janeiro de 2001 O dia quente e lindo. A piscina ficou animada. Troia e Plotina foram. Germano esperava por Tibério que chegou logo. Lúcio, depois de ninar Seu Atenodoro, atendeu ao paciente novo, o rapaz que anda de muletas. Dividi minha raia com Tito. Perdia o ritmo quando ele passava por mim, preocupado em não lhe esbarrar. Não nos esbarramos. No final, chegou o amigo de Lúcio, que faz cover de Gilberto Gil.
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Disse para ir assisti-lo. Conversamos. Deu-me seu telefone. Disse para Plotina o quanto é gostoso nadar com os amigos. – Eu também gosto. Não conversamos na aula, mas eu gosto – ela disse. Disse para Troia não me telefonar, pois vou dizer para mamãe que irei para sua casa. É que combinei de voltar ao hotel com meu rei. Ela ficou feliz! Vim embora.
17 de janeiro de 2001 Domicila estava ótima, animada, bem humorada. Eu é que estava com cara de quem comeu e não gostou, porque, ontem, meu encontro com meu rei foi um fiasco. Não fomos para um hotel. Logo que nos encontramos, numa daquelas velhas ruas do centro da cidade, onde ficam os hoteizinhos das putas, reparei que estava cheio de anéis prateados nos dedos menores de ambas as mãos. Achei meio bandido isso, assim, meio mau-caráter, meio sem sentido, muito louco, mas excitante! O duro rabo de cavalo suspenso, preso na cabeça, atrás, era só uma lembrança, agora. Ele estava careca. Conversamos sobre ele curtir sexo comigo e amar sua família. Então, ele falou que isso não deveria atrapalhar em nada, que eu sabia, ele disse que só queria sexo, e se eu tava afim de fazer romance, que procurasse outro cara. E, aí, falou de um jeito muito agressivo as piores coisas, cheio de ódio: – Você é uma piranha velha, Cláudio! É um veadinho desesperado, cara! Você tá nessa de romance? Esses hoteizinhos baratos que vamos não é lugar de romance. É lugar de putaria, se liga... De um jeito triste, assim, coitado, sorri.
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Sem fugir muito disso, ele continuou me injuriando, fazendo acusações cheio de uma raiva fria. Sem que eu falasse nada, fiquei quieto. Então, fiquei pensando que a inteligência de meu rei, a inteligência que enviesado eu suponha ele ter, que lhe atribuía aos meus olhos um charme muito grande, é, na verdade, um tipo de loucura, um ensimesmamento maluco. Pelo tom em que ele me dizia tudo o que disse, sentia que não conseguiria argumentar a meu favor. Sou ruim com isso. Ou, talvez, eu soubesse que não o venceria. Era um rei louco, de leis loucas, de um país louco. Ouvindo as coisas que ele me dizia, enquanto caminhávamos pela calçada cheia de outros transeuntes, meu coração cresceu e pesou com a crueldade do lugar em que ele me colocava, essa fatia estrangeira, clandestina, o que ele dizia, me jogando para fora do seu país, de tudo. Fiquei muito confuso. Então, eu comecei a pensar que quando o homem bicho-grilo vinha para o lado de cá, para fora do ambiente da cama, que ele ficava um tanto louco. Ou, então, queria intencionalmente, me dar essa impressão, sei lá. E decidi não levar comigo essa confusão. Esqueci-o. Fiz quarenta chegadas. Vim embora.
18 de janeiro de 2001 Já estava na piscina, quando Troia e Plotina chegaram. Tito que nadava na raia do canto, onde ficam os holofotes, foi embora, assim que elas entraram na água. Ocupei sua raia. Nas raias do meio, Troia e Plotina, e na oposta a mim, próximo à arquibancada, Lúcio atendia a Seu Atenodoro. Seu trabalho, porque ele é afetivo com os pacientes, vai além dos progressos fisioterápicos.
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Numa hora, Seu Atenodoro rugiu. Olhei. Lúcio não me viu, ocupado em entender o que acontecia. Troia, dessa vez, trouxe Sabina, sua filha. Marcelina brincou um pouquinho com ela na cabeceira da piscina. Depois, Sabina sentou-se num banquinho e ficou olhando-nos muito interessada, embora fingisse tédio. Troia aprendeu a pular de cabeça na piscina. Na próxima aula, pedirei a Marcelina para tentar isso comigo. Estou pronto. Germano chegou e pegou o lugar de Marcelina. Estava lindo. Apenas com um largo calção azul, as pernas grossas e morenas, peludas. As espinhas explodindo... Não entrou n’água. Conversei um pouco com ele. Lúcio nos olhou. Estava com ciúmes... Fiz muitas chegadas. Viemos embora de carona com Troia e Sabina, eu e Plotina.
19 de janeiro de 2001 Nas praias da orla, muita gente pobre. A maioria negra. Crianças pulando nas ondas pequenas do mar. As mulheres, sentadas na areia, davam closes. Os homens, de um modo geral, de pé no calçadão, olhavam. Passei, olhando pela janela do ônibus, rumo à piscina. Entrei. Domicila, sentada nas pranchinhas, orientava Lucila. Como o leitor já pode perceber, consigo pensar noutra coisa
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enquanto nado, porque dominei os movimentos de nadar. Pensei no rei, que me telefonou pela manhã para saber como estou. Eu disse que estava como estive antes dele e que nossa jogada tinha se acabado. Dei-lhe boa sorte e desligamos. Germano chegou e conversou um pouco com Domicila. Tomei a iniciativa de cumprimentá-lo. Correspondeu com amizade. Fiz quarenta chegadas. Vim embora.
22 de janeiro de 2001 Não fui.
23 de janeiro de 2001 Marcelina estava na arquibancada. Alguém que não reparei, nadava. Plotina também já tinha chegado e nadava. Lúcio atendia ao jovem senil. Marcelina deu-me de presente um óculos preto. Comecei. Troia foi dormir na madrugada e não apareceu. Agora, que estou transformado num nadador, Marcelina quase não interfere e deixa-me evoluir espontaneamente, voando à vontade, só interferindo quando surge um erro grande de técnica, como quando, por exemplo, empolgado, nado com a cabeça suspensa, para olhar na frente a direção para onde estou indo. Ajudei-a a colocar a corda que demarcasse minha raia.
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Olhei para Lúcio que ajudava Seu Atenodoro na água. Sunga azul-celeste. Os músculos impetuosos que pareciam querer arrebentar a lycra dobravam-se na sunga, desmanchavam-me o coração. Cortei a superfície da água com a leveza dos anjos, com harmonia. Germano chegou e Marcelina foi embora. Fiz minhas últimas chegadas sob a orientação dele. Vim embora. 24 de janeiro de 2001 Domicila recebeu-me com um abraço. Esqueci de avisá-la que iria faltar nessa segunda-feira para ir ao médico e ela estava preocupada. Achou meus óculos novos muito bonitos. Não olhei para ninguém, mas depois, vi quando Caio saiu da piscina com seu corpo cada vez mais homem, bonito, a boca pequena, concentrada. Vi que havia um feioso aluno novo. Lucila, que nadava, foi embora. Comecei. Anjo harmonioso voando. Domicila, seguindo a mesma tática de Marcelina, deixa-me evoluir na piscina sem interferir, para que a prática burile meus movimentos. Arrumei uma forma de puxar mais água com a mão esquerda, o que, se não aumenta muito, dá-me a sensação de muito maior impulso n’água, anjo terrível. Fiz quarenta chegadas em quarenta minutos. Vim embora.
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25 de janeiro de 2001 Fomos de carro: eu, Troia e Plotina. Troia experimentou o salto que Marcelina explicou da outra vez, agora, sem ajuda. Não foi muito bem. Furou pouco a água que resistiu com um grande barulho de oclusão quando Troia caiu, ou entrou. Fiz minhas habituais quarenta chegadas. Não olhei para mais nada. Depois de cada série de chegadas, Marcelina instruía-me para a próxima e assim fui. E, acabado o tempo, viemos embora.
26 de janeiro de 2001 Não fui.
29 de janeiro de 2001 Não fui.
30 de janeiro de 2001 Estou achando que esses dias em que fiquei sem nadar foram ruins para minha saúde. Meu rim direito ameaça doer e meu estômago está com uma bolha dura de ar que dói aos meus movimentos de engolir. Às vezes, arroto um ar de cheiro muito ruim, indefinível, de remédios. Plotina passou em minha casa para me dar carona. Troia não veio hoje.
