Em busca do diálogo

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EM BUSCA DO DIÁLOGO Congresso internacional de Auditores Fiscais debate a relação fisco-contribuinte na capital paulista


Diretoria (Biênio 2018-2020) Presidente: Juracy Braga Soares Júnior (CE) 1º Vice-Presidente: Rodrigo Keidel Spada (SP) 2º Vice-Presidente: Maria Aparecida Neto Lacerda e Meloni (MG) 3º Vice-Presidente: Wilmar Nunes Pinheiro (GO) 4º Vice-Presidente: Marcelo Ramos de Mello (RS) 5º Vice-Presidente: Jorge Antônio da Silva Couto (TO) Diretor de Saúde: Geraldo Henrique de Oliveira Nogueira (PA) Diretor de Saúde Substituto: Cleudes Cerqueira de Freitas (BA) Diretor de Previdência e Seguros: José Ribamar Pinto Damasceno (RN) Diretora de Turismo e Eventos: Jeroniza Albuquerque (AM) Diretora de Estudos Tributários: Gigliola Lilian Decarli (MS) Diretor de Comunicação: Flávio Emílio Rodrigues Auerswald (MT) Diretor de Assuntos Parlamentares: Antônio Pereira Barbosa (PB) Diretor Jurídico: José Caetano Mello Júnior (PI) Diretor Financeiro: José Emetério Nunes Neves (DF) Diretor Financeiro Substituto: Antônio Luiz Barbosa (DF) 1º Secretária: Maria Teresa de Siqueira Lima (ES) 2º Secretária: Ana Maria Silva (ES) Conselho Fiscal Efetivo: Luiz Antônio Tenório Magalhães (AL) Conselho Fiscal Efetivo: Liberman Moreno (AM) Conselho Fiscal Efetivo: Inácio Erdtmann (SC) Conselho Fiscal Suplente: Ubiracy Azevedo Picanço Junior (AP) Conselho Fiscal Suplente: Acyr Rodrigues Monteiro (RO) Conselho Fiscal Suplente: Carlos Gelson Ferreira de Oliveira (AC) FEBRAFITE SAÚDE Diretor-Presidente: Rodrigo Spada (SP) Diretor Técnico- Operacional: Renato Pei An Chan (SP) Diretor Administrativo-Financeiro: Alexandre José Lima Souza (PB) Revista Febrafite ISSN 2596-1764 Editores Ed. 38º: Francisca Azevedo e Marcus Lacerda Capa: Francisca Azevedo e Carolina Tiemi Designers: Carolina Tiemi (Revista) e Felipe Oliveira (anúncios e marca revista) Fotografia: Joel Silva e Wanezza Soares Revisor: Gabriel Sales da Cruz Repórteres: Daniele Oliveira (Asfarn/RN), Felipe Nascimento Costa (Afresp/SP), Leonardo Coelho Fonseca (Afresp/SP), Luanna Martins dos Santos (Afresp/SP), Julio Scarparo (Unafisco), Raquel Capanema (Affemg/MG) e Weslene Rocha (Audifisco/TO). Agradecimento especial às Diretoras Vanessa Kazue (Comunicação da Afresp) e Gigliola Decarli (Estudos Tributários da Febrafite e da Fiscosul) pela revisão e colaboração.

expediente

Site: www.revistafebrafite.org.br E-mail: ascom@febrafite.org.br Tels: +55 61 3328-2907/1486 Revista Febrafite é uma publicação trimestral da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite): www.febrafite.org.br A federação não se responsabiliza pelos conceitos emitidos nos artigos assinados. 2


Editorial

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Mensagem dos presidentes

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Entrevista: Harmonização e autonomia compartilhada

Sala São Paulo recebe fisco e contribuintes em busca de um novo redesenho tributário

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Henrique Meireles abre a programação e destaca os desafios do fisco

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A Reforma Tributária será mais tranquila que a da Previdência, diz Marcos Cintra

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Novo paradigma na relação fisco-contribuinte: uma mudança necessária

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O que devemos uns aos outros?

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Secretário do CIAT: A reforma tem que vir amparada por mecanismos eficientes que diminuam a evasão fiscal

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“Existe um problema cultural que impacta o sistema econômico e tributário do país”, afirma o economista Martus Tavares

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IVA europeu pode ser exemplo para a reformulação do modelo tributário no Brasil

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As relações Fisco-Contribuintes

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Lei Orgânica da Administração Tributária (LOAT) e as Relações Fisco-Contribuintes

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Palestra sobre a importância do fator humano na administração tributária encerra 4º Congresso

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Affemg leva 71 participantes e ganha prêmio

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Veja o que falaram os representantes das associações que estiveram no #LusoBrasileiro

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Artigo técnico: Breves notas sobre autonomia da administração tributária: matriz constitucional e modelos conceituais.

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Artigo técnico: Relacionamento fisco x contribuinte: Programa de estímulo à conformidade tributária do Estado de São Paulo – “Nos Conformes”

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Artigo técnico: Percepções do Agente Fiscal sobre a ética fiscal do contribuinte

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Propostas para a reconstrução de um modelo tributário nacional

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Artigo técnico: Lei Complementar 1.320/2018: a quebra de um paradigma na administração tributária?

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Debate sobre o modelo da Administração Tributária no século XXI

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Quem gosta de pagar imposto?

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O papel da tributação no combate às desigualdades

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Outros momentos do Congresso

nesta edição

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Um novo olhar sobre o relacionamento fisco e sociedade Com esse tema, o 4º Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais desenhou diversos painéis sobre boas práticas de relacionamento e convivência entre o Estado e seus Administrados. Expositores do Brasil e de Portugal trouxeram para a plenária suas visões sobre como avançarmos na direção desse novo paradigma. A partir do diagnóstico do atual Sistema Tributário Nacional, que ocupou as primeiras abordagens do evento, seguimos analisando as propostas para a Reconstrução do Modelo Tributário Brasileiro, com ênfase nas discussões que envolvem a proposta de Reforma Tributária (PEC 45) em trâmite no Congresso Nacional. Sempre primando pela diversidade de opiniões, os painéis valorizaram as diversas visões sobre os pontos debatidos. empresas, governos, parlamento, fisco e academia tinham suas participações garantidas de viva-voz em todas as plenárias. Seguimos projetando a modelagem da Nova Administração Tributária do Século XXI, levando em conta a necessidade de evoluirmos para alcançarmos um novo desenho em que a desmaterialização da economia gera uma completa disrupção no modelo vigente, apoiado em uma realidade econômica baseada em uma distribuição de bens e serviços que atualmente não se sustenta mais. O papel dos tributos no combate às desigualdades, onde o sistema tributário brasileiro tem muito a evoluir foi também tema de apresentações e discussões. A regressividade é uma chaga da qual o Brasil tem que se libertar, deixando de onerar cada vez mais as camadas mais pobres em favor dos mais ricos.

editorial

Um dos últimos debates cuidou da visita à atual modelagem do IVA Europeu, a fim de detectarmos onde pode ser aprimorado esse modelo que já tem décadas e também demanda uma reforma. Em seguida, a plenária foi brindada – como palestra de encerramento – com uma espetacular fala em que se valoriza o elemento humano na modelagem da nova Administração Tributária que se almeja para este novo século.

Juracy Soares Presidente da Febrafite 4


Desafios em tempos de mudança A crescente digitalização da economia, o aprofundamento da globalização e as novas formas de disseminação de informação (digitais, sociais, etc.) vieram alterar de forma significativa as bases de um contrato social fiscal entre o Estado e os Cidadãos. Temos todos a certeza que as exigências de uma vivência em sociedade pressupõe uma harmonia permanente entre as prestações sociais (Estado), geradoras de utilidade e justiça social, e as prestações individuais (Cidadãos-Contribuintes), que se consubstanciam na receita fiscal. Desta forma, apenas quando se verifica a obtenção de um saldo positivo em matéria de serviços sociais e públicos generalizados, seria possível aceitar a ablação da capacidade financeira dos contribuintes (sejam eles pessoas físicas ou jurídicas). O atual modelo de civilização está a ser colocado em causa por uma economia em constante disrupção, em que nos confrontamos com novos modelos sócio-económicos em que se verifica uma crescente aproximação da decisão política dos destinatários da mesma através do peso e influência crescente das redes sociais. Assim, qualquer intenção populista assente num “ataque aos impostos” terá sempre um público ávido. A justificação para a pretensa ilegitimidade do imposto passará sempre pelo argumento da não perceção da utilidade da despesa pública realizada. Este estado de coisas é um desafio aos modelos tradicionais de organização do Estado. Um dos princípios que é colocado em causa de forma imediata é o princípio da igualdade. Ora, se a função pública de garantia da igualdade for colocada em causa, então já pouco restará para o Estado, já que os pilares da justiça e da segurança ruirão catastroficamente.

mensagem do presidente

A legalidade, em si mesmo, já não é suficiente, por si só, para o efeito. Tal como a exigência na gestão pública aumentou exponencialmente por via de uma maior exigência por parte dos destinatários da mesma, também os imperativos éticos, de justiça, proporcionalidade e igualdade na definição da política fiscal devem ser respeitados e ampliados. Nesta perspetiva, e nos termos do novo contrato social fiscal, o contribuinte deve ser, assim, um bom contribuinte, pagando os seus impostos e o Estado deve fazer bons impostos, transparentes, eficientes, justos e proporcionais, sem a criação de anátemas ou injustiças relativas, promovendo a paz social e o desenvolvimento sócio-económico.

Nuno Barroso Presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Inspeção Tributária e Aduaneira (APIT), de Portugal 5


A demanda social por aprimoramento Diante de um contexto de forte demanda social por aprimoramento do sistema tributário, Auditores-Fiscais da Receita Federal juntaram-se aos demais representantes do fisco do Brasil e de Portugal na realização de mais um Congresso Luso-Brasileiro, que lançou luz sobre a importante temática de um “novo paradigma na relação fisco-contribuinte”. Ao assumir o papel constitucional de guardião das leis tributárias e aduaneiras, o Auditor da Receita Federal passa a conhecer, de perto, os dois lados da relação fisco-contribuinte. Se, por dever ofício, deve zelar pela aplicação da lei e pela adequada arrecadação de tributos, tão necessárias à manutenção do Estado e ao bem-estar de todo cidadão, também é certo que ao Auditor recai um senso maior de justiça no que diz respeito à realidade de cada contribuinte. Há quem perpetua a ideia segundo a qual o fisco brasileiro seria um promotor de um apartheid em suas relações com a sociedade e estaria confinado numa bolha, sem qualquer empatia com o cidadão. Essa leitura, absolutamente equivocada, desconsidera a essência das atividades de fiscalização e repressão, especialmente por ignorar todas as graves implicações, não apenas de ordem tributária e fiscal, de crimes como a sonegação, o contrabando e o descaminho – intensamente combatidos pelos Auditores Fiscais. É certo, no entanto, que o Estado brasileiro ainda mantém um sistema tributário extremamente complexo, anticompetitivo e contraproducente, que impõe freios ao desenvolvimento econômico e sacrifica, sobretudo, as pequenas e médias empresas. É tempo de as autoridades encararem esse problema com franqueza, fazer sua mea culpa e buscar meios de implementar as mudanças tão necessárias a todos. Portanto, o Congresso Luso-Brasileiro, ao tratar da relação fisco-contribuinte, não poderia ter elegido tema mais apropriado para esse debate que transcende fronteiras, em busca de soluções práticas e trocas de experiências que apontaram caminhos legais que, se implementados, certamente promoverão mais segurança jurídica e justiça fiscal.

mensagem do presidente

Kleber Cabral Presidente do Sindifisco Nacional

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Simplificação e modernização do modelo tributário são desafios para o fisco O 4º Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais mostrou que o grande desafio na relação fisco e contribuinte passa pela simplificação e modernização do modelo tributário brasileiro. Por isso, nos últimos anos surgiu a demanda de uma reforma tributária que venha a simplificar o ambiente tributário e a implantação de um imposto único sobre o consumo que seja parecido com o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) europeu. No atual modelo fiscal brasileiro, os contribuintes são obrigados a lidar com insegurança jurídica e elevado custo de conformidade sem a devida transparência, pois não conseguem mensurar o quanto pagam e o retorno desses tributos. Em contrapartida, o fisco tem que trabalhar com um sistema muito complexo e uma sociedade que não reconhece a real importância do imposto e do trabalho dos servidores na redistribuição de renda em nosso País. Neste sentido, a reunião no Congresso Luso-Brasileiro dos fiscos estaduais, federal, europeu trouxe uma grande oportunidade para os Auditores se atualizarem e trocarem experiências sobre práticas profissionais, que possam contribuir para o desenvolvimento da política fiscal no Brasil e na Europa. Ao mesmo tempo, colaboram na construção de uma administração tributária moderna que gere confiança com os contribuintes e seja responsiva e transparente à sociedade. Nossos colegas europeus, que possuem uma forte tradição de redistribuição de renda e do trabalho, nos mostraram durante o congresso a importância de trabalhar para mobilizar e conscientizar a sociedade sobre uma fiscalização mais justa. Eles enfatizaram que a opinião pública é muito importante, pois obriga os governos a atuar e, sobretudo, aponta para aqueles que se beneficiam dessa desigualdade fiscal que existe ainda em muitos países. Infelizmente, no Brasil o fisco ainda não é visto como amigo do contribuinte, a exemplo da Dinamarca, onde existe um grande nível de confiança no sistema pois a população vê retorno dos impostos pagos. Em nosso País, isso se deve, sobretudo, aos governos, independentemente da matiz ideológica, que se utilizam de um discurso falacioso de que os Auditores Fiscais são servidores com privilégios e responsáveis pelo déficit das contas públicas.

mensagem do presidente

Precisamos continuar trabalhando para fazer a sociedade entender a importância dos impostos e do trabalho dos servidores públicos na construção de um País mais justo e igualitário.

Mauro Silva Presidente da Unafisco Nacional

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Vários fiscos, um só propósito e um novo paradigma Pelo quarto ano consecutivo, a Febrafite e a APIT realizaram o Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais. Nesta edição, o já tradicional fórum de discussões tributárias e fiscais contou com a presença dos auditores fiscais da Receita Federal do Brasil e reuniu representantes dos fiscos municipais, estaduais e federal pela primeira vez. O Congresso se deu no contexto dos debates sobre a Reforma Tributária que, dias antes do evento, começou a tramitar no Congresso Nacional. Assim, o tema “Novo paradigma na relação fisco-contribuinte” não poderia ter sido mais oportuno e pertinente. A participação do fisco federal, estaduais e municipais, da academia, de empresários e políticos nacionais e internacionais contribuiu para a discussão de muitos dos problemas existentes no sistema tributário brasileiro, para a troca de experiências e para a identificação de oportunidades na construção de uma nova relação entre os atores tributários da sociedade. O evento pôde contar com as contribuições, desde graduandos a professores, de representantes do fisco municipal a secretários de Fazenda estaduais e da Receita Federal; de empresários a parlamentares. Por intermédio do presidente da APIT, Nuno Barroso, contamos também com a participação de brilhantes palestrantes estrangeiros. Agradecemos aos auditores federais nas pessoas dos presidentes Kléber Cabral (Sindifisco) e Mauro Silva (Unafisco), vocês deram uma nova dimensão para o Congresso. Por fim, nossos agradecimentos a cada um dos palestrantes e moderadores pelos ricos ensinamentos e reflexões. Como presidente da Associação anfitriã e como Vice-presidente da Federação, quero agradecer especialmente a cada uma das associações de fiscais de tributos estaduais que fazem uma Febrafite cada vez maior e melhor e que, como sempre, apoiaram e prestigiaram esse 4º Congresso: AAFFEPI, AAFIT, AAFRON, AAFTTEPE, AFEAP, AFFEAM, AFFEGO, AFFEMAT, AFFEMG, AFFESC, AFISGUAR, AFISMAT, AFISVEC, AFITES, AFRAFEP, AFRERJ, AFRESP, ASFAL, ASFARN, ASFEB, ASFEPA, ASFIT, AUDIFAZ, AUDIFISCO, AUDITECE, FISCOSUL E IAF. Nada teria acontecido sem vocês.

mensagem do presidente

É uma enorme satisfação e esperança ver os fiscos brasileiros protagonizarem aquele que foi o maior fórum de debates para a Reforma Tributária dos últimos anos. Melhor ainda é ver todos envolvidos na construção deste novo paradigma nas relações fisco-contribuinte que, como não poderia ser diferente, é uma relação de parceria, responsabilidade, transparência e cidadania fiscal. Nos vemos no Algarve em 2020.

Rodrigo Keidel Spada Presidente da Afresp 8



Harmonização e autonomia compartilhada Francisca Azevedo

Entrevista com Rafael Fonteles, Secretário Estadual da Fazenda do Piauí e Presidente do Comitê dos Secretários de Fazenda dos Estados (Comsefaz)

Alinhado ao momento vivido pela nação, que exige mudanças estruturais no modelo tributário nacional, o Comitê dos Secretários de Fazenda dos Estados (Comsefaz) aprovou no dia 04 de julho, em Brasília, uma proposta de emenda à PEC 45/2019 – proposta de reforma tributária que tramita no Congresso de autoria do deputado Baleia Rossi, a qual prevê reunir cinco tributos —PIS, Cofins e IPI (federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal)— em um único, o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), cuja receita seria compartilhada entre União, estados e municípios. entrevista

Em carta aberta, os secretários dos 26 estados e do Distrito Federal defenderam uma proposta alternativa, de uma IVA DUAL, entre estados e municípios. As diretrizes gerais do modelo em debate no Comsefaz preveem três 10

alíquotas que visam atender as diferenças entre os diversos setores. Os pontos principais da proposta são: Comitê Gestor apenas com estados e municípios; instituição de um fundo de desenvolvimento e equalização de receitas já com alíquota definida de transição da alíquota do IBS de 10 anos; e mesma transição dos tributos para calibragem de alíquota. Rafael Fonteles foi eleito presidente do Comsefaz no dia 04 de abril de 2019, aos 33 anos, cargo que ocupará até abril de 2021. Assumiu o cargo de Secretário Estadual da Fazenda do Piauí em janeiro de 2015, onde permanece até os dias atuais. Nesta entrevista, ele comenta as principais preocupações das fazendas estaduais na discussão de reforma tributária e explica a proposta de adoção de um IVA DUAL.


Há dois eixos de preocupações que inspiram as fazendas estaduais quando recobramos essa discussão de reforma tributária e não se pode deixar de falar: um é o da regressividade e o outro é o problema federativo que em muito decorreu do primeiro. No tocante à regressividade, cobrar proporcionalmente mais de quem ganha menos, é um problema que vai muito além das lacunas da moralidade e da justiça fiscal. Um sistema regressivo prejudica a economia do país, na medida em que essa má configuração arrecadatória retira recursos justamente daqueles que tem a maior propensão a consumir, os mais pobres. Ora, eles são a base de toda a economia. Quem não tem uma demanda interna equilibrada, sustentável, inibe o empreendedorismo, as iniciativas de criação e pesquisa, porque simplesmente não tem a quem vender. A crescente concentração de renda do Brasil no segmento do 1% mais rico é um retrato da ineficiência do papel redistribuidor de oportunidades onde a tributação (mas não somente) está falhando. Um segundo aspecto é a antijuridicidade da regressividade: diz a nossa Constituição que, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. Observe que o que o texto diz é que somente quando for impossível é que a arrecadação deverá abandonar esses princípios. O nosso sistema é majoritariamente indireto e regressivo, é inconstitucional quanto à pessoalidade e capacidade contributiva. Terceiro problema da regressividade que quero ressaltar, porquanto há muitos outros, é o da produtividade da administração tributária. Os impostos diretos, como os que incidem sobre a renda, tem um custo arrecadatório menor: imagine quantas operações de renda a maioria dos cidadãos tem no mês. A maioria tem uma apenas, não é: o recebimento do salário. Agora imagine a quantidade de situações de consumo, de relações econômicas que essa renda resultará no mesmo mês, através das operações efetuadas pelo trabalhador e pelos seus dependentes no mesmo período. A base econômica do consumo é mais complexa pela sua própria natureza. Às vezes se discute a complexidade

do sistema tributário brasileiro se abstraindo sua raiz econômica intrínseca que é a do país ter degenerado seu sistema concentrando sua arrecadação nos impostos indiretos. Não existe mágica para tornar menos complexo se não se alterar essa forma de tributar. Para garantir uma arrecadação mais injusta e mais complexa o estado precisa tornar o seu controle mais complexo. Toda tentativa de desburocratizar funcionaria mil vezes melhor se a técnica fosse aplicada numa base direta. O segundo eixo de preocupações que os estados se inclinam é o do federalismo. O problema do Federalismo brasileiro é o problema dos Estados no Federalismo brasileiro, como gosta de lembrar o professor Fernando Rezende. Os estados perderam 13% de participação nas receitas na constituição de 1988 em relação ao que eles tinham em meados dos anos 60, mas perderam também gravosamente da Constituição para cá mais 5%. A nova configuração de receitas precisa recuperar a situação dos estados no federalismo, em vez de se ficar acusando gestores de não conseguirem entregar o que em outros tempos se entregava, sem se endividar. Em outros tempos, havia outras receitas. Dito isso, tendo consciência desse quadro geral, ponho-me à disposição para questões mais específicas. A proposta do IPEA que você menciona, ainda não tivemos a oportunidade de conhecer, mas suponho que deve aproximar-se muito da que estamos avaliando, pois, a dualidade, em termos de IVA, é um conceito que tornou-se amplamente difundido na literatura especializada, sobretudo a partir da experiência canadense. Um IVA Dual, embora possa admitir soluções diferentes, consiste na aplicação de dois tributos determinados com base no valor adicionado (TVA) e com titularidades distintas, mas que possuem as mesmas bases de incidência, bens e serviços, e, preferencialmente, as mesmas bases de cálculo. Esta é uma solução que entendemos adequada para solucionar de forma qualificada o problema da tributação indireta sobre o consumo, que é onde se concentram as grandes deficiências do sistema tributário nacional. Além do IVA Dual, que seria articulado entre União e Estados, estamos considerando a adoção de um imposto monofásico sobre vendas a varejo (IVV), de titularidade dos municípios, que seria complementar ao IVA dos Estados, mas aplicado apenas nas vendas a consumidor final.

entrevista

A proposta do Comsefaz Assemelha-se muito à proposta formulada pelo IPEA, que também defende a adoção de um IVA DUAL. Quais os pontos em que não há convergência? E quais as principais preocupações das Secretarias de Fazenda acerca da reforma tributária?

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O ponto sensível tanto da antiga proposta defendida pelo deputado Hauly, bem como da proposta apresentada pelo Centro de Cidadania Fiscal, é a unificação da gestão dos tributos, ora se defendendo um fisco nacional, ora a gestão por meio de uma autarquia ou agência, cuja função seria tanto gerir esses recursos, como repassá-los aos entes federados. Considerando que na proposta de um IVA DUAL haveria a unificação dos tributos estaduais e municipais, como seria feita a gestão, fiscalização e repartição desses recursos? No caso de um IVA Dual, combinado com um IVV, como foi mencionado, cada ente manteria autonomia plena e exclusiva em relação a seus tributos: a União teria competência para instituir, administrar e fiscalizar o IVA Federal, que substituiria PIS/Pasep, COFINS e parte do IPI; os estados teriam competência para instituir, administrar e fiscalizar os seus respectivos IVAs, que substituiriam o ICMS; os municípios, por seu turno, também teriam competência para instituir, administrar e fiscalizar os seus respectivos impostos sobre bens e serviços nas vendas para consumidor final, que substituiriam o ISSQN. A diferença em relação à situação atual é que o IVA Federal e o Estadual, que formam o IVA Dual, seriam harmonizados e padronizados nacionalmente, bem como o IVV dos municípios. Ou seja, no que diz respeito ao desenho dos impostos, como é o caso da definição de alíquotas e da concessão de benefícios fiscais, os entes passariam a exercer sua autonomia de forma compartilhada com os demais, na medida em que participariam da definição das diretrizes e dos padrões que seriam observados nacionalmente. Existem diversos modelos tributários. Em um dos painéis do Congresso, sugeriu-se a adoção do modelo canadense, que utiliza um IVA federal, mas com a possibilidade de os entes federados o adotarem apenas em caráter facultativo, e não obrigatório. A proposta do Comsefaz prevê facultatividade semelhante aos grandes municípios que não queiram aderir ao novo modelo?

entrevista

A experiência canadense, em que pese apresentar uma solução inteligente para viabilizar a exploração não concorrente da base consumo, deve ser avaliada com certa cautela, especialmente em relação ao aspecto da suposta “faculdade” concedida aos entes subnacionais para adesão ao IVA Federal. No Canadá, e isto é amplamente reconhecido, o governo central realizou grandes esforços no campo político para receber autorização avançar sobre uma base tributária, o consumo, que era explorada exclusivamente pelas províncias. Muito semelhante ao que ocorreu no Brasil, embora por vias distintas. Após conseguir tal autorização, o governo canadense criou o seu próprio IVA (GST), com boas ca12

racterísticas técnicas e econômicas, que contrastava com o desenho obsoleto das figuras impositivas adotadas pelas províncias, recendo forte apoio do meio empresarial. As províncias, então, foram convidadas a aderirem ao imposto nacional, abdicando de suas competências relacionadas com a tributação do consumo. Relata-se que não foi difícil encontrar províncias endividadas dispostas a selar tal acordo. Por este motivo, entendemos que, da experiência canadense, devemos extrair apenas os aspectos positivos, entre as quais não incluímos a sistemática da adesão facultativa. A criação do IVA Dual deve ser simultânea para todos os entes envolvidos. A adoção de um IVA DUAL acabaria por manter a tributação sobre o consumo em duas esferas distintas. Uma federal e outra local (estados e municípios). Considerando que se propõe a simplificação do sistema, especialmente pela existência de inúmeras regras tributárias, um modelo de tributo uniforme não seria mais adequado? Em se adotando um IVA DUAL, seria possível que as regras fossem nacionalmente uniformes? Creio que estes aspectos já foram esclarecidos, mas sempre é oportuno reforçar: o IVA Dual envolveria apenas União e Estados, ficando os municípios responsáveis por um IVV, semelhante ao ISSQN, mas que incidiria sobre as operações com bens e serviços quando destinados a consumidores finais. As regras seriam uniformizadas nacionalmente e o pagamento poderia ser unificado, ou seja, as empresas fariam apenas um recolhimento, por período de apuração, cabendo às administrações tributárias dos diversos entes instituir mecanismos para a correta alocação das receitas aos entes correspondentes. Como o Comsefaz pensou a solução das zonas cinzentas, especialmente nas hipóteses que geram interpretações divergentes quanto à conflitos de competência? Haveria a previsão de alguma alteração no modelo de contencioso e consulta tributária na proposta defendida pelo comitê? Esta questão é muito importante. Na verdade, e esta é uma vantagem reconhecida do IVA Dual, não haveria conflito entre os entes no que diz respeito à incidência, pois todos tributam as mesmas bases, os seja, bens, direitos e serviços. As zonas cinzentas decorrem justamente do fracionamento da base tributária explorada, no caso, o consumo. Como na proposta a base é a mesma para todos os tributos, estes conflitos seriam totalmente eliminados. Em relação ao imposto municipal, aplica-se a mesma lógica, pois as hipóteses de incidência são idênticas às previstas para o IVA Dual, com a diferença que só incidiria nas saídas para consumidor final.



Sala São Paulo recebe fisco e contribuintes em busca de um novo redesenho tributário Felipe Nascimento e Luanna Martins

painel

A capital paulista recebeu pela primeira vez representantes da classe fiscal nacional e internacional para discutir um novo paradigma na relação entre fisco e contribuinte. A união entre os fiscos estaduais e o federal em um evento que propõe uma significativa mudança no atual sistema tributário é inédita, tornando-o um dos 14

maiores Congressos sobre a questão do tributo no Brasil. A solenidade de abertura aconteceu em um dos principais cartões postais da cidade, a Sala São Paulo, considerada uma das melhores salas de concerto em nível mundial.


painel

Compuseram a mesa de abertura do 4º Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais: presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Inspeção Tributária e Aduaneira (Apit), Nuno Barroso; presidente da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), Juracy Soares; presidente do Sindifisco Nacional, Kleber Cabral; presidente da Unafisco Nacional, Mauro Silva; presidente da Associação

dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo (Afresp), Rodrigo Spada; deputado Federal Luiz Flávio Gomes (PSB/SP); superintendente regional da Receita Federal, Giovanni Nunes Campos; presidente do Tribunal de Impostos e Taxas (TIT/SP) Oswaldo Faria de Paula Neto; secretário da Fazenda do Estado do Rio de Janeiro, Luiz Claudio Rodrigues de Carvalho; presidente da Federação das Entidades dos Servidores Públicos do Estado de São Paulo (Fespesp), José Gozzi; segundo vice-presidente da Fiesp, José Ricardo Roriz Coelho; diretora do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), Vanessa Rahal Canado; secretário do Centro Interamericano de Administrações Tributárias (Ciat), Márcio Verdi; coordenador geral do Encontro Nacional de Coordenadores e Administradores Tributários, Eudaldo Almeida; e o presidente da Brasscom, Sérgio Paulo Galindo. O presidente da Febrafite, Juracy Soares, falou na abertura sobre a necessidade de um olhar mais atento 15


ao futuro. “Temos que nos despir da vaidade e pensar em um futuro acolhedor para os nossos filhos e netos. O importante é entregarmos ao país uma proposta de realidade tributária que o faça avançar”, disse. Já Rodrigo Spada agradeceu a oportunidade de representar a entidade anfitriã no evento em nome de toda a equipe da Associação. “Este momento é importante e necessário para um diálogo saudável entre o fisco e a sociedade. Será só por meio dessa conexão que nos uniremos em busca da solução dos problemas do nosso país”.

A IMPORTANTE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, TÉCNICA E EMPRESARIAL A professora e Diretora do Centro de Cidadania Fiscal (CCif), Vanessa Canado, única mulher a compor a mesa de abertura do Congresso, trouxe durante a sua fala a importância da participação da academia e dos empresários nas propostas de reformulação do sistema tributário. “É muito emocionante ver essa iniciativa conjunta dos fiscos, promovendo ao lado da academia e dos empresários um ambiente de negócios melhor para o Brasil, com o objetivo de melhorar a nossa redistribuição de renda e colocar o nosso país no lugar onde ele realmente merece”.

