























Caro leitor, eu sou a revista Pluri, e fui idealizada pelo acadêmico Helder Carvalho do 5º período do curso de jornalismo da UFMS. Fui escolhida como artefato final da disciplina de laboratório de design em jornalismo. Porém, não carrego só o objetivo de findar esse período de aprendizado, mas também fomentar discussões para um público diverso, relacionados a questões raciais assim como identidade e autodeclaração negra. Nasci da pluralidade pessoal que existe em meu idealizador, que é plural de um singular. Então eu não poderia ser menos do que PLURAL+I (Eu na língua inglesa). Assim surgi e me chamo PLURI, prazer.
Fui encarregada de apresentar temáticas plurais e enriquecedoras que deveriam estar mais em ênfase e em debate na atual sociedade. Falar de racismo, seja ele religioso ou enraizado em elementos culturais como a capoeira é importantíssimo. É isso que apresento nessa publicação, representar e enfatizar esses assuntos que por muitas vezes são inviabilizados. Com conteúdos produzidos relacionados a uma parcela da temática negritude, que decorre do processo de construção desses materiais, entendi o quanto essa temática é pouco considerada e quando considerada, com pouca visibilidade.
Espero que goste e que através desta minha primeira edição, você consiga compreender a inserção nessa potência que é a múltipla temática racial, retratada aqui pela religião, cultura, autodeclaração e valorização da beleza negra.
Pluri
Primeiramente queria agradecer a minha família, principalmente minha mãe que é minha inspiração, meu abrigo e minha fortaleza. Te amo Dona Zuleika, você é a razão da minha garra. Segundamente, quero agradecer em especial a professora Rafaella Peres, por todo conhecimento passado a mim, por acreditar no meu potencial, você me inspira e me impulsiona a cada dia. Terceiro, agradecer aos meus amigos, quem é sabe. Que nunca me deixaram desistir desse projeto e de todos que me rodeiam, sempre não deixando eu esquecer minha força e talento. Quarto, a Rafaella Moura, minha amiga e monitora, que me orientou e me ajudou todo esse tempo e ouviu meus surtos, sou apaixonado e orgulhoso por seu talento e facilidade de ensinar, luz para sua trajetória rafÔla. E último, a Victória Amorim, por ter topado ilustrar essa revista com todo carinho e paciência que teve comigo, espero que seu trabalho seja valorizado todos os dias, você é talento e potência. Grato.
Produção- Edição-Diagramação Helder Carvalho
Colaboradores de texto Fernanda Vilalva, Felipe Arguelho e Maria Luisa Massulo
Fotografia Helder Carvalho
Ilustração
Victória Amorim e Janaína Araujo
Foto da capa Larissa Adami
Impressão Gráfica Pex
Orientação de produção Clara Borba, Rafaella Peres, Rafaella Moura
Orientação de fotografia Silvio Pereira
Correção de textos
Katarini Miguel, Rafaella Peres
Pg4e5
Atividade usa de meios lúdicos para prender a atenção de crianças e ensinar um esporte que faz parte da nossa cultura
Aatirei o pau no gato entre diversas cantigas”, afirma. Eles imitam os movimentos de animais como leão, caranguejo, burro e jacaré. Agachar e levantar, plantar bananeira e virar estrelinha são apenas algumas das coisas que fazem. Em outro momento, ao falar o nome de uma cor, as crianças correm ao redor da sala procurando algo que a tenha presente para tocar.
canção, o mestre para de can-
ta animadamente o ‘Iê’, pelo qual
capoeira se inicia como uma brincadeira para as crianças. Tudo começa com a batida do pandeiro e termina com o samba. O ritmo, o som, a quantidade de batidas dita o movimento a ser reproduzido. A aula é aberta com uma canção, o mestre para de cantar e dá uma batida mais forte no instrumento, a meninada grita animadamente o ‘Iê’, pelo qual tanto esperavam.