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Marcelina não estava. Em seu lugar: Germano. Imenso calção azul-celeste e sem camisa. Ajudei a colocar a corda da raia. Na raia já armada nadava Jerson, o nissei. No resto da piscina, Lúcio, corpo gostoso na sunga azul-celeste, atendia Seu Atenodoro. Calção azul-celeste, sunga azul-celeste, piscina azul-celeste: eis o meu imenso céu, meu país, meu sonho. Na arquibancada, a ajudante de Seu Atenodoro. Na água, havia uma outra fisioterapeuta cuidando de uma senhora. Entrei na piscina de forma diferente, hoje. Já faz um tempo que, sentado à borda, não escorrego para dentro d’água colado, rente aos azulejos. Coloquei-me de cócoras à beira d’água, usei minhas mãos como alavanca na frente do corpo e, como fazem os sapos, pulei. Estou ficando livre! Plotina saltou de cabeça. Furou a água de corpo inteiro, um corpo esguio, que se escorregou pelo buraco aberto piscina adentro, e se arqueou tranquilo de volta à tona. Depois dessa entrada, Germano deve ter entendido não tratá-la como iniciante. Mas quando, após o mergulho, suspendeu-se na água às braçadas de crawl, o modo como sua cabeça girava para as respirações, emergida no ar, fazia com que ela se parecesse um bicho em agonia. Dividi com ela minha raia, e logo que a fisioterapeuta e a senhora saíram da água, fui para a parte livre de cordas, onde estava Lúcio dulcíssimo na sua sunga azul-celeste, com Seu Atenodoro. Fiz quarenta chegadas. Depois de quatro dias parado, achei pouco, queria mais! Acabamos todos juntos. Plotina foi sozinha para o banheiro. Seu Atenodoro foi colocado em sua cadeira de rodas, olhos vítreos. Fui sozinho para o banheiro.
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Depois, chegou Lúcio e ficamos conversando. Não olhei para seu corpo. Jerson entrou. Vim embora com Plotina. 31 de janeiro de 2001 Fomos eu e Troia, que foi repor aula. Começamos. Lúcio atendia a uma paciente nova: uma menininha com aparência de cinco anos, quase de colo, de corpo estranho, projetado por movimentos débeis. Lúcio ninou-a na água por todo o tempo, fazendo aqueles sons com mímica que fazemos para as crianças de colo, como os que ele faz pra Seu Atenodoro... Sunga azul-celeste estufada de carnes musculosas. Troia desentendeu-se com Domicila, com seu jeito de mandar. Porém, logo voltaram a se entender. Fiz trinta e seis chegadas. Quando saí do banheiro, Lúcio entrou. Vim embora.
1º de fevereiro de 2001 Marcelina não foi. A professora do horário anterior ficou até que Germano chegasse. Fiz minhas quarenta chegadas. Quando saí da piscina, Lúcio que atendia a seu último paciente, o rapaz das muletas, deu-me uma olhada de quem muito se admira,
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outra vez, fez aquela fisionomia de quem me amasse. Sua fisionomia, iluminada de espontaneidade, era como um tufo de vento em planta, um rufo de entusiasmo para mim, um fulgor, um sobressalto, algo assim. Sempre, quando chega a hora de voltar para casa e que saio da piscina, ele está no final, atendendo a seu paciente na água, na direção da escadinha que desce para o banheiro. Despeço-me, ao descer a escada, sempre preocupado com minha expressão, pois nessa hora, eu e ele nos vemos bem de perto e rápido, quer dizer, apenas os segundos necessários para que digamos tchau. Essa nossa rápida e última olhada, instantânea, é como se, no escuro, uma lâmpada fosse, imediatamente após ser acesa, logo apagada, deixando impresso na minha cabeça um flash da sua imagem, como lembrança. Essa lembrança, de vê-lo a me dar tchau, tem uma iluminação que perdura mesmo que eu já esteja no escuro, no banheiro, sem sua luz. Sua fisionomia parada em minha memória, com os seus olhos parados nos meus, é muito forte, tem a força de um homem revelado para mim, no que ele tem de mais belo e verdadeiro. Depois que desço a escadinha, a imagem de Lúcio dentro do peito, na cabeça, iluminada, faz-me pensar, pretenso, que eu também deixe essa impressão de luz, de revelação, para ele. Isso não é paixão. É encanto de ver um homem bonito, sei lá. Desci a escada e, no banheiro, me incomodei muito com a catinga de suor das roupas do homem de muletas que Lúcio atendia, penduradas na parede. Vim embora. 2 de fevereiro de 2001 Não havia ninguém quando cheguei. Domicila apareceu quando, na arquibancada, tirei a roupa para
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entrar na água. Estava tímida, parecia que minha presença de homem a constrangia. Comecei. Enquanto nadava, Domicila perguntou-me o que eu achava de suas aulas. Parei à beira d’água para lhe responder. Ficamos conversando. Depois, chegaram dois alunos: uma moça e um rapaz. A aula durou mais de uma hora. Fiquei muito cansado. Vim embora.
5 de fevereiro de 2001 Todas as raias ocupadas. Domicila indicou-me a raia onde estava Marcela, a bailarina. Indicou-me vinte chegadas: dez de crawl, dez de costas. Logo as raias foram sendo desocupadas e ficamos nadando apenas eu e Jerson. Chegou Germano, jeito sério, olhos pretos. Foi para o banheiro e voltou de sunga vermelha. Eu enxergava o vulto de seu pau dobrar-se, livre dentro dela, muitos pelos. Sentou-se numa banqueta preta de plástico ao lado de Domicila e ficaram conversando, enquanto esperava por Tibério. A partir daí, nadei sofrendo a presença de Germano, um príncipe pequeno, um deus tranquilo à beira da piscina. Não adiantaria tampouco vencer os obstáculos. Ele e Domicila se encontraram. Tibério chegou e entraram n’água. De vez em quando, olhava para eles, mas não notaram. Fiz quarenta e quatro chegadas, mil trezentos e vinte metros. Vim embora.
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6 de fevereiro de 2001 Fomos eu, Troia, Plotina e Lívia. Chegamos muito atrasados. O cover de Gilberto Gil, amigo de Lúcio, estava na arquibancada. Chamou-me outra vez para ir vê-lo cantar. Disse para eu ir com Lúcio e Lucila. – Vou, sim – eu disse. Domicila, que substituía Marcelina, ficou animada com tanta gente. Fiquei animado também, porque estava enturmado. Achei, dessa vez, o cover de Gil mais bonito que da outra vez em que esteve na piscina. Conversamos um pouco, antes que eu entrasse na água. Quando ele foi embora, eu já estava na metade da aula. Ficou na arquibancada conversando com a filha de Seu Atenodoro. Quando foi embora, junto com Seu Atenodoro, tirei meus óculos de nadar e lembrando-me de meu olhar de suspeito, para que não parecesse um bandido, olhei-o e sorri-lhe assumido, Don Juan. Ele não deve ter me entendido, mas sorriu também. Bati meu record: mil trezentos e oitenta metros. Depois de Seu Atenodoro, Lúcio atendia ao rapaz de muletas, cujas roupas fedem todo o banheiro. Dessa vez, um aprendiz lindo, sunga vermelha, assistia à sessão fisioterápica, dentro da água. Troquei minha roupa e esperei pelas meninas na portaria. Elas demoram no banheiro. Viemos embora.
7 de fevereiro de 2001 Germano é insuportável: corpo cabeludo e pequeno, forte.
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E hoje estava no lugar de Domicila. Sunga frouxa, vermelha, escorando o grande pinto moreno que se dobra lá dentro, no meio dos cabelos. Depois que percebi que ele e Domicila estão juntos, meus olhos para ele tornaram-se receosos. Quer dizer, eu comecei com isso, a ter olhos ressabiados para ele, suspeitos, mas, hoje, olhei direto, assumido, porque algo nele me inspirou ousadia, quer dizer, que eu tentasse brincar um pouco de Don Juan com ele. Ao que ele reagiu com seriedade, mas sem agredir. Ele entrou numa raia com Tibério. Dessa vez, quando cheguei, pus-me de pé na borda da piscina, fiquei um tempo pensando o movimento, criando coragem, e saltei caindo sentado na água, as pernas carpadas, em forma de enxada. Comecei. Fiz mil e duzentos metros. De vez em quando, agarrado nas bordas, virava o rosto para trás, para que pudesse olhar Germano a brincar com Tibério no correr da raia. Ele percebeu e, muito sério, cuidava do treino do rapaz débil, sem me dar trela, a mim, que para o homem bicho-grilo, sou uma piranha velha! Tibério espalmava a água, alheio. Vim embora.
8 de fevereiro de 2001 Quando cheguei na portaria, Troia saltava de seu carro. Entrei. Dei meu boa-tarde à Vitória. Na piscina, Germano estava à cabeceira, agora, nosso novo professor das terças e quintas. Marcelina não virá mais. Troia chegou e foi para o banheiro trocar-se.
