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ISSN 2179-3506

Abro um parêntese para enfatizar que, por mais que nos cursos de graduação em Psicologia existam os estágios em clínica, não há, como nos cursos de Especialização, tamanha gama de oportunidades no que se refere ao desenvolvimento do olhar clínico, como são oferecidas nas supervisões. Estas, sem dúvida, contribuem imensamente para melhor instrumentalizar o aluno para as demandas desua vida profissional! Nesses anos em que tive a oportunidade de supervisionar alunos dos cursos de Especialização em Gestalt-terapia e também profissionais recém-formados e ainda aqueles que já tinham certa experiência, um dos meus principais focos de atenção recaía mais na pessoa desses profissionais e, menos, na pessoa do cliente propriamente dito. Isto porque era notório, especialmente por parte dos alunos em formação, uma grande sensação de ansiedade e angústia ao perceberem uma mistura entre suas histórias e as histórias trazidas por seus clientes por exemplo. Como consequência, o “momento terapêutico” acabava ocasionando em ambos os envolvidos, sensações de estarem “perdidos”, em um beco sem saída, como se não soubessem mais por onde ir, o que investigar, quais emoções trabalhar. Utilizo o termo “momento terapêutico” para significar as vivências de role playing, que fazem parte do currículo dos alunos em formação na Abordagem Gestáltica. Entendo o role playingcomo um experimento de cunho didáticovivencial, em que os alunos ora são clientes e ora terapeutas, com vistas a ampliar seu aprendizado acerca do manejo clínico e da construção de um estilo pessoal de ser terapeuta. “...o aspecto didático da supervisão é uma das características que a diferencia fundamentalmente da psicoterapia” (Buys, 1987, p. 18). Além disso, a preocupação inicial de dar conta tanto da teoria quanto das sensações que apareciam no contato com os clientes por parte dos

alunos os deixavam extremamente inseguros, com dificuldades de lançar mão de suas habilidades intuitivas e/ou já apreendidas em termos de conhecimento para dar seguimento a um bom atendimento. Como, na Gestalt-terapia, as expressões corporais, gestos, postura, enfim, o que o cliente transmite de maneira não-verbal é muito valorizado, enfatizamos, no decorrer das supervisões, que a forma deve ser tão ou mais considerada que o conteúdo. Geralmente, a forma guarda riquezas que a palavra “esconde” ou não consegue abarcar. O trabalho acerca da forma possibilita uma ampliação de consciência por parte do cliente que é muito importante na restauração de ajustamentos saudáveis. Como nos ensinou Perls (1977, p. 81), “...não escutem as palavras, escutem apenas o que a voz lhes conta, o que os movimentos contam, o que a postura conta, o que a imagem conta”. Outro ponto essencial é o terapeuta estar atento às emoções que seu cliente lhe causa, como é impactado por este, pois isso pode ser muito útil na construção do pensamento diagnóstico e, consequentemente, do melhor caminho de condução clínica que o terapeuta poderá optar. “...na situação de supervisão (...) o supervisando vai desenvolver, no aqui e agora, sua capacidade de refletir a relação na relação. A supervisão é o contexto próprio e único ao aperfeiçoamento desta habilidade fundamental do psicoterapeuta, que não coloca em risco nem o próprio psicoterapeuta nem o seu cliente” (Buys, 1987, p. 17). Mais um aspecto bastante recorrente nas supervisões diz respeito à dificuldade de os alunos lidarem tanto com clientes muito falantes quanto com aqueles em que o silêncio toma conta do setting. No primeiro caso, as sessões costumam passar do tempo adequado e o terapeuta costuma revelar enorme dificuldade em colocar um limite apropriado, que também chamo de um “limite terapêutico”. Isso porque, a forma como o cliente funciona e se relaciona no seu dia-a-dia, sem dúvida, irá se repetir e aparecer, de maneira

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semelhante, em como ele vai se relacionar com seu terapeuta. Então, o aprendizado do limite (tanto para o terapeuta quanto para o cliente) é crucial como uma nova possibilidade de crescimento e transformação de um comportamento, provavelmente, mais nutritivo. Essa mesma dificuldade acerca do limite pode se estender também para a forma como o contrato acaba sendo construído, o que eu chamo de contrato “às avessas”, no sentido de que, muitas vezes, o próprio cliente é quem coloca as condições, controlando emanipulando o terapeuta a seu bel prazer. Os alunos e, especialmente, os profissionais iniciantes costumam “cair” nessas manipulações, com vistas a não se sentirem inadequados perante seus colegas (por exemplo, em situações de aprendizado no transcorrer das supervisões dentro dos cursos); a não “perderem” o cliente (especialmente, se estiver em início de carreira) ou, ainda, a não serem vistos por estecomo terapeutas muito “durões”, sem flexibilidade. É muito conhecida entre os profissionais da Abordagem Gestáltica uma frase de Perls, que diz que o ideal é que os Gestalt-terapeutas sejam habilidosos frustradores. Isso significa equilibrar acolhimento e limite, sensibilidade e firmeza. No segundo caso, o de clientes mais silenciosos, geralmente, os alunos costumam reconhecer e manifestar suas dificuldades em lidar com o seu próprio silêncio; o que culmina em uma intensa sensação de angústia ao lidar com o silêncio do outro. Quando estamos em silêncio, geralmente ficamos mais susceptíveis a entrar em contato com nossas emoções, nossos medos, pensamentos que até então desejaríamos manter distantes, por exemplo. Como o silêncio geralmente acarreta grande ansiedade ao terapeuta, ele acaba acreditando que tem que tirar o cliente desse estado ou, ainda, que precisa “preencher” esse espaço que parece “vazio”, com palavras, com convites para utilizarem outros recursos ou instrumentos terapêuticos. É nesse momento que, muitas vezes, a utilização da técnica pela técnica entra em ação, questão que contribuiu e ainda contribui para

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que favorece o sedimentar deuma compreensão mais ampla e, ao mesmo tempo, competente em termos de visão diagnóstica processual.

AW@RE REV. ELET., v3, n.1, 2013


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