Engenhos, roças e mato. Ecologia e câmbio climático na geografia de Francisco Tenreiro

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clima, como a geração de umidade e o incremento do regime de chuvas, próprio do clima equatorial temperado. Mas note-se que se trata de abandonos em determinados períodos históricos e não da efetividade de regulamentos. Tenreiro não falou nunca em termos explícitos de desenvolvimento, e menos ainda de desenvolvimento sustentável, mas com certeza, com outras palavras estava a falar de sustentabilizar o regime agrícola da ilha de São Tomé, pois da conservação dos fatores de produção, intimamente ligados à conservação da fertilidade da terra, se devia a manutenção da sociedade insular, que já nessa altura apresentava sinais de um despertar demográfico, mesmo superior ao observado na ilha maior do arquipélago guineense. Com certeza, as soluções possíveis ao desenvolvimento social (mesmo no rompimento na teoria do sistema de classes) tinham simultaneamente que atender a uma exploração agrícola inteligente, reconstitutiva, cíclica, que permitisse ao máximo o trabalho da terra sem ocupar mais solos a costa do obô. Mas ele devia saber que essas palavras haveriam de ter pouca repercussão na prática, pois trás a publicação de estudos e campanhas insistentes para a adoção de métodos modernos, os roceiros tinham optado principalmente pela ocupação de mais terras pelo método tradicional de roça. O resultado, pois, era, de fato, a irreversibilidade da tendência. Com tudo, os tempos mudaram com o clima, e as consequências que Tenreiro relatava para o regime climático da ilha de São Tomé estão agora a ter ligação com os efeitos na escala mundial, relacionados com a globalização de outras esferas humanas, como a extensão do sistema economia-mundo à prática totalidade das relações de mercado e, simultaneamente aos estragos perpetrados à natureza por causa da extração mineral, e, também, como Tenreiro intuía para São Tomé, ao crescimento demográfico, à extensão da agricultura intensiva e industrial (também globalizada, e que também afeta hoje à ilha, talvez agora com inusitada força), à irrupção de modelos turísticos exportados, indiferenciados (às vezes pouco respeitosos com o ambiente), e ao expoente crescimento das aglomerações urbanas, não sempre ordenadas nem sustentáveis.

Bibliografia recorrente CAMPOS, Ezequiel de, A ilha de São Tomé, Lisboa, 1908. CAMPOS, Ezequiel de, “A ilha de São Tomé antiga e actual”, in Revista de Estudos Ultramarinos”, vol. V, fasc, 1-3, Lisboa, 1955, pp. 199-231. LAINS E SILVA, Hélder, São Tomé e Príncipe e a cultura do café, Lisboa, Junta de Investigações de Ultramar, 1958, 501 pp. + anexos + mapas. MANTERO, Francisco (1910), A mão de obra em São Tomé e Príncipe, Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1954 (versão fac-símile), 437 pp.


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