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Na arquibancada tirei minha roupa e fui para junto dele, que conversou comigo sobre os quatro estilos de nadar. Eu disse: – Não nado apenas borboleta! – Ehhh! Peraí! – Germano gritou carinhoso, fingindo adversão – ontem mesmo você nadou borboleta! Não brinca, não! – É que borboleta, não sei direito! – eu disse. Fiquei encantado e surpreso com o súbito de sua simpatia. Comecei. Germano ficou em pé na borda, exatamente em frente à minha raia, onde ponho a mão para dar a virada e nova largada, de modo que a cada chegada, podia, olhando para cima, seguir suas pernas musculosas, até onde a sunga vermelha escorava frouxamente o saco e grande pinto moreno, que insinuava-se no pano vermelho feito um galho. Troia, vinda do banheiro, entrou. Germano foi para o lado oposto da piscina ajudá-la a colocar a corda da raia. Eu, que estava na borda, nesse momento, parei para vê-lo andar, o pinto balançando frouxo dentro da sunga vermelha, insinuando-se feito uma nuvem. Ele, virando-se, chamou minha atenção, para que eu não parasse de nadar. Fiz-lhe sinal de tinindo e recomecei. Lúcio atendia Seu Atenodoro. Quando me troquei, no banheiro, Germano entrou para mijar. Troia trouxe-me em casa de carro.
9 de fevereiro de 2001 Tenho tido febres noturnas. Preciso repouso. Não fui...
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12 de fevereiro de 2001 Esqueci o homem bicho-grilo. Não tem mais feito suas aulas avulsas. No ônibus, a caminho da piscina, olhando a cidade com as pessoas caminhando sob as árvores das calçadas, na sombra dos prédios, atravessando as ruas, dentro das lojas, dos botecos, eu estava me lembrando de Germano. Sua flor pesando leve e suave no pano mole, suavemente esgarçado, da sunga. Vinha pensando nisso, vinha pensando nele, quando dá aulas para o rapaz débil... Após passar por Vitória, na portaria, e atravessar o corredor que acompanha o edifício da academia, subi a rampa para a cabeceira da piscina. Domicila, sentada numa banqueta de plástico que comumente está ali embaixo da prateleira onde fica suspenso o rádio, um mini-system usado para as aulas de hidroginástica, respondeu ao meu sorriso e ao meu sinal de tinindo. Apenas Jerson nadava. Fui para a arquibancada onde deixei minha roupa e bolsa e voltei para a cabeceira da piscina. Domicila fez com que eu me sentasse na banqueta com ela e me explicou que sairia mais cedo, mas deixaria em seu lugar, para as instruções de natação, Germano. – Tudo bem – eu disse. Preparei-me para saltar de pé, na piscina. Alguma coisa de muito grave acontece na minha cabeça, mas não definitiva, que não consigo espontaneamente saltar. Assim como não consigo espontaneamente andar sem cambar um pouco. É preciso concentração, algum esforço mental para executar os movimentos e não fazê-los desastradamente. Fiquei um tempo preparando-me para saltar, outro tempo preparado até, enfim, criar coragem e, desajeitadamente, me jogar na água.
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Na água, sinto-me melhor. Enquanto Domicila estava fiz vinte e cinco chegadas. Jerson foi embora. Germano chegou. Domicila foi-se. Fiz quarenta chegadas. Finalmente, a mulher que me ama, chegou na cadeira de rodas. Passei por ela na arquibancada e, quando descia a escadinha que vai dar no banheiro, veio Petrônio, o fisioterapeuta lindo, sunga vermelha. Vi quando entraram na água. O marido ajudou nas manobras. Os olhos dela, cheios de amor, são tristes. No banheiro troquei a roupa. Vim embora. 13 de fevereiro de 2001 Era Germano, outra vez, agora, no lugar de Marcelina. Logo que cheguei, meus olhos se encontraram com os olhos de Lúcio que atendia Seu Atenodoro na água. O rapaz senil passou por mim acompanhado de sua mãe. Vi-o de muito perto. Tem o lado esquerdo do corpo flácido e um tanto imóvel. Os cabelos tentam disfarçar a calvície exagerada. É sinistro o seu aspecto visto de supetão. Tinha acabado seu atendimento e estavam indo embora. Deixei minhas coisas na arquibancada e da cabeceira pulei sentado em minha raia dividida com uma senhora. Pequenas ondas propagaram-se do centro onde pulei. – É o Cláudio, Seu Atenodoro, que caiu de bunda na água – Lúcio brincou, reclamando dos espirros d’água que bateram neles. – Estou aprendendo a pular – eu disse, rindo.
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Comecei. Troia chegou e começou. Uma aluna nova pediu-me para fazer uma demonstração de braçadas para ela. Jerson nadava. Domicila chegou e sorriu para mim. Sentou-se com Germano à cabeceira d’água. Ela me elogiou o nado crawl. – Estou impressionada! – disse. A senhora que nadava na mesma raia que eu, não falou comigo, ignorou-me. Pelo jeito como nada é uma pessoa nojenta, metida, autoritária. Tem as braçadas pesadas, duras, burras. Não nos esbarramos. Jerson terminou e fui para sua raia. Quando estava na décima sexta chegada, Germano, agachado à borda, disse: – Mais quatro, soltando, para terminar. – Já? Mas eu só vou nadar seiscentos metros? – É que já são treze e quize. Você pode ficar mais? – Claro! Então, nadei mais, até completar trinta chegadas. Troquei de roupa para vir embora. 14 de fevereiro de 2001 Quando entrei na portaria virando-me para fechar o portão de ferro atrás de mim, de súbito, apareceu o rosto de Germano entre as grades, um rosto muito jovem e moreno e estava com grandes espinhas machucadas, próximas ao nariz. De perto, não me olhava. Olhava para baixo, forçando a maçaneta. Ajudei-o, abrindo-a e, virando-me, entrei corredor adentro.
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Eu o avistara, através das grades de entrada, como Monga, a mulher gorila que num momento de doçura avistaria de sua cela um príncipe salvador. E, ele, absolutamente alheio a esses meus devaneios delirantes de Werther em parque de diversão, me seguia rumo à piscina. Pensando em minhas pernas cambas e meu ritmo lento, no meio da extensão do corredor, encostei-me à parede e abri caminho para que ele passasse. Ele, então, ao passar disse: – Tudo bem? – delicado, amoroso e suave. E, outra vez, me surpreendi com sua simpatia. É difícil compreender o modo como as pessoas reagem à presença da gente, porque não são previsíveis. Porque o que se passa, não é o que nossa imaginação supõe. E não é algo que se possa ver escrito em suas testas. Isso faz parecer que muito seja possível, quer dizer, que tudo seja possível, porque tudo é o imprevisto. Inclusive, pode ser o caso da imaginação da gente acertar. É misterioso. Cheio de mistério, Germano é quem iria ser o instrutor de hoje. Na cabeceira da piscina, eu fui dizendo: – Posso fazer quarenta chegadas? – Vamos lá! – ele disse. Touca, sunga branca, óculos de mergulho, comecei. Germano, para a natação, fora das aulas de hidroginástica, tem costumado tirar o calção largo e ficar de sunga à beira da piscina, pernas cabeludas, farpada de pelos pretos enovelados. Tibério chegou acompanhado de uma babá modernosa, cheia de dreads coloridos: vermelhos, azuis, amarelos. Germano entrou na água com Tibério para a aula particular ao mesmo tempo em que nos passava as chegadas. Tibério já é um homem. Usa sunga preta.
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Tem debilidades físicas também: o corpo flácido, típico dos débeis mentais e uma barriga enorme. Faz e desfaz, rapidamente, relações afetivas igualmente com as coisas e pessoas. Germano é paciente com ele. Usa de sua autoridade apenas nos paroxismos de alguma teimosia. Fiz as quarenta chegadas. Quando saí de piscina, Germano, de pé, ao lado da arquibancada, secava-se para ir embora. Enrolou-se numa toalha para desensopar a sunga encharcada. Desci a escadinha de trás da piscina e fui para o banheiro. Germano entrou comigo. Assim que entramos, ele ficou nu, deus tranquilo entre as nuvens. Com ele nu, no cubículo do banheiro, eu não olhava, mas via seu corpo peludo e musculoso e, às tontas, coloquei minhas coisas, mochila, tênis, num banco que havia rente à parede e, enquanto tirei minha sunga, dentro de mim, Monga, a mulher gorila que me apareceu hoje, quando há pouco nos encontramos, com a grade do portão entre nós, debateu-se enjaulada. Então, por detrás das grades, correu de cá pra lá, desorientada. Eu estava assustado, com medo, embora soubesse que meu Werther jamais deixasse que ela fosse atacar. Mesmo que ela forçando as grades, já tivesse conseguido um ou dois, alguns passos de liberdade, não atacaria. Voltaria submissa para sua cela, submissa como a água fatiada da piscina, deus aprisionado. Restava-me, apenas, conversar. Não me importava o que dissesse, ao menos, estaria entrando um pouco mais dentro da presença bonita de Germano, mais bonito, porque nu. – Você é um competidor, Germano? – perguntei. – Não exatamente de natação, gosto de me exercitar, mas não sou competidor. Supero apenas a mim mesmo.
