Revista Devires

Page 152

6. Filme francês, co-dirigido por Jean Cocteau (1889-1863) e Jean Dellanoy (1908). Realizado em 1943.

7. Filme americano do diretor alemão Friedrich Wilhelm Murnau (1888-1931). Realizado em 1931.

É que a película fixa necessariamente a obra de arte no seu contexto histórico e social (o último banho fotográfico é chamado, exatamente, de “fixador”). Não são apenas os objetos, a roupa, a maquiagem, os mil detalhes que datam o espaço em volta do homem que nos incomodam na nossa participação no drama, é o próprio homem, intérprete da sociedade através do menor de seus gestos, sua maneira de andar ou de sorrir. A sinfonia ou a tragédia nos acompanham, de nossa infância à nossa velhice, sua eternidade nunca deixa de nos ser contemporânea. O filme, ao contrário, continua, por sua própria natureza, ancorado à duração do seu nascimento. Na camada de gelatina não se conserva senão o tempo fóssil. Aqui os dois realismos, técnico e estético, se juntam e se determinam um ao outro. Poderíamos achar, com efeito, que para se liberar da servidão temporal, bastaria fugir dos sinais mais evidentes da roupa ou da ação, escolher um tema medieval ou antigo, trabalhar com o sonho e a irrealidade. Esse cálculo, ai de mim!, é dos mais falsos, pois o homem, sozinho, mesmo nu, é suficiente para exprimir a sociedade inteira. Aliás, nada é mais revelador de uma época que a escolha e o estilo de suas evasões. Quaisquer que sejam o valor e o interesse estético de Visiteurs du soir e de L’Éternel retour,6 por exemplo, não há dúvida de que estas obras envelhecerão. Por que, ao contrário, o menor dos Max Linder (ou então algum pequeno filme primitivo dos irmãos Lumière), tão marcado por todos detalhes do cenário, tão precisamente localizados no tempo e no espaço social, escapa a todo envelhecimento? Por que uma obra como Tabu,7 de Murnau, nos chega, depois de 15 anos, fresca como uma virgem das ilhas? Por razões idênticas, no fundo. Uma e outra se salvaram por sua submissão ao realismo. O cinema não pode evadir-se da sua essência. Ele não pode chegar ao eterno senão aceitando, sem reservas, procurá-lo na exatidão do instante. Tabu não mudou de lugar porque ele continua, no fundo, um documentário, quer dizer, observação e realismo puro. Max Linder continua nos emocionando porque sua mensagem humana se exprime em gêneros que sempre foram essencialmente realistas: a comédia e a farsa. Mas poderíamos nos perguntar se, mesmo que realizar o filme falado de Fedra continue inconcebível, certas farsas de Molière, ao contrário, não poderiam ser transmitidas, sem nenhuma perda, para a película.

152

10-138-153.indd 152

CONFIAR NA IMAGEM / MÁRIO ALVES COUTINHO

17/11/09 14:05


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.