Campos de desabrigados

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162 Campos de Desabrigados – a continuidade do desastre

de que o desastre é algo natural e não-político. Desse modo, a desigualdade estruturalmente dada não é concebida como um desastre, tampouco as condições de pobreza. E, assim, a cada ano, avolumam-se os que são desterritorializados, mas a comoção, a dor e a compaixão que lhes são dirigidas a partir da divulgação pela mídia, no momento do impacto das chuvas, tendem “à mudez e, embora possam produzir sons, não produzem fala e, certamente, tampouco diálogo”, isto é, reafirmam a vivência em tempos sombrios. Os campos de desabrigados são espacializações do estado de exceção que não ganham visibilidade como continuidade do desastre. Tais multiterritórios precários confinam e invisibilizam um conjunto de violências e sofrimentos sociais que não mobilizam a sociedade para um outro olhar acerca das tragédias que continuam a ocorrer e se replicar pelo país. A humanidade está em risco quando não existe uma sociedade disposta a lutar pela dignidade e segurança humana dos que são expostos a condições degradantes e se deparam com a ameaça constante da perda de ter direito a ter direitos. Multiplicam-se, para alguns, as chances de morte biológica e social diante de processos de vulnerabilização cada vez mais intensos que tendem a ampliar a vivência prolongada em desastres, sem que se questione as raízes profundas das crises sociais negligenciadas.


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