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– Entendi – eu disse e conversamos um pouco mais, enquanto nos aprontávamos para sair. Quando saía, ele disse: – Aquele abraço, Cláudio. Até sexta! – Tchau! Monga, submetida à sua cela, me deixou triste, pensativo, sonhador, derrotado... Vim embora.
15 de fevereiro de 2001 Não queria chegar atrasado, por isso, quando Troia telefonou que me daria uma carona, já tinha saído. Fui. Quando cheguei, Troia já estava nadando. Pulei, ainda desengonçado na água e fui ajudar a colocar a corda da raia. Lúcio terminava de atender ao rapaz senil e já ia atender a Seu Atenodoro. A sunga azul-marinho nova estava muito justa, bunda e caralho arrochados nela, ao contrário das sungas frouxas que normalmente usa, com papos, feito sungas de crianças. E ao contrário das sungas de Germano, com espaços para angelicais nuvens dentro. Na cabeceira da piscina, eu disse para Germano: – Farei minhas quarenta chegadas, hoje. – Tudo bem – ele disse. Comecei. A certa altura da aula, Troia teve taquicardia e sentou-se à borda da piscina, medrosa e indefesa. Germano foi até ela, conversaram e ela recomeçou. Ele ficou atento às chegadas dela. Interferia, gritava seus comandos por sobre a piscina, para que
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ela nadando o ouvisse. Num momento em que tinha mandado que eu nadasse o estilo costas, chamou por Troia à cabeceira d’água e começaram a treinar as entradas de cabeça na água. Fiz quarenta e uma chegadas. Durante minhas chegadas que era o tempo que eu tinha para olhar, só via Troia subir, corpo inteiro fora d’água, maiô, pernas poderosas. Germano instruindo. Rolava um clima, eu via. Aquele subir e descer, quer dizer, aquele subir e pular de cabeça na água durou um tempo. Troia ficou nervosa. Ela não conseguia se esticar para o salto e não furava a água com jeito certo. Essa situação, logo em seguida da sua taquicardia, era tão absurda que no meio de meu percurso a nadar costas na piscina, tive um ataque sinistro de riso, olhando para a laje iluminadíssima que nos cobria. Dava gargalhadas incontroláveis nadando costas na piscina, sem que conseguisse me conter. Temia ser descoberto por Lúcio, que atendia ao rapaz de muletas na raia ao lado. Principalmente, não queria ser descoberto por Germano e Troia, que ainda estavam naquele idílio à cabeceira d’água. Com algum esforço, consegui chegar sério à borda. E resolvi olhar e rir assumidamente para os dois, mas eles, aprisionados ao élan que os unia, sequer me olharam ou sentiram-me olhar e sorrir para eles. Germano instruía Troia a pular. Ela, na posição para o pulo, pernas muito carnudas, disse: – Não vou conseguir... – e pulou. Ao mesmo tempo, ouviu-se uma explosão viril de grito do Germano por sobre toda a atmosfera da piscina: – Estiiiiiiiiica! – e Troia já tinha caído na água de joelhos dobrados. Então, recomecei a nadar costas.
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Quando terminamos a aula, combinamos, eu e Germano, que toda aula, a partir daquela, eu faria sempre quarenta chegadas. Vim embora. 16 de fevereiro de 2001 Passei por Vitória e entrei. Germano nadava. Deixei minhas coisas na arquibancada e, quando postei-me na cabeceira, ele veio muito solícito e sério dar-me atenção. Como fez com Troia, ontem, queria que eu desse um “de ponta” n’água. Primeiro, fiz um certo teatro para cair na água, explicando-lhe que por conta de cambar um pouco, como consequência, não consigo correr nem pular. E, por isso, estou treinando, já há uns cinco dias, depois de ter escorrido pela borda até a água por muito tempo e de, por outro tempo, ficar pulando, ainda sentado, da borda para a água, agora, tenho ficado de pé para dar o salto. Ele, então, saiu da piscina, colocou-se ao meu lado e explicando ao mesmo tempo em que exemplificava, saltou de cabeça para o fundo da água. Após terminado seu mergulho, virou-se para mim, que de pé, ainda no mesmo lugar, sorria de seu engano: – Ainda não estou nesse estágio. Salto de pé, você sabe! – e saltei depois de um pequeno empaque. Sorrimos. Expliquei-lhe que não há naturalidade em meu salto. – Não há espontaneidade – ele falou. – Preciso pensar em tudo para saltar e ainda assim, sinto que estou robotizado, que estou mecânico demais, inflexível – falei. Tibério chegou e Germano trouxe-o para sua raia. Ficaram numa raia ao lado da minha.
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Ficaram os dois brincando de cachorrinho: Germano jogava um brinquedo de plástico no final da raia e fazia com que Tibério fosse buscar nadando. Tibério nada muito engraçado. Faz com os braços o que fazemos quando imitamos o voo das galinhas, das galinhas d’angola. Quis a ilusão que Monga visse Germano olhar pra ela. Quando ele dirigia-se a Tibério, muito suave e doce, numa linguagem mole, essa linguagem que usamos para os bebês, que é quase como uma linguagem de alcova, era para Monga que ele se mostrava. Fiquei tão feliz em lugar dela, mas meu Werther conteve a expressão, porque demonstrar aquela felicidade ali, era apenas cabível em Tibério. Meus olhos, de Don Juan ou Werther, os olhos de Monga, procuraram por vezes, encontrar os olhos dele, mas não os encontraram sequer uma vez. Chegaram mais dois alunos: uma senhora com olhos de bailarina, aqueles olhos de empáfia que ficam se desenvolvendo nas bailarinas, e de que elas não escapam. E uma moça que está aprendendo a nadar. Germano dando continuidade às ilusões de Monga, enquanto Tibério corria atrás do brinquedo que ele jogara ao final da raia, pulava para minha raia e, rapidamente, me demonstrava o nado estilo borboleta ou peito e, logo, voltava à raia de Tibério. Depois, fez-me nadar com umas plaquinhas de plástico presas às mãos que nos obrigam a braçadas mais fortes e melhoram o impulso. Até perguntou, sem sentido, quantos anos eu tinha. Minha aula terminou junto com a aula de Tibério. Ainda dentro da água, antes que eu saísse da piscina, num mergulho, olhei para a bunda musculosa de Germano sob a sunga ensopada d’água. Ele enxugava-se ao lado da arquibancada.
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Quando subi a escadinha que sai da piscina, ele de posse de sua bolsa e toalha, seguiu para o banheiro. Monga, trancafiada, começou a debater-se. No banheiro, Monga controlada pelo domador, ele perguntou se eu tinha gostado do treino. Conversamos sobre isso e sobre Tibério. Ele foi embora desejando-me bom final de semana. Enquanto eu pensava em Domicila, Monga, nua, deitou-se no chão e olhou para o teto da jaula, sonhadora...
19 de fevereiro de 2001 Deixei minhas coisas na arquibancada e pulei na piscina. Ainda pulo com um pouco de desajeito, mas estou pulando bem mais à vontade. Sinto que meu corpo está mais encaixado no movimento do pulo, por isso, adentra melhor na água, fura melhor a água, que por sua vez, submete-se a minha entrada, engolindo-me. Pulei na raia da fisioterapia que era a única vaga. Tibério com a mãe, que lia na arquibancada, esperavam pelo chamado de Germano para os exercícios. Germano tirou o largo calção e foi até eles. Ficou, ainda sem pular na água, conversando com a mãe do Tibério que ficou parado ali, lhe sorrindo. Então, pularam na raia da fisioterapia. Sunga amarela. Fui para outra raia que, coincidentemente, vagou. Germano estava lindo de sunga amarela, mas não olhei para ele. Só olhei uma vez, quando já dentro da raia, perguntou a Tibério: – Você está triste? – e fez pra ele aquela expressão de máscara de tragédia de teatro grego. Recomecei.
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Nadei, nadei. Quando terminei minha série de chegadas, passou-me um educativo de costas. E, quando indicou-me fazer os tiros, nadou comigo. – Está apostando? – perguntei resfolegando na chegada. – Só estou vendo o ritmo – ele disse. Tibério tinha saído da piscina e deu tchau quando foi embora com a mãe. Germano gritou-lhe alguma coisa. Terminamos. Pela primeira vez, fiz cinquenta chegadas, mil e quinhentos metros. No banheiro, o gomo suculento e grande do centro de gravidade de Germano. Tensão. Conversamos sem nos olhar de frente. Vim embora.
