O 3 travesseiro

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É isso mesmo, Carlos. Até o Marcus está com vergonha. Então eu disse: Eu não tenho vergonha dos meus sentimentos. O que me faz sentir meio estranho é agir assim na frente de outras pessoas. Aliás, Renato, se os seus pais estivessem aqui, com certeza eu ainda não estaria preparado e acho que nem eles. Todos concordaram comigo e, a partir daí, o clima não ficou tão tenso como no início.

Capítulo 11 Na semana logo após o Natal, agitamos com os nossos pais uma viagem para o litoral norte de São Paulo. Eu e Renato queríamos passar o Ano Novo sozinhos num hotel. Mas para isso precisaríamos de grana, e eu não queria mexer na minha poupança novamente. Também minha mãe teria que deixar o carro dela com a gente. No início, eles hesitaram um pouco. Primeiro disseram que os meus avós ficariam chateados. Depois, que não conseguiríamos reservas num hotel em cima da hora. E, por último, como faríamos no hotel para que ninguém percebesse nada? Respondi a eles que nós ficaríamos num apartamento com duas camas de solteiro, ou seja, dois amigos passando o Ano Novo juntos. Disse, também que já havíamos feito contato com um hotel em Boiçucanga, e que ainda era possível reservar um apartamento pagando um pouco a mais pela diária. Na verdade esse 'um pouco a mais' representava quase o dobro da diária, mas achei melhor não contar nada a eles. Antecipando-se a meu pai, minha mãe disse: Você pensou em tudo, não é Marcus? E quanto aos seus avós? Você sabe que eles gostam de ver a família toda reunida em Jundiaí para a passagem de ano. Meu pai quase não deixou minha mãe terminar de falar dizendo que o problema é com o seu Francesco eles resolveriam. Percebi que ela ficou surpresa com a atitude dele. Acho que era a primeira vez que meu pai não estava ligando muito para o que meu avô iria pensar. Antes de sair da sala, ela disse que eu poderia fazer as reservas e depois dissesse a ele quanto em dinheiro iria precisar. Meio inconformada com a decisão do meu pai, minha mãe subiu as escadas logo atrás dele, mas esperou que chegasse à suíte para questioná-lo. Eu também subi e, com o ouvido na porta, escutei o que eles diziam: Ana, nós sabemos que o problema maior não é o seu pai. Nada na vida é eterno. Este ano é o Marcus que não poderá estar presente na festa. No ano que vem, poderá ser outra pessoa, e assim a vida continua. Eu mesmo me encarrego de inventar uma história qualquer para o seu Francesco. Sei que você está certo, Giorgio. Mas me incomoda saber que o nosso filho, que só tem dezesseis anos, vai ficar com um rapaz alguns dias num hotel. Já parou para pensar no que pode acontecer? Ligeiramente alterado, mas com a voz firme, meu pai disse: É óbvio que já pensei, Ana. Só que é impossível querer controlar uma situação como essa. É como tentar impedir que as ondas se quebrem na praia. No fundo, Ana, estou tentando ser digno dentro da lama. Minha mãe suspirou fundo, e meu pai continuou a falar: Outra coisa, Ana. O Marcus já vai fazer dezessete anos e o rapaz com quem ele vai viajar tem nome, tem família e estuda no mesmo colégio. E você acha que isso é suficiente para atestar a conduta do Marcus? Eu não estou entendendo você, Giorgio! Pelo tom de voz de meu pai, eles já estavam a ponto de discutirem: Ana! Quando você vai entender de uma vez por todas que não somos nós que definimos a tendência sexual do nosso filho? Se fosse assim, eu diria: 'Marcus, a partir de agora, você gosta de mulher' e pronto, como num passe de mágica tudo estaria resolvido. Por alguns minutos, silêncio absoluto no quarto. Ana, não sei se estou decidindo certo ou errado, mas sei que prender o Marcus dentro de casa não vai adiantar nada. Já falei que estou tentando ser digno dentro da lama. Outra coisa, Ana, prefiro não pensar muito no que eles fazem, mas com certeza alguma coisa já deve ter acontecido. Ou você acha que não?


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