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Para retomar o controle da própria vida

de dinheiro que não aumentava a riqueza real, mas atraía a poupança do mundo com a ideia de que se podia fazer dinheiro manipulando dinheiro, e foi deste modo que a América, dada a sua força política, pôde viver acima dos seus recursos. Um mar de dinheiro de tal ordem que as atividades financeiras já superaram em quase quatro vezes o produto real do mundo. Mas agora quem paga a conta? A quem cabe pagar as dívidas que pesam acima de tudo sobre as novas gerações? É tempo de uma nova subjetividade política e cultural – o reformismo – voltar a campo para nos restituir o sentido daquilo que aconteceu, por que aconteceu e quais forças é preciso controlar. O inimigo não são os bancos como instrumento essencial para fornecer crédito à economia, mas o modo pelo qual uma oligarquia financeira criou uma renda imensa que pesa sobre o mundo. Coloquemo-nos novamente a pergunta: sobre o que estamos falando? Estamos falando de algo que põe em questão muito mais do que a eficácia desta forma de capitalismo: põe em discussão sua própria legitimação ética. E isso por uma razão que está emergindo em toda a sua complexidade, ou seja, o mundo não pode ser governado deste modo. O problema da Grécia, isto é, o do destino de um povo e de uma civilização milenar, não pode se tornar um fato negligenciável diante do risco de que vão à falência alguns grandes bancos alemães que se expuseram demais. Nisto está a diferença com o capitalismo histórico. Este, afinal, foi uma civilização, a civilização da Europa moderna. Foi o instrumento extraordinário que num breve lapso de tempo (a partir do início do século XVIII, não antes) permitiu à humanidade dar um salto impressionante. Mudou aquilo que por milênios só havia mudado bem pouco. No século XVIII, os galeões espanhóis ainda navegavam à vela, como as felucas dos fenícios, e os lordes ingleses se tratavam mais ou menos como no tempo dos antigos romanos. Nasceu uma “máquina” que multiplicava a riqueza real como nunca acontecera antes e que permitiu à Europa povoar o mundo em dois séculos. É importante recordá-lo, pois o que está acontecendo é o fim deste mundo, é a mudança de um modo de produção que também foi, ainda que nas formas mais cruéis, um processo de emancipação do homem em relação a velhos vínculos. É verdade, como Marx nos explicou, que coisas como a igualdade jurídica e os direitos de cidadania eram direitos formais. Mas, por mais “formais” que fossem, mesmo assim representavam uma enorme diferença em relação à servidão da gleba. Nasceram o cidadão e o Estado democrático. Ford explorava seus operários, mas se preocupava com que ganhassem bastante para poder comprar seus carros.

Alfredo Reichlin

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