O professor Antônio Marcos de Lima, conhecido como mestre Liminha, de 47 anos, conta que usa da musicalidade como forma de prender a atenção das crianças. No caso, o mais usado são as cantigas de roda que elas mesmas já conhecem. “Usamos o folclore brasileiro, saci pererê, a mula sem cabeça, a cuca,
Uma das atrações do segundo festival de arte, cultura, diversidade e cidadania, Campão Cultural, foram oficinas de capoeira focadas no público infantil. O evento que começou no dia 8 de outubro contou com uma série de programas diferentes, entre elas as aulas de capoeira, que foram ofertadas de acordo com os diferentes temas e direcionadas para todo o público, independente da idade. Entre os assuntos abordados está a forma de introduzir essa atividade de forma lúdica para crianças e adolescentes. O sucesso foi tanto que uma turma separada foi formada para pais que se interessaram em participar. É uma atividade que realmente une a família.
Débora Pergentino, de 28 anos, conhecida como Marretinha, apelido que herdou da mãe que era conhecida como “Marreta”, começou a praticar aos oito anos e conta como começou por intermédio da mãe, que mesmo a poucos dias de dar à luz ainda participava das rodas. A mãe foi quem inseriu essa cultura em sua família, após ver que seus filhos amavam brincar imitando seus movimentos. Foi aí que surgiu a pergunta “vocês querem treinar?”, apenas ela e seu irmão se animaram, já sua irmã nunca curtiu a ideia. A capoeirista relata que os primeiros treinos começaram como brincadeiras divertidas. “Meu pais sempre nos deixaram à vontade para escolher treinar, e farei o mesmo com meu filho, levo ele nas rodas que frequento, vejo brincar, mas só quando ele sentir vontade ele vai participar.”.
Débora conta que a capoeira a permitiu participar de grupos de danças, rodas, viagens e eventos. Foi uma
infância divertida, abundante de cultura. “Para mim foi incrível poder viajar dentro da minha ancestralidade. Foi uma das experiências mais ricas que posso falar.”, afirma. Com 20 anos de capoeira, comenta o quanto desenvolveu muita força e desempenho atlético. Entre esses benefícios, diz que pode ter ajudado a ter um trabalho de parto mais tranquilo, calmo e rápido.
Entre as vantagens conhecidas estão o benefício à saúde física e mental. “Por depender de outra pessoa para jogar capoeira, usamos dela para ensinar a trabalhar o convívio em grupo dentro das escolas”, explica mestre Liminha. Importante ressaltar que ainda auxilia na questão do racismo, a criança preta consegue ver uma identidade nela, levanta mais a autoestima.
experiências. Ajuda na formação moral, desperta a curiosidade infantil, promove o desenvolvimento físico,equilíbrio e estimula o controle emocional.
Maria Gabriela, de 38 anos, cujo a filha de três anos já é aluna do mestre Liminha em sua escola, relata que surgiu o interesse em querer envolver também o seu filho mais novo, de apenas um ano.“Por conta da desenvoltura que a capoeira estabelece para eles de corpo, disposição e coragem”.
Atualmente, em Campo Grande, há grupos individuais que disponibilizam turmas infantis, entretanto, a atividade é majoritariamente dada em escolas privadas. Há entre elas as que a capoeira faz parte da grade curricular das turmas do 1 ° ao 5°ano. Em algumas das escolas estaduais, são oferecidas por profissionais de Educação
oferecidas por proFísica.
