[ dentro da garçonnière de Carlo Mollino ]

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CASA DE LUXE_paradigmas do luxo arquitectónico

02.8

InTimidade e desejo: «arQUITECTURA da PERSUASÃO» dentro da garçonnière de Carlo Mollino Arquitecto invulgar afastado dos grandes palcos da Arquitectura Moderna pelo mesmo motivo pelo qual é hoje celebrado, Carlo Mollino deixaria nos seus projectos particulares a marca de uma teatralidade única enquadrada pelo que parece ser o retorno de um género arquitectónico reprimido à nascença: um modernismo erótico, que apenas parece encontrar uma referência ténue na obra de Adolf Loos - pensemos por exemplo no projecto idílico da casa para a corista Josephine Baker. Um imaginário erótico é permeado pelo corpo de trabalho de Mollino, desde objectos utilitários que devem aludir supostamente a uma idealizada anatomia feminina, passando pela decoração e culminando na Arquitectura, área onde se misturam todos os seus restantes interesses, em particular a fotografia. Sem surpresa esta pessoa exagerada deixaria para trás também o seu próprio inventário perverso erótico: aproximadamente dois milhares de fotografias de nus femininos, na sua maioria Polaroids, tiradas em interiores e em mobiliário do seu próprio desenho desde os anos 50 até ao fim da sua vida em 1973, guardadas meticulosamente na sua “casa-mausoléu” em Turim, e só descobertas post mortem. O erotismo, o principal leitmotiv do desenho interior de Carlo Mollino, seria concretizado e representado (actuado) precisamente num novo tipo de espaço doméstico, o mesmo onde seriam tiradas a maioria das suas fotografias perversas: os ambientes recreativos e estritamente privados de Mollino chamados “garçonnières” - grosseiramente “quartos de solteiro” - que funcionavam simultaneamente como estúdio ideal para as sessões de fotografia erótica e laboratório experimental de panos de fundo, cortinas deslizantes, objectos de fetiche, espelhos, mecanismos de trompel’oeil e outros dispositivos de luz e de som, incluindo música, usados para criar uma “arquitectura da persuasão”, como tem vindo a ser designada a arquitectura interior de Mollino por comparação com a arquitectura que Morris Lapidus1 haveria de formular em teoria e aplicar nos anos 60. Descrições e ilustrações de alguns desses espaços destinados ao uso pessoal seriam publicadas. As garçonnières mais recentes, por outro lado, realizadas nos anos 50 e 60 e nas quais a decoração interior atinge a sua forma mais arrojada, não receberam publicidade e representam a fase extrema de uma linha de investigação para a qual a sua prática profissional regular não proporcionava saídas. Estes espaços permanecem sobretudo nas fotografias, em que servem de cenário, como um conjunto de fragmentos difíceis de montar, o que em certo sentido só aguça a imaginação e enfatiza o carácter algo “novelesco” (novelesco por oposição à realidade trivial) que respiram as obras de Mollino.

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1. Morris Lapidus (1902-2001) foi um arquitecto californiano que ficou conhecido pelos seus hotéis curvilíneos e berrantes de inspiração neo-barroca que ajudariam a definir o estilo dos resort hotéis de Miami nos anos 60. Morris Lapidus apelidaria o seu género arquitectónico particular de “arquitectura da persuasão”. Para mais informações consulte-se a autobiografia do autor: Lapidus, Morris; Too Much Is Never Enough; Rizzoli; 1996.

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