Revista Curinga Ed. 8

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O sentimento imortalizador expressado por Carlos Drummond de Andrade sobre a sua terra natal, fica claro no seu poema Montanha Pulverizada. “Chego à sacada e vejo a minha serra, a serra de meu pai e de meu avô, de todos os Andrades que passaram e passarão, a serra que não passa. Era coisa dos índios e a tomamos para enfeitar e presidir a vida neste vale soturno, onde a riqueza maior é sua vista e contemplá-la, de longe, nos revela o perfil grave. A cada volta de caminho aponta uma forma de ser, em ferro, eterna, e sopra eternidade na fluência. Esta manhã acordo e não a encontro. Britada em bilhões de lascas deslizando em correia transportadora, entupindo 150 vagões no trem-monstro de cinco locomotivas - o trem maior do mundo, tomem nota - foge minha serra, vai deixando no meu corpo e na paisagem mísero pó de ferro, e este não passa.” Terra do poeta, cidade do ferro, berço da Companhia Vale do Rio Doce, atual Vale. Vista do alto, Itabira, localizada acerca de cem quilômetros de Belo Horizonte, encontra-se tomada de minas a céu aberto. Por trás de tantas casas, há nuvens de poeiras, rachaduras nas paredes e o sentimento de frustração da população. O maior trem do mundo carrega riquezas, leva histórias e causa dor. De um lado grandes máquinas se aproximando da antiga Vila Paciência, do outro,

pessoas amedrontadas e temerosas à presença da mineradora na cidade. As expansões das áreas de mineração resultaram em impactos profundos sobre o meio ambiente da cidade, inclusive sobre os moradores que habitavam a Vila. Numa área particular, situada a noroeste do sítio urbano de Itabira, a Vila Paciência, surgida por volta de 1957, dividia-se pela linha férrea da Estrada de Ferro Vitória a Minas e pela Estrada Cento e Cinco, em duas partes: Vila Paciência de Cima e Vila Paciência de Baixo. Em virtude da exploração de minério de ferro, em 1980, a parte superior da vila foi extinta, permanecendo somente a parte inferior. “Na época, a empresa propôs negociação, e não tinha como negar, tudo iria ser tomado mesmo. Não dava era pra sair no prejuízo, o jeito foi aceitar a proposta oferecida”, relata uma ex-moradora da Vila Paciência de Cima.

Desde a expansão da mineração na mina Chacrinha, a parte remanescente da Vila Paciência passou a ser uma área cada vez mais afetada. Segundo Marcone Andrade, assessor de imprensa da Vale, “A empresa mantém uma livre negociação para aquisição de parte dos imóveis da Vila Paciência, um processo iniciado a pedido da própria comunidade, com o objetivo de criar uma zona de amortecimento entre a área operacional e a população”. No entanto, como a Vila Paciência foi prejudicada pelos impactos da mineração, outras vilas ainda são alvos de risco ambiental. A Mina do Chacrinha, situada próxima a Vila Cisne, gera uma situação insuportável para os moradores. A atitude de “paciência” por parte deles não durou muito tempo. No dia 26 de julho de 2013, numa sexta feira, a comunidade bloqueou a linha férrea Vitória/Minas da Vale, impedindo a passagem da locomotiva por cerca de duas horas. Os manifestantes iniciaram o protesto para reivindicar uma decisão definitiva por parte da Vale, sobre as rachaduras em suas casas. Quatro meses depois a revolta dos residentes da Vila continuou a mesma. A população declara que outra manifestação está próxima para acontecer, já que as reivindicações não foram atendidas.

Texto: Luma Oliveira Edição Gráfica: Aline Rosa de Sá Fotos: Íris Zanetti

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