Tanto a esfera pública quanto a privada propõem trabalhar em prol de uma simplificação no atual modelo tributário nacional, melhorando, assim, o ambiente de negócios e a geração de emprego e renda no Brasil, como disse o presidente da Unafisco Nacional, Mauro Silva. “O país precisa de desenvolvimento econômico para melhorar. Para isso, além da atuação estatal, é necessário que o ambiente de investimentos seja mais simples e, por isso, as regras tributárias exercem uma importante função nessa matéria”. Nuno Barroso, presidente da APIT, externou sobre a importância da humanização da pauta. “Somos auditores, mas, antes disso, somos contribuintes. Temos que lidar com o problema da tributação pensando na vida da população, no Estado e nas próximas gerações.

painel

Kleber Cabral, presidente do Sindifisco Nacional, concluiu sua fala com a expectativa de que ao longo do Congresso todos pudessem sair informados “sobre a real necessidade de termos um novo paradigma na relação fisco-contribuinte”. 16

Segundo Luis Claudio Rodrigues, secretário da Fazenda do Rio de Janeiro, persistência, perseverança e competência são os principais ingredientes para o Brasil sair da crise. Luis ainda fez um paralelo com a situação econômica de Portugal. “Nossos irmãos portugueses também enfrentaram grandes e sérias dificuldades há pouco


Roberto Kupski, Lirando Jacundá (centro) e Juracy Soares

O deputado Luiz Flavio Gomes elogiou os presidentes das entidades realizadoras do Congresso pela constância dos representantes na batalha contra a mordaça que tenta silenciar a atuação dos Auditores Fiscais no combate a crimes, entre outras frentes. O parlamentar também ressaltou que o fisco estará sempre do lado da construção de uma nova nação, o que é fundamental neste momento em que o País sofre com uma profunda concentração de renda “que tem chateado o povo que vai à eleição sentindo-se excluído”. Por fim, o segundo vice-presidente da FIESP, José Ricardo Roriz Coelho, trouxe uma mensagem de apoio ao evento, ressaltando a importância da aproximação entre o fisco, as empresas, a sociedade e o contribuinte. “O intuito é buscar soluções conjuntas para o Brasil. O mundo está passando por mudanças a uma velocidade muito grande e o país está bem atrás no que chamam da quarta revolução industrial. Precisamos apertar o passo, não podemos perder essa oportunidade de modernizar o nosso país”.

COMENDA DA ORDEM DO MÉRITO Durante a solenidade, o auditor fiscal aposentado e ex-presidente da Febrafite, Lirando de Azevedo Jacundá, recebeu uma homenagem em reconhecimento à sua dedicação e trajetória profissional, marcada pela defesa do fisco brasileiro. Há 27 anos, o dirigente viu a entidade crescer e participou dos principais debates dos cenários político e econômico do país. Ao lado de Roberto Kupski, exerceu o cargo de primeiro vice-presidente da Febrafite por 16 anos, além de ter ocupado a presidência de 1999 a 2002. Jacundá é um dos idealizadores do Prêmio Nacional de Educação, que este ano chegou à sua 8ª edição. Recebeu várias homenagens e condecorações, entre elas, o título de Cidadão Honorário de Brasília em 2001, e no ano passado, teve seu nome eternizado na casa dos Auditores Fiscais do Distrito Federal, que passou a se chamar Sede Administrativa e Social Lirando de Azevedo Jacundá. Instituída em 2009, a Comenda é entregue a cada dois anos na ocasião dos Congressos Nacionais e internacionais da Febrafite. A honraria homenageia personalidades da carreira fiscal e outras em reconhecimento aos serviços prestados à Federação e ao Fisco Estadual e Distrital brasileiro.

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tempo, há dez anos, talvez, e hoje Portugal é um país que o mundo inteiro olha e visita, com um fluxo estupendo de turistas querendo conhecer um país de uma cultura rica, realmente bem-sucedido em seu modelo, e o Brasil tem toda a condição de seguir o mesmo caminho”.

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Henrique Meireles abre a programação e destaca os desafios do fisco Felipe Nascimento

Os cenários da política tributária nacional e o papel do fisco foram os principais assuntos da palestra que abriu a programação do 4º Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais. Congressistas, autoridades e convidados se reuniram no teatro do Hotel Maksoud Plaza para prestigiar a palestra magna ministrada pelo Secretário da Fazenda e Planejamento de São Paulo, Henrique Meirelles, que abordou os desafios da modernização da administração tributária, a morosidade de alguns processos e sobre como melhorar o potencial de arrecadação. Meirelles apresentou um panorama do atual cenário econômico brasileiro, os principais desafios do fisco e o papel do fiscal de renda no país e no Estado. “O fisco é fundamental para que o Brasil cresça e funcione. Toda a fonte de recursos para programas sociais como, saúde, educação entre outros, vem em última análise, da tributação e do trabalho realizado pelos AFRS, que é crucial. O fisco promove a justiça fiscal e social, combate à sonegação e respeita a capacidade de contribuir de cada cidadão”, afirmou o secretário. Após apresentar um vídeo sobre a atuação do fiscal de renda, Meirelles reforçou a importância de programas de simplificação e modernização da administração tributária. “Nós estimulamos o contribuinte a produzir mais e contribuir mais de forma simplificada por meio da ampliação de serviços oferecidos, maior rapidez na concessão de inscrições estaduais, na detecção de fraudes, aprimoramento das ações de monitoramento fiscal, ações contundentes de cobrança e programa de estímulo à conformidade”.

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O fisco promove a justiça fiscal e social, combate à sonegação e respeita a capacidade de contribuir de cada cidadão.” —Henrique Meirelles

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O secretário também pontuou a necessidade de otimizar o fisco em São Paulo, destacando a implementação do Programa de Estímulo à Conformidade, que engloba diversas ações para recolhimento de débitos declarados e não pagos. Além disso, Meirelles falou do objetivo de estabelecer convênios de cooperação entre os fiscos estaduais para combater a sonegação em operações interestaduais, como simulações para reduzir o ICMS recolhido, a geração de créditos fictícios e aplicação de alíquota menor. O palestrante finalizou sua explanação saudando todos os Auditores Fiscais e parabenizando o evento. “Este Congresso é muito importante e me sinto honrado de estar aqui nesta palestra magna, falando para pessoas de todo o Brasil e fiscais representativos do que de melhor existe no Estado brasileiro. Parabéns a todos e vamos em frente”, concluiu.


A Reforma Tributária será mais tranquila que a da Previdência, diz Marcos Cintra Felipe Nascimento e Francisca Azevedo

Ele falou que uma das dificuldades de a reforma não avançar se deve ao modelo federativo do Brasil, que é muito complexo. “Não podemos ter um sistema previdenciário financiado sobre folhas de salários ou de relações de trabalhos formais. Essa questão é uma condição do mundo moderno, que se apresenta para ser debatida e enfrentada”, citou o secretário. De acordo com Cintra, o país não pode passar dessa legislatura sem realizar a reforma tributária e que a discussão do tema deixou de ser apenas pauta dos economistas, mas de advogados, entre outros especialistas. "Estamos há 30 anos sem realizar essa reforma e, agora, é a primeira vez que vemos um Executivo e Legislativo trabalhando juntos em um projeto de reforma tributária. É importante ressaltar também que a discussão sobre impostos deixou de ser apenas de economistas, mas passou a ser de advogados tributaristas e representantes políticos", pontuou. Ele deu a entender, ainda, que a tramitação da reforma tributária será mais tranquila que a da previdência, pela “coincidência de interesses e de visões entre Executivo e Legislativo. A PEC 45 apresentada pelo deputado federal Baleia Rossi (MDB/SP), foi aprovada em maio pela comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Mas o projeto menos ambicioso de uma reforma dos tri-

butos federais, destacou, seria também uma forma de avançar no debate no próprio congresso sobre um imposto único. Um dos pontos citados seria a discussão de um Imposto sobre Movimentação Financeira, que traria a possibilidade de desoneração da contribuição previdenciária da folha de pagamento, ainda contemplando o sistema de repartição que caracteriza a Previdência Social.

A discussão sobre impostos deixou de ser apenas de economistas, mas passou a ser de advogados tributaristas e representantes políticos” —Marcos Cintra

Para finalizar, Cintra defendeu a adoção de um novo modelo de legislação tributária. “Não podemos ficar ancorados em um modelo que cada vez mais enfrenta dificuldades operacionais e cuja sobrevivência só se dará à custa de mais controle, mais fiscalização, mais custos de compliance e que é mais contencioso em função desses novos modelos que surgem a todo momento”. E ainda alertou: “Vejo que nós, coletores de impostos, que estudamos formas de garantir o funcionamento solidário de uma sociedade, temos um grande desafio pela frente e precisamos olhar também para os desafios de um futuro que se aproxima a uma velocidade crescente”.

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Após a apresentação de Meirelles, o Secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, falou sobre os desafios da reforma tributária no Brasil. O debate acerca da reforma é complexo e longo, mas representa um bom combate. Assim resumiu Cintra acerca das tentativas de reformas estruturais no modelo tributário brasileiro, especialmente após a Constituição de 88.

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Leonardo Coelho e Luanna Martins

O debate que marcou a abertura dos painéis do 4º Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais abordou sobre o “Novo Paradigma na relação fisco-contribuinte”, tema central desta edição. O presidente da Afresp, Rodrigo Spada, foi o mediador da discussão e explicou como o modelo tributário atual tem deixado todas as esferas insatisfeitas. “Atualmente todos estão perdendo: o contribuinte, com a insegurança jurídica; o fisco, que lida com uma matéria prima complexa e com a sociedade que não reconhece o seu trabalho; e a população, que não recebe a transparência necessária e não tem uma boa relação com o tributo pago versus a prestação do serviço público”. O painel contou também com a participação do presidente da APIT, Nuno Barroso; do superintendente da 8ª região fiscal da Receita Federal, Giovanni Christian Nunes Campos; do diretor jurídico da Fiesp, Helcio Honda; do presidente executivo da Brasscom, Sérgio Paulo Gallindo; e do diretor do CCiF e professor da FGV-SP, Eurico de Santi.

POR UM SISTEMA TRIBUTÁRIO FLUIDO E SOCIAL

Mais do que uma reforma tributária, os especialistas propõem que haja uma simplificação na própria legislação, mas sem que atrapalhe os processos atuais de negociação com as empresas. “É preciso melhorar a fluidez da relação fisco-contribuinte com cuidado, pois esse sistema, mesmo com necessidade de ajustes, não pode parar em um possível período de transição”, explicou Giovanni Campos. Nuno Barroso, presidente da APIT, trouxe como exemplo a experiência do fisco português e falou que os impostos devem cumprir o seu papel enquanto função social. “A adimplência voluntária só acontece quando o contribuinte vê que os serviços públicos estão sendo prestados com qualidade, retornando a ele o que foi gasto com os tributos”.

A adimplência voluntária só acontece quando o contribuinte vê que os serviços públicos estão sendo prestados com qualidade, retornando a ele o que foi gasto com os tributos”

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palestra magna painel

Novo paradigma na relação fisco-contribuinte: uma mudança necessária

— Nuno Barroso, presidente da APIT

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MAIS PARTICIPAÇÃO EMPRESARIAL NAS DECISÕES

O olhar das empresas para o tratamento oferecido pelo fisco foi uma das maiores questões debatidas no evento. “Hoje a legislação tributária é punitiva e engessa o ambiente de negócios do país. Mais do que uma reforma no atual sistema, é necessário que haja uma troca entre governo e as empresas no ato de formação das normas, facilitando, portanto, o diálogo e o apontamento de possíveis problemas antes de sua aplicação”, disse o diretor jurídico da Fiesp, Helcio Honda. O programa de Conformidade Fiscal, Nos Conformes, lançado em 2018 pelo Estado de São Paulo, foi citado diversas vezes como um bom exemplo para o bem-estar nessa relação entre público e privado, uma vez que incentiva a autorregularização do contribuinte. “O que o contribuinte quer, hoje, é segurança jurídica. E só quem pode oferecer isso são vocês que fazem parte do fisco. Para que a categoria trabalhe de maneira coordenada, é necessário um federalismo cooperativo, que integre os fiscos das esferas municipal, estadual e federal”, explicou o Prof. De Santi durante o painel. Encerrando as discussões do debate inicial, o presidente executivo da Brasscom, Sérgio Paulo Gallindo, falou sobre a falta de objetividade das leis tributárias, o que acaba gerando uma multiplicidade de interpretações sobre a tributação de produtos e serviços. “O papel do fisco hoje é trabalhar com engajamento para defender a proposta de Reforma Tributária, uma vez que o apoio da classe confere credibilidade a ela e auxilia a realizar o que é efetivamente mais positivo para o país”.


O que devemos uns aos outros? Felipe Nascimento

“O que devemos uns aos outros: fisco, pacto social e cidadania”, foi o tema da palestra ministrada pelo professor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), José Garcez Ghirardi. O palestrante trouxe uma importante reflexão sobre a relação da estrutura tributária e o funcionamento do fisco, e de como essa relação é a demonstração de um pacto social.

e responsabilidade coletiva em relação a todos que lutaram e ficaram impossibilitados de trabalhar, explicou o professor. “Houve a transformação da noção de tributo, agora como uma questão essencial de justiça social. Basicamente, o tributo vai tentar suprir as necessidades de quem não pode trabalhar. É quando surge a seguridade social”.

De acordo com o professor, o fisco não é uma questão contábil, mas sim de poder. “Quando analisamos a carga tributária – quem paga mais, como paga –, nós temos a estrutura de poder de uma sociedade. O fisco mostra exatamente como são essas forças e a correlação delas dentro da sociedade. Ao olhar bem de perto, ele mostra as nervuras do poder. Acredito que uma das dificuldades do trabalho dos auditores fiscais seja analisar o funcionamento real desse poder”, disse.

Então, o Estado começou a utilizar os tributos como uma forma de redistribuição das riquezas, de tentar minorar as diferenças. “Chamamos isso de Estado de bem-estar social, que oferece serviços essenciais e seguridade social aos seus cidadãos. Assim, o fisco, instrumento pelo qual o Estado se financia para poder implementar políticas sociais, de desenvolvimento e investimento, é central para que a democracia possa realizar o ideal de igualdade que a legitima”, afirmou o professor.

Neste contexto, Ghirardi abordou como a relação entre o Estado e a desigualdade se deu ao longo da história. Na sociedade medieval, sob forte influência da Igreja, a desigualdade tinha como papel principal fomentar a caridade. “Era importante que alguns fossem pobres e outros ricos, porque os pobres eram ocasião para os ricos exercerem a caridade e ganharem o reino dos céus. E os pobres tinham que sofrer, com paciência, as privações desse mundo para que, assim também, ganhassem o reino dos céus. Ninguém pensava que era dever do Estado redistribuir riqueza. Era uma ação religiosa e política, não tributária”, disse. Foi após a Segunda Guerra Mundial, em 1945, que houve uma mudança na visão sobre os impostos e as atribuições do Estado. Surgiu uma noção de solidariedade

O fisco é central para que a democracia possa realizar o ideal de igualdade que a legitima” —José Garcez Ghirardi

Para encerrar, Ghirardi destacou o quanto vivemos em uma sociedade narcisista, com pouca capacidade de ação conjunta e que pautas políticas importantes só podem ser avançadas se forem abraçadas por diferentes setores da sociedade. “O fisco está no coração dessa discussão de pautas realmente coletivas. Essa não é uma questão contábil, mas uma questão central para vitalidade da democracia. Discutir o fisco é discutir o pacto social, é discutir ônus e bônus, distribuição de oportunidades e limitações. Não é à toa que é tão difícil fazer reforma tributária. Porque não estamos falando de dinheiro, mas de estruturas profundas de poder. Por isso este debate é tão importante”, finalizou.

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Para ele, não existe uma sociedade em que as oportunidades de bens e riquezas sejam iguais para todos. “De alguma maneira, há uma ideia de que essa diferença é legítima. Nas empresas, por exemplo, há pessoas que têm mais oportunidades ou ganham mais do que outras. Por que, então, não há uma revolta generalizada se somos todos iguais? Porque entendemos que essa desigualdade é justa, necessária, ou tolerável”, explicou.

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Leonardo Coelho

O Secretário do Centro Interamericano de Administrações Tributárias (CIAT), Márcio Verdi, apresentou a palestra “Panorama das Administrações Tributárias”. No início de sua fala, o Secretário citou algumas falácias que naturalizam a sonegação, como “não pago porque não recebo benefícios”. Márcio comentou que isso não pode justificar a evasão. Além disso, sobre a proposta de Reforma Tributária, ele declarou que qualquer reforma tem que vir amparada por mecanismos eficientes que diminuam a evasão fiscal. Verdi falou sobre as dificuldades de se chegar a uma solução para os problemas tributários dos países latinos. “Discutir temas tributários é muito complexo. Não existe uma solução única para os problemas nem um consenso de administração tributária na América Latina”. Ele apresentou números das arrecadações de países da região, apontou problemas de alguns deles e citou que é necessária uma arrecadação mais efetiva. “A América Latina quase dobrou a arrecadação por imposto de renda. Isso é o que a gente quer, e é difícil fazer. Parte da nossa crítica hoje está na tributação do consumo. Aumentar a carga desse tipo de imposto numa sociedade desigual não é positivo”.

Não tem fisco que funcione sem ter um marco legal que lhe garanta os poderes.” — Márcio Verdi, Secretário do CIAT

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Secretário do CIAT: A reforma tem que vir amparada por mecanismos eficientes que diminuam a evasão fiscal

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Sobre a arrecadação tributária no Brasil, Márcio Verdi comentou que a tributação no país é muito complexa. “O nosso problema não é baixa tributação, mas a baixa qualidade na aplicação tributária”. Verdi defendeu também o investimento em pessoal qualificado para uma administração tributária mais moderna e efetiva e a garantia da autoridade do fisco por meio de uma legislação mais objetiva. “Temos que investir no fator humano. Se não tivermos pessoas capacitadas e um corpo técnico preparado para lidar com os desafios que vem por aí, principalmente em relação ao processamento de dados, não conseguiremos conter a evasão”. Ao final, Verdi falou sobre o BEPS. O termo é um acrônimo que vem do inglês “base erosion and profit shifting”, que em português seria “erosão de base e transferência de lucros”, e dá nome a um plano de ações para combater à erosão tributária. “Para o Brasil, o BETS é uma prioridade devido a características da economia. O BETS é uma oportunidade. Sem ele, não participaremos de temas atuais. Ele permitiu à maioria dos países uma modernização do seu marco legal”. Verdi citou a importância do fisco para a sociedade. “Não tem fisco que funcione sem ter um marco legal que lhe garanta os poderes. Somente por meio da tributação podemos ter uma sociedade cidadã”, finalizou.


“Existe um problema cultural que impacta o sistema econômico e tributário do país”, afirma o economista Martus Tavares Luanna Martins – Afresp/SP

A desorganização da economia e da tributação foi tema do debate que encerrou o primeiro dia de Congresso. Mediado pelo presidente da Febrafite, Juracy Soares, o painel contou também com a participação do deputado federal Alexis Fonteyne (NOVO/SP); da secretária da Fazenda do Ceará, Fernanda Mara Pacobahyba; e dos economistas Clóvis Panzarini e Martus Tavares. Juracy convidou os painelistas a proporem insights para o fim da atual crise econômica enfrentada pelo país e a simplificação do sistema tributário foi uma das principais propostas levantadas. O economista Martus Tavares, que já foi Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão no governo FHC, explicou que o problema cultural do Brasil é a existência de um grande número de leis que influenciam na instabilidade das regras. “Como a legislação é extensa, com frequência existem contradições dentro das normas, o que muitas vezes coloca o próprio fisco, além dos contribuintes, como vítimas do próprio sistema”, disse. Representando o Congresso Nacional e o público empresarial, o atual deputado federal pelo partido Novo, Alexis Fonteyne, disse que a bagunça no sistema tributário nacional é um ótimo território para os sonegadores de impostos e, além disso, ambiente propício para um “leilão de incentivos fiscais”. O economista Clóvis Panzarini, que também tem larga experiência no serviço público, uma vez que já foi Coordenador da Administração Tributária da Secretaria da Fazenda de São Paulo e um dos implantadores do Programa de Modernização da CAT, o Promacat, explicou que a crise fiscal e a tragédia tributária se auto alimentam. “A crise fiscal leva os administradores tributários a fazerem gambiarras para alimentar a arrecadação dos Estados, resultando nos problemas que estamos enfrentando”.

às populações de baixa renda. “50% da população do Ceará vive abaixo da linha da pobreza e 13,5% na extrema miséria. É urgente a necessidade da redução das desigualdades regionais nessa chamada guerra fiscal”. Dentro deste panorama, a Pacobahyba levanta um questionamento: em algum momento da história já foi possível falar em ordem no sistema tributário nacional? “Não resolvemos o problema ao fazermos um Constituição cheia de detalhes. Estamos perdidos no labirinto da legislação tributária do Brasil”. Em contrapartida, a secretária destacou que o Estado do Ceará tem altos níveis na qualidade do ensino, o que tem auxiliado em mão de obra qualificada e em um significativo aumento na geração de empregos. “A educação é transformadora. Nosso Estado tem participação em apenas cerca de 2% do PIB, mas consegue atuar muito bem em razão dos altos índices educacionais”, disse.

Estamos perdidos no labirinto da legislação tributária do Brasil” — Fernanda Mara Pacobahyba, Secretária de Estado da Fazenda do Ceará.

DESIGUALDADES REGIONAIS AINDA PRECISAM SER COMBATIDAS

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A Secretária de Estado da Fazenda do Ceará, Fernanda Mara Pacobahyba, trouxe o panorama da sua região para contestar a forma com que o sistema de tributos está imposto e a necessidade de um olhar mais atento do Estado 23


Propostas para a reconstrução de um modelo tributário nacional Luanna Martins

Na manhã do dia 18 de junho, representantes das áreas técnica, política e empresarial debateram sobre possíveis soluções para os problemas diagnosticados e apresentados ao longo dos painéis do dia anterior, sobretudo no que tange à desorganização da economia, da tributação e da necessidade de uma nova relação entre fisco e contribuinte. O painel “A reconstrução do modelo tributário – propostas” foi mediado pelo presidente do Sindifisco Nacional, Kleber Cabral, e contou com a participação do secretário da Fazenda do Piauí e presidente do Comsefaz, Rafael Fonteles; do assessor da Secretaria de Finanças da Prefeitura de São Paulo, Alberto Macedo; do 2º vice-presidente da FIESP, José Ricardo Roriz e dos economistas e diretores do CCiF, Vanessa Canado e Bernard Appy, um dos mentores da PEC 45/2019, que, atualmente, tramita na Câmara Federal..

A IDEIA DE UNIFICAR OS IMPOSTOS SOBRE O CONSUMO A grande discussão se deu sobre a proposta de reforma tributária do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), apresentada pela Doutora e Mestra em Direito Tributário e diretora do Centro, Vanessa Canado. Em suma, o projeto tem como objetivo simplificar o modelo tributário brasileiro, substituindo os cinco principais tributos – PIS, Confins, IPI, ICMS e ISS – por um único imposto, o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), modelo semelhante ao já utilizado em diversos países da Europa. “Hoje o contribuinte enfrenta um grande problema que é a alta complexidade. Além disso, os auditores também têm muita dificuldade com o emaranhado de regras da atual legislação, o que gera obstáculo na transparência e no próprio entendimento em relação as normas”, explica Canado.

O texto inicial do projeto do IBS tem como principais características a isonomia para o consumidor e a neutralidade às empresas; a não-cumulatividade do imposto, evitando a sonegação nas etapas de produção; a alíquota uniforme, que não gera contencioso administrativo e disputa entre as empresas; e, por fim, a ausência de incentivos fiscais, pois tem como objetivo a tributação de consumo, não o estímulo à geração de negócios nos locais de origem. Kleber Cabral reforçou a importância da proposição e contextualizou que o projeto foi, em conjunto com autoridades técnicas, abraçado pelo então autor da PEC 45, deputado federal Baleia Rossi (MDB/SP). Além de apresentar as características e defender a ideia de imposto único no Brasil, Vanessa explicou como funcionaria a transição dos Estados, municípios e empresas para o novo modelo tributário e a interação com os regimes simplificados, como exemplo as empresas que fazem parte do Simples Nacional.

UMA VISÃO DA INDÚSTRIA Trazendo o olhar da indústria sob o sistema tributário vigente, José Ricardo Roriz explicou que, diferente dos países mais desenvolvidos, a participação da indústria no Brasil caiu drasticamente nos últimos anos por falta de investimento, o que influenciou na queda do PIB e no crescimento consistente da economia. “Os países que crescem rapidamente possuem uma participação da indústria em cerca de 20% do PIB. Se não há esse investimento você acaba comprando do exterior e a balança comercial entra em colapso”, explicou. Diante desse panorama, faz-se necessária uma reforma, especialmente devido à alta carga tributária e a insegu-

Hoje auditores também têm muita dificuldade com o emaranhado de regras da atual legislação, o que gera obstáculo na transparência e no próprio entendimento em relação as normas” painel

— Vanessa Canado, Diretora do CCiF

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rança jurídica que o atual sistema devolve ao contribuinte. “Cerca de 40% das pequenas e médias empresas no Brasil não conseguem arcar com as suas dívidas, o que faz com que o Estado gaste muito além do seu orçamento para suprir esses déficits, resultando em uma arrecadação alta de tributos, porém na oferta de serviços que não atendem às necessidades da população”, completou Roriz.

riu que fosse realizada uma coleta de dados efetiva antes da aplicação da arrecadação de alíquota de destino, com o intuito de ter mais segurança no momento de transição dos modelos. O economista, criador do CCiF e ex. secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, explicou que a proposta apresentada possui uma visão racional e técnica do sistema tributário, porém cabe à esfera política analisar e definir o que será – ou não – aprovado. “É importante reforçar que o CCiF não tem poder nem participação política nas decisões. Porém, fico feliz em ver a disponibilidade dos Estados no reconhecimento dessa proposta legítima e no esforço em criarem ideias e ajustes para o projeto em tramitação que, sem dúvidas, sofrerá alterações”, completou. Segundo representantes da Câmara Federal, a proposta de Reforma Tributária será a próxima a ser analisada, após o fechamento de discussões sobre a Reforma da Previdência.

OUTRAS PROPOSTAS Durante o debate, alguns painelistas expuseram propostas para possíveis modificações no texto original da reforma, como o secretário Rafael Fonteles, que esclareceu que o Comsefaz está trabalhando em conjunto na elaboração de uma emenda. “Ainda não temos um texto oficial, mas acreditamos que haja a necessidade de alterações em alguns tópicos do formato original, como os da uniformidade das três federações no Comitê Gestor Nacional, da alíquota única e dos períodos de transição para empresas e governos”.

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Alberto Macedo disse que “o diálogo e reconhecimento de todas as partes dentro da crise fiscal é fundamental”. Assim como Fonteles, Macedo também criticou a criação do Comitê Gestor Nacional no formato inicial da proposta, pois na sua visão pode prejudicar o posicionamento dos municípios dentro do novo sistema. Além disso, suge-

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Leonardo Coelho

A tarde do dia 18 de junho, segundo dia de palestras do Congresso, começou com o painel “Administração Tributária no século XXI”, moderado pelo Presidente da Unafisco Nacional, Mauro Silva.

O primeiro a falar foi o Coordenador-Geral de Fiscalização da Receita Federal do Brasil, Flávio Vilela, que apresentou uma pesquisa sobre o tratamento dado aos crimes contra a ordem tributária em outros países do mundo. Flávio exibiu dados e comparou como os países

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Debate sobre o modelo da Administração Tributária no século XXI

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lidam com a extinção da punibilidade pelo pagamento dos tributos e multas. “No Brasil, se um furto é cometido, mesmo com a devolução do bem furtado, não há a extinção da pena. Por outro lado, numa sonegação de bilhões, com toda a estrutura de uma organização criminosa, se os tributos sonegados forem pagos, a pena extinta. Isso é uma clara afronta ao princípio da isonomia”, comentou Vilela. Na sequência, o Coordenador-Geral do Encontro Nacional dos Coordenadores e Administradores Tributários Estaduais (ENCAT), Eudaldo de Jesus, apresentou a visão da instituição, bem como os projetos que o ENCAT desenvolve para tornar a tributação mais simples e efetiva. Eudaldo disse que é importante trabalhar para o desenvolvimento de sistemas de cooperação tributária. “Nós temos que mudar a Administração Tributária. Temos que ter a coragem de construir sistemas integrados. É preciso trazer a arrecadação tributária para o tempo presente. O grande desafio é quebrar os paradigmas, mas só realizaremos mudanças se tivermos coragem de correr riscos”, pontua. Eudaldo disse ainda que o caminho para o desenvolvimento da Administração Tributária é o investimento em desenvolvimento de tecnologia. “Comparando números de


O grande desafio é quebrar os paradigmas, mas só realizaremos mudanças se tivermos coragem de correr riscos” — Eudaldo de Jesus, Coordenador-Geral do ENCAT

O Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Tributário, Luis Eduardo Schoueri, trouxe a visão do contribuinte e da academia e falou sobre a transparência nas relações tributárias, que, de acordo com ele, não deve ficar restrita apenas a quem paga os tributos, mas se estender a todo o sistema. “Para se falar em nova relação, é preciso pensar na previsibilidade da atuação da

administração pública. O contribuinte precisa saber o que é feito com o dinheiro”. Schoueri falou ainda sobre pontos da MP n.º 685/2015 que influenciaram na não aprovação da medida. “A MP 685 se baseou na ação 12 do BEPS, mas não colocou em prática a transparência e a bilateralidade dessa ação”. Luis Eduardo fez críticas à troca internacional de informações fiscais. “O fisco século XXI é um fisco que troca informações, mas é preciso fazer isso com cuidado. A transparência forçada do contribuinte traz riscos”, comentou Schoueri.

O professor da Escola de Economia da FGV, Nelson Machado, foi o debatedor do painel e fez suas considerações ao final das apresentações. Nelson destacou a importância da simplificação nas leis de tributação. “Se não tivermos leis mais simples, não poderemos falar em administração tributária do século XXI. Pelo contrário, teremos uma tributação ultrapassada. É preciso mudar a legislação substantivamente. A administração tributária, do ponto de vista operacional no século XXI, precisa de tecnologia de informação, capacitação e transparência”, finalizou o professor.

A administração tributária, do ponto de vista operacional, no século XXI, precisa de tecnologia de informação, capacitação e transparência. ”

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2010 e 2018, as marcas que mais investiram em desenvolvimento de tecnologia e soluções foram as que apresentaram melhores resultados. Da mesma forma, precisamos otimizar os processos para melhorar a eficiência da tributação. Não precisamos estar em todos os pontos de sonegação. Precisamos estar, estrategicamente, nos pontos de sonegação quem tem maior importância”. Ele defendeu, também, a simplificação tributária e a facilitação para que o contribuinte possa se autorregularizar. “Temos que facilitar ao contribuinte autorregularizar-se, e isso é trabalho do auditor. Para isso, é necessário que os auditores estudem meios para propiciar essa autorregularização por parte do contribuinte. Não precisamos estar em todos os pontos de sonegação. Precisamos estar, estrategicamente, nos pontos de sonegação que tem maior importância”, finalizou Eudaldo.

