John stott ouça o espírito ouça o mundo

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buscam harmonia global. Por criação de Deus, nós somos um único povo no mundo. Deveríamos estar comprometidos com a promoção da paz internacional, com a democracia participativa, com os direitos humanos, as relações comunitárias, a responsabilidade ambiental e a busca por uma nova ordem económica internacional. Além disso, os povos de diferentes raças e religiões podem, deveriam e na verdade cooperam nessas modalidades de testemunho e ação social. Para fazê-lo, no entanto, não precisamos renunciar à nossa convicção quanto à singularidade de Jesus Cristo. Seria tolice buscar unidade à custa da verdade, ou reconciliação sem Cristo como Mediador. Além do mais, Cristo (inevitavelmente!) divide as pessoas, como também as une. Ele disse que tinha vindo não "para trazer a paz, mas espada".637 Ele previu que, à medida que as pessoas se colocassem ao seu lado ou a favor dele, viriam conflitos. Em segundo lugar temos o novo gosto pelas outras religiões. Os meios modernos de comunicação (especialmente a televisão e as viagens) fizeram o mundo encolher. Povos de crenças e costumes estranhos, que até aqui estavam muito distantes de nós, agora vivem do nosso lado, ou melhor, até mesmo entram em nossos lares — através da tela, quando não o fazem pessoalmente. É "uma realidade recente e experimentada por muitos hoje".638 Os livros sagrados de outras religiões, traduzidos para as nossas línguas, encontram-se à disposição de qualquer um. E à medida que vamos nos familiarizando mais com as religiões do mundo, aquilo que o professor John Hick chama de o "imenso cabedal espiritual" deles "tende a erodir a plausibilidade do velho exclusivismo cristão".639 Além do mais, certas crenças antigas têm dado sinais de ressurgimento justamente quando se percebe que o cristianismo, em declínio no Ocidente, "não tem conseguido quebrar o poder das grandes religiões históricas".640 Nós deveríamos ficar felizes com o conhecimento mais profundo que se tem hoje sobre as religiões mundiais, inclusive através do estudo comparativo de religiões nas escolas. Mas, se é verdade que descobrimos "riquezas" em outras religiões, nós também discernimos com mais clareza a absoluta singularidade de Jesus Cristo, como veremos mais adiante. "Fazer afirmações exclusivistas em favor de nossa própria tradição", escreve Stanley Samartha, "não é a melhor maneira de amar o nosso próximo como a nós mesmos."641 Pelo contrário, eu diria: é a melhor forma, e a mais sublime, de expressar amor ao próximo, se é que o evangelho é a verdade. Se ele é verdadeiro, nós não podemos dizer que amamos o nosso próximo se o deixarmos permanecer ignorante quanto à pessoa de Cristo. Quanto à vitalidade de outras religiões, bem como o comparativo fracasso do cristianismo, estas coisas deveriam levar-nos, não a concluir que o evangelho não é verdadeiro, mas, sim, a examinarmos a nós mesmos e, consequentemente, a nos arrependermos e mudarmos de vida, adotando melhores 635 Esta

é uma possível posição descrita por Raimundo Panikkar em sua contribuição dada em The Myth of Christian Uniqueness, p. 91. Samartha, em The Myth of Christian Uniqueness, pp. 79—80 637 Mt 10.34 638 Paul F. Knitter, No Other Name? (SCM, 1985), p. 2 639 The Myth of Christian Uniqueness, p. 17. 640 Rosemary Radford Ruether in The Myth of Christian Uniqueness, p. 139 641 Ibid., p. 76 636 Stanley J.

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formas de compartilhar as boas novas com os outros. Temos, em terceiro lugar, a nova modéstia pós-colonial. Por quatro séculos o Ocidente dominou o mundo em termos políticos, militares, econômicos e científicos, pressupondo tambem ser moral e espiritualmente superior aos outros. Com efeito, "a atitude do Cristianismo em relação a outras religiões tem sido moldada pela mentalidade colonial".642 No entanto, o fim da Segunda Guerra Mundial anunciou o fim da era colonial. A medida que o Ocidente passava por uma profunda reviravolta cultural, "de uma posição de evidente superioridade para uma de mera paridade", deu-se uma mudança paralela, no que tange à consciência teológica. "Essa dramática situação levou forçosamente a... uma nova compreensão quanto aos inter-relacionamentos das religiões, um novo equilíbrio de poder espiritual, por assim dizer, sobre tudo", escreve o professor Langdon Gilkey. Ela nos fez sair de uma situação de "superioridade" para outra, de "paridade". 643 Portanto, afirma-se, continuar declarando a universalidade cristã é cair no erro da velha mentalidade imperialista. Para nós, do Ocidente, é deveras embaraçoso ter de reconhecer que, durante todos estes séculos de expansão colonial, conquista territorial e espiritual, política e religião, armas e a Bíblia, a bandeira e a cruz, andaram de mãos dadas, e que repetidas vezes representantes do poder imperial desenvolveram atitudes de orgulhosa superioridade com relação àqueles que eles governavam. Mas "superioridade" é uma palavra enganosa. Ela pode evidenciar uma insuportável prepotência — e nós precisamos nos arrepender de todo vestígio disso. Mas o esforço missionário dos cristãos ao tentarem ganhar para Cristo adeptos de outras religiões não é, em si mesmo, uma marca de arrogância; indica, pelo contrário, uma profunda e humilde convicção de que o evangelho é superior a outras crenças, por ser ele a verdade revelada de Deus. A atração do pluralismo, todavia, vai além de uma preocupação com a harmonia global, uma apreciação pelas outras religiões e uma busca por modéstia pós-colonial. Ela tem raízes muito mais profundas, analisadas pelos doze autores que deram sua contribuição ao livro O Mito da Unicidade Cristã (The Myth of Christian

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