Investigación Feminista y Universidad

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Palavra-pedra da consciência negralesbofeminista: Ellen Oléria, escrita contra-hegemônica e formas outras de existência responsabilizadas por educar pessoas brancas quanto a nossa humanidade. Das mulheres se espera que eduquem os homens. Das lésbicas e gays que eduquem o mundo heterossexual. Os opressores conservam sua posição e se esquivam da responsabilidade por seus próprios atos. Há uma drenagem constante de energia que poderia ser melhor usada em nos redefinir e planejar histórias realistas para alterar o presente e construir o futuro . (Lorde, 1984: ??)

Assim, me surge óbvio que, além da identidade elaboração-de-si em termos de disputa (com outras identidades), a elaboração das identidades hegemônicas é colonizadora mesmo ao apresentar alguma disposição de reavaliar seus caminhos e estar no mundo. Se entendemos racismo, sexismo e lesbofobia (heterossexismo) como silenciadores de determinadas vozes a serviço da cultura de hiper-reverberação de outras, entendamos: a tarefa de sensibilização de opressores ser exclusivamente de oprimid@s é colonizadora, na qual uma existência está a serviço da outra inclusive quando ambas se propõem questionar os termos da servidão. E nós, oprimid@s, é que temos que gritar cada vez mais alto: nunca o opressor se silenciar ou criar novas escutas para nossas antigas vozes. Em antiga poesia, Oléria diz: “eu tenho mais palavra da boca escorrendo”, que o outro “finge que tá junto” enquanto ela continua escrevendo. Sugere empatia como um movimento que vá além da mera aproximação, do estar perto. Seu “continuo escrevendo” faz outra ponte até Anzaldua, agora sobre a escrita de si mesma como condição de uma representatividade menos outrizante, mais protagonizada. Que rompa os termos discursivos da servidão, entendida de forma ampla como existência a serviço do outro. Em “não vou ficar dando de bandeja” a metáfora de servidão é significativa. Cremos que nossa linguagem é simbólica: as palavras não fazem referência imediata a coisas, mas a idéias que temos sobre coisas. Assim, a metáfora não é mero recurso estilístico, e sim arquiteta a apreensão mesma dos significados e sua representação. “Dar de bandeja” remete imediatamente a criada, serviçal: mordomo, garçonete, garçom. Explicita as raízes do termo popular, que geralmente expressa dar algo gratuitamente, sem que outrem se 12 esforce para receber . Numa sociedade de classes inauguradas por um sistema escravagista de exploração da mão-de-obra negra (num primeiro momento escravizada, e posteriormente mal remunerada), as raízes de “dar de bandeja” ressignificam uma herança colonial insistente: a que se refere ao trabalho doméstico no Brasil. As amas coloniais tornam-se as secretárias do lar, tornando outras vidas mais fáceis com a precarização de suas próprias vidas13. María Lugones, filósofa feminista indígena, educadora popular, escreve sobre essa herança colonial como uma modernizada, definindo o sistema de opressão de raça, gênero e classe num contínuo temporal, espacial, cultural. Esse contínuo opera de forma especializada e interseccional para criar e manter estruturas rígidas de um poder que permeia “todas y cada una de las áreas de la existencia social, constituyendo la forma más efectiva de la dominación social tanto material como intersubjetiva” (Lugones, 2008: 79), mas tal poder não é recebido passivamente: a ele respondem “disputas históricas sobre el control del trabajo, el sexo, la autoridad colectiva, y la intersubjetividad, como luchas que se desenvuelven en procesos de larga duración” (ibidem, p. 79). Se as relações sociais são historicamente permeadas por disputas em que está em jogo a manutenção ou contestação do poder, o discurso transborda isso. As metáforas de embates raciais, de gênero e de classe são recorrentes nas três peças olerianas que trago aqui. E as metáforas de disputa são tão comuns em nossa 12-

Cf Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, versão online disponível em [http://www.uol.com.br/houaiss]. Luiza Bairros trata o tema magistralmente no artigo "Nossos feminismos revisitados". Revista de Estudos Feministas. v. 3, n. 2. Rio de Janeiro: IFCS/UFRJ, 1995. Sugiro também as publicações da ONG Criola coordenadas por Lúcia Xavier a respeito do trabalho doméstico no Brasil e suas relações com a herança colonial. A OIT – Organização Internacional do Trabalho – elaborou e publicou, em parceria com o Dieese – Depto Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, a pesquisa Trabalho Doméstico e Igualdade de Gênero e Raça: desafios para promover o Trabalho Decente no Brasil. Os índices de trabalho doméstico mal remunerado e sem garantias no Brasil são alarmantes, mas seu alvo prioritário é a população feminina negra. Disponível em [http://www.oitbrasil.org.br/prgatv/prg_esp/genero/seminariofinal/trabalhodomestico.pdf] 14O que ecoa a noção de motivação social do significado comentada por Fairclough (2008). 13-

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