— Nelson Machado, professor da Escola de Economia da FGV

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O papel da tributação no combate às desigualdades Felipe Nascimento

Qual a função da tributação na redução das desigualdades sociais e econômicas? Essa foi a pergunta que norteou o painel “O papel dos impostos no combate às desigualdades”, ocorrido no dia 18 de junho. Moderado pelo vice-presidente do Sinafresp, Glauco Honório, o debate contou com a participação do Deputado do Parlamento Europeu, Miguel Viegas, do economista Eduardo Moreira e do auditor fiscal do Rio Grande do Sul, Giovanni Padilha. Pela primeira vez no Brasil, Miguel Viegas abriu a discussão explicando como o parlamento europeu tem trabalhado para garantir uma fiscalidade mais justa e equitativa, combatendo também os paraísos fiscais. Segundo o eurodeputado, há uma tradição muito forte de redistribuição de renda na Europa. “A despesa pública global de cada país médio da União Europeia (UE) representa em torno de 50% do PIB. Metade deste valor é de redistribuição, que ocorre através das reformas e de um conjunto muito vasto de ações que têm como objetivo assegurar uma distribuição do rendimento que seja mais justa e equitativa”, disse.

Viegas pontuou as principais medidas do parlamento europeu para combater as fraudes e a evasão fiscal na UE. Dentre elas estão: monitorar o pagamento de impostos onde os lucros das empresas são gerados, prezar pela transparência com a verificação do registro de entidades beneficiadas, entendendo, assim, quem está por trás das empresas, receber relatórios constantes dos países, além da troca automática de informações dentro do bloco. Neste contexto, o político europeu ressaltou que todos devem trabalhar para mobilizar e conscientizar as pessoas sobre uma fiscalização mais justa. “Esta é uma batalha diária e podemos dizer que avançamos. A opinião pública é muito importante e é só por meio de uma mobilização crítica que essa batalha continuará avançando e obrigando os governos a atuarem contra essa iniquidade fiscal que existe em muitos países”, concluiu.

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Só por meio de uma mobilização crítica que obrigaremos os governos a atuarem contra a iniquidade fiscal” — Miguel Viegas

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Em seguida, o economista Eduardo Moreira apresentou os números da desigualdade social e econômica no mundo, e de como a redistribuição de renda pode amenizar os efeitos da disparidade entre ricos e pobres. “Se mantivermos a distribuição de renda que existe hoje, com apenas US$ 5,50 por habitante do mundo por dia, para que ninguém vivesse abaixo da linha da pobreza, a economia do mundo teria que crescer 175 vezes. Ou seja, não existe solução matemática que não passe por uma redistribuição de riquezas”, disse. Moreira pontuou que o Brasil é campeão em desigualdade e o país que mais concentra renda no mundo. Para ele, entre diversos países, o Estado brasileiro é o que mais cobra impostos sobre bens e serviços, o que corresponde a cerca de 48% da carga tributária. “Os mais afetados são os pobres, pois eles gastam tudo o que ganham e não conseguem poupar”. O palestrante ainda enfatizou que os países mais desenvolvidos do mundo não são os que têm os ricos mais ricos, mas os que têm os pobres mais ricos. “Nestes países ninguém é um peso econômico, todo mundo acorda todos os dias e consegue dar a sua contribuição para a geração de riquezas”. Segundo o economista, também é difícil falar em meritocracia no Brasil. Para comprovar isso, ele apresentou um estudo mostrando que os 10% mais pobres demoram até dez gerações para alcançar a renda média nacional. “Onde existe desigualdade não existe meritocracia. Não tem como, não dá para falar em meritocracia”, ressaltou.

Para finalizar, Moreira apresentou a solução para reduzir a pobreza e as desigualdades no Brasil. “Nenhum país saiu da pobreza ou reduziu a desigualdade combatendo corrupto ou matando bandido. É claro que temos que combatê-los e aplicar a lei, mas todas as nações que deram a volta por cima começaram com a universalização do ensino, da saúde, com a busca do pleno emprego e com a redistribuição de renda. Se nós fizermos isso, com a ajuda de uma reforma tributária eficiente, poderemos voltar a ter esperança em um futuro melhor para o país”, concluiu.

IVA E A REDISTRIBUIÇÃO DE RENDA Para encerrar o painel, Giovanni Padilha abordou sobre o papel do IVA no processo de redistribuição, tendo em vista a redução da participação do imposto de renda. “Quando nós analisamos a participação do IR das pessoas físicas na redistribuição, percebemos claramente que ele tem cedido espaço para os tributos sobre o consumo, que são mais regressivos. Assim, precisamos ampliar a participação da base do imposto de renda e considerar os impostos sobre o consumo como um ator também importante dentro desse processo de redistribuição”, afirmou. No término das apresentações, o público realizou perguntas aos palestrantes para enriquecer o debate. Questionado sobre como tornar os impostos menos agressivos, Eduardo Moreira foi enfático: “Precisamos ter o senso de nação. O Brasil aprendeu a ter ódio do Estado, dos servidores que se dedicam ao país. A partir do momento que passarmos a entender a importância que vocês, servidores, têm no trabalho do país, nós conseguiremos mostrar a importância do imposto e, assim, seguir como um povo forte”.

Onde existe desigualdade, não existe meritocracia” — Eduardo Moreira

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“SOMOS O PAÍS CAMPEÃO EM DESIGUALDADES”, AFIRMOU EDUARDO MOREIRA

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Luanna Martins

Conhecido por sua efetividade e prestígio na União Europeia e em diversos países ao redor do mundo, o IVA (Imposto sobre o Valor Agregado) e suas aplicações foram debatidas durante o Congresso. O IVA surgiu na França em 1954 e ao longo dos anos se espalhou pelo restante da Europa. Na década de 80, a Nova Zelândia propôs uma reestruturação no modelo original, denominado como IVA Moderno, que foi aderido por países da América Latina, Ásia e partes da África. Com o passar dos anos, este também passou por reformulações e se tornou o modelo que é conhecido e utilizado por mais de 160 países ao redor do mundo atualmente: o IVA Pós-Moderno. Sua disseminação ao redor do mundo foi considerada por especialistas como “o evento mais importante na evolução da estrutura tributária do século XX”. painel

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IVA europeu pode ser exemplo para a reformulação do modelo tributário no Brasil

O painel que discutiu o IVA europeu foi mediado pelo 30

presidente da APIT, Nuno Barroso, e contou com a participação do presidente da Anafisco, Cássio Vieira, e de renomadas personalidades técnicas e acadêmicas internacionais, como a professora de Direito Tributário da Universidade de Leeds e pesquisadora da Universidade de Oxford, Rita de La Feria; o especialista da Ordem dos Advogados de Portugal em Direito Fiscal e professor da Universidade Portucalence, Pedro Marinho Falcão; e a Conselheira de Finanças da Embaixada da Espanha no Brasil, Antoinette Musilek. Rita de La Feria expôs um panorama geral sobre o IVA e suas tendências mundiais, destacando suas vantagens técnicas sobre outros impostos, especialmente em relação a eficácia e neutralidade da arrecadação. “Esse é um imposto muito bom, pois facilita a arrecadação e diminui os custos administrativos para a coleta, beneficiando o Estado. No olhar do contribuinte também é positivo, uma vez que não distorce a economia e as de-


cisões de investimento, pois se baseia na arrecadação de alíquota de destino, evitando o que denominamos como Guerra Fiscal”, explicou. A forma de tributação no Brasil também foi destacada por La Feria como a principal causa para as desigualdades regionais existentes. “O Brasil tributa na origem e no destino, então quando o local de produção passa a ter impacto no orçamento, Estados com alíquotas menores são mais bem vistos, gerando um conflito dentro do próprio país”.

são vendidas por diversas vezes entre empresas ilícitas através de fronteiras”. O advogado e professor Pedro Marinho Falcão explicou, durante apresentação, como a troca de informações fiscais na UE tem sido instrumento de combate à fraude e evasão fiscal, facilitando o controle eficaz da receita e a sua melhor forma de arrecadação. “Em 2010 foi criada a rede Eurofisc, composta por todos os países da EU, com o objetivo de facilitar a cooperação na luta contra a fraude carrossel do IVA”.

O Brasil tributa na origem e no destino, então quando o local de produção passa a ter impacto no orçamento, Estados com alíquotas menores são mais bem vistos, gerando um conflito dentro do próprio país”. — Profª Rita de La Feria

Complementando a fala de Nuno Barroso, a Conselheira Antoinette Musilek disse que um modelo efetivo de arrecadação como o IVA, mesmo com todos os seus pontos positivos, deve ser atualizado. “O mundo está cada vez mais modernizado; as empresas que eram domésticas se internacionalizaram e agora se digitalizaram. Com a internet, a economia também se tornou digital e, infelizmente, a sonegação se modernizou. Todos esses são fatores para que o sistema tenha que se reciclar em busca de proteção e maior efetividade”. Trazendo um olhar voltado para a situação do sistema tributário no Brasil, Cássio Vieira disse que o modelo do imposto europeu é um bom exemplo e a proposta nacional (PEC 45) superou as expectativas dos projetos apresentados anteriormente. Mesmo assim, ainda há a necessidade de alguns ajustes. “Não adianta adotarmos paradigmas de outros países sendo que a nossa realidade é muito mais complexa. Precisamos buscar a nossa própria solução para o nosso ambiente”, disse.

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Nuno Barroso declarou que, assim como o Brasil passa por um momento em que se faz necessária uma alteração em seu sistema tributário, a União Europeia também busca mudanças significativas no IVA, especialmente no que se diz respeito ao combate à sonegação. “Atualmente, cerca de 50 bilhões de euros são sonegados na Europa, por meio do que denominamos como fraude carrossel, que é quando as mesmas mercadorias

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As relações Fisco-Contribuintes Leonardo Coelho

O último painel do Congresso Luso-Brasileiro, no dia 19 de junho, debateu as relações fisco-contribuintes e foi moderado pela presidente da Associação dos Funcionários Fiscais do Estado de Minas Gerais, Maria Aparecida Meloni, Papá.

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O primeiro a se apresentar foi o Perito do Conselho da Europa e Professor da Universidade Portucalense, Paulo de Morais, que falou sobre ética e equidade ao serviço do contribuinte e a relação com o fisco do ponto de vista português. “A primeira forma como o contribuinte deve analisar sua relação com o fisco é constitucionalmente. Portanto, a questão que se coloca, em primeira análise para o contribuinte português, é saber se a Constituição está sendo cumprida pela lei fiscal, já que ela não é apenas um regulamento para os cidadãos cumprirem. A Constituição é um tratado que o Estado faz com os seus cidadãos e é ele que está obrigado a cumprir tais prerrogativas”. Morais ainda analisou pontos da Constituição Portuguesa em relação aos tributos. Um deles diz que a tributação do patrimônio deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos. De acordo com Paulo, isso atualmente não acontece em Portugal, devido à grande quantidade de benefícios fiscais que foram introduzidos no sistema do país. “Desde que o atual sistema português entrou em vigor, a partir de 1986, os benefícios têm sido introduzidos 32

de tal forma que causam, de fato, uma confusão fiscal e o imposto sobre o patrimônio acaba sendo cobrado de maneira desproporcional entre os cidadãos. Enquanto uns utilizam mecanismos que permitem isenção de bens de alto valor, outros, que possuem bens menos valorizados, não têm esse mesmo direito. Dessa forma, o que acontece é que, quem paga mais é exatamente quem tem menos, contrariando o que diz a Constituição Portuguesa”, comenta Morais. Ele disse, ainda, que a fraude fiscal começa justamente com o descumprimento do que está previsto constitucionalmente. “Quando não há equidade, a primeira grande evidência de fraude fiscal é a própria legislação”. Por fim, ele ressaltou que é necessária uma reforma da tributação, tanto em Portugal, quanto no Brasil, de forma estratégica, para se promover a simplificação e a transparência. “Sem equidade na receita e transparência na despesa, a meu ver, o sistema não chega a ser verdadeiramente democrático”, finalizou Paulo de Morais. Em seguida, a Presidente da Associação Brasileira de Direito Tributário (ABRADT), Misabel Derzi, iniciou sua apresentação. Ela defendeu, contrariamente ao que ela chamou de tendências liberalistas e neoliberalistas, que o Estado deve se manter forte. “O Estado deve se manter nutrido de recursos suficientes para fazer cumprir a Constituição, garantir a segurança jurí-


dica, a redução das desigualdades e manter a liberdade moral. Uma sociedade em que a grande massa do povo só tem a opção de sobreviver, sem margem de opção, não é uma sociedade livre. O Estado brasileiro tem que criar o próprio desenvolvimento nacional”. Misabel disse ainda que, hoje, o contribuinte se aproxima muito mais de um cliente a exigir a qualidade dos serviços e que a Administração Tributária se esforça para se estruturar como uma administradora, não só de controle, mas também de serviços. Ela declarou também que os auditores são facilitadores e peças-chave para o cumprimento voluntário das obrigações tributárias. A presidente finalizou falando da importância dos auditores fiscais. “As relações fisco-contribuinte são de altíssima relevância. O papel dos auditores fiscais não é só o de sujeição, mas o de pontuar a democracia no dia-a-dia, aumentar o cumprimento das obrigações voluntárias, e impor o cumprimento da Constituição Brasileira”, finalizou Misabel.

É necessária uma tributação para além da imposição. É preciso que haja, também, orientação.” — André Correa, Professor da Escola de Direito da FGV

O professor da FGV, André Correa, falou sobre a relação fisco-contribuinte na visão da Academia. “A relação entre fisco e contribuinte se dá a partir de dois deveres, que deverão estar esclarecidos em uma Lei Orgânica que regule essa interação”. O professor ainda comentou sobre a maneira como o contribuinte vê a sua relação com o fisco. “Embora não seja uma relação de correspectividade estrita, no sentido de ‘estou comprando um serviço’, há sim um sentimento de ‘estou contribuindo para essa máquina de construir civilização’. Luz elétrica, água encanada, segurança e outros pontos do Estado Moderno só são possíveis com o pagamento de tributos”.

garantir que haja equidade é garantir que as operações sejam visíveis. A ideia de que somos vistos, faz com que cumpramos as regras”. Para finalizar, Correa disse que a Lei Orgânica pode ser a oportunidade para regular a interação fisco-contribuinte e para trazer um recomeço à cidadania-fiscal. Em seguida, o Vice-Presidente do Comsefaz – região Sudeste, Secretário da Fazenda do Rio de Janeiro e debatedor neste painel, Luiz Claudio Rodrigues de Carvalho, falou sobre a falta de transparência no sistema tributário brasileiro. “O que nos faz participar de um congresso como este é a possibilidade de refletir e agir, em sequência. A desorganização, do ponto de vista federativo, se não é completa, está muito próxima de ser. Falta transparência orçamentária”, comentou o Vice-Presidente. Ele falou ainda sobre a falta de autonomia dos Estados e o quanto isso prejudica a distribuição dos tributos. “O federalismo começa pelo pagamento dos impostos e distribuição da carga arrecadada. Precisamos de mais autonomia dos Estados. Precisamos de mais Brasil e menos Brasília”, finalizou.

O federalismo começa pelo pagamento dos impostos e distribuição da carga arrecadada. Precisamos de mais autonomia dos Estados. Precisamos de mais Brasil e menos Brasília. ” — Luiz Claudio Rodrigues de Carvalho, Vice-Presidente do Comsefaz – região Sudeste

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Correa comentou também sobre a importância de manter os cidadãos informados sobre seus deveres tributários e orientá-los sobre como cumpri-los. “É necessária uma tributação para além da imposição. É preciso que haja, também, orientação. Um ponto fundamental para 33


Lei Orgânica da Administração Tributária (LOAT) e as Relações Fisco-Contribuintes Leonardo Coelho

A tarde do último dia do Congresso Luso-Brasileiro começou com o painel sobre a Lei Orgânica da Administração Tributária e as relações Fisco-Contribuintes, moderado pelo Presidente de honra da Febrafite, Roberto Kupski. O primeiro a falar foi o Segundo Vice-Presidente da Afresp e Coordenador do Movimento Viva, José Roberto Soares Lobato. Lobato apresentou uma avaliação da situação do fisco do Estado de São Paulo, mostrou os efeitos da mudança de paradigma da relação fisco-contribuinte sobre a administração tributária e citou argumentos que justificam a necessidade de uma lei orgânica para os fiscos estaduais, em especial para o paulista. “Temos um ambiente de tributação de consumo economicamente ineficiente e com uma complexidade crescente, o que culmina num federalismo fraturado. Os primeiros passos para saída da crise fiscal são uma lei de conformidade e melhorias na qualidade da tributação do consumo e da gestão tributária. O atual modelo é tóxico e valoriza a arrecadação acima de quaisquer outros princípios que ela deveria resguardar, como equidade e neutralidade”, pontua o Lobato.

Os primeiros passos para saída da crise fiscal são uma lei de conformidade e melhorias na qualidade da tributação do consumo e da gestão tributária. ” — José Roberto Soares Lobato, Coordenador do Movimento Viva

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Entre outras diretrizes, a Lei Orgânica que o Movimento Viva propõe visa facilitar e garantir o cumprimento das obrigações tributárias; a autonomia funcional, orçamentária e financeira da administração tributária; a observância dos limites legais na gestão dos tributos; a excelência nos processos de gestão; e a valorização profissional com remuneração adequada e atualização permanente dos recursos humanos. “A solução para o desmantelamento do sistema tributário do Brasil é uma 34

reforma, e essa reforma depende de fatores técnicos e políticos. Esse é o caminho que vamos perseguir, e um dos passos em direção à mudança na relação fisco-contribuinte é o Programa de Conformidade Fiscal, que procura estruturar essa interação de forma mais generosa. O outro é a própria LOAT que, certamente vai trazer mais disciplina para esta relação”, finaliza Lobato. Os professores da FGV Eurico de Santi e Fernando Marcato comentaram sobre o projeto de redação de uma Lei Orgânica da Administração Tributária, desenvolvido por 24 estudantes do terceiro período do curso de Direito na Fundação Getúlio Vargas. Santi falou da importância de uma reforma que atinja a todos os atores envolvidos na tributação. “Não adianta termos o melhor sistema tributário do mundo, se não fizermos, ao mesmo tempo, ajustes no fisco e em todo o sistema. Estamos trabalhando para criar um tributo nacional, e para isso é fundamental criar, também, uma estrutura que envolva e proporcione um trabalho cooperativo ao fisco”, comentou Eurido de Santi. Em seguida, quatro estudantes foram convidados a apresentar o projeto. Finalizando a discussão, o Pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV (NEF-FGV), Isaías Coelho, debatedor no painel, elogiou o projeto apresentado e falou sobre a importância de uma reforma para o crescimento do país. “É preciso eliminar os conflitos desnecessários, mas apenas simplificar os procedimentos não basta. Se o imposto estiver mal desenhado, as operações acessórias terão de ser complexas para fazê-lo funcionar. Não queremos um país pobre para as próximas gerações. Queremos avançar, e, para isso, uma das coisas a se fazer é reformar a fiscalidade”, finalizou Coelho.


Palestra sobre a importância do fator humano na administração tributária encerra 4º Congresso Felipe Nascimento

“Não há modelo de tributo eficiente sem o fator humano na sua aplicação”, afirmou o Professor Heleno Torres na última palestra do 4º Congresso Luso-Brasileiro, realizada no dia 19 de junho. Com o tema “A importância do elemento humano na Administração Tributária do século XXI”, o palestrante destacou a necessidade se aperfeiçoar a comunicação com os contribuintes e que, apesar da informatização e do crescimento da tecnologia, a inteligência humana ainda se sobrepõe na realização dos processos na administração pública.

O professor pontuou o quanto a troca internacional de informações é necessária para evitar tratamentos divergentes entre fisco e contribuintes. “Quantos municípios e Estados estão aproveitando essa onda, solicitando na Receita Federal a complementação de dados sobre contribuinte em caso de prestações de serviços, ou em caso de troca de mercadorias? É preciso utilizar adequadamente essa economia globalizada em favor desses êxitos para eliminar a sonegação fiscal, garantir a isonomia e criar as condições de uma relação harmoniosa com o contribuinte”.

Por que não podemos construir aqui uma relação de confiança legítima entre a sociedade e as autoridades tributárias?” — Professor Heleno Torres

Neste contexto, Torres enfatizou que o contribuinte brasileiro continua a esperar mais da administração pública.

Como exemplo comparativo, citou um estudo realizado em setembro de 2017 na Suécia sobre a popularidade das autoridades fiscais no país. “Toda a sociedade ficou perplexa com o resultado. Sete em cada 10 suecos estão muito felizes com a arrecadação e com a forma de relacionamento entre o fisco e os cidadãos. Apesar das diferenças entre os países, o resultado nos traz um grande desafio: por que não podemos construir aqui uma relação de confiança legítima entre a sociedade e as autoridades tributárias com esse mesmo sentimento?” Segundo Torres, a desvalorização dos servidores mais experientes tem sido uma tendência recorrente no fisco e em outros segmentos do setor público. “O pior que pode acontecer na administração pública é a perda dos mais experientes. Nós temos é que aprender com eles. Há também outras questões como a falta de estímulo do servidor, por exemplo. E é aí que a administração tributária precisa ser inclusiva, criar condições para que eles sejam bem aproveitados com suas experiências e, mais do isso, criar mecanismos para compartilhar suas experiências com os mais jovens”, pontuou. Para encerar, o palestrante reiterou que não há nada mais importante no exercício dos deveres da administração tributária do que a preocupação com o fator humano. “Independentemente das melhores máquinas que tenhamos, da inteligência artificial que se concretize no âmbito da administração pública, o fator hu-

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“Em uma era de amplo uso de inteligência artificial e da alta tecnologia, a inteligência humana, aquela dos sentimentos, das relações, da integração com os demais órgãos do Estado e com a própria sociedade civil continua a prevalecer. Muito se falou da informatização, da reforma dos tributos, mas não podemos esquecer do fator humano”, afirmou Torres.

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mano será sempre fundamental e preponderante nas relações com o contribuinte. Tanto o pagador quanto o cobrador de impostos se integram em uma grande relação na qual Estado e população visam o mesmo projeto: uma sociedade maior, melhor e mais forte. “Não há modelo de tributo eficiente sem o fator humano na sua aplicação”, afirmou o Professor Heleno Torres na última palestra do 4º Congresso Luso-Brasileiro, realizada no dia 19 de junho. Com o tema “A importância do elemento humano na Administração Tributária do século XXI”, o palestrante destacou a necessidade se aperfeiçoar a comunicação com os contribuintes e que, apesar da informatização e do crescimento da tecnologia, a inteligência humana ainda se sobrepõe na realização dos processos na administração pública. “Em uma era de amplo uso de inteligência artificial e da alta tecnologia, a inteligência humana, aquela dos sentimentos, das relações, da integração com os demais órgãos do Estado e com a própria sociedade civil continua a prevalecer. Muito se falou da informatização, da reforma dos tributos, mas não podemos esquecer do fator humano”, afirmou Torres. O professor pontuou o quanto a troca internacional de informações é necessária para evitar tratamentos divergentes entre fisco e contribuintes. “Quantos municípios e Estados estão aproveitando essa onda, solicitando na Receita Federal a complementação de dados sobre contribuinte em caso de prestações de serviços, ou em caso de troca de mercadorias? É preciso utilizar adequadamente essa economia globalizada em favor desses êxitos para eliminar a sonegação fiscal, garantir a isonomia e criar as condições de uma relação harmoniosa com o contribuinte”. Neste contexto, Torres enfatizou que o contribuinte brasileiro continua a esperar mais da administração pública. Como exemplo comparativo, citou um estudo realizado em setembro de 2017 na Suécia sobre a popularidade das autoridades fiscais no país. “Toda a sociedade ficou perplexa com o resultado. Sete em cada 10 suecos estão muito felizes com a arrecadação e com a forma de relacionamento entre o fisco e os cidadãos. Apesar das diferenças entre os países, o resultado nos traz um grande desafio: por que não podemos construir aqui uma relação de confiança legítima entre a sociedade e as autoridades tributárias com esse mesmo sentimento?”

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Segundo Torres, a desvalorização dos servidores mais experientes tem sido uma tendência recorrente no fisco e em outros segmentos do setor público. “O pior que pode acontecer na administração pública é a perda dos 36

mais experientes. Nós temos é que aprender com eles. Há também outras questões como a falta de estímulo do servidor, por exemplo. E é aí que a administração tributária precisa ser inclusiva, criar condições para que eles sejam bem aproveitados com suas experiências e, mais do isso, criar mecanismos para compartilhar suas experiências com os mais jovens”, pontuou. Para encerar, o palestrante reiterou que não há nada mais importante no exercício dos deveres da administração tributária do que a preocupação com o fator humano. “Independentemente das melhores máquinas que tenhamos, da inteligência artificial que se concretize no âmbito da administração pública, o fator humano será sempre fundamental e preponderante nas relações com o contribuinte. Tanto o pagador quanto o cobrador de impostos se integram em uma grande relação na qual Estado e população visam o mesmo projeto: uma sociedade maior, melhor e mais forte.

VEM AÍ O 5º CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO! O presidente da APIT, Nuno Barroso, aproveitou a oportunidade para lançar o próximo Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais, que ocorrerá em Portugal, na cidade de Algarve, em 2020.

REDE IBERO-AMERICANA DE AUDITORES FISCAIS O presidente de honra da Febrafite, Roberto Kupski, anunciou a diretoria eleita da Rede Ibero-Americana de Auditores Fiscais (REDE), uma entidade que reúne associações que representam auditores fiscais e inspetores tributários e aduaneiros dos países de língua portuguesa e espanhola. A diretoria eleita é composta pelo português Nuno Barroso (presidente), Rodrigo Spada (1º vice-presidente), Mauro Silva (2º vice-presidente), Juracy Soares (diretor financeiro) e terá um mandato de 02 anos (2019-2021). A REDE está aberta a todos os contributos de Entidades que reconheçam na nova entidade um projeto aglutinador e fomentador da excelência do exercício das nossas funções mas também impulsionador e defensor da justiça fiscal como base para a justiça social. De acordo com Nuno Barroso, a REDE tem não apenas o objetivo de zelar pelos interesses jurídicos, económi-


cos e funcionais dos profissionais da Auditoria Fiscal, Inspeção e Fiscalização Tributária e Aduaneira, junto às instituições supranacionais, dos governos e parlamentos ou casas legislativas de cada País, Estado e Municípios. “Além se constituir como um parceiro incontornável das administrações fiscais, dos governos nacionais, estaduais e municipais, em todas as discussões em torno de matérias fiscais, contribuindo para a defesa intransigente das missões a que nos dedicamos enquanto servidores públicos: Justiça, Transparência e Equidade”, completa.

PALAVRAS FINAIS Após o término da palestra, presidentes e representantes das entidades fizeram suas considerações finais, enfatizando a relevância do 4º Congresso Luso-Brasileiro na discussão dos desafios dos tributos no Brasil. “É emocionante ver que os auditores fiscais do Brasil estão cada vez mais unidos na luta por aquilo que se pretende em qualquer país: justiça social por meio de justiça fiscal. É muito importante ver essa casa cheia, sempre interessada em participar e discutir aquilo que será importante para nós enquanto servidores, para a população em geral e para o futuro do país”.

A REDE promove igualmente um trabalho permanente de apoio à formação e ao intercâmbio de informações, opiniões e experiências, entre estes profissionais, e procurará de igual forma, e conscientes do seu papel na Sociedade, promover e defender ações de Cidadania e Educação Fiscal. Tendo como base de atuação os princípios de Unidade e Solidariedade, a REDE constitui-se assim como espaço privilegiado de discussão e debate, em defesa dos Auditores Fiscais e da sua Missão.

“No momento em que estamos na iminência daquela que, possivelmente, será a maior reformulação do sistema tributário, eventos como o Congresso Luso-Brasileiro adquirem uma relevância especial, sobretudo por representar mais um passo na indispensável aproximação das administrações tributárias do país”. — Marchezan Albuquerque Taveira, diretor de Comunicação do Sindifisco

— Nuno Barroso, presidente da APIT

— Mauro Silva, presidente da Unafisco Nacional

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“Fiquei muito honrado de participar da organização deste evento que me trouxe uma alegria muito grande, principalmente neste momento tão importante de reforma tributária. O Brasil necessita deste tipo de reflexão e a união entre os fiscos municipal, estadual e federal e os colegas de Portugal, traça um caminho bem largo para que a gente possa melhorar o relacionamento fisco-contribuinte, bem como garantir uma arrecadação tributária mais justa”.

“Costumo dizer que é no diálogo que a gente cresce. É ele que nos humaniza e nos ajuda a criar empatia e ver a perspectiva do outro. Tenho certeza de que tudo o que foi dito durante o Congresso contribuiu para que os debates fossem lançados e principalmente para nos mostrarmos como atores importantes de qualquer mudança que estejam pensando para este país. Sem o fisco, nada é possível. Somos o primeiro bastião do Estado, o primeiro que se apresenta no relacionamento com a sociedade e a porta de entrada para a cidadania. Parabéns a todos e até o próximo Congresso em 2020!” — Rodrigo Spada, presidente da Afresp

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Affemg leva 71 participantes e ganha prêmio Raquel Capanema

A delegação da Affemg foi reconhecida mais uma vez pelo maio número de participantes cadastrados no 4º Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais. Para associados e representantes do fisco mineiro essa foi uma oportunidade ímpar para se atualizar e trocar informações. O Superintendente Regional da Fazenda II, de Contagem, Antônio de Castro Vaz de Mello Filho, ficou muito satisfeito “participei pela primeira vez, em meus quase 25 anos de SEF, de um Congresso promovido pelas entidades associativas do fisco brasileiro. A expectativa já era grande antes mesmo do evento, em especial pelos palestrantes confirmados. Ao término a experiência foi exponencialmente melhor.” E, completou, “ o brilhantismo do evento ampliou-se com a participação de nossos irmãos portugueses que nos trouxeram as experiências de reformas já vivenciadas pelos fiscos europeus.”

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Geraldo Datas, AFRE e conselheiro do CC/MG disse que “o Congresso trouxe, sob diversos pontos de vista, a discussão de temas da maior relevância para a construção de uma reforma tributária sustentável, comprometida com valores democráticos e com a preservação da autonomia

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dos Estados e de Municípios, valores tão caros à garantia do exercício da cidadania.” A Auditora Fiscal, Alessandra Marise Ribeiro Gomes da Silva, concordou com o colega. Ela contou que a experiência também superou suas expectativas e foi muita rica “porque, tratou de assuntos atuais da nossa carreira em um momento importante de mudanças no cenário econômico, social e tecnológico”, explicou. Para João Alberto Vizzoto, o Auditor Fiscal e ex-subsecretário da Receita Estadual, o evento foi um sucesso, “agregou conhecimento, tanto no que pensamos sobre a reforma tributária quanto no modelo de administração tributária que queremos no futuro. As discussões como a que tivemos no Congresso, fortaleceram nossas convicções de que estamos diante de um novo Auditor Fiscal e de que precisamos, a cada dia, agregar valor à nossa profissão”, concluiu. A segunda maior delegação presente nos três dias de evento foi a do Estado do Mato Grosso do Sul.



