A libertação dos transmodernos

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39 dos condenados da terra, condenados do mundo e da história”. No entanto, submete sua proposta ao seguinte designativo: “filosofia pós-moderna”.73 Eram tempos de revisão conceitual das construções filosóficas74 aqueles do longínquo 1977. Sob a premência de se criticar as promessas não cumpridas da modernidade, Dussel preferiu por carimbar sua filosofia com a prefixação indicativa de superação do moderno. Ocorre, porém, que o prefixo “pós-“ tem uma conotação muito mais temporal-cronológica do que poderia ele ter imaginado. E assim foi que se tornou comezinho na Europa, totalidade do mundo, adotar-se a mesma rotulação para as filosofias que negavam a racionalidade moderna, mas não só, pois também a racionalidade em geral. Estamos, pois, diante de um debate próprio da totalidade: modernidade versus pós-modernidade. Tornou-se bastante comum a presença de tais conotações, explícita ou implicitamente, nos estudos que vieram à tona desde 1970. O projeto da modernidade passa a ser questionado por quem mais o viu se concretizar. Antes, porém, de prosseguirmos no tratamento desse assunto, é preciso que estabeleçamos algumas distinções com o objetivo de não permitir a confusão do debate que envolve os projetos moderno e pós-moderno com outras reincidentes discussões no mundo filosófico. Antes de mais, faz-se necessário entender tal polêmica ao mesmo tempo diversamente e à luz da questão dos paradigmas filosóficos, germinados no ocidente. Na famosa asserção de Habermas lemos que é já trivial “aplicar à história da filosofia o conceito de paradigma” e dividi-la com base em três predicados, quais sejam, “ser, consciência e linguagem” que podem se diferençar “entre modos ontológicos de pensamento, de filosofia da reflexão e lingüísticos”.75 A visão eurocêntrica, contudo, esquece entre os vários esquecimentos possíveis um quarto paradigma, o dusseliano “paradigma da vida concreta de cada sujeito como modo de realidade”.76

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DUSSEL, E. D. Filosofia da libertação na América Latina, p. 7. Mais recentemente, o próprio Dussel analisou-o: “antes de Lyotard, falamos de uma ‘filosofia pós-moderna’, mas já então com outro sentido. Quando Rudolf Pannwitz usa o termo ‘pós-moderno’ em 1917, construindo uma nova palavra na tradição inicial nietzscheana, inaugurava um neologismo que teria longa história. A Ética da Libertação toca sem cessar aspectos do pensar pós-moderno, mas nunca pode identificar-se com ele, pois acredita que a pósmodernidade continua prisioneira da modernidade por lhe faltar uma referência extradiscursiva crítica (as vítimas, também da globalização da modernidade e da pós-modernidade como dominação)”. DUSSEL, E. D. Ética da libertação na idade da globalização e da exclusão, p. 471. 74 Como mostramos na periodização de Mance (nota 37) e que dá azo às críticas de Zimmermann (nota 35). 75 HABERMAS, Jûrgen. Pensamento pós-metafísico: estudos filosóficos. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990, p. 21-22. 76 Quanto a este tema e ao que segue, conferir LUDWIG, Celso Luiz. “A transformação jurídica na ótica da filosofia transmoderna: a legitimidade dos novos direitos”. Em: Revista da Faculdade de Direito da UFPR. Curitiba: SER/UFPR, n. 41, 2004, p. 30.


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