A capoeira possibilita às crianças um reencontro com posições corporais recém-utilizadas no seu desenvolvimento como humanos: rastejar, acocorar, engatinhar ou andar nos quatro apoios, preparando o corpo de modo orgânico para novas
corporais recém-utilizadas no engatinhar ou andar nos o orgânico para novas
Laura e eu nos conhecemos aos cinco anos na escola. As duas medrosas choravam ao entrar na sala de aula, e assim, por meio da identificação, nos tornamos amigas daquele tipo: inseparáveis. Combinávamos de vestir as mesmas roupas, comprávamos brinquedos parecidos e éramos uma só, até entendermos que essa fusão em uma mesma pessoa não era possível, não só porque inevitavelmente somos duas pessoas, com gostos, criação e desejos distintos, mas porque a cor da nossa pele, também, nos torna diferentes. Ainda que compartilhássemos de uma existência muito parecida e passássemos juntas pelas mesmas situações, eu sou branca e Laura é uma mulher preta.
Quando completamos 13, decidimos, juntas, abrir mão da chapinha e da progressiva e enquanto o meu cabelo ondulado era elogiado como sinônimo de uma mulher decidida, que começava a se aceitar, Laura ouvia das formas mais sutis, até as mais agressivas, como o seus fios eram muito mais hidratados e bonitos quando alisados. Vira e mexe no banheiro, sem permissão alguma, seu cabelo era alvo de mãos curiosas, que a tratavam como um ser exótico. Aos 15, me ligou chateada porque o garoto por quem estava apaixonada não assumia meninas como ela para os amigos. Aos 16, enquanto eu, encantada, me envolvia em lutas contra a desigualdade de gênero, Laura não conseguia se sentir representada pelos movimentos feministas e constantemente se queixava por estar lutando pelo direito das outras, mas nunca pelos dela. “Os problemas de uma mulher preta ainda não estão em pauta”, reclamou uma vez, inconformada.
Na minha ignorância, não entendia que as minhas experiências e as consequências dos meus comportamentos não se aplicavam à minha melhor amiga. O privilégio da pele branca, durante muito tempo, me fez enxergar as minhas vivências como universais, afinal era tudo o que eu via na televisão, nas revistas e nas redes sociais. Descobrimos o mundo juntas, passamos juntas pela transição capilar, entramos juntas para movimentos feministas e a forma como lidamos com tudo isso nos fez enxergar que poderíamos até tentar, mas todos os nossos esforços para fazer com que essa ponte que nos separava se
tornasse menor, pareciam em vão. Mesmo que as nossas causas carregassem o mesmo nome, precisávamos lutar a partir de perspectivas bem diferentes.
Sendo vergonhosamente sincera, mesmo estando com Laura em vários dos seus momentos difíceis, demorei para entender que muitas das dores que a afligiam não eram uma exclusividade dela. O racismo é um problema social e foi no começo da juventude que eu descobri que não ser racista é muito pouco e não é suficiente. No Brasil em que vivemos, segundo o Anuário de Segurança Pública de 2019, a cada dez mulheres vítimas de feminicídio, seis delas são negras. Um jovem preto têm 2,5 mais chances de morrer por homicídio e representa 75% dos mortos por intercorrências policiais. Encarar esses fatos como números talvez doa muito menos, mas são pessoas, famílias e crianças e, vira e mexe, eu penso que poderia ser Laura, reduzida a uma estatística.
Meus pais nunca precisaram me ensinar como me portar em uma revista policial. Minha inteligência e capacidade nunca foram questionadas por causa da minha cor. Em brincadeiras infantis, nunca fui limitada a papéis como os de babá e empregada. Nunca tive meu cabelo tocado por outras mulheres em banheiros de escola e baladas, como se comigo o consentimento pudesse ser descartado. Nunca fui seguida por seguranças em mercados, nunca me trataram como alguém, naturalmente, agressiva, nunca me negaram vaga de emprego por conta da cor da minha pele. Estar alheio a essa realidade é o que eu chamo de privilégio branco, acrescido de uma total falta de consciência social.
Como estudante de jornalismo, escrevo sobre o mundo que vivo e sobre aqueles que não tenho acesso direto, mas que eu observo e me contam. Não sou a protagonista dessa história, muito menos uma heroína que luta contra o inimigo e salva os menos favorecidos. O branco é o grande responsável por permitir que o racismo se mantenha na sociedade. A minha grande dica, caso você também queira contribuir de alguma forma, é: destine um pouco da sua atenção e assista, escute, leia, valorize e conviva respeitosamente com pessoas de todas as raças, especialmente as diferentes da sua.