Veja o que falaram os representantes das associações filiadas que estiveram no #LusoBrasileiro

A excelência na realização do 4º Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais é motivo de regozijo para toda a família Febrafite. Fomos brindados com um evento que fez história, de altíssimo nível, tanto no quesito do congraçamento quanto no critério técnico. Nota 10 em tudo. Muito orgulhoso de fazer parte desse time! José Caetano Mello Júnior, presidente da Aaffepi/PI

Essa edição do congresso foi extremamente produtiva, pois conseguimos reunir em um amplo debate, Auditores Fiscais, grandes nomes do meio acadêmico luso-brasileiro, bem como autoridades políticas ligadas à tributação, vislumbrando um horizonte claro e positivo para a tão necessária Reforma Tributária brasileira.

A Febrafite e nós, Associações representantes dos Auditores Fiscais de Tributos Estaduais, crescemos com o 4º Congresso Luso-Brasileiro, o qual alcançou grande visibilidade e, mais uma vez, nos deu oportunidade de discussão e participação em temas atuais e de grande importância no cenário nacional.

Dos congressos nacionais e internacionais da Febrafite de que participei, o de São Paulo foi o mais importante do ponto de vista técnico, muito rico.

O 4º Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais, realizado em São Paulo, em junho de 2019, foi um bom momento para trocarmos conhecimentos com Auditores Fiscais de outros estados, da Receita Federal, como também de Portugal. Foi uma oportunidade de discutirmos a nova relação fisco-contribuinte que está evoluindo de um modelo mais distante e fiscalizador para um modelo mais próximo e orientador. É o caminho!

Antônio Luiz Barbosa, presidente da Aafit/DF

Marcelo Mello, presidente da Afisvec/RS

Flávio Emílio Rodrigues Auerswald, presidente da Afismat/MT

Maria Teresa de Siqueira Lima, presidente da Afites/ES

Fiquei muito honrado e satisfeito de poder representar a Afrerj neste Congresso, que abrangeu temas abordados com precisão cirúrgica e mestria. Parabéns à todos! Walter de Aguiar Amazonas Filho, Diretor Cultural da Afrerj/RJ

Na Febrafite, estamos aprendendo e aprimorando o trabalho da representação classista a cada novo evento que realizamos. O Congresso Luso-brasileiro confirmou, mais uma vez, a assertividade da Federação na escolha do tema e sua proposta de trazer para os Auditores Fiscais a visão mais abrangente sobre as diversas propostas de Reforma Tributária em curso, eixo central do programa. Devo destacar a parceria, sempre muito enriquecedora, com a Apit que nesse evento, foi decisiva para a difícil tarefa de reunir palestrantes europeus de primeira grandeza. Para além da dedicação e eficiência na organização do Congresso, congratulo-me com a Afresp e equipe, pela belíssima e inesquecível cerimônia de abertura na Sala São Paulo. Por fim, um agradecimento às entidades membros da Febrafite que pensam, caminham e realizam juntas. Maria Aparecida Neto Lacerda e Meloni, Papá, diretora-presidente da Affemg/MG 40


É uma grande satisfação para nós, da Afresp, termos tido a honra de organizarmos este evento sobre um tema tão relevante, que é a questão tributária. É muito oportuno reunir as administrações tributárias dos estados brasileiros e de Portugal para discutir e trazer contribuições importantes para este tema, principalmente por estarmos diante de um processo de reforma. Trazer experiências de outros estados e países agrega muito ao processo de construção de um novo sistema tributário brasileiro. É uma oportunidade para aprendermos e construirmos um modelo melhor para o nosso país. Denis Mângia, 1º Vice-Presidente da Afresp/SP

O mundo contemporâneo ganha nova perspectiva com a evolução do desenvolvimento de uma reforma tributária, que pode marcar a história do país. O Congresso Febrafite trouxe luz para a construção de um paradigma mais equilibrado entre o fisco e o contribuinte, o que fará uma conexão afinada com uma sociedade mais justa que pode nascer a partir de agora. José Ribamar Pinto Damasceno, presidente da Asfarn/RN

A experiência internacional que o Congresso proporcionou nos possibilitou expandir os horizontes e entender melhor o modelo tributário aplicado em outros países. Os temas debatidos e apresentados no 4º Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais foram de alto nível, extremamente atuais e relevantes para todo o fisco. Um ponto muito importante e enriquecedor neste ano foi, pela primeira vez, a participação dos nossos colegas do fisco Federal. Sem dúvidas, essa é uma parceria que deve ser mantida. O evento ficaria ainda mais rico, se tivesse sido apresentado mais de um contraponto sobre as proposta da Reforma Tributária. De modo geral, foi um congresso muito produtivo, parabenizo a todos responsáveis pela organização, estava impecável e muito bem estruturada. Cleudes Cerqueira de Freitas, diretor-presidente da Asfeb/BA

Acredito que o Congresso Luso Brasileiro correspondeu às expectativas dos participantes, tanto pela estrutura, organização e logística, quanto pelo conteúdo. Os palestrantes, todos de alto nível, apresentaram seus conhecimentos, teses e visões com foco no tema do Congresso, "Novo Paradigma da Relação Fisco-Contribuinte", relacionando suas apresentações com a realidade de transformações tecnológicas, sociais e políticas que estamos vivendo, bem como com as propostas de Reforma Tributária que estão sendo elaboradas e/ou propostas.

O Congresso da Febrafite, realizado em São Paulo, foi dos melhores, numa plêiade de tantos bons eventos, de igual jaez, que a federação tem realizado. Democrático e técnico, apresentou manifestações acerca da Reforma Tributária, sob o ponto de vista do governo, dos auditores fiscais, dos empresários, da academia, enfim, uma bela demonstração de debate com vieses diferentes. Está de parabéns a Febrafite, a Afresp e todas as associações estaduais do fisco brasileiro.

O Congresso foi sucesso total. O tema escolhido “Novo paradigma na relação fisco-contribuinte” possibilitou a reflexão rumo à simplificação do Sistema Tributário Brasileiro e a necessidade de preservar a autonomia dos entes federados, como bem salientou o estudo apresentado pelo IAF aos congressistas. O lançamento do Prêmio Nacional de Educação Fiscal coroou de êxito esse grande evento.

Geraldo Nogueira, presidente da Asfepa/PA

Jorge Couto, presidente da Audifisco/TO

Marcos Carneiro, presidente do IAF/BA

Congressos são sempre ótimas oportunidades de atualizar conhecimento e trocar experiências, e este não fugiu à regra. Abordou temas atuais, esclareceu dúvidas e apontou caminhos através das experiências dos fiscos de outros países. Tudo isso somados a uma ótima organização e uma grande participação. Foi um grande congresso! Carlos Gelson Ferreira de Oliveira, presidente da Asfit/AC O 4º Congresso Luso Brasileiro de Auditores Fiscais, realizado em parceria com a Unafisco Nacional, o Sindifisco Nacional e a Apit, primou pela excelência das palestras, cujos temas abordados foram de extrema relevância para a classe de Auditores Fiscais dos Estados e da União. Destaque também para a primorosa organização da Afresp pela pontualidade no cumprimento dos horários agendados, pelo local escolhido e, como não poderia deixar de ressaltar, pelo espetáculo proporcionado na abertura na Sala São Paulo, que emocionou a todos nós. Sérgio Sisnando, diretor da Auditece/CE 41


Breves notas sobre autonomia da administração tributária: matriz constitucional e modelos conceituais. Leilson Oliveira Cunha

Resumo

Auditor Fiscal da Receita Estadual Conselheiro junto a 2ª Câmara de Julgamento do Contencioso Administrativo Tributário do Ceará Graduado em Direito e Economia Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais

Nos dias presentes, observa-se nos mais diversos países, a realização de seminários, oficinas, debates e estudos sobre a melhoria das atividades desempenhadas pelas administrações tributárias com o fito de otimização na arrecadação das receitas públicas. Essas, por sua vez, são necessárias ao atendimento dos anseios de suas populações, frente aos desafios decorrentes de ambiência de internacionalização da economia – consequência do veloz desenvolvimento tecnológico trazido pela chamada era da informação, decorrendo em profundos impactos políticos, jurídicos, econômicos e sociais de forma global e singularmente no âmbito das soberanias nacionais. A concretização das rendas públicas necessárias, visando o cumprimento das responsabilidades imputadas ao Estado no atendimento das demandas sociais inerentes aos bens jurídicos individuais e coletivos, se materializa pela atuação da Administração Tributária (Estado-Fiscal), qualificada como essencial para a existência e continuidade do Estado como entidade política e soberana. Nessa concepção, se impõe a necessidade de nova percepção pela sociedade e pela academia da importância do papel desempenhado pela Administração Tributária na consecução de um Estado Democrático e de Direito, como ainda na busca de desenvolvimento econômico-social que beneficie o conjunto da sociedade, que reduza as indesejáveis desigualdades sociais e que propicie o bom desempenho da economia e da livre concorrência. Desta forma, novas e relevantes reflexões sobre a natureza jurídica da Administração Tributária são desenvolvidas nos mais diferentes meios da sociedade civil e organizada. Reflexões, estas, que pautam, majoritariamente, a busca do fortalecimento da Administração Tributária e sua instrumentalização no marco legal contemporâneo. Além do mais, se levantam discussões acerca do modelo jurídico e orgânico capaz de concretizar a real autonomia da Administração Tributária, protegendo-a dos assédios e interferências externas ensejadas pelo poder político e por forças econômicas – e que, de igual modo, possa garantir a devida valorização das carreiras de seus integrantes. É nesse sentido que este artigo traz uma pequena contribuição ao debate, realizando análise dos dispositivos constitucionais que preveem a autonomia dos fiscos, como ainda discorre sobre modelos conceituais para sua materialização – refletindo, também, sobre a necessária integralização das administrações tributárias como condição importante na concretização do princípio de autonomia. Desse modo, fixa-se novo modelo jurídico e orgânico com consequente segurança jurídica e com aplicação eficaz do sistema tributário na afirmação da indisponibilidade do interesse público expresso no tributo.

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Palavras-chave: Administração Tributária. Autonomia. Modelos. Integração.

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Abstract In the present day, there are seminars, workshops, debates and studies on the improvement of activities carried out by tax administrations in order to optimize the collection of public revenues necessary to meet the needs of their populations. challenges arising from the ambience of the internationalization of the economy as a consequence of the rapid technological development brought about by the so-called information age, resulting in profound political, legal, economic and social impacts globally and singularly within the framework of national sovereignties. The realization of the necessary public incomes in order to fulfill the responsibilities attributed to the State in meeting the social demands inherent to individual and collective juridical assets is materialized by the action of the Tax Administration (State-Fiscal), qualifying it as essential for the existence and continuity of the State as a sovereign political entity. In this conception, the need for a new perception by society and the academy of the importance of the role played by the Tax Administration in the achievement of a Democratic State and Law, as well as in the search for economic-social development that benefits the whole of society, social inequalities, and for the good performance of the economy and free competition. In this way, new reflections on the legal nature of the Tax Administration, seeking its strengthening, instrumented in a contemporary legal framework, legal and organic model capable of realizing its real autonomy, protecting it from the harassment and external interferences provoked by the political power and by economic forces and, likewise, disciplining the guarantees and appreciation of the careers of its members. It is in this sense that this article brings a small contribution to the debate, carrying out analysis from the constitutional provisions that provide for the autonomy of the Tax Administration, as it still talks about conceptual models for its materialization, not without reason also reflecting on the necessary integration of the tax administrations as an important condition in the implementation of the principle of autonomy, establishing a new legal and organic model with consequent legal certainty and effective application of the tax system in affirming the unavailability of the public interest expressed in the tax.

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Keywords: Tax Administration. Autonomy. Models. Integration.

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1. Introdução Sabe-se que a Constituição por si só não cria tributos, mas outorga as competências tributárias originárias aos entes tributantes de Direito Público que, para o exercício dessa atribuição (poder de tributar), se faz obrigatória a edição de lei (princípio da reserva legal) própria para instituição dos tributos constitucionalmente previstos. Ou seja, a mesma atribui e autoriza competência tributária às pessoas jurídicas de direito público para instituir o tributo, mas não os institui, reserva ao crivo do ente público competente e à lei tal fenômeno jurídico. Nota-se que tais competências outorgadas não se configuram poder-dever para o exercício delas mesmas senão traduz em faculdade para instituição, porquanto a própria Constituição em dispositivo veiculador introdutório (art. 145) do Sistema Tributário Nacional comanda que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão – e não deverão – instituir tributos pertinentes ao ordenamento tributário brasileiro. Extrai-se disso, por óbvio, que o surgimento do tributo no ordenamento jurídico brasileiro se dá, noutras palavras, por meio da materialização de se instituir, cobrar e fiscalizar tributos somente com a edição de norma legal impositiva. Com efeito, todos os entes federativos, mediante iniciativa do Poder Executivo (administrações tributárias) junto ao Poder Legislativo respectivo, possuem autonomia para criar e legislar sobre seus tributos, observando as competências tributárias impositivas atribuídas, os princípios jurídicos constitucionais e os limites ao poder de tributar. Conforme Sabbag (2013, p.289): Competências tributárias traduzem a aptidão jurídica para criar, in abstrato, tributos, descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas. Consubstancia-se o poder de tributar como atributo da própria soberania do Estado enquanto pessoa política de Direito Público Internacional e, ainda, de traço marcante do princípio da autonomia das pessoas políticas de direito público interno. É a atribuição constitucional ao ente público para a instituição, mediante lei, do tributo. Não se confunde com a capacidade ativa tributária, pois esta configura o exercício e a materialização daquela competência constitucionalmente atribuída. O Sistema Tributário Nacional (STN) se caracteriza como um sistema de competências tributárias privativas – consequência dos princípios federativos e da autonomia atribuídas a cada pessoa jurídica de direito público federada –, como, ainda, de competências comuns ou concorrenciais. Ou seja, se evidencia a coordenação do exercício do poder de tributar mediante dois sistemas clássicos, quais sejam o de separação de fontes (competências privativas) e concorrência de fontes (competências comuns). Isso se encontra explicitamente inserido na Constituição, estando alicerçado em um rol de normas, princípios delimitadores do poder de tributar e regras de observação infraconstitucional. Por sua vez, ressalte-se que tais competências tributárias são indelegáveis, intransferíveis e irrenunciáveis.

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Cumpre-se ter presente que a sistematização estabelecida no texto constitucional se origina com aspecto que objetiva o fortalecimento do pacto federativo e de um federalismo fiscal descentralizado, no que respeita às competências tributárias, atribuindo aos três níveis da federação (vale dizer União, Estados-Membros e Distrito Federal, e Municípios) a capacidade de instituir exações, delimitadas constitucionalmente, como expressão lídima do Princípio da Autonomia Federativa. Quis o legislador prestigiar, via função compartilhada de competências tributárias, a descentralização repassando a todos os níveis de governo da federação, autonomia para instituição de tributos e de auto-organização administrativo-tributária personificadas nas administrações tributárias para, em apertada síntese, arrecadar, cobrar e fiscalizar os tributos que a Constituição Federal lhes atribuiu. 44


No sistema constitucional brasileiro temos, quanto aos impostos, por força dos artigos 145, 147, 153, 154, 155 e 156, a repartição de competências que ora privilegia isonomicamente a todos os entes tributantes, ora edita privilégios singulares a determinadas pessoas jurídicas de direito público, exercentes do poder de tributar. De certa razão, podemos inferir que, dada à quantidade extensiva de tributos pertinentes ao sistema tributário brasileiro, torna-se perceptível o insofismável alto grau de importância que detém as administrações tributárias de todos estes entes tributantes. A elas são atribuída certa “personificação” do poder, em profícuo e ingente encargo que diz respeito à vigilância de se fazer cumprir e obedecer as normas jurídicas estabelecidas nos textos constitucionais e infraconstitucionais e, de igual modo, zelar pela integridade de todo o sistema tributário.

2. A constitucionalização da Administração Tributária pela Carta Magna de 1988. Compreende-se por Administração Tributária (Estado-fiscal) a atividade administrativa (sentido dinâmico) desempenhada por organismo público (sentido estático) como projeção e reflexo do Estado soberano, responsável pela execução das leis tributárias no exercício de aplicar, cobrar, arrecadar, fiscalizar e gerir os tributos, averiguando deveres e resguardando direitos e garantias de quem legalmente deva contribuir com a finalidade singular de se dotar o erário dos recursos suficientes e necessários à atuação estatal no atendimento das necessidades coletivas e de bem estar social – se revestindo, assim mesmo, de indispensável essencialidade para a existência e a manutenção do Estado. A Constituição Federal de 1988, com qualidade de inovação em relação às cartas anteriores e, demais disso, também em face de constituições de outros países, estabeleceu alguns dispositivos que tratam diretamente da Administração Tributária em seu âmbito. Como é facilmente dedutível, não se põe normas, quer sejam princípios ou regras, em textos constitucionais, em especial que delas não fluam significações e consequências jurídicas. E isso decorre que não se presumem nas leis (em sentido amplo) palavras inúteis. De certo, quis o legislador constituinte traçar novas proposições e perspectivas jurídicas para aquelas instituições públicas. Em assim não sendo, não haveria necessidade de se erigir a status constitucional algo que poderia ser simplesmente disciplinado em ambiente infraconstitucional. O legislador constituinte de 1988, dispondo no caput do art. 37 sobre a Administração Pública, estatuiu originariamente que a Administração Pública direta e indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, deve obedecer aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. São normas-princípios que devem pautar toda a Administração Pública, e em especial às administrações tributárias. No entanto, em acréscimo a tais princípios, enumerou uma série de incisos que também devam ser rigorosamente obedecidos e, dentre estes, especificou no inciso II, a investidura em cargo ou emprego público por aprovação prévia em concurso público e, no inciso XII, que a administração fazendária e seus servidores fiscais terão, dentro de suas áreas de competência e jurisdição, precedência sobre os demais setores administrativos, na forma da lei.

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Aduz, assim, a atribuição de um caráter qualificador à Administração Tributária e a seus integrantes, evidenciando uma atenção especial em âmbito constitucional, elevando-os em grau de importância e os colocando em posição de destaque em relação às outras instituições públicas e dos demais servidores públicos do Poder Executivo, tanto da União como dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. É de evidência certa que este dispositivo em sede constitucional atesta o interesse do legislador originário para com o fortalecimento da Administração Tributária enquanto órgão fundamental da Administração Pública. 45


Nessa linha de previsão constitucional da Administração Tributária, quis ainda o legislador originário, mediante o art. 145, § 1º, dispor de autorização (poder-dever) ao fisco, deferida a seus servidores fiscais, de forma que possa fazer uso de mecanismos e instrumentos necessários à verificação efetiva – vale dizer em sentido abstrato quando de instituição de norma pertinentes a tributos e de igual modo em sentido concreto quando da ocorrência das hipóteses tributárias –, respeitando os direitos individuais: o princípio da capacidade contributiva em face do patrimônio, aa renda e demais atividades econômicas do contribuinte. É deferência de ordem constitucional, atribuível aos auditores fiscais pela qual qualifica, desde a norma fundamental, prerrogativa e autonomia no exercício do poder-dever de fiscalização e acompanhamento do cumprimento de obrigações tributárias pelos sujeitos passivos da relação jurídica tributária. Tal comando, como predito, originado na própria Constituição revela por um lado, induvidosamente, a confiança legítima do legislador constituinte em prestígio das atividades desempenhadas pela Administração Tributária, em especial quanto à fiscalização, de se fazerem eficazes normas constitucionais tais e quais os princípios da legalidade, igualdade, generalidade, capacidade contributiva, dentre alguns, e por outro lado que, na materialização daquele comando constitucional originário, não seja permitido violar o estatuto de direitos e garantias do contribuinte também previsto em sede constitucional. Todavia, não parou por aí o objetivo do legislador constitucional. Nessa ordem de importância, com o advento da Emenda Constitucional (EC) n.º42/2003, novos comandos constitucionais foram trazidos dentro daquela visão do legislador originário de dar relevância jurídica e constitucional à entidade pública de matriz tributária como organismo vital e de sustentáculo do Estado. A emenda incluiu inciso XXII ao já citado artigo 37, estatuindo regra em que reconhece as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, como atividades essenciais ao funcionamento do Estado, e afirma serem seus servidores de carreiras específicas, que terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e com atuação de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio. Ademais, introduziu o inciso IV ao art. 167 para que fossem excluídos da vedação de vinculação de receitas de impostos, os recursos dispendidos na realização das atividades da Administração Tributária. É de fácil compreensão que destas normas revela-se, indubitavelmente, autorização legal em âmbito constitucional de sorte a prescrever, deste modo, sua inequívoca autonomia organizacional, administrativa e financeira. A mesma Emenda também acrescentou o inciso XV ao art. 52 determinando ao Senado Federal atribuição de avaliação periódica da funcionalidade do Sistema Tributário Nacional no que concerne à sua estrutura e componentes, e, demais disso, do desempenho das administrações tributárias de todos os entes federativos, donde se pode concluir que em face de novas qualificações jurídicas dadas às Administrações Tributárias da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, prescreve de igual modo comandos para análise de funcionalidade destas sem que se revista de controle externo – em face inconstitucionalidade manifesta por quebra dos princípios federativos e da autonomia – mas de caráter orientador e de aperfeiçoamento.

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Sem dúvida, as regras constitucionais impostas pela via derivada somadas à existente originariamente devem ser lidas e interpretadas conjuntamente para se alcançar a real e inovadora significação jurídica que resulta, consequentemente, da elevação de tais dispositivos à categoria constitucional. Podemos por esta forma inferir que, tais dispositivos mesmo que de forma esparsamente colocados no Texto Constitucional configuram materialmente se lidos e entendidos conjuntamente, de forma implícita, uma seção a parte na prescrição da Administração Tributária como função essencial ao Estado, mesmo que não tenha sido descrito como um feixe de dispositivos tal e qual se fizera disciplinando o Ministério Público, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública, dentre outros, como funções 46


essenciais à justiça estatuídos em seções próprias na Constituição. Aliás, vislumbra-se de sentido e alcance jurídicos equitativos em grau de importância constitucional àquelas instituições o disciplinado à Administração Tributária, porquanto se constitui em essência do Estado, é dizer à própria soberania estatal. Assim, pois, ao dotar de qualificações jurídicas singulares à Administração Tributária quis o legislador resguardar não somente os interesses do Estado, senão que também propriamente o de toda sociedade, os dos administrados. Se admitirmos que a autonomia sintetize a capacidade de gerir as próprias atividades resultando em autogoverno, autoadministração e auto-organização, necessitando para tanto de capacidade administrativa e financeira, não há como duvidar, nem olvidar a percepção e conscientização do legislador em reconhecer, mediante os dispositivos antes comentados, à Administração Tributária nova proposição jurídica assentada no princípio da autonomia. Noutras palavras, como antes afirmado, estas normas ensejam comandos autorizativos para a materialização de uma Administração Tributária autônoma. Demais disso, reconhecem-na, ainda, como coluna sólida a qual se assenta a existência do Estado, dada a sua essencialidade preconizada no Texto Constitucional. A conhecida máxima de que não há Estado sem tributo, progride, avança para uma mais abrangente, a de que não há Estado contemporâneo sem tributo e Administração Tributária (autônoma). De fato, esta nova concepção jurídica atribui-lhe alto grau de relevância pela precedência estabelecida e pelo prestígio ao princípio da autonomia, permitindo exclusivamente, como salvaguarda no âmbito das administrações tributárias, o exercício de suas atividades inerentes por servidores públicos organizados em carreiras específicas – carreiras de Estado consideradas suas responsabilidades na gestão, arrecadação e fiscalização e controle administrativo legal dos tributos, dotando o Estado dos recursos imprescindíveis para viabilizar a atuação estatal na consecução do interesse público, coletivo e na garantia de demais bens jurídicos tais como educação, saúde, segurança, bem-estar social, dentre outros.

3. Novo Marco legal como argumentação jurídica, de funcionalidade e modelos conceituais para uma real autonomia. Na ambiência de um contexto econômico marcado pela acentuada internacionalização das trocas de mercadorias, serviços e de recursos financeiros, como ainda exportação de ideologias econômicas marcadas pela excessiva liberalização da economia (globalização) e pela notória influência do poder econômico, observa-se atentamente a disputa acirrada travada por países desenvolvidos, organizações econômicas de interesses regionais e, não menos, de empresas (nacionais ou internacionais) de grande porte econômico na busca de novos mercados e consumidores com alto grau de influência e inserção nas instituições estatais. Nesse ínterim, concernente à dita globalização, Bandeira de Mello (2013, p.1089) em sábias e sempre atuais lições afirma que:

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Seu consectário natural e incontestável seria a necessidade de redução do papel do Estado a um mínimo (O Estado-Mínimo), cumprindo, então, privatizar as empresas estatais. O Estado deveria se limitar à “regulação”, deixando a presença ativa no meio socioeconômico à ação das empresas e do livre mercado, o qual, por si mesmo, provocará o equilíbrio e o bem-estar social, pelo que, para ensejar o máximo de eficiência deste mercado, deve-se também “desregulamentar” o quanto possível, flexibilizando diversas relações, como as de trabalho por exemplo. [...] A respeitabilidade do conceito de globalização e seus objetivos poderiam 47


até mesmo ser resumidos em uma frase do renomado economista John Kenneth Galbraith: “Não é um conceito sério. Nós americanos o inventamos para dissimular nossa política de entrada econômica em outros países. E para tornar respeitáveis os movimentos especulativos de capital, que sempre são causa de grandes problemas” (Folha de S. Paulo, de 7.11.1997). Dentro desta visão de imposição do poder econômico surge como objeto de desejo palpável e manutenção da realidade econômica de então, os mercados econômicos dos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento e para tanto, não menos importante na busca da consecução daquele desiderato, se avulta como incontestável instrumento poderoso o grau de intervenção que o poder econômico detém junto aos órgãos governamentais estratificados nos poderes do Estado. Não dista disso o raio de ação de interferência junto à Administração Tributária. Nesta senda, impõe-se, sob o risco de verdadeira desestruturação do Estado como o concebemos nos dias presentes, uma reciclagem na visão acadêmica e pragmática pertinente à Administração Tributária transformando a velha e superficial reflexão em nova abordagem jurídica e em estudo mais incisivo sobre este tema, delineado em diploma jurídico que regulamente vários aspectos da atividade tributante com modificações estruturais e de modelos administrativos. Vale dizer, um arcabouço legal contemporâneo em que estabeleça pari passu novos argumentos de funcionalidade e renovada argumentação jurídica legislando sobre a organicidade dos fiscos e das relações com os obrigados tributários e, de igual relevância, para com seus agentes públicos. Um estatuto jurídico de um novo modelo institucional da Administração Tributária. Os dias presentes estão a exigir isso. Sabe-se, à exaustão, que o poder de tributar, como expressão da soberania estatal, está personificado na Administração Tributária – e esta por sua vez se materializa nas atividades desenvolvidas por seus agentes públicos (Administração Tributária Dinâmica) –, que possui capacidade ativa para o pleno exercício das competências impositivas tributárias que lhes foram deferidas abstratamente pelo ordenamento jurídico (Constituição e leis). Arazão desta qualificação por si só sobressai importância singular de adjetivar o fisco neste contexto social para resguardar o interesse coletivo. A proteção do interesse público, na correta expressão do termo, é multicêntrica, isto é, orienta-se para mais de uma função estatal com aquele múnus de salvaguarda – a exemplo do Ministério Público, da Magistratura, da Advocacia Pública, da Atividade Policial, do Tribunal de Contas, do Parlamento, dentre outros. Todavia, tal policentrismo funcional, por assim dizer, apenas lhes especializam os encargos, mas não lhes diferenciam de importância – e é exatamente sob esta nova concepção (ou visão jurídica contemporânea) que se faz a obrigação do resgate e do reconhecimento em mesmo nível de influência que deva ser destinado à Administração Tributária.

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Com efeito, na busca de tais objetivos, a sociedade requer mudança de atitudes comportamentais, de práticas administrativas, de modelos organizacionais dos fiscos, como ainda na qualificação e modernização contínua da Administração Tributária, caracterizadas por alguns fatores, Dentre estes fatores se encontram: a) respeito aos direitos fundamentais do contribuinte; b) elevado nível ético e técnico-profissional; c) eficiência e eficácia na fiscalização, d) eficiência e eficácia na arrecadação (receita potencial) de tributos e na gestão e otimização dos recursos financeiros; e) interação e transparência nas relações com a sociedade e na aplicação das receitas públicas; f) automatização e padronização dos processos internos; g) ágil processo administrativo; h) utilização de modernas tecnologias na emissão de documentos fiscais pelo contribuinte; i) digitalização da escrita fiscal e contábil; j) redução de obrigações acessórias consequência de utilização de novos padrões tecnológicos; k) simplicidade para o cumprimento do dever 48


de pagar o tributo; l) linguagem clara na legislação tributária; m) integração das administrações tributárias e garantias, prerrogativas especiais asseguradas aos agentes públicos de suas carreiras (em grau de relevância aos Auditores Fiscais). Assim considerado, isso tudo, dentre outras, são características que devem estar incutidas em normas e valores presentes em um estatuto legal específico que desvele um novo olhar para um Direito Público mais de Estado que de governos episódicos de modo a ofertar o reconhecimento pela sociedade da importância do papel da Administração Tributária para o desenvolvimento social e de um Estado Democrático de Direito materializada na autonomia administrativa, financeira, funcional e jurídica e da importância da Administração Tributária no desempenho da economia e da livre concorrência como de novo modelo de relação entre o fisco e contribuinte. Neste novo caminhar, resulta, por inafastável, a necessária evolução da natureza jurídica da Administração Tributária. Sem hesitação, mesmo que diante de incontáveis avanços tecnológicos transcorridos nas últimas décadas do século XX e nos anos do século vigente, torna-se premente um novo modelo jurídico e organizativo de forma a concretizar o grau de importância requerida e devida a uma real e programática autonomia como referencial de federalismo-administrativo fiscal, de sorte a trazer à luz nova estrutura jurídico-fiscal em consonância com os futuros desafios e avanços tecnológicos, assim como de novos paradigmas legais e, não menos importante, de vigilância e salvaguarda do interesse público da influência cada vez mais crescente do poder econômico nas estruturas estatais, não se excluindo destas a Administração Tributária.

3.1. Administração Tributária Autônoma A concretização do poder de tributar envolve uma gama de fatores econômicos, jurídicos e sociais os quais permeiam toda atividade tributante desenvolvida pelas administrações tributárias, mormente em época de dinamismo tecnológico acentuado da sociedade e da economia vivenciado em tempos atuais pela aceleração das trocas nacionais e internacionais de mercadorias, serviços e de recursos financeiros. Não sem razão que, a Administração Tributária, em seu papel fundamental de busca dos recursos necessários e suficientes para a manutenção e funcionamento do Estado e na consecução do bem-estar social, necessita de garantias específicas e de estabilidade jurídica, administrativa e financeira na consecução de suas atividades. Se notarmos que a autonomia se caracteriza pela autorização de ação mediante determinados parâmetros legais previamente fixados, vemos que é corolário natural a qualificação de autonomia para o fisco, dado que a este foi lhe incumbido legalmente o múnus de instituir e cobrar exações tributárias e de gerir os recursos carreados.

