Revista Reação Ed. 93

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entrevista

mas reconheço que as PcD conquistaram mudanças consideráveis na sociedade, principalmente com relação ao comportamento do cidadão comum diante delas. E tudo isso num tempo relativamente curto, considerando que qualquer mudança social leva, pelo menos, o trânsito de vida de uma geração. Segundo os americanos, por volta de 70 anos para executar qualquer mudança de comportamento social, ainda assim, com rotineiras campanhas educativas. Usando minha experiência pessoal de cadeirante, há 23 anos, posso perceber que o olhar da sociedade mudou de assistencialista para inclusivo. Não significando, necessariamente, que a sociedade promova a inclusão. Esta mudança perceptível está no animus pessoal e atitudinal de cada indivíduo e esse é o ponto de partida (necessário) para qualquer outra mudança social. Para exemplificar, posso contar uma breve história: 12 anos atrás, quando fazia aniversário de casamento, liguei para um bom restaurante em Copacabana e reservei uma mesa, com direito a buquê de rosas, violino na mesa e todos os requintes oferecidos para a ocasião. Na hora reservada, coloquei meu melhor terno e fui para o restaurante acompanhado de minha mulher. Quando chegamos à entrada principal, fomos recepcionados pelo maitre, que se dirigiu exclusivamente à minha mulher para as perguntas de praxe, ignorando-me por completo; ao final, arrematou com a clássica pergunta da época: “...ele vai papá também...”, ao mesmo tempo em que tocava com a palma da mão em minha cabeça. Não preciso nem dizer que foi uma brochada só... cancelei o jantar... Com essa minha atitude impus uma mudança naquele restaurante. Muitas pessoas com deficiência, por motivos diversos, passaram a se comportar dessa forma, lutando por seus direitos e reconhecimentos enquanto indivíduo e cidadão.

RR - Do ponto de vista jurídico, o Brasil é considerado avançado em sua legislação. Quais são os problemas para cumpri-la ? O que deveria ser feito ? A própria Lei de Cotas enfrenta dificuldades para seu cumprimento. GN - O Brasil tem status de país de DIREITO, significando dizer que tem um ordenamento jurídico organizado, com corpo institucional instalado e funcionado. No entanto, ainda está longe de alcançar o status de país de JUSTIÇA, o que significa ter todo o ordenamento jurídico e institucional valendo para todos os cidadãos em igualdade de condições. Por isso vemos essa discrepância social, na qual o direito funciona para alguns, principalmente os detentores do poder econômico e político, e não funciona para outros, essencialmente as pessoas mais excluídas da sociedade. A Lei de Cotas não escapa a esse processo evolutivo social e só se mantém pela pressão do movimento, pois caso contrário teria caído há muito tempo. Tudo isso é um processo, leva anos para mudar. Mas esse fenômeno recente das marchas populares é o passo mais importante e concreto para que o Brasil avance para o status de país de JUSTIÇA. RR - Em termos gerais, quais são os principais avanços do Brasil na área? E como você analisa o Plano viver Sem Limites ? GN - O maior avanço do Brasil é justamente o reconhecimento pela sociedade

de que o individuo com deficiência tem direito à inclusão, ainda que essa mesma sociedade não seja capaz de promover essa inclusão, e a oportunidade de igualdade entre os cidadãos comuns e com deficiência. A legislação também foi uma grande conquista e avanço, mesmo que não tenha a efetividade esperada ou legalmente imposta, diante da realidade de que o Brasil ainda não alcançou o status de país de justiça. Por outro lado, a legislação também tem função de despertar a dialética social, provocando a discussão sobre determinado tema, por conseguinte tornando-o conhecido pela sociedade. Assim foi que nossa exemplar legislação teve papel decisivo para que a sociedade brasileira migrasse sua visão assistencialista para uma visão pela inclusão social das pessoas com deficiência. O lançamento do Programa “Viver sem Limites” pelo Governo Federal (2011) é um exemplo dos efeitos dialéticos introduzidos em nosso meio social pela edição da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD). O Programa, que destinou cerca de 7,6 bilhões de Reais de investimento na área da deficiência (1,4 bilhões/saúde, 1,8 bilhões/educação, 72,2 milhões/Centros de referência para promoção de inclusão social e 4,1 bilhões/ acessibilidade, acrescidos de outros valores numa ação conjunta da União, estados e municípios), é o resultado mais emblemático dos efeitos práticos da Convenção, pois nasce a partir da visibilidade que a CDPD deu ao tema da deficiência no país. Muito embora o Programa seja uma nova arrumação metodológica das verbas, e não uma alocação de novos recursos financeiros como quis o Governo transparecer, essa “rearrumação” não lhe tira os méritos, pois ganha eficácia na escolha da linha de ação e eficiência na aplicabilidade das políticas públicas previstas, obrigando a utilização das verbas nas áreas determinadas e estimulando os aplicadores das políticas voltadas ao segmento para uma

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