Em realidade ilusória, longa utiliza o cinema como veículo de protesto e engajamento social.
Dirigido por Lázaro Ramos com elenco protagonizado por Taís Araújo, Seu Jorge, Alfred Enoch e Emicida - artistas que influenciam e representaram o povo negro brasileiro de diversas formas na arte -, o filme “Medida Provisória” traz um enredo trágico de pretos serem devolvidos para África, perante uma análise superficial dos elaboradores dessa medida. O que começa como uma proposta para voluntários se torna uma verdadeira perseguição racial. E aí surge a pergunta: como definir a negritude? O que é ser negro? Qual é a cor da pele? Qual é a cultura? É o cabelo? É o nariz? Os lábios? É só a cor que define negritude? Claro que não.
Em meio ao processo de caça aos negros, é construído um afrobanker, com ideais afrofuturistas, mas que ao mesmo tempo revive os tempos de quilombos do passado. A inteligência do roteiro é notada no equilíbrio entre problema e solução, colocando o longa em um nível altíssimo de cinema.
Antônio Gama (Alfred Enoch), o protagonista, inspirado em Luiz Gama, é um advogado que não desiste, mesmo quando tudo estava ao contrário e não conseguindo ir além. Ele passa a gritar, berrar, impor uma voz, nada de novo como no cotidiano. Quando o corpo não tem mais nada a oferecer, lhe resta a voz. Capitu (Taís Araújo) grita e implora para não nos tornarmos como eles, os brancos. Em cada decisão tomada, uma mulher inteligente e que luta com clareza.
“Medida Provisória” é um açoite a quem pensa que o Brasil é um só, é um tiro em quem não sente o que os pretos e pretas sentem dia após dia. O governo acredita que com essa medida suavizará o racismo, com intuito de incluir, mas não passa de
uma segregação, descartando a população negra e levando todos para a África. Desde quando não somos brasileiros depois de tanta dor e luta com essa jornada que construímos?
Do carinho pelo tema tratado até a sinceridade absoluta com o que toca em alguns assuntos, como a cena do embate que retrata a intolerância entre brancos e pretos, o filme retrata polêmicas com muita calma, muita tranquilidade, mas também, quando precisa, com muito arrojo, já que certas temáticas precisam ser gritadas, clamadas. Assim como Alfred Enoch grita “VOCÊS NÃO VÃO ME TIRAR DAQUI”, precisamos ocupar os espaços ou ser os espaços.
O filme com 1h34min, lançado comercialmente em 14 de abril de 2022, foi exibido em diversos festivais internacionais e no Festival do Rio, em 15 de dezembro de 2021. Medida Provisória é uma adaptação da tragicomédia “Namíbia, Não!”, peça de Aldri Anunciação em que Lázaro Ramos dirigiu no teatro em 2011. Foi premiado quatro vezes, sendo o melhor roteiro no Indie Memphis Film Festival. Após exibição nos cinemas brasileiros, está disponível para aluguel na Claro, Sky, Vivo Play, Google, iTunes e nos principais serviços de streaming.
alar de fotografia, é falar de registro, de memória, de criar e recriar momentos da eternização de nossas histórias, bem como a nossa identidade e grandes conquistas. Além de marcar nossas vidas, ela nos possibilita elevar a autoestima de alguém.
A palavra autoestima para a população negra tem um peso maior, uma vez que, dentro do contexto de colonização e supremacia branca, negros e negras só eram considerados inferiores e suas peles só eram enfatizadas de forma negativa. Dessa forma, ficavam distantes de um padrão de beleza imposto pela sociedade. A comunidade negra enfrenta uma dificuldade constante de enxergar a beleza em si. Reconquistar ou reconstruir a autoestima para o povo preto é reafirmar todas as características mais marcantes para assim redescobrir a beleza que sempre existiu.