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Ora, em face da insubstituível e difícil incumbência pública deferida ao fisco e, como já afirmado, em razão de ambiência com profundas mudanças nas relações econômicas, jurídicas e sociais, há que se lhe dotar de instrumentalidade jurídica, econômica e estrutural, como ainda de suficiente flexibilidade, mobilidade e capacidade de agir de modo a aperfeiçoar seu desempenho em prol da coletividade. Induvidosamente, o instituto da autonomia cumpre por excelência esse papel estratégico. Bem de ver que, sob um novo arcabouço jurídico perpetrado por uma Lei Orgânica para a Administração Tributária (LOAT), fundamentada em princípios jurídicos gerais e específicos ínsitos à atividade tributária, enseja uma variabilidade de sentido de sorte a alcançar prerrogativas para muito além das desejáveis e indispensáveis autonomias financeira (dotação orçamentária de recursos financeiros em perfeita simetria com o dispêndio de suas atividades) e administrativa (capacidade de autoadministração, autorregulação). Posto isso, se inserem também como premente os seguintes tipos de autonomia: postulatória-jurídica, funcional-fiscalizatória; funcional-judicante; do processo administrativo-fiscal em face 49


do procedimento fiscal; e do processo administrativo-fiscal em relação ao processo judicial tributário. Por certo, é que tal garantia à Administração Tributária (federal, estadual e municipal), em face da superior estabilidade jurídica e de inafastável e importante função estatal, concretizada pelo princípio da autonomia, deverá, de forma desejável, ter previsão em sede constitucional atribuindo-lhe imprescindível segurança jurídica no desempenho de sua relevante e estratégica missão institucional, em análogo tratamento dispensado a outras funções estatais de relevo, juntando-se a institutos jurídicos de igual dimensão constitucional com os quais mantém conexão ínsita tais e quais os princípios republicano e federativo, e impondo a estes nova evolução de sentido na concretização de um Estado Democrático, Social e de Direito.

3.2. Modelos Conceituais de autonomia para a Administração Tributária O Ordenamento jurídico estabelecido nas Constituições e nas normas infraconstitucionais atribui um plexo de competências administrativas às pessoas jurídicas de direito público, as quais compõem a organização político-administrativa do Estado. Essas atribuições são exercidas de forma direta ou indireta pelos órgãos públicos designados, em razão das quais a doutrina lhes definiu como Administração Pública Direta e Indireta. Diz-se Administração Direta “o conjunto de órgãos que integram as pessoas federativas, aos quais foi atribuída a competência para o exercício, de forma centralizada, das atividades administrativas do Estado”, e Indireta “o conjunto de pessoas administrativas que vinculadas à respectiva Administração Direta, têm o objetivo de desempenhar as atividades administrativas de forma descentralizada” (CARVALHO FILHO, 2013, p.453-459). Em regra, nos dias presentes, as Administrações Tributárias são órgãos públicos institucionalizados no organograma estatal da Administração Pública Direta, daí gozarem de baixo grau de autonomia no plano político, jurídico, administrativo, financeiro e de pessoal, tratando-se de fato de diminuta capacidade autônoma formal em detrimento da capacidade autônoma real. Assim, pois, os modelos a seguir delineados de forma genérica se configuram, do ponto de vista da natureza jurídica, como proposições que visam dotar a Administração Tributária de autonomia real. É certo que, ambos possuem vantagens e desvantagens na medida de maior ou menor grau de vinculação com a Administração Pública centralizada. Contudo, em face dos modelos hoje vigentes, certamente tais modelos delineados demandam melhor atuação estatal com maximização e readequação das atividades desempenhadas pelo fisco no enfrentamento dos desafios que se põem adiante, em face da velocidade de transformações sociais, políticas e econômicas decorrentes deste século.

3.2.1. Autonomia Relativa Institucional

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Em linhas gerais, a Administração Tributária, sob a modalidade de autonomia relativa institucional como modelo jurídico-administrativo, se configura órgão permanente da estrutura organizacional do Poder Executivo, assim, cabendo ao chefe deste Poder a competência, por sua livre vontade, para designar seu gestor (ministro, secretário, diretor etc.), sendo integrante da(s) carreira(s) efetivas ou terceiro nomeado, que lhe é diretamente subordinado, como ainda a iniciativa própria de formulação das políticas tributária, financeira, orçamentária e administrativa a serem adotadas.

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Vê-se, assim, que incumbem ao chefe do Executivo à prerrogativa insubstituível de estabelecer as proposições gerais, tomadas de decisões estratégicas, diretrizes superiores como meta e missão para o desempenho de todas as atividades pertinentes (arrecadação, fiscalização, tributação, gestão financeira e julgamento) à Administração Tributária. Portanto, nessa configuração, o fisco se enquadra como órgão da Administração Pública direta. No entanto, mesmo que debaixo de diretrizes gerais emanadas do Poder Executivo, nada impede à Administração Tributária, escudada sob um estatuto jurídico específico com desejada previsão em sede constitucional, ter assegurada para o desempenho de suas atividades um conjunto de prerrogativas que lhe dão real capacidade legal e fática de ação sem a necessidade de chancela direta do chefe do Executivo, a saber: a) gestor livremente escolhido pelo chefe do poder executivo e gestão com metas a cumprir determinadas pelo chefe do poder executivo; b) capacidade de autorregulação com inciativa propositiva de leis (autonomia administrativa); c) inciativa de proposição legal de orçamento anual (autonomia orçamentária); d) recursos financeiros assegurados, necessários ao exercício de suas funções (autonomia financeira); e) autoadministração dos recursos humanos (autonomia administrativo-funcional) e independência para contratação via concurso público de pessoal efetivo junto às atividades privativas de seus integrantes (servidores públicos), como ainda de efetuar seleção de pessoal para atividades não correlatas às suas atividades fins; f) iniciativa de celebração de acordos e convênios de troca de informações e de cooperação técnica – desde que não delegação de suas funções privativas – com outros órgãos públicos e/ou administrações tributárias nacionais (autonomia política relativa); g) independência no exercício das funções fiscalizadora e judicante (autonomia funcional de execução e jurisdição); h) competência legal privativa para cobrança administrativa de débitos inscritos em dívida ativa; i) prestação de contas de forma administrativa de seu desempenho ao chefe do Poder Executivo ou a quem este delegue tal incumbência, e, de igual modo, prestação de contas legalmente aos tribunais de contas; j) competência legal para dispor da organização de tribunal contencioso administrativo-fiscal e do processo administrativo tributário; Neste desenho legal e orgânico, se afigura um modelo de autonomia relativa dada ao fisco, assegurada por norma jurídica regulamentadora em consonância com os objetivos previamente fixados pelo chefe do Poder Executivo e pelos quais deva se prestar contas, haja visto do mesmo deter, em última instância, a representatividade do poder político e a legitimidade democrática que lhe fora deferida, em sufrágio universal, pela sociedade para o alcance das obrigações, responsabilidades e fins fixados nas cartas constitucionais em benefício da coletividade.

3.2.2. Autonomia Integral Vinculativa

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No que concerne à Autonomia Integral Vinculativa, resta cristalino o deslocamento do locus deferido à Administração Tributária, acompanhada de repercussões jurídicas, no organograma administrativo-estatal. Assim, se desloca como órgão da Administração Direta para entidade da Administração Indireta e passa a realizar suas atividades sob o formato de agência administrativa ou autarquia, vinculada ao Poder Executivo, também 51


com estatuto jurídico próprio e gozando de autonomia plena na realização de suas atividades. Ou seja, sob esta circunstância há a descentralização das atividades de fiscalização, tributação, arrecadação, julgamento e gestão financeira à entidade pública indireta sob modalidade de autarquia ou agência de execução. Nessa toada, a Administração Tributária passa a deter personalidade jurídica própria, vale dizer, detém a capacidade jurídica de se situar no polo ativo e passivo de qualquer relação jurídica e, em especial, tributária. Se tal modelo de autonomia estiver disposto como permissivo constitucional, tem-se verdadeira transferência daquelas capacidades tributárias e financeiras instituídas abstratamente na Lei Maior e atribuídas às pessoas políticas de Direito Público, para novo organismo estatal indiretamente vinculado ao Poder Executivo. Note-se que o impacto político e jurídico é mais acentuado que na autonomia relativa. Deveras acrescentar que, as subcategorias de autonomia apresentadas no modelo relativo proposto em tópico anterior, praticamente se configuram da mesma simetria na autonomia plena – à exceção das prerrogativas subjacentes de autonomia política e jurídica. Portanto, se mantém presente a capacidade de autorregulação com inciativa propositiva de leis (autonomia administrativa). Mantém-se a inciativa de proposição de orçamento anual (autonomia orçamentária), de dotação de recursos financeiros necessários ao exercício de suas funções (autonomia financeira), de autoadministração dos recursos humanos com liberdade de contratação de pessoal via concurso público e independência funcional e de autonomia de jurisdição administrativa. No que concerne à autonomia política, a Autonomia Integral Vinculativa traz profundas modificações, a começar pela escolha do gestor da Administração Tributária, que não mais seria prerrogativa de livre escolha do chefe do Poder Executivo, configurando-se pela restrição na nomeação de membros da (s) carreira(s) específica(s) dos fiscos (auditores fiscais) para um cargo com mandato periódico de Auditor Fiscal-Geral. Ainda nesta esteira, autonomia deferida a esta autoridade de celebrar, sob permissão constitucional, convênios e acordos de cooperação e de trocas de informações, para bem além das administrações tributárias nacionais, senão com os fiscos internacionais. Bem assim, além disso, ressalte-se que não caberia tão somente ao chefe do Poder Executivo a iniciativa isolada de formulação das políticas administrativa, fiscal, tributária, financeira e orçamentária a serem adotadas e das tomadas de decisões – havendo, pois, uma divisão de responsabilidades com o mandatário da Administração Tributária, resultando, deste modo, em notória perda de certo poder político pelo chefe daquele poder. É fácil notar que, neste modelo, a legitimidade e representatividade democrática de que goza o governante eleito nas suas atribuições de formulação de políticas públicas, em decorrência da política fiscal e tributária a ser adotada, sofre influência de terceiro não legitimado pelo voto (Auditor Fiscal-Geral), todavia isto necessariamente não se mostra de qualidade negativa, dado que se evidencia certo controle por agente público detentor de cargo público efetivo dos atos praticados pelos governantes. Há que se evidenciar, ainda, que sob essa espécie de autonomia resulta autorização legal e privativa não somente para cobrança administrativa de débitos inscritos em dívida, mas sobretudo capacidade legal para postular em juízo tais créditos tributários, completando o longo percurso tributário, desde os procedimentos fiscalizatórios, do ato jurídico-administrativo de lançamento, passando até pela fase contenciosa do processo administrativo-tributário, culminando com sua cobrança em fase administrativa ou judicial.

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Abaixo se expõe tais predicados do modelo: a) gestor escolhido em lista pelos integrantes da carreira e gestão com 52


metas a cumprir; b) instituição do Conselho Superior da Administração Tributária com órgão auxiliar de gestão; c) capacidade legal postulatória; d) capacidade de autorregulação com inciativa propositiva de leis (autonomia administrativa); e) inciativa de proposição legal de orçamento anual (autonomia orçamentária); f) recursos financeiros assegurados, necessários ao exercício de suas funções (autonomia financeira); g) autoadministração dos recursos humanos (autonomia administrativo-funcional) e independência para contratação de pessoal efetivo junto às atividades privativas de seus integrantes (servidores públicos) via concurso público, como ainda de efetuar seleção de pessoal para atividades não correlatas às atividades fins; h) iniciativa de celebração de acordos e convênios de troca de informações e de cooperação técnica – desde que não haja delegação de suas funções privativas – com outros órgãos públicos e/ou administrações tributárias nacionais (autonomia política relativa) e internacionais mediante convênio; i) independência no exercício das funções fiscalizadora e judicante (autonomia funcional de execução e jurisdição); j) competência legal privativa para cobrança administrativa e judicial de débitos inscritos em dívida ativa; k) competência legal para instituição de modelo de resolução de litígio mediante o instituto da transação; l) competência legal para dispor sobre modelo de resolução de litígio mediante o instituto da arbitragem; m) competência legal para dispor da organização de tribunal contencioso administrativo-fiscal e do processo administrativo tributário; n) Prestação de contas, de forma administrativa, de seu desempenho ao chefe do Poder Executivo ou a quem este delegue tal incumbência, e, de igual modo, prestação de contas, de maneira legal, aos tribunais de contas.

3.2.3. Integração entre Administrações Tributárias contemporâneas como reflexo do princípio da autonomia A teoria da unidade nacional dos fiscos se fundamenta na premissa de que o erário se configura único – o tesouro público é uno – e advém da expropriação legal de parcela da riqueza do particular, da sociedade pelo Estado razão da consequente autorização jurídica de consentimento ao tributo, com vistas ao atendimento das necessidades e anseios da coletividade, decentralizando-se por força do modelo político, jurídico e administrativo fixado na Carta Constitucional, adotado pelo ente estatal soberano que estabelece poder de tributar e impor responsabilidades e obrigações aos entes públicos que o compõem.

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Sendo assim, conforme a discricionariedade dos Estados soberanos quanto a seu desenho de organização configurado nas cartas constitucionais, as atribuições do poder de tributar são estratificadas, ao lado de tantos outros poderes e atribuições, e deferidas às pessoas jurídicas estatais na missão de instituir, cobrar, arrecadar, gerir e fiscalizar os tributos. A forma de deferimento e delegação quem a instrumentaliza é o sistema tributário adotado. 53


Posto isso, mesmo em Estados unitários e, fundamentalmente em Estados federados, a unicidade do poder tributário se mantém, mas importa compartilhamento na persecução tributária, seja por previsão legal ou constitucional, às entidades estatais autorizadas integrantes das pessoas políticas componentes do Estado soberano nas citadas atribuições, deveres, prerrogativas (poderes tributantes) atinentes ao fenômeno da tributação. Tais entes chancelados se conformam nas administrações tributárias. Do exposto, e com esteio na teoria da unidade do poder tributante, não se afigura de otimização de suas atividades, de eficiência que se impõe a atuação das administrações tributárias voltadas a si mesmas, sendo condição natural, imprescindível e de interesse público, ínsita aos fiscos componentes de um Estado soberano (administrações tributárias internas), o intercâmbio de informações fiscais, a prestação mútua de assistência em matéria de fiscalização e compartilhamento de sistemas informatizados e cadastros desnecessitando de lei, impondo-se tão somente convênio nesse sentido. De certo que, ao fixar tais intercâmbios em norma legal estrita ou mediante convênio, como fontes do direito, se regulam as condições adequadas de como e quando tais assistências sejam prestadas. É ato legal que os formaliza. De outra sorte, não somente se circunscreve às administrações tributárias internas a troca de informações e prestação administrativa recíproca. É fato comum no âmbito do Direito Internacional Tributário, acordos e tratados entre os países neste sentido1. Todavia, neste caso, a fundamentação não se dá em face da teoria da unidade dos fiscos, mas diante de fontes formais do direito de que são exemplares os tratados e acordos internacionais. Como corolário da atuação estatal em matéria fiscal é medida de proteção do legítimo interesse público e de requerida eficiência, o intercâmbio entre administrações tributárias dos países com câmbio de informações, compartilhamento de experiências, troca de tecnologias, acordos de tributação, assistência técnica recíproca, dentre tantos interesses comuns. De fato, se configuram como atividades preventivas, de precaução, o devido cuidado com a coisa pública em face das consequências benéficas e maléficas decorrentes das realidades econômicas, jurídicas e sociais vivenciadas em tempos de acentuada internacionalização da economia, de acelerado desenvolvimento tecnológico, digitalização e virtualização de informações e dados, como ainda, de espaço ampliado para o livre trânsito de pessoas, bens e capitais. Nesse passo, se presta para materialização do intercâmbio fiscal, entre administrações tributárias nacionais, a celebração dos tratados, convênios e acordos internacionais em matéria tributária razão de vontade soberana das partes intervenientes – requerendo-se, quando não previsto no ordenamento legal interno, ajustes nas legislações dos Estados acordantes.

Em levantamento realizado em 2012 pelo Centro Interamericano de Administrações Tributárias (CIAT) no âmbito de seus países membros evidencia a ocorrência de 172 convênios para evitar dupla tributação que contém cláusulas de previsão de troca de informação fiscais, como ainda, 38 acordos bilaterais específicos de trocas de informações (PECHO, 2012).

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1

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Importa ressaltar que é deveras comum, e cada vez mais vem sendo objeto de celebração, os acordos e tratados internacionais em matéria tributária, quer na relação entre países, ou em face de organismos internacionais (principalmente em acordos de não dupla tributação e de troca de informações). Neste sentido surge, em importância singular, a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) na promoção da nova percepção de essencialidade das administrações tributárias para o equilíbrio fiscal no orçamento dos Estados, no combate aos crimes fiscais, na defesa do interesse público e para a regulamentação do funcionamento da economia. Por tudo afirmado, deflui a percepção da importância paradigmática do intercâmbio de informações e de assistência mútua dos fiscos, em perfeita integração de objetivos e recursos tecnológicos e humanos, como imprescindíveis políticas de Estado de sorte a instrumentalizar os fiscos de dados – informações de cunho fiscal para tomada de decisões e de fixação de estratégias de autodeterminação de ação (autonomia para agir) no com-


bate à evasão e fraude fiscal e na melhoria das receitas tributárias, em fiel observação dos princípios da boa administração e eficiência, da supremacia do interesse público, da precaução, da legalidade e da autonomia.

4. Conclusão Cabe ressaltar, de mais a mais, que o grau de maturidade e de consciência de cidadania fiscal da sociedade de consentimento ao tributo aliada a elevado senso de responsabilidade fiscal, de qualificação e de compromisso de boa gestão financeira dos recursos públicos pelos governantes, é que irá indicar qual o melhor modelo de autonomia a ser cometida à Administração Tributária. Ademais, há de ressaltar que tal autonomia desejada, por óbvio, nem de longe tem razão de ser em si mesma e, como todo organismo público, a citada instituição deva ser submetida aos critérios e padrões de fiscalização por outros órgãos públicos, tais e quais o parlamento, os tribunais de conta, o Ministério Público, dentre alguns, e pelo conjunto da sociedade. Como pressuposto para tais fins, se evidencia a necessidade de evolução da natureza jurídica da Administração Tributária, mesmo que diante de alguns avanços já perpetrados, mediante novo marco jurídico e organizacional fundamentado em princípios e regras jurídicas que materializem real e concretamente sua autonomia jurídica, administrativa, financeira e funcional como nova referência de federalismo-administrativo fiscal em substituição aos existentes modelos de Administração Tributária de autonomia incompleta, com garantias especiais às atividades desenvolvidas pelos fiscos, como ainda de seus agentes públicos integrantes de suas carreiras. Requer-se, ademais, real autonomia ao fisco para melhorias de eficiência fiscal, arrecadação, tributação, gestão financeira, como ainda de garantias a interferências lesivas do poder político e econômico, bem assim de uma nova forma de relação lastreada no resguardo da confiança recíproca entre fisco e os obrigados tributários em prol do civismo fiscal e aceitação consciente ao tributo, de otimização na prestação de serviços públicos aos contribuintes em contraposição a uma instituição encimada em modelo corporativista fechado e direcionado para si.

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De razão certa, pois, que resulta indispensável uma nova modelagem jurídico-administrativa para as Administrações Tributárias com substituição dos modelos vigentes em face de riscos substanciais inerentes à ambiência econômica, social e política em que aquelas estão inseridas. Nesse sentido, convém ressaltar que em tempos de ambiência para proposições de reforma tributária, não obstante os dispositivos já fixados na Constituição Federal de 1988, se torna indispensável proposições em sessão específica inerente do Sistema Tributário Nacional – STN, que preveja regras gerais e edição de Lei Complementar que discipline a organicidade e autonomia da Administração Tributária (LOAT). Ademais, tenha-se presente que não há que se falar em reforma dos tributos sem levar em consideração singularidades do órgão essencial de Estado, explícita dicção esta da própria Constituição, que detém as prerrogativas singulares de cobrança, arrecadação, fiscalização das exações fiscais e de gestão financeira das receitas públicas, e de igual modo na valorização e garantias aos agentes públicos no desempenho de suas prerrogativas e atribuições que materializam tais atividades.

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Referências BRASIL. Constituição 1988, Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988. ______. Emenda Constitucional n.º 42, de 19 de dezembro de 2003. Altera o Sistema Tributário Nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc42.htm> Acesso em: 25 jun. 2019. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 26. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2013. CIAT – Centro Interamericano de Administraciones Tributarias. FORTALECIMIENTO DE LA CAPACIDAD DE LA ADMINISTRACIÓN TRIBUTARIA. Nápoles Octubre/2009. Disponível em: <http://www.ciat.org/index.php/es/productos-y-servicios/ publicaciones> Acesso em: 13 jun 2014. CUNHA, Leilson Oliveira. El principio de la autonomía en el ámbito de la Administración Tributaria Contemporánea: estudios de derecho comparado y nuevas perspectivas jurídicas. 2016. 358 f. TESE (Doutorado em Ciências Jurídicas e Sociais) – Universidad Del Museo Social Argentino - UMSA, Buenos Aires. _____. O auditor fiscal em tempos de Administração Tributária Autônoma e Contemporânea: uma visão sob novas perspectivas. 3º Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais e Aduaneiros 2018. Em Busca da Justiça Fiscal. Porto: APIT. p.268-271, nov. 2018. ¬_____. A administração tributária contemporânea e carreira fiscal no contexto da reforma tributária. REVISTA FEBRAFITE, Brasília, Vol.10, Nº 36, ago.2018. FREITAS, Juarez. CARREIRA DE ESTADO E ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA. Brasília: FEBRAFITE, 2007.

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PECHO, Miguel. Cobranza coactiva o ejecutiva. CIAT, 2011. Disponível em: <http://www.ciat.org/index.php/es/blog/item/57-cobranza-coactiva-o-ejecutiva.html> Acesso em: 09 out. 2015.

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Relacionamento Fisco x Contribuinte: Programa de estímulo à conformidade tributária do Estado de São Paulo – “Nos Conformes” Vanessa Marques Castilho Hachuy Valentin

Resumo

Vanessa Marques Castilho Hachuy Valentin, Agente Fiscal de Rendas do Estado de São Paulo. Formada em Matemática e Ciências Contábeis, com MBA em Gestão Pública

O presente artigo, que utilizamos de pesquisa bibliográfica para elaboração, visa analisar a alteração de paradigma entre o relacionamento do fisco Estadual Paulista e os contribuintes, trazida pela promulgação da Lei Complementar Paulista nº 1.320, de 06 de abril de 2018 (LC 1.320/18), que instituiu o Programa de Estímulo à Conformidade Tributária do Estado de São Paulo – “Nos Conformes”. Avaliamos que incentivar a autorregularização, levando em consideração a Pirâmide de Conformidade Tributária, é uma conduta que vai ao encontro das melhores práticas tributárias e que se demonstra um método eficaz para estimular os contribuintes a cumprirem suas obrigações tributárias. A ideia de que “se eu for bom terei um tratamento melhor” é evidenciada na LC 1.320/18 ao prever contrapartidas que a administração oferecerá para aqueles que estiverem “quites” com suas obrigações. Assim, concluímos que além de buscar o acréscimo na arrecadação, as alterações trazidas pela referida lei também objetivaram promover a justiça fiscal, o equilíbrio concorrencial, o surgimento de um ambiente de confiança entre empresas e a Administração Tributária, o menor custo para que os contribuintes consigam cumprir suas obrigações, a otimização dos trabalhos de fiscalização e a eficiência da administração tributária. Palavras-chave: Lei Complementar Paulista nº 1.320/2018, “Nos Conformes”, justiça fiscal, autorregularização, administração tributária, contribuintes, empresas

Introdução O pagamento dos tributos pelos contribuintes é fundamental para que o Estado consiga prestar os serviços públicos à população, afinal, ele precisa de recursos para poder arcar com os custos correspondentes. Mas nem todos os contribuintes pretendem pagar seus impostos e cumprir com suas obrigações. Alexandre Henrique Salema Ferreira coloca que “o tributo representa modalidade de intervenção estatal na riqueza individual e não pode ser mero mecanismo de atribuição onerosa da carga tributária à sociedade” (FERREIRA, 2007, p. 59). Nesse sentido, refletirmos sobre o papel que o Estado deve desempenhar, orientador ou repressor, se torna crucial para que uma abordagem crítica sobre a justiça fiscal possa ser alcançada. artigo

Pensemos no seguinte caso: uma determinada empresa “A”, por erro de entendimento na legislação, paga um valor menor do que o devido de imposto e outra empresa “B” que faz todo o possível para nunca pagar ou cumprir suas obrigações, mesmo tendo recursos 58


em caixa. As duas empresas caracterizam-se como sonegadora por opção, mesmo que ambas sejam fiscalizadas. O tratamento que deveria ser dado a elas estaria promovendo a justiça fiscal se fosse totalmente igual, com o mesmo rigor e as mesmas penalidades? Este artigo procura mostrar que a resposta a essa pergunta seria “não”, ou seja, para o contribuinte que teve o entendimento errado da legislação o melhor seria a orientação e a chance de que ele pudesse se autorregularizar; já para aquele que promove a concorrência desleal, porque não paga seus impostos, conseguindo vender mais barato e ainda prejudicando toda a sociedade porque o imposto que ele deveria pagar nunca chegará a ser disponibilizado para os serviços públicos que o Estado deve oferecer, o mais adequado é a punição e o rigor da lei. Assim, vemos que é neste contexto que o relacionamento da Administração Tributária com os contribuintes precisava ser repensado, criando condições para que um ambiente de confiança fosse criado. Logo, visando alterar o tratamento entre fisco e contribuintes, a Lei Complementar nº 1.320/18 vem instituir o Programa de Estímulo à Conformidade Tributária do Estado de São Paulo – “Nos Conformes”. Tal Programa estipula fundamentos, normas e regras que devem ser perseguidas pelo Estado de São Paulo e pelas empresas para que a confiabilidade e segurança entre ambos sejam atingidas. Analisaremos a referida Lei no sentido de examinar em que pontos o tratamento a ser dado pelo fisco paulista aos seus contribuintes está buscando, de fato, permitir que empresas se autorregularizem ou se beneficiem por estar com suas obrigações sendo cumpridas corretamente. Além disso, verificaremos que o comportamento de uma empresa pode interferir no comportamento de outras, quando a administração cria mecanismos para que essa influência seja concreta. Visualizamos nessa Lei uma mudança de paradigma real no tratamento da Administração Tributária com seus contribuintes que, além de buscar o aumento da arrecadação, também promove a justiça fiscal e, mesmo que de forma indireta, combate a concorrência desleal.

1. A pirâmide de conformidade tributária Os contribuintes possuem perfis diferentes quando analisados sob a ótica de sua disposição para atender as obrigações a que estão sujeitos. Nesse sentido, o fisco paulista deve adotar estratégias diferentes para cada “tipo” de contribuinte. Tentar punir com Auto de Infração uma empresa que sempre pagou seus impostos, mas que em determinada situação, por exemplo, tenha cometido um erro de interpretação na aplicação de alíquota de imposto, pode desestimular que ela continue a cumprir suas obrigações. Em alguns casos, dependendo do tamanho da multa a ser aplicada, talvez ela nem pague mais nada de imposto porque poderá ser levada a fechar suas portas. Estudar como a maioria dos contribuintes se comporta quando nos referimos a sua tendência em cumprir o previsto na legislação é fundamental para que o Estado consiga estabelecer políticas e regras de conduta mais eficazes e melhor direcionadas a cada perfil de empresa. Verificar como a maioria procura se comportar ajuda a administração a traçar as diretrizes e as ações que podem intensificar determinada atitude desejada.

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Na figura abaixo, a qual denominamos Pirâmide de Cumprimento das Obrigações Tributárias pelos Contribuintes, podemos verificar como os perfis dos contribuintes ocupam o espaço no universo de todos eles e como as estratégias do fisco podem influenciar nas atitudes que cada empresa pretende adotar:

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Figura 1:Pirâmide de Cumprimento das Obrigações Tributárias pelos Contribuintes

Fonte: tradução livre de compliance risk management: managing and improving tax comliance. Forumontaxadministrationcompliancesub-group – organização para a cooperação e desenvolvimento econômico – ocde – outubro de 2004, pg 41.

Verificamos que a maioria dos contribuintes tem disposição para atender e cumprir suas obrigações e, nesse sentido, a estratégia mais adequada seria facilitar esse atendimento. Em uma escala um pouco menor, mas que ainda abrange parcela considerável de empresas, estão aqueles contribuintes que tentam cumprir, mas que nem sempre conseguem. E para estes o melhor seria que a administração ajudasse e orientasse como deveriam proceder para atender as disposições da legislação. Quase no topo da pirâmide encontramos aqueles que não querem atender, mas que acabam cumprindo suas obrigações porque são controlados e fiscalizados. Se o fisco fica atento a essas empresas, elas acabam andando corretamente, mas se perceberem que a fiscalização não está atuando ativamente, certamente, não irão cumprir mais seus deveres. Porém, no topo da pirâmide, e abrangendo um número menor de empresas, vemos que se encontram aquelas que decidem, de maneira deliberada, que não irão cumprir a legislação e nem pagar seus impostos: para essas, a melhor estratégia a ser adotada é a punição, o rigor da lei, a ação repressiva do Estado.

2. A lei complementar nº 1.320/2018

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A Lei Complementar nº 1.320, de 06 de abril de 2018, instituiu o Programa de Estímulo à Conformidade Tributária - "Nos Conformes", que em sua própria introdução vemos que “define princípios para o relacionamento entre os contribuintes e o Estado de São Paulo e estabelece regras de conformidade tributária” (Lei Complementar nº 1.320/18). Neste cenário, já podemos observar que a lógica da atuação do fisco paulista mudou. Ela passa de um modelo focado na lavratura de autos de infração para um voltado à orientação e à colaboração para que as empresas regularizem suas pendências.

