O Clube

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foi quando algo caiu em seu colo: a cabeça de Janice! O grito de pavor foi abafado pela mordaça, e os pequenos vasos sanguíneos dos olhos se encheram como se fossem explodir! A cabeça de Janice! Ali, em seu colo! Sua mente agora estava desfigurada pelo horror, e o medo congelava seu sangue a ponto de sentir que iria desmaiar. A voz de Kanova então soou como o sibilar do machado de um carrasco – Sim, você estava certo, sou um canibal. O que você leu em meu livro é a mais pura e cristalina verdade, e agora, vai fazer o que? Você é um apêndice, Enzo. É algo inútil. Como pode olhar assim para a cabeça em seu colo? Esse pavor em seus olhos... você é uma ovelha, Enzo Caio, uma ovelha! Ovelhas não devem subir a montanha... o topo da montanha é o mirante do lobo! É lá que ele escolhe suas vítimas. É a Natureza, amigo, fazer o que? A ovelha quando chega ao topo apenas olha para baixo para enaltecer a homogeneização do rebanho, nada mais. Mas não o lobo solitário e faminto. Hehe... a carne, Enzo... a carne... Ah, sim, Janice... lhe diria que a carne não é boa. Sou um purista e essa mulher já estava muito calejada por uma vida difícil, acho que o abuso de drogas estragou o gosto. O problema do antropófago é que ele degusta o histórico de vida da vítima, e muitas vezes isso não é bom. Não é à toa que os antigos guerreiros de certas tribos devoravam seus oponentes, estes honrados e corajosos, para se apossarem do poder do morto. Existe um simbolismo aí; não, não, comigo não, quero apenas o prazer, mas, convenhamos que às vezes o sangue envenenado altera o delicado sabor da iguaria. Quando devoramos a carne humana entramos numa espécie de êxtase, algo entre o erótico e o xamânico, entramos em um estado alterado de percepção, algo vedado aos demais mortais, um gozo mudo e demoníaco; somos assolados por uma sensação de poder e luxúria que jamais poderia encontrar paralelo em nada que exista. Devoramos a carne da vítima, mas não sem um ritual de respeito, pois aquele alimento andava pelas ruas, tinha seus afazeres, vivia, enfim. Sim, respeito... e a melhor maneira de fazermos isso é degustá-la com volúpia, quase com desespero... hmmm, estou ficando com fome, hehe... Sabe, tenho pensado cá com meus botões: devo jantar você? Ora, por que não? Levou uma vida de lesma, a carne é tenra, seu caracol nunca pesou. – Kanova aproximou-se da vítima e ao cruzar por trás da cadeira passou a mão com suavidade pelo pescoço de Enzo que se debateu em desespero – Ora, é a primeira vez que alerto minha comida, de que logo mais estará em meu prato tendo seu gosto amenizado com limão. Lembrarei desta nossa conversa e me excitarei muito, devo esse respeito a você, fique tranqüilo, não sou um monstro, escolherei um vinho à altura para harmonizar. – o rapaz debatia-se, tinha a cabeça da mulher no colo juntamente com seu livro, e encarava o homem com uma agressividade mortal – Hmmm, mas o que é isso? - surpreendeu-se Kanova. A vítima não era mais vítima. Agora, estático, Enzo encarava o canibal com tamanha acuidade e ódio nos olhos, que o veterano sentiu aquele olhar como um raio incômodo. – Ora, ora, o que temos aqui? Temos a chegada do lobo! Agora sou vítima de seu pensamento mortal, agora sua imaginação me decepa e chupa meu sangue profano feito um morcego assassino. Seja bem-vindo lobo! Hehe... que pena, rapaz, não poderei devorálo pois lobo não come lobo! Mas, não fique tão contente; lobo não gosta de concorrência, sou um lobo solitário, é melhor agir assim. Sim, pelo menos você deve morrer, não tem remédio. Dentes caninos não gostam de outros dentes caninos por perto, certo, amigo? Terei de me conformar a continuar comendo sua amiga puta, fazer o quê? Hehe... Sim, meu caro, a anatomia do corpo de uma mulher pode ser muito generosa com nosso paladar, mesmo que seu sangue não nos convenha. São os contratempos de um gourmet, paciência. – Enzo fitou a cabeça em seu colo, seu sangue fervia, uma excitação estranha e diabólica assumia seu corpo. A cabeça da mulher tinha a boca entreaberta e os olhos fechados; seu 61


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