Pensando nisso, quis construir uma narrativa visual mostrando as diferentes tonalidades de pele negras. Mas no decorrer do ensaio percebi o peso de relatar a beleza negra em suas tonalidades e pluralidades. Quis dar visibilidade e enfatizar a potência da beleza negra em suas diversificadas peles. Esse projeto também veio para dar voz a eles/as e desconstruir a violência, o preconceito. Assim, construindo um debate sobre identidade étnico-racial através da minha visão sobre a beleza e potência negra existente.
Mulheres pretas relatam como religiões de matrizes diferentes impactaram nos sentimentos de valores e crenças
S“Se você quer estragar a cultura do povo preto, é só deixar o branco entrar”. A declaração de Raylla Santos Rosa da Silva, 22, mulher preta e fortalecida do conhecimento de suas raízes, resume a sensação de uma parcela da comunidade negra quando o assunto é intolerância religiosa contra as crenças de matrizes africanas no Brasil.
A acadêmica de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) relata que nunca se sentiu acolhida completamente dentro da religião evangélica. “Eu só entrei na Igreja Universal do Reino de Deus por conta da minha mãe, que é obreira há 15 anos. A única coisa lá que me estimulava era o Ministério da Dança, uma atividade que permitia um pouco mais de liberdade. Mesmo após ter sido batizada, a sensação de não pertencimento continuou, daí eu senti que precisava mudar de ares”, comentou.
Raylla, conta que entrar para umbanda, uma religião afro-brasileira, foi como resgatar um pouco das suas raízes. É ali, naquele meio religioso, que sente conexão com seus ancestrais. Dentro do terreiro se relaciona com a cultura que não viveu. Assim como se manteve por um tempo dentro da Igreja Universal, Raylla encontrou na capoeira uma forma de acolhimento den-
tro da comunidade. “Através da capoeira, me conectei com a África, mesmo nunca estando lá, recuperei minha cultura”.
As religiões de matrizes africanas no Brasil sofreram um grande embranquecimento ocasionado pelo catolicismo. O racismo religioso é resultado de uma longa trajetória nacional, marcada pela escravidão da população negra e pela negação de suas tradições culturais, que acarretaram no racismo estrutural no Brasil. Faz parte de uma sociedade que foi moldada a seguir padrões europeus, demonizando a história da população africana.
Quais as diferenças entre o Candomblé e a Umbanda?
Apesar de suas semelhanças, apresentam muitas diferenças entre si, como origem, a relação com os orixás, rituais, o fenômeno da incorporação, entre outros. O Candomblé veio da África e trazido ao Brasil por meio dos negros africanos escravizados. Aqui, sofreu adaptações, sendo considerada uma religião afro-brasileira. Já a Umbanda é uma religião propriamente brasileira e seus fundamentos foram revelados por Zélio Fernandino de Moraes, considerado o anunciador da Umbanda, marcada pelo forte sincretismo entre catolicismo, espiritismo e religiões afro-
-brasileiras. Embora compartilhem a matriz africana, uma é genuinamente brasileira, trazendo influência de cultos africanos e de outras crenças, enquanto a outra é feita de rituais legitimamente africanos.
Mário Sá, doutor em antropologia ligada às religiões afro-brasileiras, ressalta as dificuldades enfrentadas pela população negra no Brasil. Para o estudioso, o preconceito em religiões europeias colabora para que os negros busquem conforto em religiões de matrizes africanas. “Eu acredito que a pele negra no Brasil vive uma realidade muito difícil. Vocês [comunidade negra] crescem ouvindo como têm que andar na rua, que gestos tem que fazer, como tem que se comportar diante da polícia. Acredito que essa pressão faz com que as pessoas busquem outros formatos de religiões que atendam às mesmas lógicas. O preceito das religiões afro-brasileiras e o neopentecostalismo é parecido: é um fenômeno da magia, o Espírito Santo vem, ele se revela, ele cura, ele salva, ele transforma, ou seja, são modelos muito parecidos e a diferença é que você bota um terno e não é criticado nem ofendido. Então, muitas pessoas sucumbem a essas realidades que se transformam, chamados orixás”, diz o estudioso.