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A lei utiliza critérios para classificar as empresas e para favorecer o equilíbrio competitivo entre os que cumprem as suas obrigações em relação aos que não cumprem. A lei está dividida em oito capítulos nos quais traçaremos alguns comentários sobre. O capítulo inicial estabelece os princípios nos quais ela é fundada e é nos incisos do seu primeiro artigo que estes estão, assim, relacionados: [...] I - simplificação do sistema tributário estadual; II - boa-fé e previsibilidade de condutas; III - segurança jurídica pela objetividade e coerência na aplicação da legislação tributária; IV - publicidade e transparência na divulgação de dados e informações; V - concorrência leal entre os agentes econômicos. Observa-se, a partir dos princípios, que a lei está baseada em simplificação das normas, estabelecendo regras de ação e condutas tanto para a administração quanto para as empresas. Constata-se que o objetivo é dar um tratamento diferente para aqueles que tiverem determinados comportamentos. Assim, aquele que se comportar como esperado estará seguro de que o fisco irá lhe beneficiar de alguma maneira, seja, por exemplo, com a simplificação de um procedimento ou com a chance de corrigir seus erros. O segundo capítulo traça as ações e procedimentos que a administração tributária pretende seguir para alcançar seus objetivos. É por meio da instituição do Programa de Estímulo à Conformidade Tributária – “Nos conformes” que tais estratégias serão realizadas. Segue os incisos do artigo 2º da Lei Complementar nº 1.320/2018, que abrangem as diretrizes que o Programa irá adotar: [...] I - facilitar e incentivar a autorregularização e a conformidade fiscal; II - reduzir os custos de conformidade para os contribuintes; III - aperfeiçoar a comunicação entre os contribuintes e a Administração Tributária; IV - simplificar a legislação tributária e melhorar a qualidade da tributação promovendo, entre outras ações: [...] V - aperfeiçoar continuamente a Administração Tributária para atendimento dos princípios estabelecidos nesta lei complementar promovendo, entre outras ações: [...]

A lei prevê que o aperfeiçoamento da administração tributária busca ser alcançado por meio do fortalecimento institucional, o aprimoramento de sistemas de informação e avanço da tecnologia que deve ser destinada aos processos, à revisão e ao melhoramento dos processos de trabalho, o investimento em aperfeiçoamento e melhor preparo dos servidores e o estabelecimento e publicidade de indicadores que meçam tanto a eficiência quanto a qualidade da Administração Tributária.

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O terceiro capítulo possui como título “Da segmentação dos Contribuintes do ICMS por Perfil de Risco”. Nele, vemos que as empresas paulistas serão distribuídas e divididas de acordo com três critérios de avaliação: adimplência ou inadimplência com o fisco paulista; inconsistências entre as emissões de notas fiscais e as declarações prestadas; regularidade tributária de seus fornecedores. 61


A segmentação em que o contribuinte estará enquadrado, denominada de nota, não será atribuída exclusivamente pelo seu próprio histórico, pois a lei estabelece que o cumprimento das obrigações tributárias das empresas fornecedoras será também considerado. Aqui, notamos como a disposição de uma empresa em querer ser bem classificada pode fazer com que ela selecione melhor seus fornecedores, afinal, fornecedores que não cumprem suas obrigações concorrem de maneira desleal, pois conseguem muitas vezes vender seus produtos com preços abaixo dos praticados no mercado. Assim, percebemos como a conduta de uma empresa pode influenciar nas ações de outra. Os contribuintes serão classificados em faixas de riscos baseadas nos três critérios de avaliação mencionados, são elas: A+, A, B, C, D e E, sendo utilizado “NC” quando a empresa não for classificada. A classificação “A+” representa a menor exposição a risco e “E”, a de maior. O fisco passará a prestar assistência e tratamento diferenciado aos classificados em segmentos de menor risco de descumprimento (categorias A+, A, B e C), que se estima que representem cerca de 80% dos contribuintes paulistas, segundo a Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo. O parágrafo segundo do artigo 5º da Lei dispõe que a segmentação por perfil de risco levará em conta exclusivamente os fatos geradores ocorridos após a data da publicação da lei e é neste dispositivo que vislumbramos que a intenção do fisco é de que todos tenham a chance de ser bem classificados, afinal não está considerando todo o histórico da empresa. Essa classificação será revista com regularidade e o contribuinte será informado sobre a segmentação que lhe foi atribuída antecipadamente. Ainda, a classificação ficará disponível para consulta pública, podendo a empresa ser contrária a esta divulgação. No entanto, ela poderá ser informada pontualmente aos contribuintes com quem mantenha relação comercial. O quarto capítulo trata da autorregularização dos contribuintes, prevendo os procedimentos pelos quais o fisco paulista incentivará as empresas a fazê-la. O artigo 14, além de explicitar que outras formas previstas na legislação poderão ser adotadas, prevê expressamente dois tipos de procedimentos a serem adotados pela Secretaria da Fazenda e Planejamento: [...] I - Análise Informatizada de Dados - AID, consistente no cruzamento eletrônico de informações fiscais realizado pela Administração Tributária; II - Análise Fiscal Prévia - AFP, consistente na realização de trabalhos analíticos ou de campo por Agente Fiscal de Rendas, sem objetivo de lavratura de auto de infração e imposição de multa. A mudança de paradigma no relacionamento do fisco com o contribuinte fica evidente neste trecho da norma, já que encontramos dispositivo expresso em lei para que seja executado trabalho fiscal sem que a meta seja o lançamento de crédito tributário de ofício, com a correspondente multa pela eventual infração cometida. Neste artigo vemos clara a mudança do modelo a ser adotado na análise fiscal, pois antes toda fiscalização era focada na lavratura de AIIM, no entanto, com a AFP, o objetivo não é autuar, mas sim dar a chance de o contribuinte se regularizar. Ou seja, encontrada uma infração, o contribuinte poderá corrigir seu erro sem que haja a multa punitiva que antes era sempre imposta.

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Para estimular os contribuintes a se autorregularizarem, a lei prevê, em seu artigo 15, que a administração deverá manter permanentemente serviço gratuito de prestação de informação e orientação às empresas, realizar campanhas de educação fiscal sobre 62


direitos e obrigações do contribuinte, manter constantemente programa de educação tributária e oferecer treinamento aos seus servidores. É no capítulo quinto que estão relacionadas às contrapartidas que a administração tributária concederá à empresa pelo seu bom comportamento, dependendo de sua respectiva classificação. A lei estipula que quanto melhor classificada for a empresa, mais contrapartidas ela terá – dentre elas a AFP. Para o contribuinte classificado na categoria “A+” a lei dispõe, em seu inciso I do artigo 16, quais serão suas contrapartidas, conforme listadas a seguir: [...] a) acesso ao procedimento de Análise Fiscal Prévia, referido no artigo 14 desta lei complementar; b) autorização para apropriação de crédito acumulado, observando-se procedimentos simplificados, na forma e condições estabelecidas em regulamento; c) efetivação da restituição de que trata o artigo 66-B da Lei nº 6.374, de 1º de março de 1989, observando-se procedimentos simplificados, na forma e condições estabelecidas em regulamento; d) autorização para pagamento do ICMS relativo à substituição tributária de mercadoria oriunda de outra unidade federada, cujo valor do imposto não tenha sido anteriormente retido, mediante compensação em conta gráfica, ou recolhimento por guia especial até o dia 15 do mês subsequente; e) autorização para pagamento do ICMS relativo à importação de mercadoria oriunda do exterior, mediante compensação em conta gráfica; f) renovação de regimes especiais concedidos com fundamento no artigo 71 da Lei nº 6.374, de 1º de março de 1989, observando-se procedimentos simplificados, na forma e condições estabelecidas em regulamento; g) inscrição de novos estabelecimentos do mesmo titular no cadastro de contribuintes de que trata o artigo 16 da Lei nº 6.374, de 1º de março de 1989, observando-se procedimentos simplificados, na forma e condições estabelecidas em regulamento; h) transferência de crédito acumulado para empresa não interdependente, observando-se procedimentos simplificados, na forma e condições estabelecidas em regulamento, desde que gerado em período de competência posterior à publicação desta lei complementar, respeitado o limite anual previsto em regulamento; [...] Nota-se que a vantagem de ser classificado na categoria “A+” é ampla, pois a lista de contrapartidas é extensa e abrangente e à medida que o tipo de segmentação no qual a empresa foi classificada piora, as contrapartidas diminuem. Para a empresa classificada na categoria C, o inciso IV do artigo 16 prevê somente a inscrição de novos estabelecimentos do mesmo titular por procedimento simplificado.

artigo

Considerando que a expectativa seja de que os contribuintes procurem agir corretamente, era de se esperar – como de fato ocorre – que para aquele contribuinte que tenha atuado de maneira desleal, prejudicando intencionalmente o fisco, a pena fosse rigorosa e exemplar. Assim, está previsto que “a lavratura de auto de infração e imposição de multa que constate a conduta dolosa, a ocorrência de fraude ou a prática de simulação pelo contribuinte, acarretará a suspensão das contrapartidas” (Artigo 18 da Lei Complementar nº 1.320/18). Ainda, o parágrafo único do artigo 18 prescreve que as contrapartidas também podem ser suspensas quando a empresa embaraçar a fiscalização ou reincidir na prática de irregularidade. 63


Essa forma de tratar os contribuintes evidencia que para os que estiverem em melhores categorias o objetivo é monitorar e permitir que eles se autorregularizem, enquanto que para aqueles que estiverem em piores posições a intenção é de que a fiscalização seja feita com operações de maior intensidade e maior rigor. O sexto capítulo trata do devedor contumaz e disciplina o seu artigo 19 que: Artigo 19 - Ficará sujeito a regime especial para cumprimento das obrigações tributárias, na forma e condições previstas em regulamento, o devedor contumaz, assim considerado o sujeito passivo que se enquadrar em pelo menos uma das situações: I - possuir débito de ICMS declarado e não pago, inscrito ou não em dívida ativa, relativamente a 6 (seis) períodos de apuração, consecutivos ou não, nos 12 (doze) meses anteriores; II - possuir débitos de ICMS inscritos em dívida ativa, que totalizem valor superior a 40.000 (quarenta mil) Unidades Fiscais do Estado de São Paulo - UFESPs e correspondam a mais de 30% (trinta por cento) de seu patrimônio líquido, ou a mais de 25% (vinte e cinco por cento) do valor total das operações de saídas e prestações de serviços realizadas nos 12 (doze) meses anteriores. [...] Note que o artigo é objetivo em explicitar quem serão considerados os devedores contumazes, o que vai diretamente ao encontro dos princípios em que a Lei se baseia, como segurança jurídica, transparência e simplificação. Com estas regras e seguindo a ideia fundamental de que as empresas não devem ser tratadas todas da mesma maneira, verificamos que o contribuinte que for considerado devedor contumaz não poderá cumprir suas obrigações da mesma forma que as demais, pois a ela será imposta um regime especial que estará obrigado a cumprir. E, para finalizar a lei, esta estabelece, em seu sétimo capítulo, quem são os servidores que poderão participar do programa, bem como a forma que será incentivada a participação. Em seu oitavo capítulo a lei disciplina que a administração deverá adotar procedimentos para medir a produtividade dos servidores envolvidos.

3. Receita tributária do Estado de São Paulo No site da Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (SEFAZ-SP) podemos encontrar o Relatório da Receita Tributária do Estado de São Paulo, sendo dedicado à informação e à análise do comportamento dos recolhimentos dos tributos estaduais. Ele é elaborado mensalmente, até o décimo dia útil, e composto de três capítulos: Análise da Receita Tributária Total, Análise da Evolução do ICMS e Estatísticas de Referência.

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A SEFAZ observa que as informações constantes deste relatório apresentam divergências em relação aos dados posteriormente contabilizados, incorporados ao Balanço Anual do Estado de São Paulo e que estas divergências ocorrem porque os dados apresentados antecedem eventuais ajustes realizados posteriormente, como estornos, valores ressarcidos/restituídos, incorreções de lançamentos bancários, entre outros. Salienta, ainda, que as eventuais diferenças entre ambos não desqualificam sua utilização para fins de análise da arrecadação, estabelecendo quadro estatístico e histórico, em conformidade com o objetivo de transparência da Secretaria da Fazenda de São Paulo. Para nosso artigo utilizaremos o último relatório publicado que se refere à arrecadação tributária de abril de 2019 e nos atentaremos para os dois primeiros capítulos somente. 64


As taxas de crescimento nominais e reais estão representadas nas tabelas 1 e 1A como segue:

Nessas tabelas, nos deparamos com a totalização, em abril de 2019, de R$ 13.746,4 milhões para receita tributária do Estado de São Paulo, que é composta por ICMS, IPVA, ITCMD, Taxas e Outras Receitas. Esse valor representa avanço real (os valores e taxa de variação são reais, deflacionados pelo IPCA, cuja metodologia considera como base o mês de recolhimento) de 0,9% em relação ao mesmo mês de 2018 e de 1,9% no acumulado do ano. O indicador de tendência (taxa de variação real dos valores acumulados nos últimos doze meses, comparativamente aos doze anteriores) aponta avanço de 1,1% relativamente ao período anterior.

4. Receita tributária do ICMS do Estado de São Paulo artigo

Considerando a relevância da arrecadação do ICMS para o Estado, esta merece uma análise particular. Quando olhamos somente para a arrecadação deste imposto temos os seguintes gráficos: 65


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A análise quanto à arrecadação do ICMS, apresentada no Relatório da Receita Tributária do Estado de São Paulo, é de que a sua arrecadação em abril de 2019 atingiu R$ 12.027,4 milhões, já descontadas as receitas extraordinárias do Programa de Parcelamento Incentivado – PPI e do Programa Especial de Parcelamento – PEP e que em relação ao mesmo mês de 2018, houve queda de 0,3% (Figura 2). A variação dessazonalizada na margem foi positiva em 2,9% (Figura 3). A arrecadação acumulada nos doze meses terminados em abril apresentou crescimento de 1,9% em comparação aos doze meses imediatamente anteriores (Figura 4). A receita acumulada até o mês de abril aumentou 1,7% frente ao mesmo período do ano passado (Figura 5). O conjunto de indicadores da arrecadação de abril demonstra uma diminuição geral tanto dos indicadores de curto prazo como dos sinalizadores de tendência, embora ainda permaneçam positivos. O Índice de Confiança da Indústria (ICI) da Fundação Getúlio Vargas apresentou pequeno aumento de 0,7 pontos em abril de 2019, resultado da combinação de melhores avaliações em relação ao nível de demanda interna, ainda que o ritmo de atividade do setor continue lento e com certo ceticismo quanto à possibilidade de uma aceleração expressiva nos próximos meses, conforme destaca Aloisio Campelo Jr., Superintendente de Estatísticas Públicas da FGV IBRE.

5. Considerações finais É importante ter em mente que os princípios básicos da lei estão alinhados com as recomendações da Ferramenta de Avaliação de Diagnóstico de Administração Tributária (TADAT), uma ferramenta difundida pelo Fundo Monetário Internacional que visa o desenvolvimento das Administrações Tributárias no mundo todo. Essa ferramenta de diagnóstico permite avaliar um determinado sistema de administração tributária de forma padronizada e objetiva. O TADAT é apoiado pela Alemanha, Banco Mundial, Comissão Europeia, Fun¬do Monetário Internacional, Japão, Noruega, Países Baixos, Reino Unido e Suíça, sendo no Fundo Monetário Internacional que se localiza a Secretaria do TADAT. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) também recomenda que as legislações tributárias busquem favorecer a concorrência e incentivar a conformidade tributária. Assim, vemos que o Programa de Estímulo à Conformidade Tributária do Estado de São Paulo – “Nos Conformes” está alinhado às melhores práticas da administração tributária, sendo de fundamental importância que exista um ambiente de confiança recíproca entre contribuinte e o fisco estadual paulista, um dos princípios desta lei. Vislumbramos que a ideia de que o fisco não orienta, não previne, só lavra auto de infração, pode ser desmistificada com as ações previstas na Lei de Conformidade. Consideramos que tratar os bons contribuintes de uma melhor maneira e deixar a ação repressiva para os sonegadores e fraudadores é uma forma de promover justiça fiscal, além de ajudar a combater a concorrência desleal. Nesse sentido, afirma Maria de Fátima Ribeiro:

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é inegável nos dias atuais a influência exercida pelo tributo na competição entre as empresas pela conquista do mercado, cujo sucesso dependerá, dentre outros fatores, do que se denomina de aumento de eficiência tributária, relacionada à competitividade. Daí a importância de uma política fiscal adequada e cuidadosamente planejada, evitando-se a interferência capaz de desequilibrar o regime de competição entre as empresas (Ribeiro, 2012, p. 211). 67


A Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo estima que 80% dos contribuintes com movimento serão classificados como ao menos C, o que, em nossa análise, demostra que a maioria é regular com o fisco. Tratar um número tão grande de empresas como se todas fossem iguais às fraudadoras e às sonegadoras não seria adequado. Esse é um programa pioneiro e acreditamos que ao longo do tempo precisará ser melhorado e ajustado, mas estamos certos de que essa mudança de paradigma é necessária e fundamental para a saúde da tributação. A Classificação está sendo implantada de forma gradual, com intuito de que o fisco e os contribuintes possam atuar juntos para validar o sistema. O Portal do Programa nos Conformes apresenta a informação de que a fase de testes teve início em 17/10/2018 e vai até 31/08/2019. A Resolução SF nº 105, de 27/09/2018, prevê que os contribuintes do ICMS do Regime Periódico de Apuração (RPA) serão classificados de acordo com o grau de adimplência das obrigações pecuniárias e de aderência entre a escrituração ou declaração e os documentos fiscais emitidos ou recebidos pelo contribuinte, conforme regras que contarão do próprio sistema de classificação. Verifica-se que o critério referente ao perfil dos fornecedores do contribuinte ainda não está sendo utilizado para essa fase de testes. Consta ainda no Portal do Programa que, nesse período, o acesso será restrito, por meio do Posto Fiscal Eletrônico. Os contribuintes poderão consultar a classificação atribuída, requerer correção de erro material, bem como noticiar eventual mau funcionamento ou sugerir aperfeiçoamentos no referido sistema, não havendo contrapartidas nesta fase. O Estado, como agente normatizador e regulador de condutas, tem o poder de estimular ou desestimular determinado comportamento. E para que essas normas se tornem eficazes, Aline Vitalis (2018) demonstra que é imprescindível a adesão voluntária, ainda que induzida. Aline também esclarece que quanto maior a adesão daqueles que de fato se comprometem a cumprir o estabelecido na regra, maior será a eficácia desta norma. A Palestra Magna do 4º Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais, realizada em 17 de junho de 2019 pelo Secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, Henrique Meirelles, trouxe a informação de que o Programa arrecadou R$ 1,45 bilhão desde seu início, mas acreditamos que ainda é cedo para avaliarmos concretamente os efeitos positivos da Lei Complementar nº 1.320/18, pois a classificação ainda está em fase de testes e as contrapartidas também não foram implementadas. No entanto, esse cenário sinaliza que a lei trouxe pontos positivos. É fato que o sistema tributário é complexo e precisa de uma simplificação. A lei “Nos conformes” pretende estimular a autorregularização e a simplificar os procedimentos para os bons contribuintes e isso, em nossa análise, merece nossa atenção. Esperamos que sua implementação seja condizente com seus princípios e que a prática reflita nossas expectativas.

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VITALIS, Aline. Justiça Fiscal, Neutralidade e Compliance: Desafios Atuais de Regulação e Política Tributária. 1. ed.Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018 69


Percepções do Agente Fiscal sobre a ética fiscal do contribuinte Isabel Cristina Gomes Maia Pires

Resumo

Auditora Fiscal da Receita Estadual , Diretora de Comunicação da AUDITECE-Ceará, Doutoranda em Administração Pública no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa.

O fenômeno da evasão fiscal vem sendo estudado há muito, porém mais recentemente também sob o prisma da moral e da ética fiscal. Pesquisas aplicadas em diferentes Países têm revelado que a evasão fiscal pode ser considerada ética em algumas circunstâncias e antiética sob outras circunstâncias, perspectiva que também pode ser encontrada na literatura acadêmica recente. O presente artigo resulta de um estudo realizado com o objetivo de analisar a Percepção da Ética Fiscal dos contribuintes na visão do Auditor Fiscal do Estado do Ceará. Para tanto, utilizou-se um instrumento de pesquisa aplicado anteriormente em vários países, sendo adaptado à realidade fiscal Brasileira. Os resultados apontam para certa relatividade ética como justificativa para a evasão fiscal, embora alguns argumentos surjam com mais intensidade que outros, as conclusões também demonstram que a evasão fiscal encontra justificativa quando o sistema fiscal é percebido pelo contribuinte como injusto. A Corrupção estatal não encontrou justificativa ética pelos respondentes da pesquisa, em contradição com o resultado encontrado em outros inquéritos. Para alargamento da visão exploratória sobre tema tão controverso, recomenda-se a replicação e ampliação do estudo nos demais Estados da federação. Palavras chave: Comportamento do Contribuinte; Evasão Fiscal, Ética Fiscal, Administração Tributária,

Abstract The phenomenon of tax evasion has been studied for a long time, but more recently also under the prism of moral and fiscal ethics. Research applied in different countries has revealed that tax evasion can be considered ethical in some circumstances and unethical under other circumstances, a perspective that can also be found in recent academic literature. This article is the result of a study carried out with the objective of analyzing the Perception of Tax Ethics of taxpayers in the view of the Fiscal Auditor of the State of Ceará. For that, a research instrument previously applied in several countries was used, being adapted to the Brazilian fiscal reality. The results point to a certain ethical relativity as justification for tax evasion, although some arguments emerge more strongly than others, the conclusions also show that tax evasion finds justification when the tax system is perceived by the taxpayer as unfair. State corruption did not find ethical justification by the respondents of the research, in contradiction with the results found in other inquiries. To broaden the exploratory view on such a controversial topic, it is recommended to replicate and expand the study in the other states of the federation.

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Keywords: Taxpayer Behavior; Tax Evasion, Tax Ethics, Tax Administration.

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1. INTRODUÇÃO

A despeito dos esforços empregados pela Administração Tributária brasileira, a evasão fiscal no Brasil ainda é bastante excessiva. Se por um lado os contribuintes são onerados pelos tributos (a carga tributária no Brasil alcançou 32,4% do PIB em 2017 5), por outro, existe um sentimento generalizado de que o governo não aplica eficientemente os recursos arrecadados, o que contribui para aumentar o fenômeno de sonegação fiscal (SIQUEIRA E RAMOS,2006). Destaque-se que uma significativa parcela da arrecadação de Receitas Tributárias no Brasil, respalda-se no sistema de self-assessment 6 , como também do cumprimento voluntário da legislação fiscal. Diante de tal conjuntura, é possível conjecturar que o montante de tributos pagos está relacionado aos níveis de cumprimento fiscal, e esses níveis vêm diminuindo em proporções consideráveis, cabendo à Administração Tributária o monitoramento e controle sobre os comportamentos fiscais desses contribuintes. Como gestor público na fiscalidade dos tributos, a Administração Tributária brasileira mantém-se a assegurar a observância às normas e cumprimentos das obrigações fiscais e tributárias sob a égide de fiscalizações e penalidades, pautada nos fatores de dissuasão clássicos, conforme o modelo 7 da Teoria Econômica Formal de Allingham e Sandmo (1972) 8. É oportuno destacar que os modelos econômicos clássicos desconsideram a motivação intrínseca dos indivíduos, tal como os níveis de percepção de conceitos como a justiça fiscal, adequação da capacidade contributiva, ou ainda a influência que as normas sociais exercem no comportamento dos contribuintes (KIRCHLER, MACIEJOVSKY E SCHNEIDER, 2003). Na visão de racionalidade econômica dos indivíduos, a ameaça de detecção e punição emerge como o principal fator de influência nas decisões sobre o cumprimento ou incumprimento fiscal, e envolve a avaliação da utilidade esperada em virtude dos benefícios advindos de um suposto êxito na evasão fiscal e as incertezas de punição, portanto, o cumprimento fiscal ocorre em razão do receio de ser punido (ALM; TORGLER, 2011; LEVINER, 2008). Em pensamento comum com outros pesquisadores, Correia e Pires (2017) ressaltam que os tributos simbolizam o grande sustentáculo da ação estatal, enquanto que a fiscalidade, pode ser vista como um dos principais fatores de influência econômica do Estado, o que leva os modernos sistemas fiscais a buscarem competitividade fiscal, em composição com os princípios clássicos de equidade, eficiência e simplicidade, ao elegerem um estilo pragmático de gestão pública. Os resultados da Pesquisa de Percepção da Política Fiscal brasileira9, publicada pela Escola de Administração Fazendária (ESAF), em 2010, demonstram que 42,6% dos pesquisados estariam dispostos a recolher mais impostos, desde que tivessem uma maior qualidade de serviços públicos a sua disposição; 53,7% não estariam dispostos a pagar mais impostos nem mesmo com o aumento da oferta de serviços públicos por parte do governo. As conclusões do estudo evidenciam que o conhecimento da população brasileira sobre o tema dos impostos é baixa, e muitas vezes não tem consciência do que e porque paga, cabe realçar que cerca de 22,5% dos que se declararam pagantes de impostos não souberam citar pelo menos um dos impostos que paga. Um dado surpreendente dessa pesquisa revela que cerca 80% da população brasileira considera a evasão fiscal um delito grave, no entanto está dividida quanto à probabilidade de punição, o que vem ao encontro do entendimento de Maciel (2004), de que as Legislações complexas são campos propícios para evasão e elisão fiscais, à medida que tornam difíceis a ação fiscalizadora e o cumprimento voluntário das obrigações fiscais. No entendimento de Correia e Pires (2017), as dificuldades associadas à elevada carga tributária10 , a comple-

2 Uma das justificativas do NPM foi o de prestar mais atenção aos resultados, assumindo implicitamente um trade-off entre a governança ética e eficaz 3 Cite-se como exemplo, o Sped - Sistema Público de Escrituração Digital, instituído pelo Decreto 6.022 de janeiro de 2007, que é considerado um avanço na informatização da relação entre o Fisco e os contribuintes, racionalizando e uniformizando as obrigações tributárias para os contribuintes, e tornando mais efetiva a identificação de ilícitos fiscais. 4 Este modelo explica o comportamento dos contribuintes com base no risco de ser detectado e nas sanções pecuniárias aplicadas às infrações. De forma subjacente, o não cumprimento das obrigações fiscais ocorreria sempre que o benefício econômico associado a este comportamento fosse superior à penalização aplicada, na circunstância de o mesmo ser detectado (Branco de Sá, 2013). 5 Receita Federal do Brasil . (2017). Estudos Tributários: carga tributária no Brasil – 2017 - Análise por tributo e bases de incidência. Ministério da Fazenda. 6 O self-assessment pode ser conceituado como um mecanismo que atribui ao sujeito passivo (neste trabalho considerado Contribuinte) o dever e o direito de ser tributado conforme avaliação própria, que só pode ser alterada se houver indícios de que a lei tributária foi violada. 7 Este modelo explica o comportamento dos contribuintes com base no risco de ser detectado e nas sanções pecuniárias aplicadas às infrações. De forma subjacente, o não cumprimento das obrigações fiscais ocorreria sempre que o benefício econômico associado a este comportamento fosse superior à penalização aplicada, na circunstância de o mesmo ser detectado (Branco de Sá, 2013). 8 Allingham, Michael G.; Sandmo, Agnar (1972), “Income tax evasion: a theoretical analysis”, in: Journal of Public Economics, Volume I, pp. 323-338. 9 A Pesquisa está disponível em http://repositorio.enap.gov.br/handle/1/3933 10 O Brasil possui uma carga tributária correspondente a 33,87% de seu Produto Interno Bruto-PIB, enquanto em países como a Argentina e México, comparáveis ao Brasil em itens como renda per capta e eficiência dos serviços públicos, a arrecadação corresponde a 15,3% e 18,3% de seu PIB, e em países como os Estados Unidos e Japão, nos quais serviços públicos tais como saúde e educação efetivamente funcionam, a arrecadação representa, respectivamente, 29,7% e 21,0% de PIB. (Souza, 2005)

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A sociedade e os sistemas fiscais encontram-se em incessante mudança. O processo de globalização acelerou este ritmo e introduziu complexidade na sociedade e nos fenômenos tributários. Na contemporaneidade a boa governança é cada vez mais adotada pelos Estados modernos na busca de novas abordagens para a gestão pública (DE GRAFF, 2010). Não obstante, o acompanhamento do Estado Brasileiro como gestor público na fiscalidade dos tributos, ainda se configura falho. A administração Tributária Brasileira, em que pese ser considerada moderna, com a utilização das ferramentas da New Public Management (NPM) 2, com foco no alcance de resultados e adoção de instrumentos 3 de gestão privada, em sua relação com o contribuinte, continua a assegurar a observância às normas e cumprimentos das obrigações fiscais e tributárias unicamente sob a égide de fiscalizações e penalidades, desconsiderando que o fenômeno da evasão fiscal está relacionado a diversos determinantes, e não somente àqueles de natureza fundamentalmente econômica apontados no modelo 4 da Teoria Econômica Formal de Allingham e Sandmo .

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xidade da legislação, o excesso de burocracia e a corrupção política, dentre outros fatores, contribuem para que os níveis de cumprimento fiscal sejam baixos, e em contrapartida os níveis de evasão se elevem. Não obstante o entendimento harmonizado de que a evasão fiscal é um ato antiético , ilegítimo e lesivo ao Estado, alguns autores (BALLAS; TSOUKAS, 1998) entendem que a evasão fiscal pode ser ética em algumas situações e antiética em outras circunstâncias, essa perspectiva também pode ser encontrada em estudos realizados em diversos países (MCGEE; LINGLE, 2005; MCGEE, 2012a; MCGEE, 2014). Alm et al. (2012b) observam que as autoridades fiscais exercem mandato no sentido de garantir a observância fiscal, no entanto a percepção dos contribuintes sobre a legitimidade do poder emanado dessas autoridades e a confiança que sentem no Governo são fatores que influenciam suas decisões. Posto isto, é possível conjecturar que a elucidação sobre o comportamento dos contribuintes permite às autoridades fiscais a elaboração de regulamentação fiscal mais eficaz, e propicia aos governos o alcance de uma representação mais global do sistema fiscal (Pope e Mohdali , 2010). Com base nessas premissas, cabe a pergunta: “Qual a percepção da Ética Fiscal dos contribuintes na visão do Agente Fiscal Brasileiro?’ Este artigo demonstra os resultados de um inquérito realizado entre os Auditores Fiscais da Receita Estadual, no Estado do Ceará, e foi conduzido com o propósito de analisar as opiniões destes Agentes Fiscais sobre as prováveis justificativas éticas para a evasão fiscal dos contribuintes. Pensar num possível valor ético para ato tão ilegítimo é algo controverso. Esse é o parâmetro a ser considerado utilizado neste estudo.

2. REVISÃO DA LITERATURA Ao nos debruçarmos sobre o tema da Evasão Fiscal, temos autores como Andreoni e Feinstein (1998), que afirmam ser este um fenômeno que pode ser retratado a partir de várias prismas : como um problema de finanças públicas, de coação, legal, organizacional ou ética, ou, ainda, uma combinação de todos eles. Não obstante, o paradigma disciplinar reinante limita a análise das questões e impede a evolução do conhecimento sobre a matéria tributária (POHLMANN; LUDÍCIBUS, 2006a). A maioria dos estudos sobre a evasão fiscal examina a questão através do prisma de finanças públicas ou economia, embora as questões éticas possam ser mencionadas brevemente. Como, por exemplo, no estudo de Alm et al. (2012b), vimos que outros fatores envolvem a decisão do contribuinte, e não somente a maximização do retorno econômico, validando a limitação do paradigma econômico clássico, ao constatar que a probabilidade de ser auditado é mínima. Partindo de uma visão multidisciplinar Katslunger et al. (2011), incluíram temas como o direito, a política, a sociologia e a psicologia social. Torgler (2008) explorou a evasão fiscal sob a perspectiva das finanças públicas, abordando também os aspectos psicológicos e filosóficos da questão. McGee (2005a, 2005b, 2012b, 2014) realizou diversas pesquisas, investigando os aspectos éticos relacionados à evasão fiscal junto a contribuintes de vários países, religiões, idades e gêneros diferentes. Este autor enfatiza que poucas pesquisas têm examinado o não cumprimento, ou a evasão sob a perspectiva da ética.