20 de fevereiro de 2001 Dia abafado de calor intercalado com chuvas desde a manhã. Germano estava dentro d’água. Fui o segundo a chegar. Pulei na água desajeitado. Logo chegaram todos. A senhora com olhos de empáfia, Jerson, a outra aluna e Troia com seus cabelos arrumados à moda das madames. Plotina e Lívia também chegaram. Lúcio terminou de atender ao jovem senil e começou com Seu Atenodoro. Germano animado – os professores sempre se animam com muitos alunos na piscina – subiu para a cabeceira e ficou orientando. Sunga preta.
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Nas primeiras aulas que deu, usou sempre calção enorme, da moda. É cruel não olhar escancaradamente para os rapazes lindos da piscina, para os volumes de músculos explodindo nas sungas molhadas. Com a piscina lotada, todos ficamos animados. Por isso, bati meu record. Lúcio gritou: – Essa é a piscina do carnaval! Troia disse que compraria maiô novo para fazer aula com Germano, mas estava de maiô velho. Numa hora em que coincidiu de chegarmos à borda juntos, perguntei pelo maiô. Ela disse: – Estou assumidíssima de maiô velho! Na minha raia, nadávamos eu, Jerson e Plotina. Germano pediu para que nadássemos em círculo no retângulo estreito da raia e que não nos atropelássemos. Ficou uma brincadeira... No rebuliço em que se tornou a piscina, Germano, no entusiasmo – achei isso muito esquisito – estava me tratando como a um colega de escola de quem nos sentimos superiores, mas com quem devemos manter boas relações, afinal, quem sabe um dia venhamos a precisar desse otário. Fazia comentários do tipo: – Grande Cláudio! – comentário que sem me foder, também não me saía de cima. Eu não estava gostando daquilo. Se, por acaso, ele mantiver esse tratamento, na primeira oportunidade deixarei claro que quero ser tratado como um igual. Grande é o caralho! Vim embora.
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21 de fevereiro de 2001 Germano, outra vez. Ele me sorriu muito aberto. – É definitivo, voltei! – ele disse – Vou ficar no lugar de Domicila. Pulei na água. A tirar pelo desajeito com que pulei, indicou-me três chegadas de crawl. Comecei. Em minha cabeça, na superfície da água, rolando de um para outro lado a cada três braçadas, para respirar, o corpo de Germano. Ele estava sentado na banqueta sob o rádio, à cabeceira da piscina que ia ficando pra trás. As pernas grossas, fortes, cabeludas, sunga vermelha, o jeito de olhar triste, olhos pretos, a impressão de um rapazinho doce, romântico, viril. Domicila vai embora. A piscina, agora, será definitivamente, um mundo masculino. Frente a esses rapazes, Germano, Petrônio, Lúcio, imediatamente, fico lançado a um mundo paralelo, sem país. Eu fico tentando um jeito, deve haver algum modo de sair, de entrar, fico perdido, confuso, muito burro em minha jaula. Deve haver um momento de doçura, de atrevimento, em que haja conforto no calor do peito, uma hora em que tendo seguido por um caminho estreito, eu consiga sair e entrar. Como foi com o homem bicho-grilo! Enquanto nado, devaneio. Todavia, ao final, a verdade, a moral da estória, tem sido que a piscina vai me fazendo encontrar um eixo, vou ganhando estabilidade física, me sentindo mais vivo e tudo. Durante o último inverno, com o racionamento de energia, a piscina passou a ser aquecida por uma máquina movida a óleo diesel. A máquina foi colocada sob a arquibancada, no corredor que leva aos banheiros e a água ficou melhor aquecida, melhor temperada,
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e a atmosfera da piscina ficou como a de uma indústria e tem um cheiro quente e pesado de óleo. A piscina é ainda uma gruta, tem o seu quê de sonho selvagem ainda e sempre, mas também é uma indústria. Deixei de usar a bengala, não apenas para vir nadar, mas para qualquer outra coisa que eu vá fazer fora de minha casa.Voltei a ser normal. Não gostava mesmo de ser claudicante. No inverno em que a piscina ficou, assim, industrial, o amigo Edu Lontra chamou-me para um passeio dominical, em Petrópolis. E fomos... Não sabia o motivo pelo qual, a piscina, assim, toda recortada de luz, nadar, lembra-me tanto a Casa de Petrópolis – as cortinas de seda grossa, as paredes folheadas a ouro, o assoalho com pequenos tacos de madeira alisada e cuidadosamente encaixados um no outro, a casa, uma joia do século XVIII – até quando me lembrei, nadando, que Eros tem seu palácio no fundo do oceano. Daí, que a piscina, nadar, mergulhar, ser engolido na água, voar ali banhado de luz, é como ir para Eros, para seu palácio no “eterno é” do oceano. Além do quê, vou ficando com o corpo mais enxuto, melhor acabado, homem de quarenta anos, Yokio Mishima, haraquiri. Eu dou essas braçadas é pra isso, para alcançar esse delírio submerso. Por isso é que a piscina é esse sonho. Na chuva, ontem, no centro da cidade, parei sob uma marquise, fechei meu guardachuva e olhei para o fundo dos prédios do outro lado da rua. Fiquei olhando para o esfumaçado de água da chuva caindo sobre a cidade e refletindo sobre como gosto de dias friorentos, de chuva fina e como acho tudo absurdo, quer dizer, é real, mas nada explica que eu estivesse ali na calçada com meu guarda-chuva e que a cidade fosse um fundo de lugar... Assim como nada explica que eu sonhe a piscina, que eu procure ainda ir mais fundo, onde desabrocham as flores do mar, lá, no jardim do castelo onde Eros dorme. E onde vou acordá-lo. Então, outras pessoas começaram a parar perto de mim.
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Uma mulher que parou, depois vi, que parou pra atravessar a rua. Um homem parou bem junto a mim e ficou vendo alguma coisa no celular. Eu fiquei pensando “não fosse a chuva, ali não era lugar de parar”, mas aí estávamos parando com normalidade, sem desconfiança e tal. E tudo é muito rápido, a manhã passa rapidíssimo e tudo. No meio da aula, Germano corrigiu o modo como eu vinha nadando costas. Conversamos. Na hora de ir embora, quando saía no corredor sob a arquibancada, vindo do banheiro para o corredor da portaria, Germano, os olhos tristes e pretos, veio me falar que ia haver uma pausa na natação para o carnaval. Então, deixei que Monga, Don Juan e Werther, com ternura, se entremostrassem num olhar profundo que trocamos para nos despedir. Vim embora.
22 de fevereiro de 2001 Último dia de natação antes do carnaval. Logo que cheguei, chegaram Plotina e Lívia. Está decidido com Germano que nunca farei menos que quarenta chegadas em suas aulas. Já havia começado, quando Plotina na raia ao lado, numa vez em que nossas chegadas coincidiram, gritou por mim como se eu não estivesse ali tão próximo, mas estivesse no lado oposto da piscina. Então, ela me disse num tom mais baixo, quando virei: – Você tem o telefone da Lucila? Jerson, o nissei, chegou. E, na cabeceira, ficou falando com Germano, mas falava de um
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jeito, o modo como se dispôs para falar, sua entonação e altura, falava para qualquer um. Perguntava por um Cláudio. Plotina, virando-se para mim, disse bem humorada: – Cláudio é você, esqueceu? Era um Cláudio instrutor de natação, que não cheguei a conhecer. Germano também não sabia, ninguém sabia. Recomecei a nadar. Enquanto faço os movimentos de nadar para me manter sempre à sua superfície, a qualidade física da água faz dela um deus pra mim, ora transformado em céu profundo que sobrevoo, ora transformada no fresco lençol de estrias luminosas desdobrando-se a me envolver e me iluminar. Um deus com qualidades em muito semelhantes às da terrível Monga presa em meu peito: ora Don Juan aprofundando-se na superfície imensa do céu, ora Werther submerso e tímido. Elucubrações à parte, a verdade é que os rapazes, a mulher da cadeira de rodas, Troia, a água, Monga, nesse meu diário, é o modo como faço a colcha de retalhos, o modo como desenvolvo o jogo Cama de Gato: Petrônio, Germano, Tito, Caio, Lúcio... meu balaio de gatos, como diria mamãe. Fiz quarenta chegadas. Vim embora.