O marco da chegada das religiões afro no Brasil foi a escravidão, com africanos arrancados de seus continentes para serem escravizados por mais de 300 anos. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 4 milhões de homens, mulheres e crianças foram trazidos da África e atualmente, cerca de 56% da população do Brasil é de negros, mas apenas 0,3% de brasileiros se declara seguidores dessas crenças. Conforme o Instituto, a maior parte da população negra do país cultua uma religião que anula suas tradições e costumes.
Dentro do c ristianismo se vê uma quantidade excessiva de pessoas negras demonizando uma religião que precisaria ser símbolo de representatividade,consequentemente, enxergamos modificações das culturas africanas pela branquitude, como exemplo podemos usar a representação de Yemanjá (Iyemanjá) branca, como prova de uma violência no processo de sincretismo religioso muito romantizado.
O candomblé e umbanda têm sido, até hoje, ferramentas de resistência para o povo preto que necessita recriar suas histórias em um ambiente hostil, sendo obrigados a catequizar-se sob violência. Os terreiros, que hoje chamamos de Candomblé, têm a importância de ressaltar a reexistencia desses espaços, com o intuito de manter, de certo modo, a identidade do povo preto.
Professor Mário, quando questionado sobre onde estariam esses terreiros, foi muito assertivo em dizer que as religiões afro-brasileiras estão presentes no Brasil da mesma forma, inteiro abundantemente, mas invisibilizadas. “As pessoas que chegam em Dourados buscando informações sobre religiões
afro-brasileiras, comumente imaginam que irão encontrar terreiros e símbolos em todos os lugares. A realidade é que esses espaços e figuras são marginalizados e se encontram, na maioria das vezes, em regiões periféricas da cidade.”
vezes, em regiões periféricas da cidade.”
O bem-estar da religião
É importante ressaltar que indede negra, marcada pela violência e
É importante ressaltar que independente da religião, o sentimento de acolhimento deve ser um dos marcos principais para o encontro com a sua verdadeira fé. Quando se fala da questão racial, o amparo à comunidade negra, marcada pela violência e falta de reciprocidade, é fundamental para se reconhecer como pessoa merecedora de amor e respeito.
Tawani Alves, 32 anos, mulher preta, técnica em enfermagem, confessa que sua tentativa em conhecer outras religiões fora da sua bolha social foram fortemente influenciadas pelos estereótipos advindos do pentecostalismo. Relata que sua experiência na umbanda não foi positiva, mesmo sua família paterna tendo referências umbandistas, como avó e tia. Porém, sua família materna é em grande maioria evangélica. Conforme se envolveu com o samba, que possui origens na cultura afro, voltou a se interessar com os sambas enredo falando dos Orixás, e começou a pesquisar mais sobre o assunto.
“Conheci um pai de Santo que me motivou a ir em em umterreiro. Chegando lá, não me senti tão bem.
Não sei se foi pela influência negativa de tudo o que ouvia no passado de uma religião para outra, mas acabei desistindo da umbanda.”, afirmou. É nesse sentido que a visão de Tawani é tão importante e singular como exemplo da interferência da pessoa branca na percepção sobre as crenças e culturas africanas. A questão do acolhimento de Raylla também foi sentida por Tawani, mesmo tendo buscado outros coletivos religiosos. Durante a procura por uma conexão espiritual mais atrelada aos dogmas cristãos, ela se sentiu cobrada em aspectos físicos e comportamentais. Algumas denominações de igrejas evangélicas são muito tradicionais e veem o uso de tatuagens e piercings como pecado, realidade enfrentada por Tawani. No primeiro momento, a técnica de enfermagem diz que foi muito bem acolhida. Porém esse sentimento durou pouco quando precisou agir de maneira que não se sentia bem - e nem se sente atualmente para comentar sobre elas Hoje, encontra-se em um templo religioso que anteriormente enxergava como negativo por ser liberal em seus costumes, mas agora, com conforto e acolhimento, sem julgamentos ou cobranças em relação a sua vestimenta e demais adereços. Desde então, Tawani mantém sua fé nessa comunidade e consegue
estabelecer ligação com o respeito e receptividade do terreiro, mesmo não o frequentando. “Era do acolhimento que eu gostava na umbanda quando estive por um tempo”.