Oliva, Robert R. (1998). “The Schism between Tax Practitioners’ Ethical and Legal Obligations: Recommendations for the Fusion of Law and Ethics.” Journal of Accounting, Ethics & Public Policy, Volume 1, Number 4, 603-628, reprinted in Robert W. McGee (ed.), The Ethics of Tax Evasion, Dumont, NJ: The Dumont Institute for Public Policy Research: Dumont, NJ, 1998, pp. 350-371.

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Oliva 11 (1998), citado por MacGee (2006), analisou a questão sob a perspectiva de um agente fiscal e comentou o cisma que existe entre as obrigações éticas e legais de um profissional fiscal. Destaque-se que a construção da consciência fiscal coletiva não pode ser feita se os valores assinalados não estão presentes nos agentes citados (GARCÍA; VIDAL; SERRANO, 2008). A ética fiscal, considerada neste estudo como um conjunto de valores que guiam o atuar, onde se destacam a justiça, a igualdade e a solidariedade, é o que fundamenta a consciência fiscal, e para que os cidadãos possam visualizar os princípios nos quais está baseada, a ética precisa se sobressair com contundência sobre a força que sustenta a coerção (GARCIA; VIDAL, 2004). Essa força de coerção a que os autores se referem, é emblemática quando diz respeito a uma relação mais próxima entre o fisco e o cidadão, ou, em outras palavras, entre o Agente Fiscal executor e o contribuinte. Encerra, portanto, na visão de Maciel (2004) questões concernentes às relações entre o fisco e o contribuinte, entre os contribuintes e


entre os fiscos, e a motivação intrínseca ao cumprimento fiscal ou ao seu descumprimento, onde a evasão fiscal se enquadra, é uma dessas questões. O incumprimento fiscal deve ser interpretado não somente como uma violação da lei, mas também como o descontentamento dos contribuintes com o que eles recebem pelos seus tributos. Por esta via, a moral fiscal relaciona-se como uma complicada interação entre contribuintes e fisco, estabelecendo como troca justa e recíproca que envolve um dar e receber de ambas as partes (FELD; FREY, 2002). É neste sentido de relações comportamentais que se insere o presente trabalho, elegendo-se a ética fiscal dos contribuintes como um valor a ser entendido pelos agentes fiscais na sua atuação estatal. Na busca de soluções para a pergunta de partida, o grupo que nos interessou investigar foi o dos Auditores Fiscais, posto que, teoricamente, seja um grupo diferenciado em relação aos componentes éticos que fundamentam a consciência fiscal. Em seguida procedemos à análise da metodologia utilizada.

3. METODOLOGIA Os contribuintes apresentam comportamentos diferentes perante as suas obrigações fiscais (KASTLUNGER et al., 2011), baseados nessa premissa é possível conjeturar que a percepção que o agente fiscal possa ter com relação ao comportamento do contribuinte no que se refere à justificação ética para a evasão fiscal, pode ser um ponto de partida para entender este fenômeno e suas variantes, uma vez que, nessa relação mais próxima, emergem particularidades motivadas pelas condutas e componente éticos de ambos os atores, que, acreditamos, precisam ser conhecidas. Registre-se que o presente estudo apresenta um caráter inovador ao avaliar a ética fiscal do contribuinte na perspectiva do agente fiscal com a realização de um inquérito. A escolha do universo da pesquisa recaiu sobre Agentes Fiscais que realizam atividades de Fiscalização de Empresas, ocupantes do cargo de Auditor Fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado do Ceará. Este critério de seleção adotado, justifica-se em função da especificidade da função de auditoria fiscal, onde, geralmente, ocorre um contato pessoal do Agente Fiscal executor com o contribuinte (descumpridor). A amostra realizada seguiu o critério de conveniência. Foram aplicados 358 questionários, e destes, um total de 264 respostas utilizáveis foram obtidas. A taxa de resposta foi de 73,74 %. O presente estudo utilizou um instrumento de pesquisa anteriormente aplicado em vários países, e foi adaptado à realidade (fiscal) Brasileira. O questionário consistiu em 14 questões, onde foram descritas situações sobre evasão fiscal de impostos, que na visão do contribuinte: "Seriam éticas". Solicitou-se que o respondente, na qualidade de Agente Fiscal, interpretasse as afirmações a partir de sua percepção sobre a ética fiscal dos contribuintes. Utilizando uma escala de Likert de sete pontos, os respondentes foram orientados a escolher o item apropriado no espaço fornecido, indicando a extensão de seu acordo ou desacordo com cada afirmação. As hipóteses são fatores determinantes no processo de desenvolvimento da pesquisa. Para Gil (2008), as hipóteses são proposições que serão testadas, e que podem vir a ser a solução do problema. Com base na revisão de Literatura e nos resultados das pesquisas já anteriormente aplicadas, foram construídas quatro hipóteses: Hipótese 1 (H1): O Agente Fiscal entrevistado acreditará que, para o contribuinte, a evasão fiscal é ética às vezes. Hipótese 2 (H2): O Agente Fiscal entrevistado acreditará que, para o contribuinte, a evasão fiscal será mais justificada (as pontuações serão mais baixas) quando a afirmação se refere à corrupção governamental.

artigo

Hipótese 3 (H3): O Agente Fiscal entrevistado acreditará que, para o contribuinte, a evasão fiscal será menos justificada (a pontuação será maior) , quando ele percebe que está recebendo benefícios em troca do imposto pago (Afirmação 9), onde os fundos estão sendo gastos corretamente (Afirmação7), ou, onde há uma percepção de que existe um dever para com outros contribuintes de pagar impostos (Afirmação 14), mesmo que não haja um dever para com o governo.

73


Hipótese 4 (H4): O Agente Fiscal entrevistado acreditará que, para o contribuinte, a evasão fiscal será mais justificável (a pontuação será menor) quando o sistema fiscal é percebido como sendo injusto.

3.1. Modelo de Análise Com o intuito de responder à questão de partida, quatro hipóteses foram definidas para serem testadas, a elaboração do modelo de análise e sua forma de operacionalização, tomou por base o padrão utilizado anteriormente por McGee (2012a), e nele estão presentes os principais conceitos chaves deste estudo. Tabela 1: Teste de Hipóteses Hipóteses

Operacionalização

H1: O entrevistado médio acreditará que, para o contribuinte, a evasão fiscal é ética às vezes.

Esta hipótese não será rejeitada se a pontuação média para todas as 14 afirmações for superior a 2, mas inferior a 6.

H2: O Agente Fiscal acredita que, para o contribuinte, a evasão fiscal será mais aceitável (as pontuações serão mais baixas) quando a afirmação se refere à corrupção governamental.

Esta hipótese não será rejeitada se a afirmação que trata da corrupção (Questão 11) for classificada dentro do item 6.

H3: O entrevistado acreditará que para o contribuinte, a evasão fiscal será menos justificada (a pontuação será maior) , quando ele percebe que está recebendo benefícios em troca do imposto pago (Afirmação 9), onde os fundos estão sendo gastos corretamente (Afirmação7), ou, onde há uma percepção de que existe um dever para com outros contribuintes de pagar impostos (Afirmação 14), mesmo que não haja um dever para com o governo.

Esta hipótese não será rejeitada se as afirmações que solicitam opiniões sobre esses pontos estiverem entre as 7 pontuações mais altas.

H4: O Agente Fiscal acredita que, para o contribuinte, a evasão fiscal será mais justificável (a pontuação será menor) quando o sistema fiscal é percebido como sendo injusto.

Esta hipótese não será rejeitada se as pontuações para as afirmações 1, 3 e 14 estiverem todas dentro das sete melhores pontuações.

4. CONSIDERAÇÕES E ANÁLISES No que se refere à análise dos dados coletados no inquérito e considerando o referencial teórico, e as hipóteses formuladas, importa sublinhar o que segue:

4.1. Das Hipóteses artigo

H1: O entrevistado médio acreditará que, para o contribuinte, a evasão fiscal é ética às vezes. Esta hipótese seria confirmada se a pontuação média para todas as 14 afirmações recebesse pontuação superior a 2, mas inferior a 6. 74


H1: Confirmada. A pontuação média foi de 4, 560. Esta constatação é congruente com o resultado das pesquisas 12 já realizadas em outros países, e também com a investigação realizada mais recentemente por MacGee (2014) e que serviram de esteio para a consecução deste estudo. Percebe-se que basicamente, existe pouco apoio moral dos respondentes para a evasão fiscal, embora alguns argumentos sejam mais fortes do que outros, o que aponta para certa relatividade ética com relação à justificativa para a evasão fiscal. H2: O Agente Fiscal acredita que, para o contribuinte, a evasão fiscal será mais justificada (as pontuações serão mais baixas) quando a afirmação se refere à corrupção governamental. Esta hipótese seria confirmada se a afirmação que trata da corrupção (Questão 11) fosse classificada dentro do item 6. H2: Rejeitada. A afirmação recebeu a pontuação de 5, 7012. A questão que trata da corrupção ficou em décimo lugar, o que é um resultado inesperado, e contradiz o resultado encontrado em estudos anteriores (McGee e Lingle, 2005; Hernandez e McGee, 2014a). Uma possível explicação para este resultado é que na visão de um expressivo número de Agentes Fiscais entrevistados, em sua relação com o contribuinte incumpridor, prepondera o paradigma do Homo Economicus, guiado somente pelo interesse econômico próprio, e, portanto, é racional e amoral, disposto a maximizar seus benefícios financeiros a qualquer custo. A decorrência lógica desse raciocínio pode ser constatada quando a Administração Tributária assegura a observância fiscal, com o aumento de fiscalizações ou a severidade nas punições, ou com o uso das duas ferramentas de modo concomitante, o que Alm e Torgler (2011) nomearam de “insight plausível”. H3: O entrevistado acreditará que para o contribuinte, a evasão fiscal será menos justificada (a pontuação será maior) , quando ele percebe que está recebendo benefícios em troca do imposto pago (Afirmação 9), onde os fundos estão sendo gastos corretamente (Afirmação7), ou, onde há uma percepção de que existe um dever para com outros contribuintes de pagar impostos (Afirmação 14), mesmo que não haja um dever para com o governo. Esta hipótese se confirmaria se as declarações que solicitavam opiniões sobre esses pontos estivessem entre as 7 pontuações mais altas. H3: Rejeitada. Das (3) três afirmações, somente uma (1) foi classificada. Das três afirmações selecionadas, somente a 7 (onde os fundos estão sendo gastos corretamente) foi classificada entre as sete maiores pontuações. A rejeição desta hipótese sinaliza certa tolerância (ou justificativa ética) para a evasão fiscal do contribuinte. Neste contexto, o Agente Fiscal interpreta que quando os contribuintes reconhecem que os valores dos tributos são utilizados para o bem comum e compreendem a necessidade de financiamento da atividade pública, o cumprimento fiscal ocorre como uma atitude natural (Alm et al., 2012b). Fatores relacionados à má gestão dos recursos arrecadados, e uma baixa contrapartida dos serviços públicos oferecidos pelo Estado, aparecem com certa tolerância (ou justificativa ética) para a evasão fiscal, resultado que vem ao encontro da pesquisa realizada pela ESAF, já mencionada, onde 42,6% dos entrevistados mostraram-se dispostos a recolher mais impostos, desde que houvesse uma contrapartida do Estado com relação à qualidade dos serviços públicos disponibilizados. A baixa pontuação percebida na Afirmação 14 (Onde há uma percepção de que existe um dever para com outros contribuintes de pagar impostos) , contraria os argumentos relacionados por MacGee (2014) no que se refere a crença de que os indivíduos têm um dever ético para com os outros membros da comunidade. Com relação à baixa pontuação da Afirmação 9 (Quando ele percebe que está recebendo benefícios em troca do imposto pago) , o resultado pode ser de algum modo, compreendido pelo fato de que os próprios entrevistados (os Agentes Fiscais) concordarem com o pressuposto de que o dinheiro arrecadado pelo Estado é mal aplicado, indicando um mau desempenho da sua atividade. Neste sentido, o descumprimento da norma fiscal passa a ser interpretado não somente como uma violação da lei, mas também como o descontentamento dos contribuintes com o que eles recebem pelos seus tributos (FELD; FREY, 2002).

McGee (2006), McGee e Tyler (2006) ; McGeee López Palau (2007).

11

artigo

H4: O Agente Fiscal acredita que, para o contribuinte, a evasão fiscal será mais justificável (a pontuação será menor) quando o sistema fiscal é percebido como sendo injusto. Esta hipótese seria confirmada se as pontuações para as questões 1, 3 estivessem ambas dentro das sete melhores pontuações.

75


H4: Confirmada. As questões 1 e 3 ficaram entre as sete melhores pontuações. As duas declarações "A evasão Fiscal é ética, porque o Sistema Tributário é injusto" (6, 1402) e "A evasão fiscal é ética, se as alíquotas de impostos forem muito elevadas" (5,7683), receberam as maiores pontuações, e se classificaram em 11º e 13°lugares, revelando portanto, um alto nível de concordância dos inquiridos. É provavelmente o resultado que menos surpreende no resultado final da pesquisa, confirmando estudos anteriores, onde se concluíram que a oposição à evasão fiscal é mais fraca nos casos em o sistema Tributário é percebido como sendo injusto. Seguindo a linha de raciocínio de Kirchler (2007) ao afirmar que o cumprimento fiscal voluntário é influenciado pela percepção de justiça e das normas sociais, o que, por sua vez, robustece a cooperação e a observância voluntária, tal resultado permite concluir que na percepção do Agente Fiscal a ética fiscal do contribuinte guarda estreita relação com a percepção externa das administrações tributárias. Na Tabela 2 (Média Amostral de Afirmativas de Avaliação) listamos as 14 afirmações avaliadas e os escores médios recebidos para cada afirmação. • Uma pontuação de um (1) indica forte concordância com a afirmação. Uma pontuação Sete (7) indica forte desacordo. • Uma pontuação média ou, 2 ou menos indicaria que a evasão fiscal é sempre, ou quase sempre ética. Uma pontuação média de 6 ou mais indicaria que a evasão fiscal nunca é ou quase nunca ética. Pontuações com média de mais de 2, mas menos de 6, indicam que a evasão fiscal às vezes é ética. Tabela 2 - Média Amostral dos valores éticos diante da Evasão Fiscal

artigo

QUESTÃO

76

AFIRMATIVA DE AVALIAÇÃO

RANKING

1

A evasão fiscal é ética, se as alíquotas de impostos forem muito elevadas

5, 7683

2

A evasão fiscal é ética mesmo que as alíquotas de imposto sejam baixas, porque o governo não tem direito de tirar tanto dinheiro do cidadão

2, 9329

3

A evasão Fiscal é ética, porque o Sistema Tributário é injusto

6, 1402

4

A evasão fiscal é ética, se grande parte do dinheiro arrecadado é desperdiçada.

6, 1280

5

A evasão fiscal é ética, mesmo que parte do dinheiro arrecadado seja gasto corretamente

2, 7927

6

A evasão fiscal é ética, se uma grande parte do dinheiro arrecadado é gasto em projetos que ele desaprova moralmente.

4, 0305

7

A evasão fiscal é ética, mesmo quando uma grande parte do dinheiro arrecadado é gasto em projetos que valem a pena

5, 4451

8

A evasão fiscal é ética, se grande parte do dinheiro arrecadado é gasto em projetos que não lhe beneficiam

6, 1463

9

A evasão fiscal é ética mesmo quando grande parte do dinheiro arrecadado é gasto em projetos que lhe beneficiam.

5, 0732

10

A evasão fiscal é ética se todos estiverem fazendo

5, 1829

11

A evasão fiscal é ética, se uma parte significativa do dinheiro arrecadado é desviado para a corrupção

5, 7012

12

A evasão fiscal é ética, se a probabilidade do fisco detectar for baixa.

3, 1646

13

A evasão fiscal é ética, se eu não tenho condições de pagar

2, 4939

14

A evasão fiscal é ética, mesmo que, se ele pagar menos, outros tenham que pagar mais.

2, 8415


A Tabela 3 classifica todos os argumentos ou afirmativas de análise utilizadas no inquérito, da mais aceitável para a menos aceitável. Das 14 pontuações totais, somente 3 ficaram acima de 6,00, e nenhuma apresentou escores de 2,0 ou menos. Os escores variaram de 2, 4939 a 6, 1463, indicando que alguns argumentos foram mais fortes do que outros. Tabela 3 – Classificação das Afirmativas de Avaliação sobre Ética e Evasão Fiscal

QUESTÃO

AFIRMATIVA DE AVALIAÇÃO

RANKING

13

A evasão fiscal é ética, se eu não tenho condições de pagar

2, 4939

5

A evasão fiscal é ética, mesmo que parte do dinheiro arrecadado seja gasto corretamente

2, 7927

14

A evasão fiscal é ética, mesmo que, se ele pagar menos, outros tenham que pagar mais.

2, 8415

2

A evasão fiscal é ética mesmo que as alíquotas de imposto sejam baixas, porque o governo não tem direito de tirar tanto dinheiro do cidadão

2, 9329

12

A evasão fiscal é ética, se a probabilidade do fisco detectar for baixa.

3, 1646

6

A evasão fiscal é ética, se uma grande parte do dinheiro arrecadado é gasto em projetos que ele desaprova moralmente.

4, 0305

9

A evasão fiscal é ética mesmo quando grande parte do dinheiro arrecadado é gasto em projetos que lhe beneficiam.

5, 0732

10

A evasão fiscal é ética se todos estiverem fazendo

5, 1829

7

A evasão fiscal é ética, mesmo quando uma grande parte do dinheiro arrecadado é gasto em projetos que valem a pena

5, 4451

11

A evasão fiscal é ética, se uma parte significativa do dinheiro arrecadado é desviado para a corrupção

5, 7012

1

A evasão fiscal é ética, se as alíquotas de impostos forem muito elevadas

5, 7683

4

A evasão fiscal é ética, se grande parte do dinheiro arrecadado é desperdiçada.

6, 1280

3

A evasão Fiscal é ética, porque o Sistema Tributário é injusto

6, 1402

8

A evasão fiscal é ética, se grande parte do dinheiro arrecadado é gasto em projetos que não lhe beneficiam

6, 1463

artigo

Como vemos na Tabela 3, os escores médios estavam acima de 2,0 e abaixo de 6,0, indicando que na visão do Agente Fiscal, o contribuinte considera que a evasão fiscal se justifica em algumas circunstancias. Em outros termos: Para o contribuinte a evasão fiscal às vezes é ética.

77


4.2. Considerações sobre a Menor e a Maior Pontuação Um resultado bastante surpreendente pode ser observado nos resultados obtidos com relação à afirmação (13): "A evasão fiscal é ética, se eu não tenho condições de pagar", que ao final da avaliação aparece com a menor pontuação (2, 4939) de todo o inquérito, indicando que para uma maioria significativa de agentes fiscais, este é o argumento que mais justifica a evasão fiscal na percepção do contribuinte. Tal resultado pode ser analisado considerando-se que na visão do Agente Fiscal, a carga tributária imposta é abusiva e viola o Princípio da Capacidade Contributiva de alguns contribuintes, ou outra possível interpretação para este resultado pode residir no entendimento corrente da chamada "sonegação de sobrevivência", uma espécie de necessidade para defesa da vida de muitos contribuintes, ressalte-se que num país de subdesenvolvido, submetido a altas taxações, este é um fenômeno que já se observava de forma empírica, e que a aplicação do inquérito nos possibilita confirmar. Como se pode observar, a afirmação "A evasão fiscal é ética, se grande parte do dinheiro arrecadado é gasto em projetos que não lhe beneficiam", recebeu a maior pontuação (a oposição do respondente à justificativa de evasão fiscal foi mais forte). Contrariando, de certo modo, os resultados e as conclusões obtidas nas pesquisas anteriormente realizadas por MacGee et all ·, nas quais se baseou este estudo. Uma possível interpretação para a alta pontuação desta afirmação (6,1463) pode ser atribuída ao fato de os Agentes Fiscais, ao responderem ao inquérito, estarem aplicando as suas próprias regras morais, sem levar em consideração as possíveis exceções. Outra possível explicação seria a de que os entrevistados acreditam na obrigação de sempre pagar impostos, provavelmente em função da natureza positivista do próprio cargo que ocupam.

CONCLUSÕES A aceitação da evasão fiscal seria a definição negativa de ética fiscal, ou ainda, este tipo de tolerância seria a expressão mais emblemática de uma sociedade com baixa consciência fiscal. Contudo, ao final do estudo realizado, os resultados nos permitem considerar que a evasão fiscal pode ter justificações éticas. Às vezes. O exame dos dados levantados na pesquisa indica uma certa relatividade ética com relação à justificativa para a evasão fiscal, embora alguns argumentos apareçam com mais intensidade que outros. Tais constatações revelam que a evasão fiscal será mais justificável quando o sistema fiscal for percebido como sendo injusto. Fatores relacionados à má gestão dos recursos arrecadados, e uma baixa contrapartida dos serviços públicos oferecidos pelo Estado, também aparecem com certa tolerância (ou justificativa ética) para a evasão fiscal. A Corrupção governamental não encontrou justificativa ética pelos respondentes deste estudo, em contradição com o resultado encontrado em outros inquéritos. De certo modo, a relatividade ética considera que as situações interferem na concepção dos valores e da conduta socialmente aceitável. De forma geral, os resultados e conclusões obtidas nas pesquisas sobre Ética Fiscal são de considerável importância. A percepção da ética fiscal dos contribuintes na visão da autoridade fiscal parece ser um dos fatores determinantes na melhoria do cumprimento fiscal e uma consequente diminuição das taxas de evasão fiscal. Considerando que no Brasil não temos encontrado um debate teórico importante sobre a evasão fiscal sob a perspectiva da ética fiscal dos contribuintes, mais estudos empíricos são necessários para melhor aprofundamento sobre a ética fiscal do contribuinte na perspectiva do Agente Fiscal.

artigo

Uma limitação a ser considerada neste estudo se refere ao tamanho da amostra, que ao se apresentar circunscrito aos Agentes Fiscais de uma Região, somente permite analisar os resultados encontrados para a população em questão. Neste cenário, considerando que, assim como os contribuintes, os agentes fiscais também apresentam diferenças relacionadas ao ambiente em que ocorre a evasão fiscal, e também considerando a influência da Cultura Fiscal em cada região, sugere-se a ampliação do universo de aplicação desse estudo, abrangendo Agentes Fiscais de outros Estados da federação Brasileira.

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Lei Complementar 1.320/2018: a quebra de um paradigma na administração tributária? Luís Felipe Lopes Milaré

Resumo O objetivo deste artigo é analisar se a recém-publicada Lei Complementar de conformidade tributária do Estado de São Paulo (1.320/2018) se traduz na quebra de um paradigma na relação fisco-contribuinte. Para tanto, primeiramente, será discutido o papel da administração tributária no Estado moderno; em seguida, será retomada a questão do compliance tributário na literatura acadêmica; e, por fim, com base no que foi exposto será apresentada a Lei Complementar 1.320/2018. Palavras-chave: Administração tributária. Conformidade tributária.

Agente Fiscal de Rendas do Estado de São Paulo, mestre em Economia pela Universidade Federal de São Carlos

Introdução A Constituição Federal de 1988 consolidou como entes federados, dotados de autonomia, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Observa-se, contudo, que não existe autonomia de fato sem autonomia financeira. Dessa forma, a repartição das receitas tributárias tem um papel central no pacto federativo. Além de influenciar diretamente o caixa de mais de cinco mil municípios, dos vinte e seis Estados, do Distrito Federal e da União, a forma pela qual o Estado brasileiro arrecada – ou deixa de arrecadar – também influencia diretamente a alocação de investimentos produtivos, no comércio exterior e no nível geral de emprego e renda do país. A literatura acadêmica reconhece que um bom sistema tributário favorece o desenvolvimento econômico, reduz desigualdades, redistribui renda, cria empregos, fomenta o crescimento das empresas e garante os recursos necessários ao bom funcionamento do Estado (STIGLITZ, 1999). Nesse sentido, a administração tributária surge como um importante elo entre o cidadão e o Estado. Se, de um lado, a administração tributária é vista por alguns como uma “vilã”, por ter a prerrogativa de utilizar o uso legítimo da força para extrair parte dos recursos dos cidadãos; de outro, ela é capaz de redistribuir renda e garantir que os recursos necessários à prestação de serviços pelo Estado sejam disponibilizados com justiça fiscal.

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A incessante busca pela justiça fiscal talvez seja um dos mais importantes trabalhos a serem realizados por uma administração tributária moderna. Quando a imensa maioria dos contribuintes recolhe devidamente seus tributos, reconhecendo sua importância para a sociedade, há um ambiente de negócios mais justo e uma distribuição mais equânime da carga tributária. É evidente que um sistema tributário disfuncional, como o brasileiro, traz grandes injustiças; no entanto, ainda que as administrações tributárias não tenham a prerrogativa de transformar o arcabouço legal na qual estão inseridas, uma nova forma de se relacionar com os contribuintes é possível e capaz de trazer um pouco mais de justiça fiscal. A questão da conformidade tributária nasce da necessidade das administrações tribu-

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tárias influenciarem os contribuintes a cumprirem a legislação de forma espontânea. O fiel cumprimento das obrigações por parte do contribuinte garante um ambiente de negócios mais justo – sem a concorrência desleal da vantagem indevida de não se recolher tributo – e uma distribuição mais equânime da carga tributária entre as empresas de um mesmo setor. Essa espontaneidade está diretamente ligada à forma pela qual o fisco se relaciona com o contribuinte. Assim, o Estado de São Paulo foi pioneiro em criar uma Lei Complementar que busca, além de estimular o cumprimento espontâneo das obrigações tributárias, modernizar a forma como o fisco se relaciona com os contribuintes. O objetivo deste artigo é analisar se a recém publicada Lei Complementar de conformidade tributária do Estado de São Paulo (1.320/2018) se traduz na quebra de um paradigma na relação fisco-contribuinte. Para tanto, primeiramente, será discutido o papel da administração tributária no Estado contemporâneo; em seguida, será retomada a questão do compliance tributário na literatura acadêmica; e, por fim, será analisado o papel da Lei Complementar 1.320/2018, concluindo se a mesma quebrou um paradigma na relação fisco-contribuinte.

1. O papel das administrações tributárias no Estado contemporâneo Antes de se tratar diretamente da questão de compliance tributário, cabe um breve histórico do papel das administrações tributárias no Estado contemporâneo. Para tanto, amparando-se em alguns clássicos – como Weber, Woodrow Wilson, Merton, Michels e Kaldor – procurar-se-á situar o leitor no contexto histórico e político das administrações públicas e, em especial, da administração tributária. Ainda que estes renomados autores não tenham tratado diretamente de administrações tributárias, suas obras possibilitam entender o arcabouço geral no qual este estudo está inserido, sendo possível traçar paralelos com o tema aqui discutido. Ao analisar o contexto político de sua época, Weber (1993) entendia que era imprescindível que os Estados modernos criassem uma estrutura burocrática do tipo racional-legal, republicana e baseada no monopólio legítimo do uso da força. Para o autor, somente assim os Estados seriam capazes de suprir as crescentes demandas sociais por mais serviços públicos que surgiam em seu tempo. Para caracterizar essa nova burocracia que estava se formando, o autor criou um tipo-ideal que traz um bom arcabouço teórico para se pensar em qualquer administração pública. Abrucio e Loureiro (2018, p. 26) apresentam cinco características do tipo-ideal weberiano, que podem ser resumidamente explicitados da seguinte forma: (1) o corpo técnico da burocracia deve ser formado por meio de processos universais de recrutamento, segundo critérios de mérito e especialização técnica; (2) o cargo pressupõe estabilidade funcional, pois as funções e políticas devem ser contínuas; (3) o emprego público exige remuneração fixa, carreira e autonomia administrativa, com funcionários neutros e impessoais; (4) a administração pública deve pautar-se por princípios de hierarquia funcional bem definidos tanto internamente, quanto em sua relação com os entes políticos; e (5) as atribuições dos membros da administração pública devem ser fixadas formalmente em leis ou regulamentos.

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Como é sabido, o tipo-ideal weberiano influenciou a formação das mais variadas administrações públicas do mundo. Pode-se dizer que as administrações tributárias modernas possuem um arcabouço compatível, em alguma medida, com os requisitos propostos por Weber. No Brasil, por exemplo, o corpo técnico das administrações tributárias é admitido por meio de concurso público, existe a estabili83


dade funcional do servidor, remuneração fixa, carreira e autonomia administrativa nos termos das leis e regulamentos. As leis e os regulamentos também disciplinam a hierarquia funcional, tanto internamente, quanto em relação aos entes políticos. Merton (1957), no entanto, critica o modelo weberiano sugerindo que o autor foca muito nos benefícios da burocratização – precisão, confiança, eficiência – e deixa de lado um aspecto importante: as limitações da organização. Merton indica que do modelo racional, com regulamentos e normas minuciosamente definidas, surge também o risco de os funcionários priorizarem detalhes particulares exigidos pelas normas, em detrimento dos objetivos centrais da organização. No âmbito da administração tributária brasileira esse risco existe considerando, por exemplo, que o espectro de normas e regulamentos é volumoso – composto por milhares de ditames legais, que tentam disciplinar todos os possíveis detalhes da relação fisco-sociedade1 . Assim, a submissão à norma – que foi concebida por Weber como uma maneira de garantir precisão, eficiência e confiança – traz consigo o risco de tornar-se um fim em si mesma. Merton sugere que o tipo ideal de burocracia traz consigo desencadeamentos inesperados, ou seja, disfunções burocráticas. A relação fisco/contribuinte poderia até ser vista como parte de um desencadeamento dessas disfunções burocráticas e uma tentativa de se alterar tal relação deveria considerar este tema. Kaldor (1957, p. 90), por sua vez, chama atenção para um outro fato importante. Segundo o autor, “um sistema fiscal ineficiente será sempre preferido por todos aqueles a quem um sistema adequado e eficiente possa afetar; e, como estes formam o grupo de maior influência na sociedade, surgem os mais formidáveis obstáculos políticos contra a criação de qualquer sistema eficaz de tributação.”. Assim, a modernização do sistema tributário torna-se um desafio que vai muito além da questão meramente técnica: transforma-se em uma questão eminentemente política, pautada pela capacidade dos agentes econômicos de influenciar a agenda. Wilson (2005), destaca a relação entre a administração pública e os agentes políticos. Para o autor, é fundamental que haja uma grande separação entre as decisões técnicas – a serem tomadas pelos burocratas – e os entes políticos, que deveriam limitar-se a dar as diretrizes para que os burocratas realizem seu trabalho da forma mais eficiente possível. Considerando que a administração tributária atua em um segmento muito específico da administração pública – sendo responsável por retirar do cidadão parte de seus recursos – essa separação é imprescindível para que grupos de poder organizados não sejam capazes de utilizar o poder do fisco em benefício próprio e contra seus eventuais concorrentes. Um exemplo disso é a necessidade de que benefícios fiscais atendam exclusivamente ao interesse público; o arbítrio dos governantes em conceder benesses aos seus financiadores de campanha, por exemplo, poderia levar a um desequilíbrio concorrencial e à perda de importante parcela da arrecadação. Nesses termos, Wilson tem razão ao afirmar que é imprescindível que ocorra essa ampla separação na influência que os agentes políticos têm nos burocratas.