1º de março de 2001 Troia veio me buscar em seu carro para irmos nadar. Na academia, antes que saltássemos do carro, ficamos desconfiados de que não haveria aula. E ficamos frustrados. Troia perguntou a uns operários pendurados na fachada, se a piscina estava funcionando. Sem entender o que respondiam, fomos saltando e alegrei-me,
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porque, justamente, quando saltávamos, vi Germano entrar apressado portão adentro, rápido como quem fugisse. Entramos. Vitória apareceu, o que mais confirmou tudo estar funcionando normalmente. Na cabeceira da piscina, Germano, sentado na banqueta sob o rádio, já conversava com aquela menina simpatissíssima, e dentro da piscina ela falava do carnaval. Havia alguém na banqueta, junto a Germano, mas não lembro quem. Em pé, ao lado, estava o fisioterapeuta lindo, Petrônio. Fiz sinal de tinindo para Germano, ao que ele respondeu com um “tudo bem!” tão afetivo e doce que fiquei confuso, quase atordoado. Monga deleitou-se em sua cela, iludida, pobre coitada. Parei ao lado e fiquei olhando a menina simpática falar do carnaval. Tínhamos que dar um tempo ali, porque Lúcio, ocupado em colocar Seu Atenodoro na água, atravancava o caminho para a arquibancada, onde a gente iria tirar a roupa e deixar nossas coisas. A manobra de Lúcio estava demorada, porque a água estava fria e ele precisava, antes de colocar nela Seu Atenodoro, ir molhando-o aos poucos, para aclimatá-lo. O aquecimento estava com problemas. A menina simpatissíssima virando-se para mim, perguntou: – E você, Márcio, como foi de carnaval? – Cláudio! – eu disse, achando-a não mais tão simpática. Nisso, o caminho destrancou-se e fui para a arquibancada tirar meu calção e deixar minha bolsa. Entramos n’água eu e Troia que só parou de reclamar da água depois que Germano inventou de brincar de competir quem chega por último. Ganhei, porque já consigo nadar curtindo, desafobado. E Troia devia estar achando a água fria o ó. Nisso, Tibério chegou.
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Ele e Germano entraram n’água. Pude ver a hora em que ele, ainda na arquibancada, livrou-se do calção muito largo. Sunga azul-celeste. Eu e Troia ficamos numa raia intermediária, entre as raias da fisioterapia, onde estava Seu Atenodoro com Lúcio e a raia onde Germano e Tibério brincavam. Não havia feito ainda minhas quarenta chegadas, quando a aula particular acabou. Germano foi para a cabeceira da piscina secar-se. Vi quando vestiu a bermuda e se foi. Vim embora. 2 de março de 2001 De novo, água gelada. Germano estava animado. Durante a aula e enquanto Tibério não chegava, orientava-nos da arquibancada. Então, ele se levantou e agachando-se para a senhora com olhos de empáfia, na cabeceira da raia, perguntou-lhe se não gostaria de receber algumas orientações. – Não. Prefiro ficar livre – ela disse. E virando-se para a parede dos holofotes, onde fica um relógio, pediu: – Veja as horas para mim? Sou míope, não enxergo... Tibério chegou e gritava por causa da água gelada. Quando eu ia saindo da piscina, Germano perguntou se eu tinha gostado de meu treino, hoje. Quando me virei para ele e enquanto dizia da água gelada, como no dia em que Monga o avistou entre as grades do portão de entrada, na portaria, surpreendi-me com sua juventude e masculinidade, com sua beleza. A espinha machucada perto do nariz havia melhorado, mas outras espinhas tinham se aberto nas bochechas.
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Germano é muito lindo! Vim embora. 5 de março de 2001 Quando entrei, Vitória, arrogante, conversando com a faxineira, não me deu boa-tarde. Germano, na raia da fisioterapia, orientava uma mulher que batia pernas enrolada ao macarrão de isopor. Após subir a rampa para a cabeceira da piscina e avistando-o, cumprimentei-o sorrindo. Antes, esse sorriso era dado para Vitória, mas ela, colocando-se no seu lugar de porteira, esnoba-me agora. Germano correspondeu ao meu sinal de tinindo com expressão tão séria que comecei a desconfiar de sua seriedade. Cumprimentei Jerson, o nissei, Renata, a menina muito simpática, e entrei na raia vaga, a raia do canto oposto à arquibancada, no canto da parede com os holofotes e o grande relógio redondo. Germano subiu para a cabeceira, sunga preta, as pernas fortes e cabeludas, corpo de homem que a doçura conforma. Comecei. Novamente a água gelada. Domicila chegou e ficou toda serelepe, pernas leves, magrela na arquibancada. Depois aquietou-se, sentada. A senhora da cadeira de rodas chegou. Petrônio que esperava na arquibancada desceu com ela para a piscina. O marido veio e ajudou. Olhos gordos de amor. A mulher da cadeira de rodas me faz muito bem, faz com que me sinta pertencer à piscina, ao ambiente dela, você sabe, esse pequeníssimo país isolado, fora dos outros. Fiz trinta e quatro chegadas. Conversei um pouco com Germano, quase como um camarada.
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Sorri profundamente com ele, de modo que Monga, Don Juan, Werther, pudessem ser o mesmo eu, pudessem vir à superfície, surgir à tona. Quando saí, Vitória respondeu-me ao tchau. 6 de março de 2001 Quando dei meu boa-tarde, Vitória falou pra mim: – É horrível quando voltamos da praia descascados, não é? Sorri e entrei. Germano instruía Katia, uma novata. Num canto da arquibancada, Lúcio conversava com seu auxiliar, enquanto esperavam por Seu Atenodoro. Fui até eles e conversei um pouco com Lúcio. Ele tinha se voltado para mim, muito masculino e todo disponível para ouvir-me. Fiquei tenso. Não sabia onde por as mãos. Coloquei a mão direita no quadril, enquanto dialogamos. Lúcio convidou-me para ir num bar onde aquele seu amigo, cover de Gilberto Gil, faria um show. – Dessa vez, vou sair de meu padrão. Vou ficar até mais tarde, vamos? Ficamos de combinar para irmos. Entrei na piscina. O aquecedor não foi consertado. Água gelada. Seu Atenodoro chegou. Lúcio e seu auxiliar colocaram-se n’água, após longa manobra para aclimatá-lo à água fria. Plotina chegou. Fiz quarenta e duas chegadas.
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Fui trocar a roupa. Quando entrei, Lúcio, desinibido, tirou a sunga. Aproximei-me e, muito nervoso, continuei a conversar sobre o assunto anterior, sobre o show de seu amigo cover. Não olhei para o que se mostrou no corpo pelado. Olhava para dentro de seus olhos, de modo que Monga pudesse apenas pressentir a grande sombra de masculinidade subitamente desprendida dos pelos de entre suas pernas. Ele me deu seu telefone, novamente. Boca incrivelmente rasgada no rosto, lábio grosso, dentes longos, olhos grandes... simpatissíssimo, extrovertido... Vesti minha bermuda e despedi-me. Esperei por Plotina na arquibancada. Lúcio apareceu. Olhamo-nos nos olhos, eu e ele. Ele se foi. Plotina trouxe-me em seu carro de ar condicionado até minha casa.
7 de março de 2001 Não sou novidade na piscina. Talvez, por isso, Vitória, se quando chego ou saio, está a conversar com alguém, não se importa mais em responder aos meus cumprimentos. Na piscina, Germano recebeu-me com camaradagem. Seu semblante abriu-se receptivo quando apareci. Tibério chegou com a babá rastafári e logo depois, ele e Germano desceram para a raia da fisioterapia. A babá saiu. Germano orientava Tibério que, coitado, é, obviamente, dentro de seu entendimento, livre. – Vá buscar, Tibério! – Germano ordenava após lançar o bichinho de borracha no final da piscina. E Tibério ia.
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Tibério voltou sorrindo, com o bichinho de plástico na mão, um sorriso pétreo e aquele olhar de quem espera reconhecimento. Mas, Germano não entendeu, porque acho que num momento de distração, não reparou. Fiz mil trezentos e vinte metros. Domicila chegou. Ela e Germano trocaram um beijinho de namorados à cabeceira d’água. Fui me trocar. Vitória, conversando, não respondeu ao meu tchau. Vim embora. 8 de março de 2001 Juntos, eu e Lúcio, no banheiro. Nus, tentei em vão aparentar tranquilidade. Engolia seco, a respiração desritmada, frases entrecortadas, raciocínio truncado. Ele, extrovertido, falava, falava... Vim embora.
9 de março de 2001 Já não me importa Vitória. Entrei. Na cabeceira da piscina, Germano. Domicila sentada ao seu lado nas pranchinhas sorriu para mim e me abraçou com saudade. Comecei. Logo chegaram Tibério e a moça rastafári. Não os olhei. Fiz quarenta e cinco chegadas.