A religião é um sistema de crenças, regras e valores morais estabelecido por meio de práticas que caracterizam um grupo de indivíduos. Seja qual for a crença que escolher seguir, que o objetivo seja um só: o anseio pela plenitude.
Glossário:
Ânima: Forças da natureza, as Pedreiras, as tempestades, mar e rios.
Sincretismo: Fusão de diferentes cultos ou doutrinas religiosas, com reinterpretação de seus elementos.
Orixás: Orixás são deuses cultuados pelas muitas crenças africanas, sendo ligados à família e aos clãs. No Brasil, são cultuados os seguintes orixás: Exú, Ogum, Omulu, Xapanã ou Abaluaiê, Xangô, Yasan, Oxossi, Nanã, Yemanjá, Oxum, Oxumarê, Ossain e Oxalá. Os orixás detêm axés vinculados à natureza.
A equipe de reportagem solicitou dados referentes a ocorrências de intolerância religiosa no estado para a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp). No entanto, não obteve devolutiva até o encerramento da matéria. de o como liberal seus
Yemanjá: Iemanjá é um orixá (divindade africana) feminino das religiões Candomblé e Umbanda. O seu naome tem origem nos termos do idioma Iorubá (língua nigero-congolesa) “Yèyé omo ejá”, que signi ca “mãe cujos lhos são como peixes”. É considerada a mãe de todos os adultos e a mãe dos orixás.
Ilustração: Victória Amorim
Foi aos cinco anos que comecei a sentir o que era ser menosprezado pela minha cor, que, na época, eu nem considerava! Meu cabelo sempre foi cacheado, com uma curvatura 3C/4A, muito volume, frizz e pontas ressecadas, além do conhecido fator encolhimento. Lembro de ver na foto minha mãe com cabelo curto, crespo, poroso. À minha frente uma mulher, com cabelos longos, pretos e alisados. O primeiro choro ao ouvir a textura do meu cabelo ser comparado a um “bombril”, por parte de um colega de escola, não foi amparado por ela que desde nova negou suas origens. Como eu seria amparado por alguém que também não foi?
e alisados. O primeiro choro ao ouvir a de escola, não foi amparado por ela por alguém que também não foi?
“ruim” e tudo de pejorativo me intrigava, é que não era só
não-branca que acreditava
Além de tentar ignorar, ela negava o cabelo “pixaim”, “ruim” e tudo de pejorativo que a sociedade assume de um crespo-cacheado. O que me intrigava, é que não era só sobre cabelo, era sobre quem ela era, uma pessoa de pele não-branca que acreditava nesses estereótipos. Relembro que sempre questionei quem eu era ou o que significava ser quem sou, como pessoa no geral. Hoje, aos 25 anos, eu sei essa resposta? Não, mas já entendi algumas
questões. Te conto no decorrer do texto. A primeira vez que ouvi o termo ‘pardo’ foi no ensino fundamental, por conta de um cadastro para uma corrida de atletismo. As opções eram: preto, pardo e branco. Demorei alguns minutos para escolher branco, com medo de entregar a ficha e a professora rir. Não riu, mas me chamou de canto, disse que eu era pardo e me mandou mudar. Então foi assim que alguém me declarou pardo mesmo sem eu saber do que se tratava. Talvez aquela professora nem tenha noção que deu início a questões que me assombraram boa parte da minha vida. Chega a ser absurdo o que eu já pensei e verbalizei até aqui. Como você reagiria se o seu filho chegasse te perguntando se ele é papel? É, minha mãe riu e só. Até porque, naquele momento, nem ela havia entendido a sua cor.
