Vinho: Ou uma questão de conceito?
Depois da prova, fomos convidados a dar a nossa opinião sobre os vinhos, que a senhora agradeceu, com a mesma amabilidade com que nos abriu a porta. No meu caso, e também dos meus companheiros de viagem, acabei por comprar algumas garrafas, não que tal me fosse imposto, tampouco sugestionado, mas porque senti a obrigação de o fazer após aquela recepção e a atenção que nos foi dada. Ficámos a saber que aquele produtor vendia metade das 50 mil garrafas que produzia à porta da adega.
Se procurarmos uma definição de gastronomia ficamos a saber que é um “conjunto de conhecimentos e práticas relacionadas com a cozinha, nomeadamente a confecção de refeições, com a arte de saborear e apreciar as iguarias”. O vinho, como elemento gastronómico, raramente aparece nas definições como “elemento agregador” numa refeição que nos inspira e alimenta o corpo e o espírito. Naturalmente que, e nem todos estarão de acordo, o vinho é fundamental numa refeição. É claro que para muitos um bom prato pode ser sempre acompanhado de água, cerveja ou outra qualquer bebida, mas, convenhamos, não é a mesma coisa. Depois, falar de harmonização é “casar” vinho com comida. O vinho é, hoje por hoje, o grande atractivo de quem procura conhecer uma região e por isso falamos de enoturismo, um conceito cada vez mais na moda. O vinho é um “dos maiores potenciais turísticos de Portugal”, numa altura em que, segundo dados conhecidos recentemente, metade dos turistas que visitam produtores de vinho em Portugal são estrangeiros e destes 45% vão do Brasil. Mas o enoturismo precisa de gente que “perceba da poda” e que o entenda como forma de promoção e divulgação e não como uma despesa. Lembro-me de uma viagem à Alemanha, há quatro anos, em que fiz uma visita às regiões vitícolas em torno de Frankfurt, a atenção que os produtores de vinho tinham com os visitantes. A fórmula é simples: convidam-se os passantes a visitar a adega, a vinha, que, no caso, ficava junto à adega, enquanto a conversa vai fluindo em torno do projecto, as castas plantadas e a forma de fazer o vinho. Tudo de uma forma simples e sem grandes ‘trunfos na manga’. Na verdade, ficámos a saber quase tudo. Depois de provar os tintos na cave, tirados dos pipos, fomos encaminhados para uma sala de provas, onde o ‘confronto’ com o portefólio daquele produtor nos esperava. Uma mesa com garrafas já abertas e copos de prova e amabilidade e gentiliza ‘dadas’ à descrição.
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Em Portugal, na maioria dos casos, não existe esta cultura, embora esse conceito esteja a mudar, não só porque as Rotas, mais ou menos organizadas, estão a funcionar, mas também porque há maior abertura por parte dos produtores, em muito devido à chegada de gente nova e com mente mais aberta, nomeadamente enólogos e outros profissionais do sector bem preparados. Por Terras de Vera Cruz, nomeadamente em torno de Curitiba, - a região que melhor conheço -, o conceito é o mesmo, mas salpicado com alguns “truques” que são, naturalmente, um complemento para o produtor, desde lojas de vinhos à entrada das vinícolas, até a áreas de restauração junto às adegas e às vinhas, num conceito mais agregador, mas ao mesmo tempo eficaz de escoamento da produção, não só na venda directa na loja, mas também no restaurante. No meio de tudo isto, a atenção e simpatia de quem recebe, fundamental para cativar os visitantes e que, naturalmente, volta outras vezes. No Brasil, o vinho é um ‘mundo de surpresas’. De país importador, o Brasil é hoje também produtor de vinhos, que se vêm afirmando, nomeadamente na produção de espumantes de excelente qualidade. Mas, o mundo do vinho é um mundo de conceitos. O conceito enoturismo, de bem receber, de harmonização, de prova, do gosto e de muitos outros. Porém, só o vinho reúne o consenso quanto ao conceito da amizade. Assim, brindo à vossa… com vinho, naturalmente. Texto por José Luís Araújo (Jornalista) Este texto foi mantido no original, seguindo as regras da ortografia utilizada em Portugal antes da introdução do acordo ortográfico.