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Pedi para que Germano me mostrasse seu nado de costas. Domicila ficou nas pranchinhas e ele desceu para a água. Mostrou. Vim embora. 12 de março de 2001 A fisionomia de Germano abriu-se receptiva quando subi a rampa. Ocupei a raia da fisioterapia. A água deliciosa, morna. Não levei óculos. Peguei emprestado na gaveta de sucatas. “Esperando na janela” tocou no rádio. A mulher da cadeira de rodas e Petrônio entraram na água. Vi quando Petrônio começou a treinar a senhora da cadeira de rodas a subir a escadinha de metal com apenas uma das pernas: – Arrebentou! – exclamei. Ao que eles sorriram. Olhos de amor... Vim embora.
13 de março de 2001 Água morna. No meio da aula, vi Lúcio com Seu Atenodoro aprisionado ternamente nos braços, contra a borda da piscina. Falava-lhe com tamanha doçura que eu, centro equivocado do mundo, achei que sua doçura tinha o propósito de me atingir. Um encantamento me tomou e me tornei abatido como Seu Atenodoro estava, fulminado, na cabeceira da água. Gilberto Gil tocou novamente no rádio.
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Lúcio disse que adorava. Lembrou-se de seu amigo cover e me chamou para assisti-lo. Fiz quarenta e quatro chegadas. Vim embora. 14 de março de 2001 Não fui nadar. Aniversário de Troia. Dei-lhe um cavalinho.
15 de março de 2001 Na rampa, cumprimentei Germano de longe. Entre uma manobra e outra para colocar Seu Atenodoro na água, Lúcio deu-me a mão para o cumprimento. Fiquei feliz. Diferente de Germano que se mantém à distância, dentro de sua armadura de rapaz sério, forjada pelo profissional, Lúcio vem misturar-se. Comecei. Fiz quarenta chegadas e vim embora. 16 de março de 2001 Germano nadava sozinho na piscina: – Achei que não viria ninguém e comecei a nadar. – Pode continuar – eu disse. Mas Germano saiu da água e sentou-se na banqueta sob o rádio, assumindo a posição de instrutor. Depois, chegou Tibério e ficamos
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os três na piscina. Pela primeira vez, sem que fosse uma iniciativa minha, Germano olhou-me nos olhos. Ele me procurou. Foi um cumprimento. Pensei ser o seu reconhecimento de que Monga existia comigo como presença na água. Tibério também não a ignorou. Virou-se em minha direção, estufou os peitos para a frente e começou a socá-los. Ficou assim um tempo, socando-se, enquanto me olhava, como se no fundo, fosse também um gorila e cumprimentasse Monga ou, se não, rivalizando-se com ela, marcasse território. – Que susto! – disse Germano após Tibério interromper os socos e distrair-se com outra coisa. Fiz quarenta chegadas. Quando terminei e fui para o banheiro trocar-me, ele entrou para mijar e saiu sem despedir-se. Vim embora.
21 de março de 2001 Solenemente, dei meu boa-tarde para Vitória e entrei. Na cabeceira da piscina, Germano sentado na banqueta sob o rádio, sorriu-me satisfeito. Sorri satisfeito também. Caio apareceu. Na arquibancada, Tibério e a mãe acabavam de chegar. Comecei. Fiz cinquenta chegadas, mil e quinhentos metros. Germano entrou com Tibério na água. Sungas pretas. Chegaram também a mulher da cadeira de rodas e o marido. Esperaram na arquibancada por Petrônio. Caio foi embora.
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Jerson, o nissei, chegou. A aula particular de Tibério e Germano, hoje, foi excepcionalmente curta e Germano voltou a instruir-nos da borda da piscina. Petrônio chegou. E, enquanto a senhora da cadeira de rodas era descida para a água, perguntei a Germano se ele sabia o significado do gesto de Tibério bater a socos nos próprios peitos, ontem: – Não sei. Acho que ele disse: é meu! É meu! Fiquei sem saber o que dizer. Recomecei a nadar, imediatamente. Não sei se Germano alcançou o mesmo pensamento que eu e, secretamente, está a se divertir. Vim embora. 22 de março de 2001 Fiz quarenta e sete chegadas, mil quatrocentos e dez metros. A piscina estava cheia. Troia foi. Está mais magra e triste. Reclamou do pé de pato. Estava lívida de cansaço. Careca, o homem bicho-grilo apareceu para sua aula avulsa. Não nos olhamos. Lúcio, depois de atender ao rapaz senil, subiu a escadinha de metal e ficou de pé, ao lado da arquibancada esperando por Seu Atenodoro. Estava com uma sunga enorme para seu tamanho e, molhada, murchou sobre seu corpo e sob ela surgia, pesado, seu centro imenso, com muitas ondas que se espraiavam, jogadas para o lado da perna esquerda. Sunga azul-celeste. Nadei. Nadei. Nadei e nadei.
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Monga comigo. Vim embora.
23 de março de 2001 Germano estava na portaria. Abri o portão gradeado e entrei. – Está vendo? Esse seu aluno nunca falta, é um exemplo! – Vitória falou. Sorri e fui para a piscina. Germano atrás. Comecei. Logo chegaram Tibério e a mãe. Germano, de dentro da piscina, instruía-nos ao mesmo tempo em que a Tibério. Cantamos parabéns para Tibério, foi aniversário dele por agora. Não falei com Germano. Olhei para suas espinhas machucadas. A aula de Tibério logo acabou. Ficamos apenas eu e Germano. Germano falou-me cheio de camaradagem: – Em uma hora e cinco minutos você fez, sem o pé de pato, cinquenta chegadas! Então, perguntei-lhe sobre algum livro que contasse a história da piscina. Ele não sabia. Domicila chegou. Fiz quarenta e cinco chegadas. Vim embora. 26 de março de 2001 Eu já estava nadando quando Germano chegou e sentou-se na banqueta sob o rádio para as instruções. Parei impressionado, pendurando-me na borda para olhá-lo. Distraído a intervir nas
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chegadas de Caio, na raia ao lado, Germano não me olhou. Lúcio estava na outra ponta da arquibancada, do outro lado da piscina a esperar sua paciente. A cada dia, mais se confirma minha impressão: Lúcio e Germano não se falam. A paciente de Lúcio chegou. Andaram pela raia como namorados que passeassem pela Quinta da Boa Vista. Falavam em inglês. Numa hora em que coincidimos chegar à borda juntos, eu disse: – Sua paciente, que fala inglês, voltou, Lúcio? – Não. O horário dela é de manhã. Hoje veio de tarde. Ela fala português também. – Mas, antigamente, era nesse horário – eu disse. E me liguei novamente na orientação de Germano, das chegadas. Domicila, pernas leves, joelhos melhores, em torno da piscina, chegou sorridente, afetuosa. Vim embora. 27 de março de 2001 Comecei com quinze chegadas de pé de pato e de palmar. Na raia ao lado, uma aluna nova. Germano, fora da piscina cheia do carnaval, nunca mais se dirigiu a mim como quem falasse com alguém de outra laia. Voltou a seu normal. Depois, doze chegadas de pernadas. – Isso é covardia. Nadar sem pé de pato e sem palmar e, ainda, só pernadas. – A intenção é essa – ele disse. Recomecei. Fiz outras séries de chegadas completando, ao todo, quarenta e cinco chegadas.
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No banheiro, Lúcio, seu ajudante e o rapaz de muletas. Falavam sobre um atleta do vôlei que é homossexual. Lúcio disse: – Não tenho nada contra homossexuais, mas fulano, desculpemme a má palavra, é muito escroto! Não olhei para ninguém. Vim embora.
28 de março de 2001 Fiz mil e quinhentos metros, cinquenta chegadas. Tenho desenvolvido a cada dia a capacidade de nadar devagar, com tranquilidade. Isso é muito difícil, porque o medo de afundar me faz querer acelerar, afobado. Germano incita-me a ser rápido, acha que nadar mais rápido é ultrapassar-me. – Vamos devagar – eu disse – se não, acabo não conseguindo manter-me nadando. Não quero sofrer. Tem que ser agradável. – Tá bom. Vamos devagar – ele disse. Nadei, nadei, nadei. Vim embora.
29 de março de 2001 Sorri para Germano e fui para a arquibancada deixar roupas e bolsa. De volta à cabeceira, ele me disse que andou ouvindo as músicas de Gilberto Gil, nos discos que fez pra mim. Perguntou: – Você já falou com ele? – Claro! – eu disse.
