Revista Santarém Digital #5

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férias. Brincadeiras à parte, mesmo que eu não quisesse, e quero, Portugal faz sempre parte de mim. Não se pode apagar a história, a nossa história. E para onde quer que eu vá, esta portugalidade vem comigo. Agora, voltar a Portugal numa versão definitiva, sinceramente nunca foi uma ideia que me seduzisse. A Seda seguramente ficaria encantada, mas eu ficaria sempre com uma sensação de vazio. Aquela sensação de que há algo mais por ver, algo mais por descobrir. Não que não haja algo novo por descobrir no nosso Portugal, sempre e felizmente o haverá, porém, tudo se enquadra numa moldura conhecida, onde tudo se encaixa, onde tudo se compreende perfeitamente. Em Portugal não tenho de me esforçar para compreender as nossas idiossincrasia, não tenho de me esforçar para compreender as mais subtis vicissitudes da nossa língua, ou quase qualquer outro detalhe. Mas haveria sempre de me faltar algo. Contudo, o que não me faltaria seria a possibilidade de estar perto de todos aqueles que sempre me estão próximos. Será talvez esse o único ponto que me faça por vezes duvidar da minha descrição de Portugal como “somente” um óptimo destino de férias. A minha família, os meus amigos. Mesmo passando, por vezes, meses sem receberem um contacto da minha parte, fazem sempre parte do meu espírito. Onde quer que esteja, por onde quer que passe. E também por isso faço questão de passar por Portugal, pelo menos, uma vez por ano, para matar essas saudades. Dito isto, e apesar do meu contentamento na Turquia, da minha sintonia com o boémio e vivo bairro de Besiktas, com as minhas novas responsabilidades que implicam diversas viagens semanais, quem sabe o que o futuro nos reserva? Quem sabe onde se desenrolarão novas aventuras?

De que mais sente saudades de Portugal? Correndo o risco de soar a cliché, e de repetir o exposto na resposta anterior, as minhas maiores saudades de Portugal centram-se precisamente na minha família e nos meus amigos. É normal, creio. Todos aqueles que de uma forma ou de outra estão marcados na minha história e cuja falta se me assalta

todos os dias. Todos aqueles que contribuíram para que manhã de sábado, eu estivesse precisamente aqui à janela, ao sol de inverno de Besiktas, de portátil em punho, a responder ao desafio de um meus mais antigos amigos, a quem conheço quase desde o berço. Se há algo que me faz falta é passar tempo com “a minha gente”, a debater “o estado a que isto chegou”, como diria o grande capitão Salgueiro Maia, a discutir o mundo, a discorrermos sobre futebol e outras artes, a traçar planos de viagens futuras enquanto regamos um belo bacalhau com um vinho ribatejano ou alentejano, a brincar com as crianças entretanto nascidas, ou simplesmente a interrogar os caminhos a vida que se nos apresentará. Talvez, considerando todos esses cenários, mais que saudades de Portugal, sinto saudades em Portugal. Sinto saudades do Portugal onde se acreditava, como bem o espelha o preâmbulo da constituição de 1976, na construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno. O que sinto, na minha passagem anual por Portugal, é a infeliz confirmação das notícias que me traz o vento que passa, a confirmação de que ano após ano, a nossa geração, a geração dos nossos pais ou a dos pais dos nossos pais, gerações que sonharam com Abril, se desiludem com o rumo dos eventos e também à sua maneira sofrem com saudades de um Portugal que já não é. Sinto em Portugal saudades de um tempo em que se sonhava, em que se esperava, em que se acreditava, em que se resistia. “Mesmo na noite mais triste em tempo de servidão”, dizia Manuel Alegre. Sinto saudades do meu Portugal alegre. E quanto a este Portugal, ao meu Portugal, dele ecoam constante e incessantemente as minhas gentes, a minha história, a minha língua, os meus livros, os meus sonhos e memórias, as minhas comidas, as minhas bebidas, os meus doces, as minhas serenas areias sob as vagas do Atlântico, o meu sol constante, e, talvez exibindo a minha faceta mais emigrante, as camisolas berrantes do meu Benfica. Um sentidíssimo abraço.

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