Revista Devires

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Jorge Bodansky: uma lição do cinema direto vindo da Amazônia1 Desde Robert Flaherty, os americanos chamam de filmmakers os cineastas que são ao mesmo tempo diretores e seus cinegrafistas. Somos, no máximo, uns vinte no mundo, de Ricky Leacock a John Marshall, de Vittorio de Setta a Ermano Olmi,2 de Michel Brault a Jorge Bodansky. Desde a primeira imagem, nós nos reconhecemos no golpe de vista insubstituível daqueles que, do visor de sua câmera, são os primeiros espectadores do filme que estão criando, como aqueles iluminados da tradição oral que inventam a história no momento mesmo em que a contam... Nesse cinema arriscado, Jorge Bodansky, formado na Universidade de Brasília e na oficina Film Gestaltung de Alexander Kluge,3 em Ulm, revelou-se logo um pioneiro em várias frentes, “cinema-ficção” e “cinema-verdade”. Nunca esqueceremos os amores reais ou imaginários de Iracema, a pequenina prostituta indígena, e de um chofer de caminhão no inferno sinistro da estrada transamazônica... O Terceiro milênio é Fitzcarraldo, de verdade, molhado de suor, num barco bêbado subindo o rio, impassível, e seu Fitzcarraldo não passa de um senador baixinho em campanha eleitoral. Sob o olhar cruel e terno de Jorge Bodansky, é a viagemsurpresa, das favelas de Manaus aos profetas missionários da verdadeira Cruz no fim do mundo, passando pelos índios prontos para flechar os impostores (parlamentares ou cineastas), ou pelos nenúfares gigantes (Vitória Régia) inspirando ao senador perdido um impressionante discurso ecológico. Pouco importa, então, a indiferença do Senado em Brasília, pouco importa a derrota eleitoral do senador que virou poeta, se o próprio filme, testemunho exemplar, já faz parte da Cinemateca Mundial do terceiro milênio. Paris, outubro de 1983.

DEVIRES, BELO HORIZONTE, V. 6, N. 1, P. 34-39, JAN/JUN 2009

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1. Publicado originalmente em Paris, sob o título “Jorge Bodansky, cinéaste brésilien: une leçon de cinéma direct qui vient d’Amazonie”, no programa da Cinemateca Francesa de outubro de 1983, por ocasião de uma Retrospectiva de Bodansky. Salvo engano, nunca republicado. 2. No original, grafado “Eduardo Olmi” num lapso.

3. No original, grafado “Alexander Klugge” num lapso.

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