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Depois eu disse que a verdade é que só vi uma vez. – Por que? – Germano perguntou tão perto e tão íntimo, que suas espinhas, como flores, se abriram pra mim, viscosas, carnívoras, rosadas. Monga, forçando as grades, latejou-me no peito. – Paranoia – eu disse, e recomecei a nadar pensativo. Na próxima chegada eu disse que não fazia sentido eu ter medo do Gil, porque o ouço há muito, muito tempo. Desde quando estourou nas rádios, a música “Só quero um xodó”. Eu era um menino. Então, era especial pra mim. Estive uma única vez com ele, após um show, há pouco tempo, quando fui cumprimentá-lo no camarim. Ele foi muito simpático, falou comigo, como a um igual. Mas não entendi sobre o que falou... Germano sorriu, meio sem entender. Germano é tímido e, ao mesmo tempo, audaz. Se chego à borda para a próxima orientação de chegadas, ele está me esperando sem coragem para receber-me de frente, o que faz com que eu cresça em segurança. E quando, ele, para orientar-me, se decide e tem de me encarar, vem com força viril. E não tenho medo de sua masculinidade, que vem amaciada de ternura e docilidade. Eu amo sua masculinidade. Vim embora. 30 de março de 2001 Germano estava na raia da aluna nova, ajudando-a nos movimentos de nadar. Sorri para eles, sorri para Lúcio que colocava Seu Atenodoro n’água e deixei roupas e bolsas na arquibancada. Germano mandou eu entrar na raia de Jerson, o nissei. Entrei. A aluna novata foi embora. Passei para sua raia.
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Germano continuou na raia em que estava, quer dizer, na minha raia. Implicou com minha pernada de peito, a pernada que demorei meses aprendendo. Fez demonstrações. Dentro de mim, diante das pernas dele, flores se abriam, outra vez. Depois pegou em minhas pernas para explicar-me o movimento. As flores chamuscavam, queimavam, derretiam-se desaparecidas mais para o meu fundo. Para espairecer expliquei os choques que sinto no joelho esquerdo, quando faço a pernada de peito. – Isso pode não ter nada a ver com você mancar dessa perna – foi o que ele disse. Pediu que eu nadasse mais peito. Quando vi, já era hora de vir embora. As velhinhas e peruas da hidroginástica voltaram. Conversei mais com Germano na arquibancada. Com os dias se passando, ele voltava a ficar mais lindo. Fiz apenas vinte e seis chegadas. Vim embora. 2 de abril de 2001 Pulei na piscina. Todas as raias ocupadas. Comecei. Lúcio cuidava de Seu Atenodoro na raia da fisioterapia, perto da arquibancada, onde esperava a ajudante. Depois, Lúcio cuidou de uma senhora. Nadei como um profissional. Apenas me sentia desestimulado quando Germano me colocava para nadar peito, estilo que tem me dado choques no joelho esquerdo, quando dos solavancos das pernas para trás. O ombro direito, onde tenho o braço mais forte, também, às vezes, dói. Fiz quarenta e oito chegadas.
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Hoje, nadamos apenas eu e a aluna nova na piscina, uma jovem universitária. Germano colocou-me para demonstrar suas instruções. Sou um exemplo. Vim embora. 3 de abril de 2001 Sorri para Germano. Todas as raias ocupadas. Deixei as coisas na arquibancada e Germano indicou-me a raia de Jerson, o nissei. Pulei sentado. Jerson, com seu corpo estranhamente pouco definido para o bom nadador que é, usa sunga vermelha, agora. Pelo modo como olha para mim ao cumprimentar-me, não sei se gosta de mim. Às segundas-feiras, de um modo geral, não tem tido sessão fisioterápica, por isso, largo calção sobre a arquibancada, sunga amarela, Germano e Tibério brincavam na raia da fisioterapia. Comecei. Nossa raia, a minha e de Jerson, era imediata à de Germano e Tibério. A tendência é que façamos as primeiras braçadas com energia, mas estou aprendendo a dominar meu vigor e fazê-las com calma e tranquilidade, aproveitando mais a flutuação do corpo à flor d’água. Fiz quarenta e três chegadas. Domicila chegou para pegar Germano. Vim embora.
4 de abril de 2001 Germano estava de sunga amarela sentado na banqueta sob o rádio.
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Chamei-lhe para, dia 9, assistir ao cover do Gilberto Gil, amigo de Lúcio. Disse que se estiver por aqui, vai. Apareceu Domicila. Chamei. Ela ficou animada para ir. Disse que o único lugar que continua a ir à noite é, justamente, onde o cover de Gilberto Gil fará show, na praia. – Se eu for, você vai comigo – Germano falou. A aluna nova nadava. Chamei. Fiz quarenta e seis chegadas. Nadamos apenas eu e ela. Ah, é Suely, a senhora de nado autoritário. Vim embora.
5 de abril de 2001 Não fui.
6 de abril de 2001 Germano levou-nos bombons de Páscoa. Lúcio convidou a todos novamente para ver o cover de Gilberto Gil. Eu disse que estarei lá, claro. Germano, decidido, também vai. Conversamos. Germano perguntou se eu queria fazer quarenta chegadas livres ou se eu queria aula normal. – Aula normal – eu disse. E fiz quarenta e seis chegadas. Hoje, Tibério estava estranho. Numa hora, agarrou-se aos cabelos de Germano, que disse docemente: – Que coisa feia, Tibério! – e, à custo, tirou a mão dele de sua cabeça. Noutra vez, numa de minhas chegadas, estava pendurado à corda
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de minha raia com o sorriso parado, aberto, feito Monga empoleirada em jaula de zoológico. Fui o último a sair, quando as velhinhas da hidroginástica se juntavam na arquibancada. Hoje, por causa do feriadão da Semana Santa, as peruas não vieram. Nem Seu Atenodoro. Lúcio, em seu lugar, adiantou o atendimento de uma de suas senhoras. Quando Tibério saiu, Germano se colocou à frente da piscina e pediu às senhoras que entrassem na água para começar sua aula. Colocou a música de incendiar a piscina. Sob ela as labaredas começavam a arder. As senhorinhas muito felizes iam descendo uma a uma para dentro do fogo em que se tornara o deus água e se transformavam em chamas, incendiadas ao som da música americana, no rádio. Vim embora.
9 de abril de 2001 Fiz cinquenta chegadas. Todas as raias ocupadas: o moço débil, a jovem universitária, Jerson, Suely e eu. Olhei para Suely, a mulher que nada autoritário. Queria perceber quantos anos tinha, porque, uma vez, Germano brincando com Domicila, disse: – Suely, Domicila ficou triste ao saber de sua idade! Olhei para Suely. Pele de madame no rosto de olhos azuis. Está em outro país. Deve ter quarenta e cinco anos, imaginei. Entretanto, para que Germano brincasse, é provável que tenha mais. Germano estava animado com a piscina cheia. Nas vezes em que ia me dar as instruções, ficava mais doce. Pensei que sua doçura, como uma timidez, fosse porque eu, sendo um cara mais velho, o deixasse sem jeito para me dar ordens incisivas.
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Também pensei na suposição – e isso era a Monga se imiscuindo em minha cabeça – de que ele, tendo entrevisto que eu pularia na piscina negra de seus olhos, gentil, tenha se suavizado. Foi colocada mais água na piscina quase até à borda. As cordas que delimitam as raias, suspensas ao máximo, curvavam-se para o alto, dando a impressão de uma piscina inflada, prestes a explodir. – A piscina hoje está boa para nadar – Germano disse. – A água está selvagem – eu disse. Comecei. Germano podia ser meu namorado... Domicila veio. Fui.
10 de abril de 2001 Ontem, show do cover do Gil. Hoje, não fui nadar.
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Diário da piscina de Luís Capucho, editado por Júlia Rocha, revisado por Isabel Ramos Monteiro e João Reynaldo, diagramado por Filipe dos Santos Barrocas. Tiragem de 300 exemplares impressa na gráfica Cinelândia com fonte Calluna e papéis Avena 80 gr e Marcatto Smussare 250 gr. ISBN 978-85-922095-1-3
É selo de língua | e.seloeditora@gmail.com São Paulo, 2017.
Natural de Cachoeiro do Itapemirim, Espírito Santo, Luís Capucho nasceu em 1962. Estudou Letras na Universidade Federal Fluminense e é autor dos livros Cinema Orly (Interlúdio, 1999), Prêmio Arco-íris dos Direitos Humanos em 2005, Rato (Rocco, 2007) e Mamãe me Adora (Edições da Madrugada, 2012). Também é autor dos discos Lua Singela (Astronauta Discos, 2003), Cinema Íris (Selo Multifoco, 2013), Antigo (Independente, 2013) e Poema Maldito (Independente, 2014). Assina uma série de telas sob o nome de As Vizinhas de Trás. A obra literária de Luís Capucho é ganhadora da medalha José Cândido de Carvalho em 2016, oferecida pela Câmara Municipal da cidade de Niterói, por sua contribuição à identidade e direitos da população LGBTs.