Observatório Político
No mesmo período, no plano sindical, Lula consolidava seu grupo na liderança dos metalúrgicos de São Bernardo, enquanto Frei Chico, seu irmão comunista, continuava impedido de assumir a Presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano por conta de interdições judiciais e manobras de pelegos ligados ao governo. Assim, o PT ganhou tempo e espaço para roubar terreno ao inimigo ideológico do regime, desempenhando o papel de partido de direitos, cujas lideranças, sindicalistas pragmáticos de formação católica momentaneamente radicalizados, manifestavam profundo desprezo pelos ícones do movimento comunista internacional. De outro lado, o PCB, olhando para o PT, fazia a previsão oposta à dos militares, temendo que o radicalismo corporativo dos sindicalistas do ABC paulista, em contato com os comunistas dissidentes, se transformasse, tal como nas greves de 1967-1968, em radicalismo político capaz de provocar retrocessos nos avanços democráticos até então obtidos. Por essa ótica, a estratégia militar de deixar o caminho aberto aos petistas e manter as barreiras aos comunistas era vista como uma forma sutil de recuar na própria redemocratização, atiçando a ala dura do regime por meio dos “novos radicais”. Os comunistas, a essa altura, escaldados por inúmeras derrotas políticas históricas motivadas por precipitações voluntaristas, se esforçavam mais para conter o avanço do PT na direção do confronto com o regime do que para disputar suas bases, apostando que o sectarismo político da jovem agremiação não a levaria muito longe e que o PCB se tornaria o estuário natural da nova esquerda desencantada – expectativa que já havia sido esboçada no final dos anos 60 diante do romantismo guerrilheiro de seus dissidentes. O prognóstico militar acabou se mostrando mais factível do que o comunista, não obstante sua pouca utilidade para o regime: cinco eleições depois de sua fundação, o PT, em 1988, já era um partido eleitoral em ascensão que, subterraneamente, começava a fazer uso de esquemas “pragmáticos” de financiamento de campanha – inicialmente com base em práticas sindicais (vide Paulo Venceslau, 2005) –, enquanto os comunistas estavam em vias de se tornar uma força política e socialmente marginal. O acerto dos militares parece derivar tanto de uma análise escrupulosa do perfil de Lula – que contou, inclusive, com entrevista presencial, por um emissário de Golbery, quando de sua prisão em 1980 (vide Mino Carta, 2010) – como também do papel da esquerda no projeto petista. De fato, o desenvolvimento do PT deve muito ao líder pragmático e intuitivo que soube liderar as mais importantes greves operárias desde 1967, mas ele não teria sido possível sem o concurso da esquerda. 34
Política Democrática · Nº 26