mãe riu e só. Até porque, nalação
consciência racial dificultou meu auto-entendimento. Nunca ouvi falar sobre raça nas reuniões de família. Mas ouvi inúmeros e diferentes comentários ofensivos destinados às minhas primas e primos retintos. Ao ouvir, tive medo de ser direcionado a mim, mas até o racismo algumas vezes me negava como pessoa preta. Exceto quando se tratava do meu cabelo.
Meu cabelo, que hoje é o símbolo crucial da minha reafirmação negra, já foi extremamente negado e alisado. Em casa, acompanhava as mudanças de cabelo de minha mãe. Eu sempre fui uma criança observadora e, um dia, ao assistir a vizinha alisar o cabelo de minha mãe, a questionei o porquê do cabelo sempre liso. Ela fazia aquilo, religiosamente, a cada três meses. “É para eu me sentir bonita, filho”. Essa frase ecoou na minha cabeça por um bom tempo. Até que, quando minha mãe foi retocar novamente o cabelo, eu também pedi para alisar. Queria me sentir bonito também.
tive a ideia de passar por isso junto com ela, raspei minha cabeça e ela passou pelo conhecido “BC” ou Big Chop, o “grande corte” e tirou grande parte da química do cabelo. Começamos juntos esse processo doloroso e demorado. Foi por ela, mas mesmo que de forma inconsciente, me entendi. Hoje, além de aceitar meu black, usar tranças e abusar de inúmeros penteados, meu cabelo virou minha marca registrada.
Engraçado pensar que foi o meu Eu-acadêmico que teve o maior papel nesse processo de autodeclaração. Comecei três cursos e em nenhum deles me inscrevi em sistemas de cotas. Afinal, qual era minha cor? Após inúmeras pesquisas sobre colorismo, assunto esse que ainda não domino, comecei a compreender e me autodeclarar e, assim, me inscrevi em Jornalismo na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), pelo sistema de cotas.
Não, eu não posso me enxergar
E o papel? Te explico. Desde esse episódio, passei a me questionar sobre a relação da cor da minha pele e um rolo de papel pardo deixado no canto de uma sala. Não, eu não posso me enxergar desta forma, pensava. Talvez este seja um dos motivos por ter negado ser alguém não-branco. Além do peso de ser uma criança afeminada e já ouvir comentários homofóbicos, eu ainda era uma criança não-branca?
Muitos pesos em uma pessoa só.
Eu não conseguia ver beleza em mim e achei que alisando meu cabelo conseguiria. Não aconteceu. Chorei para minha mãe. Raspei o cabelo. Anos se passaram sem que eu conseguisse me sentir bonito. Ao entrar para as forças armadas, meu cabelo estava limitado a ser raspado e curto. Quando pedi desligamento, decidi experimentar, pintei meu cabelo de todas as formas possíveis, alisei de novo e ainda assim não me reconhecia.
família com pouca
Crescer em uma família com pouca
Aos 20 anos encorajei minha mãe a passar pela transição capilar. Mas ela tinha medo de novamente odiar seu cabelo natural. Foi aí que
Me entender, me sentir e me pertencer, foi um processo complicado até aqui. As vezes eu me sinto barrado em “wakanda”, como se não me encaixasse. Mesmo tendo pouca representatividade na minha infância/adolescência, sou rodeado de pessoas negras em meu círculo, e isso me influenciou no meu autoentendimento. Hoje sei que meu corpo se tornou - ou sempre foi - político e que meu cabelo e meus traços sempre foram a potência de uma pessoa negra. E minha mãe? Finalmente, se sente orgulhosa da sua história e do processo que a levou a se tornar a mulher preta e empoderada que tanto amo.