A exemplo do Código Tributário Nacional, que dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios; dos Regulamentos do ICMS, em que cada Estado consolida a legislação vigente sobre o referido tributo; além das leis municipais sobre ISS, entre outros.

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Alguns autores apresentaram uma visão menos otimista que a de Wilson sobre a separação funcional entre política e burocracia. Michels (1982), por exemplo, sugere que os burocratas poderiam apropriar-se do poder adquirido sobre o pretexto de estarem tomando decisões técnicas para criar espaços de poder com o intuito de atuar em benefício próprio. Ainda que críticas nesse sentido sejam válidas, alguma separação funcional mais rígida entre as decisões políticas e as técnicas, quando se trata de administração tributária, há de existir para evitar problemas fiscais e de desequilíbrio concorrencial. Nesse sentido, inclusive, foi criada a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), visando evitar que decisões políticas impedissem o funcionamento do Estado no longo prazo. Observa-se, contudo, que outras medidas – como a concessão de benefícios fiscais – podem levar alguns Estados a graves crises econômicas. Tais benefícios – que se traduzem em verdadeiras isenções tributárias


e em casos extremos podem chegar a ser, até mesmo, subsídios – estão muito mais suscetíveis a influências políticas e de guerra fiscal que a execução orçamentária, cujas regras são muito mais rígidas. Assim, uma visão wilsoniana, ainda que relativizada, da necessidade da separação mais rígida entre as decisões técnicas e políticas para administração tributária é importante para se garantir justiça fiscal. É nesse sentido que foi afirmado, na introdução deste artigo, que a forma pela qual o Estado arrecada ou deixa de arrecadar influencia diretamente na arrecadação dos entes federados e na alocação de investimentos produtivos. Uma administração tributária competente é capaz de tornar-se o elo entre a sociedade e o Estado em um dos seus temas mais sensíveis: a arrecadação (forma pela qual se retira do particular parte de seus recursos para a sociedade). Quando somente alguns pagam o tributo, estamos diante de duas grandes injustiças: a primeira refere-se ao financiamento dos bens públicos, que fica prejudicada, pois a arrecadação potencial não se converter em arrecadação real; a segunda refere-se à vantagem concorrencial indevida auferida pelo sonegador frente aos seus concorrentes bons pagadores – é mais difícil ter um preço competitivo quando seu concorrente não paga tributos. É nesse contexto que a administração tributária precisa atuar dentro das regras estabelecidas para garantir mais justiça fiscal. A conformidade tributária é um passo nessa direção. Quando os contribuintes são estimulados a recolher tempestivamente seus tributos e suas obrigações fiscais, temos um ambiente de negócios mais justo, sem o desequilíbrio concorrencial derivado da vantagem indevida de não se pagar tributos.

2. A questão de compliance tributário na literatura O sistema tributário brasileiro tem sido rotulado por especialistas e acadêmicos como disfuncional, anacrônico, concentrador de renda e incapaz de responder aos anseios da sociedade. Observa-se, ainda, que poucos anos após a aprovação da Constituição Federal de 1988 a academia já apontava para a necessidade de uma reforma tributária no país. Com o passar dos anos, ampliou-se a complexidade do sistema e, a despeito das várias tentativas de reformar o arcabouço tributário nacional, não fomos capazes de colocá-lo como fomentador do desenvolvimento econômico. A despeito de todas as dificuldades que uma legislação tributária complexa e anacrônica traz para o bom funcionamento das administrações tributárias, é certo que com o uso intensivo da tecnologia da informação e de um corpo técnico capacitado, o Estado brasileiro tem sido capaz de arrecadar os recursos necessários para o funcionamento do Estado . Observa-se, contudo, que esses recursos somente são possíveis de serem arrecadados porque a maior parte dos contribuintes cumpre – ou tenta cumprir – de maneira correta a legislação tributária. A maior parte da arrecadação de todos os entes federados advém de débitos declarados e recolhidos pelo próprio contribuinte, sem a necessidade de uma ação ativa por parte do fisco (sendo o monitoramento suficiente para estimular o cumprimento dessas obrigações). Nesse sentido, as administrações tributárias modernas têm buscado criar políticas que induzam o contribuinte a cumprir com a legislação, sem a necessidade de uma ação repressiva de sua parte, a exemplo do que será apresentado a seguir.

Nos últimos anos assistimos a carga tributária brasileira em relação ao PIB atingir o patamar de 32,38%, segundo dados do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros da Receita Federal (2017).

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Por algum tempo, a questão do compliance tributário na literatura ficou especialmente focada em modelos econômicos baseados no rational choice. Um dos primeiros estudos foi o de Allingham e Sandmo (1972), no qual os autores criaram um arcabouço teórico em que os contribuintes tentam maximizar sua utilidade quando tem a oportunidade de não declarar toda sua renda, evadindo-se do pagamento de parte dos tributos devidos; eles avaliam seu ganho potencial em comparação à sua

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probabilidade de serem auditados pela autoridade fiscal e da punição caso sejam autuados. As variáveis que influenciariam a conformidade tributária nesse caso seriam, portanto, a probabilidade de serem auditados, o tamanho da multa, o valor dos tributos e o montante da renda. No decorrer dos anos, outros estudos, como os de Alm (1988), Srinivasan (1973) e Yitzhaki (1974), também baseados em modelos de rational choice, foram desenvolvidos relacionando a conformidade tributária dos contribuintes com (1) sua aversão ao risco de ser auditado; (2) as alíquotas dos impostos; (3) a renda auferida pelo contribuinte em não conformidade; (4) a complexidade da legislação, entre outras. Essas análises, apesar de trazerem teorias importantes para se pensar no sistema tributário ideal, em última instância, direta ou indiretamente, propunham políticas de atuação fiscal parecidas, indicando a formação de um fisco com grande monitoramento e aplicação de penalidades e sanções com intuito de evitar a evasão fiscal. Hallsworth (2018), no entanto, sugere que esse tipo de abordagem é falha, na medida em que se tem observado estudos empíricos indicando que os agentes não atuam conforme os modelos neoclássicos. Estudos baseados nas teorias de economia comportamental têm demonstrado a importância de fatores inconscientes, como hábitos e fatores ambientais, para tomada de decisão como, por exemplo: a percepção que os outros contribuintes estão recolhendo integral e tempestivamente seus tributos pode influenciar na decisão de recolher. Neste diapasão, Ariel (2012) sugere que os contribuintes teriam uma disposição inicial para cumprir com suas obrigações tributárias em vez de maximizar sua curva de utilidade, como pressupõe o modelo neoclássico. Recentemente, temos assistido à crescente utilização dessas teorias da economia comportamental para se entender qual seria a melhor estratégia para influenciar o contribuinte a cumprir a legislação tributária. Observou-se, por exemplo, que era possível, pela forma com que o fisco se comunica com o contribuinte, induzir devedores a regularizar suas dívidas. O estudo de Hallsworth, List, Metcalfe e Vlaev (2017) demonstrou como uma boa comunicação, baseada em argumentos relacionados às normas sociais, pode ser uma aliada do fisco para induzir o comportamento tributário nos contribuintes. Os autores testaram sete diferentes abordagens nas comunicações escritas para cobrar débitos em atraso e concluíram que a forma mais eficiente de se comunicar seria fazendo com que o contribuinte enxergasse a norma como sendo relevante para ele e evidenciando o comportamento correto de outros contribuintes. A título de curiosidade, a frase que teve mais efeito foi a que informava que “a maioria das pessoas da sua localidade, com débitos parecidos com os seus já quitaram o tributo”; assim, os autores concluíram que, quanto maior a credibilidade da mensagem, melhor será a resposta ao seu pedido por parte do contribuinte; concluíram também que uma comunicação simples passa credibilidade. Esta abordagem é inovadora, pois foge dos pressupostos do rational choice no qual os contribuintes estão inseridos em uma curva de utilidade respondendo majoritariamente a estímulos financeiros.

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Outro estudo baseado em economia comportamental foi o apresentado por Blausfus, Bob, Otto e Wolf (2016), no qual os autores buscaram entender o efeito do sigilo fiscal na conformidade tributária. Para tanto, os autores testaram dois efeitos: o efeito contágio (se os outros contribuintes estão cumprindo com suas obrigações como reflexo do cumprimento das obrigações por outros contribuintes) e o efeito “vergonha” (se o contribuinte mudaria sua forma de atuar ao ser declarado um contribuinte que está evadindo com suas obrigações). Tais efeitos foram testados em situações distintas: com sigilo total ou parcial. Por meio do modelo apresentado, os autores puderam concluir a existência desses dois efeitos; observaram, ainda, que 86


o efeito “vergonha” diminuía à medida que esses contribuintes percebiam que os demais também não estavam atuando conforme as regras. Essas novas abordagens demonstram que os contribuintes agem por diferentes motivações, além da mera maximização da sua utilidade. Dessa forma, nem sempre a melhor estratégia para aumentar o compliance tributário é por meio da repressão, como aumento de multas e fiscalizações ostensivas, por exemplo. Considerando que os recursos do Estado são escassos e que o custo de auditoria e fiscalização não pode ser desprezado, uma proposta é utilizar esses recursos somente quando for realmente necessário; estimular o cumprimento espontâneo da legislação tributária seria menos custoso e, possivelmente, mais produtivo. Nesse sentido, a legislação do Estado de São Paulo – e, em grande medida, a legislação tributária de todos os entes federados – não apresentava um arcabouço legal capaz de regular de forma adequada a relação fisco/contribuinte. Não importava se o contribuinte era um bom ou um péssimo cumpridor da legislação tributária, a ação do fisco seria eminentemente repressiva. Os principais meios disponíveis para garantir o cumprimento da legislação era o monitoramento, a auditoria e a aplicação de penalidades, ou seja, apresentava um viés fiscalista na apuração das irregularidades tributárias, fossem elas erros, omissões ou fraudes estruturadas. Assim, alguns autores têm utilizado o conceito de pirâmide de compliance tributário. Por meio desse método, o fisco deveria ser capaz de segmentar seus contribuintes entre bons contribuintes – aqueles que cumprem corretamente a legislação tributária e recolhem tempestivamente seus tributos devidos; os contribuintes que tendem a ser bons pagadores, no entanto, tem dificuldades em cumprir a legislação tributária e precisariam de orientação; e, por fim, contribuintes que buscam fraudar o erário público para obter vantagens e que, portanto, deveriam ser objeto de ações repressivas. Por meio desse método, sendo possível avaliar os contribuintes, o fisco seria capaz de graduar suas ações de forma a garantir uma atuação diferenciada de acordo com o grau de conformidade que o contribuinte apresenta. Para tanto, faz-se necessário que o arcabouço legal seja compatível com essas novas abordagens. Como coloca Alm (2018, p. 20, tradução livre), “circunstâncias especificas são tão diferentes entre indivíduos, firmas, mercados, países e momentos históricos que a maior parte das tentativas de se definirem “best practices” que se aplicam a todas as circunstâncias, levará a recomendações de políticas públicas profundamente equivocadas”. Dessa forma, um novo arcabouço legal que possibilite que o fisco possa construir outra relação com o contribuinte, estimulando o cumprimento da legislação tributária, é um importante passo para construção de uma nova administração tributária, mais moderna e justa.

3. Lei Complementar 1.320/2018: a quebra do paradigma do fisco repressor para o fisco orientador A Lei Complementar 1.320/2018 instituiu o Programa de Estímulo à Conformidade Tributária – apelidado de "Nos Conformes" – com objetivo de criar um ambiente de confiança recíproca entre os contribuintes e a administração tributária.

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Um primeiro passo importante para criar esse ambiente de confiança foi dado muito antes da aprovação da Lei, no processo de formulação. Raramente assistimos a um processo de formulação de legislação tributária ser aberto e construído em conjunto com a sociedade; usualmente, a mesma é vista como mera cumpridora da obrigação imposta 87


O Movimento Viva é um movimento que nasceu dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo diante do diagnóstico da necessidade de uma ampla reforma tributária do consumo. O Movimento Viva não busca impor um modelo de reforma tributária, apenas defende dez princípios que devem nortear qualquer reforma da tributação de consumo. Para o Movimento Viva os princípios são expostos da seguinte forma: o imposto que se deseja (1) traz recursos para o bom funcionamento do Estado; (2) é porta de entrada para a cidadania; (3) favorece o equilíbrio federativo e a cooperação intergovernamental; (4) estimula o cumprimento espontâneo das obrigações tributárias; (5) inibe a sonegação; (6) não atrapalha a economia; (7) é simples e transparente; (8) oferece segurança jurídica para os negócios; (9) fecha portas para a corrupção; e (10) traz o fisco para perto da sociedade. O Movimento Viva tem participado e estimulado o debate sobre a reforma tributária por meio de seminários, debates, reuniões, entre outros. Maiores informações estão disponíveis no site www.movimentoviva.org.br.

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A regra do fim da espontaneidade do contribuinte quando notificado da abertura de uma fiscalização está prevista no Código Tributário Nacional. Em grande medida, essa regra impõe que, se um contribuinte for selecionado para uma fiscalização, após ter sido notificado de sua abertura, ainda que ele regularize eventuais erros ou omissões, isso não o isentará da multa. Essa regra é muito importante para inibir que o contribuinte evada-se do tributo conscientemente e fique preparado para, caso seja aberta uma auditoria, possa se regularizar rapidamente, sem ser multado – e, caso não seja selecionado pela auditoria, evada-se do recolhimento do tributo. Ainda que essa lógica seja importante para o bom funcionamento do sistema tributário, em alguns casos ela pode ser injusta. Isso acontece com erros no cumprimento de obrigações acessórias, por exemplo. Um contribuinte pode ter se equivocado no cumprimento de uma obrigação acessória, sem dolo, fraude ou simulação e sem que tenha deixado de recolher qualquer parcela de um tributo devido; ainda assim, ele perderia a espontaneidade. O problema nesses casos é que a atividade fiscal é vinculada e o auditor, ao constatar a irregularidade, tem o dever funcional de aplicar a multa prevista no regulamento. Além disso, a maior parte dos fiscos não possui um instrumento legal que permita que algumas irregularidades sejam comunicadas sem a notificação que retira a espontaneidade do contribuinte. Dessa forma, a Lei Complementar 1.320/2018 inova ao possibilitar que isso seja feito em alguns casos.

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pela legislação. No entanto, ao contrário do que se observa usualmente, a Lei de conformidade tributária do Estado de São Paulo buscou sua legitimidade já no seu processo de formulação. Para tanto, os dirigentes fazendários construíram o projeto em conjunto com a Assembleia Legislativa, apresentando, ouvindo e incluindo as sugestões de diversos atores da sociedade civil organizada, como a academia (por meio de universidades e centros de pesquisa), Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), associações de classe, Movimento Viva3 , entre outros. Após incorporar as sugestões desses atores, a legislação passou por duas rodadas de consulta pública para que eventuais sugestões pudessem ser apresentadas, possibilitando que fosse aperfeiçoada pela sociedade como um todo. Por fim, a Lei Complementar foi aprovada pela Assembleia Legislativa e passou a compor o ordenamento jurídico do Estado de São Paulo. Considerando o objetivo da Lei Complementar – criar um ambiente de confiança recíproca entre os contribuintes e a administração tributária – algumas inovações foram incorporadas e estão, paulatinamente, sendo colocadas em prática pelo fisco paulista. Nos Capítulos I e II a Lei apresenta seus princípios, diretrizes e ações; o Capítulo III já apresenta um aspecto novo: a segmentação dos contribuintes. Essa é uma proposta ousada, inédita para os fiscos brasileiros, de segmentar os contribuintes – e dar transparência a essa segmentação – por meio de um rating que poderá ir de A+ até E (além dos não classificados). Essa segmentação permitirá que o contribuinte saiba como está sendo avaliado pelo fisco e, principalmente, o que deveria fazer para melhorar sua avaliação. Outro fato importante definido neste capítulo é que somente serão considerados para avaliação do contribuinte os fatos geradores ocorridos a partir da data da publicação da Lei Complementar, ou seja, deixa-se o passado em segundo plano para dar início a uma nova relação. O Capítulo IV trata dos incentivos à autorregularização. Este capítulo apresenta um novo arcabouço jurídico que possibilita a cristalização da nova relação entre o fisco e o contribuinte, preconizado pela Lei Complementar. Como sugerido por Ariel (2012), os contribuintes teriam uma pré-disposição a cumprir a legislação tributária; dessa forma, a autorregularização é uma forte aliada do fisco para induzir ao correto cumprimento das obrigações tributárias. Antes da publicação da Lei Complementar 1.320/2008, o arcabouço legal disponibilizava à administração tributária, basicamente, uma única ferramenta para fazer com que o contribuinte cumprisse a legislação tributária: a abertura de uma fiscalização. A notificação de que foi aberta uma ação fiscal determina o que se chama de “fim da espontaneidade do contribuinte”4 . Dessa forma, caso o contribuinte não esteja atuando da forma prevista na legislação, não caberia outra opção ao agente público que a lavratura de um Auto de Infração e Imposição de Multa. Observa-se, contudo, que nem sempre a melhor maneira de se relacionar com o contribuinte – em especial em um ambiente com uma legislação tributária complexa – é por meio da imposição de multas. Vimos na seção anterior que novos estudos baseados em economia comportamental indicam que existem outras formas, possivelmente mais eficientes, de se incentivar o contribuinte a cumprir suas obrigações, sendo a autorregularização uma delas. Dessa forma, esse capítulo da Lei Complementar cria a Análise Informatizada de Dados, por meio da qual o fisco poderá, ao observar algum erro do contribuinte com o de cruzamentos de dados, sugerir que o contribuinte se autorregularize; e cria também a Análise Fiscal Prévia, na qual poderá haver um trabalho fiscal sem que o contribuinte perca a espontaneidade, sendo o mesmo convidado a regularizar eventuais equívocos constatados em sua atuação. Além disso, este capítulo traz a previsão de que o contribuinte classificado em A+ ou A poderá pleitear a Análise Fiscal Prévia, sendo considerado um primeiro benefício para aqueles que são considerados bons contribuintes.


Nesse sentido, o Capítulo V apresenta uma lista extensa de benefícios para os contribuintes bem classificados, como: autorização para apropriação de crédito acumulado mediante procedimentos simplificados; renovação de regimes especiais mediante procedimentos simplificados; acesso aos procedimentos de Análise Fiscal Prévia em detrimento da abertura de fiscalizações; procedimentos simplificados para abertura de novos estabelecimentos do mesmo titular; entre outros. Por meio desse capítulo é possível observar que se inicia uma nova relação fisco-contribuinte, pautada, em grande parte, na confiança: se o contribuinte é bem classificado, é justo que tenha procedimentos mais simplificados quando necessitar dialogar com o fisco.

A pergunta que este artigo busca responder é se a Lei Complementar 1.320/2018 teria sido capaz de quebrar o paradigma da relação fisco-contribuinte, passando de um fisco repressor para um fisco orientador. Mesmo considerando as inovações aqui explicitadas, entendo que seja cedo para afirmar que já estamos vivendo um novo paradigma nessa relação. Um novo paradigma requer uma mudança importante de cultura, tanto por parte do fisco como por parte dos contribuintes, e como se sabe, a mudança de cultura demanda tempo, esforço e não ocorre repentinamente. Dessa forma, a Lei Complementar 1.320/2018 marca o início de uma mudança de cultura que esperamos vivenciar no futuro próximo. Aqueles que têm contato mais próximo com o fisco paulista tem notado uma série de pequenas mudanças que tem o potencial de transformar essa relação.

Conclusão Por meio deste artigo buscou-se analisar o Programa de Estímulo à Conformidade Tributária, instituído pela Lei Complementar 1.320/2018, considerando o contexto histórico das administrações tributárias. Foram levantadas ponderações a respeito da Lei Complementar 1.320/2018, buscando concluir se a mesma teria sido capaz de quebrar o paradigma da relação fisco-contribuinte, saindo de um fisco repressor para um fisco orientador. Conclui-se, no entanto, que ainda é cedo para afirmar que houve a quebra desse paradigma, apesar de ter sido um primeiro passo de extrema relevância para que se possa, no futuro próximo, evidenciar a esperada mudança na relação fisco-contribuinte. Um indício de que esta mudança está em curso é que, a despeito de ter sido publicada há pouco tempo, a Lei Complementar 1.320/2018 está paulatinamente sendo colocada em prática pelo fisco paulista. Inclusive, já influenciou a Receita Federal a abrir uma consul-

O devedor contumaz é o contribuinte que reiteradamente declara corretamente o valor devido ao fisco, contudo, não recolhe o tributo devido. Como as penalidades previstas na legislação para inadimplência são menos graves que as previstas para sonegação, alguns contribuintes fazem uso do não recolhimento como estratégia para obter vantagem comparativa e apropriar-se do tributo devido. Contudo, até o advento da Lei a ferramenta disponível para o fisco atuar para coibir a inadimplência contumaz era muito restrita às ferramentas disponíveis para cobrança da inadimplência casual. Ademais, não estava claro na legislação quem seria o inadimplente contumaz. Dessa forma, a Lei Complementar definiu os inadimplentes contumazes como sendo: o contribuinte que possuir débito de ICMS declarado e não pago, inscrito ou não em dívida ativa, relativamente a 6 (seis) períodos de apuração, consecutivos ou não, nos 12 (doze) meses anteriores; ou o contribuinte que possuir débitos de ICMS inscritos em dívida ativa, que totalizem valor superior a 40.000 (quarenta mil) Unidades Fiscais do Estado de São Paulo - UFESPs e correspondam a mais de 30% (trinta por cento) de seu patrimônio líquido, ou a mais de 25% (vinte e cinco por cento) do valor total das operações de saídas e prestações de serviços realizadas nos 12 (doze) meses anteriores.

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O Capítulo VI trata dos devedores contumazes5 . Ainda que se possa pensar que uma lei que tenta estabelecer uma nova relação entre o fisco e o contribuinte deveria tratar exclusivamente da relação com os bons contribuintes, os devedores contumazes afetam a arrecadação por não contribuírem com os recursos necessários para a prestação dos serviços públicos. Além disso, tais devedores afetam ainda mais os bons contribuintes, que passam a concorrer em desigualdade de condições com empresas que se beneficiam da prática de não pagar impostos. Assim, esse capítulo disciplina a atuação do fisco para coibir esse tipo de prática que afeta a concorrência e a boa prestação dos serviços públicos. Por fim, o Capítulo VII da Lei disciplina os incentivos ao desenvolvimento do programa de conformidade no âmbito da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. Observa-se que a Lei de conformidade fiscal inovou o arcabouço jurídico tributário, provendo ao Estado de São Paulo uma série de ferramentas capazes de viabilizar a quebra do paradigma na relação fisco-contribuinte. Dentre as principais inovações, pode-se citar a criação da Auditoria Fiscal Prévia, a classificação dos contribuintes de acordo com o grau de risco de conformidade e a publicidade dessa classificação, as contrapartidas para os contribuintes bem avaliados e a defesa da concorrência por meio de ferramentas de cobrança dos devedores contumazes.

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ta pública para elaborar a sua própria lei de conformidade. Além disso, desde sua publicação, a Lei Complementar tem sido muito elogiada em debates e seminários – como o recentemente realizado pelo Núcleo de Estudos Fiscais-FGV (2018) – indicando que o Estado de São Paulo está no caminho certo. Por fim, considerando que a Lei Complementar é muito recente, ainda não é possível afirmar que houve quebra de paradigma, dada a necessidade de uma mudança de cultura tanto por parte do fisco, quanto por parte dos contribuintes. Nesses termos, acredito que seja de grande valia ao aprofundamento do tema um estudo futuro que tente acompanhar como a Lei está alterando a forma de atuação do fisco e dos contribuintes.

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NÚCLEO DE ESTUDOS FISCAIS-FGV (2018). A nova Lei de Conformidade: São Paulo na era da modernidade do Fisco responsivo. Relatório de pesquisa. Disponível em: https://direitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/files/arquivos/relatorio-pesquisa-nef-fgvsp-lei.pdf . Acesso em: 20 de novembro de 2018. RECEITA FEDERAL (2017). Carga tributária no Brasil 2016: análise por tributos e base de incidência. CETAD. Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros. SÃO PAULO (2018). Lei 1.320/2018. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/ repositorio/legislacao/lei.complementar/2018/lei.complementar-1320-06.04.2018. html. Acesso em: 17 de novembro de 2018. STIGLITZ, J. E. (1999) Economics of the public sector. 3rd. ed. United States: W. W. Norton & Company, Inc, 1999. 823 p. v. 1. SRINIVASAN, T. N. (1973) “Tax evasion: a model”. Journal of Public Economics, Amsterdam, v. 2, p. 339-346. YITZHAKI, S. A. (1974) “Note on income tax evasion: a theoretical analysis”. Journal of Public Economics, North-Holland, v. 3, p. 201-202. WEBER, M. (1993) Parlamentarismo e governo na Alemanha reordenada. Rio de Janeiro: Vozes.

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Quem gosta de pagar imposto? Vera Batista e Denise Rothenburg

Ninguém. Até por isso, tem esse nome: imposto. Logo, não é voluntário. Mas ficou claro no 4º Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais que esse é um ato de cidadania. Obviamente, não há quem goste de ver que, no fim do mês, o salário (traduzido do latim como “pagamento em sal”, já que a iguaria era extremamente rara no passado e servia de moeda de troca) líquido é pelo menos 30% menor que o valor combinado com o patrão.

Denise Rothenburg

Vivemos num triângulo, em que cada um tenta puxar os recursos para o seu lado. O trabalhador, pessoa física, quer sempre ganhar mais. O empresário, por outro lado, diz não suportar “o gasto” de 100% a mais com cada empregado, além daquele combinado, que não chega ao bolso do cidadão comum. Ele quer pagar menos. Os dois lados, no entanto, concordam em um ponto: a carga tributária no Brasil é pesada: em torno de 33% do Produto Interno Bruto (PIB, soma das riquezas do país). O terceiro vértice dessa relação, o governo, por sua vez, tem como principal meta elevar a arrecadação. Estudos apontam que, entre impostos, taxas e contribuições, o brasileiro banca em torno de 80 diferentes tributos. Uma sopa de letrinhas de difícil entendimento para os que não têm formação em ciências exatas, que engloba siglas como INSS, PIS, Cofins, IR, IPI, ITR, IPVA, IPTU, IOF, ITCMd, ITBI, CSLL, entre outras, provisórias ou permanentes. O cidadão, assustado e perdido nessas nomenclaturas pouco amigáveis, não consegue compreender como o dinheiro foge dele tão rapidamente, sem contrapartida -, se hospitais e escolas estão sucateados, estradas esburacadas e serviços essenciais (transportes, água, luz, gás, telefonia) precários. Além de uma economia que não avança e contabiliza mais de 13 milhões de desempregados.

artigo

Vera Batista Jornalistas do Correio Braziliense, convidadas da Febrafite.

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Ainda nos defrontamos com outro problema de igual dimensão ao tamanho da carga tributária: a enorme complexidade, decorrente do cipoal de normas dispersas, confusas,


irracionais e instáveis. Nessa balbúrdia, pobres reclamam que ricos são pouco taxados e da má distribuição das riquezas. Empresários se queixam que o trabalhador é caro e tem baixa qualificação. Trabalhadores afirmam que têm poucos direitos e muitos deveres. Os especialistas clamam por mudanças. Concordam que, infelizmente, em nosso atual modelo tributário, os menos abastados saem no prejuízo, porque os tributos incidem majoritariamente sobre o consumo, e não sobre a renda. Fato que parece óbvio. Difícil é transformar a realidade e vencer a batalha pela justiça tributária. Pacificar esses confrontos, teorias e dilemas é dever do Estado, representado por aqueles que fiscalizam, cobram, investigam desvios e têm poder para punir sonegadores. Foram esses, em resumo, os assuntos tratados no 4º Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais que reuniu palestrantes brasileiros e portugueses, no final de junho, no Maksoud Plaza Hotel, em São Paulo. Uma das saídas para reorganizar o sistema foi apontada no painel que tratou do “Papel dos impostos no combate às desigualdades”, pelo economista Eduardo Moreira: somente a redistribuição de renda pode amenizar os efeitos da disparidade entre ricos e pobres. Não existe outra solução matemática. O economista deixou claro que no caminho a ser trilhado para uma reforma tributária à altura de nossas necessidades não podem faltar algumas premissas. De acordo com Moreira, no Brasil, campeão no mundo em desigualdade, mantida a situação atual, para se fazer uma redistribuição de apenas US$ 5,50 ao dia por habitante, a economia teria que crescer 175 vezes, o equivalente a 17.500%. O país terá ainda de crescer por mais de 50 anos, para que os mais pobres alcancem a modesta quantia de R$ 1.500 a mais por mês. Também é difícil falar em meritocracia nesse Brasil que está no topo do ranking da concentração de riqueza, no qual os 10% mais pobres demoram até dez gerações para chegar na renda média nacional. “Onde existe desigualdade não existe meritocracia, não tem como”, disse Moreira.

artigo

O cenário está cristalino, conforme evidenciado no 4º Congresso. Resta saber se os atores políticos terão sensibilidade e capacidade de negociação suficientes para nos tirar desse atoleiro. Afinal, em termos tributários, são muitas décadas de discussões e poucos resultados práticos. 93


Outros momentos do Congresso

Coquetel após a abertura solene na Sala São Paulo

galeria de fotos

Vinícius Neiva do Tesouro Nacional assina acordo de cooperação ao prêmio

Hall da Sala São Paulo

Solenidade de lançamento da edição 2019 do Prêmio Nacional de Educação Fiscal no encerramento do Congresso

Equipe de Comunicação, jornalistas convidados e presidentes da Febrafite, Afresp e Apit

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Registro do Secretário do Piauí, Rafael Fonteles, com os colegas fiscais

Dirigentes das associações filiadas e colegas auditores fiscais

Coral e Orquestra Renato Misiuk

galeria de fotos

Rodrigo Spada e Henrique Meirelles

Ministro da Educação, Abraham Weintraub, prestigiou o lançamento do Prêmio Nacional de Educação Fiscal

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