Continente #029 - O enigma chinês

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Foto: Isabela Vargas/AE

LITERATURA

A palavrapoema e a poesia em movimento A liberdade, em Mário Chamie, é responsável pela sua criação poética, extremamente particular, cujo itinerário formal pode ser visto em consonância com o título de um de seus livros: é um objeto selvagem que tenta escapar a todas as classificações Rodrigo Petronio

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Conversar com Mário Chamie é uma forma privilegiada de pensar questões fundamentais da arte moderna e da poesia em geral, com todo conteúdo crítico e reflexivo que essa atividade exige. Protagonista do movimento Práxis, lançado em 1959, desde o começo de seu trabalho literário Chamie tem demonstrado interesse pelas questões relativas ao Modernismo brasileiro e a seus desdobramentos. Entretanto, sua leitura desse momento histórico, dispersa em sua obra crítica e ensaística (Intertexto, A Linguagem Virtual e A Transgressão do Texto, entre outros) e concretizada em todo seu percurso poético, sempre se guiou por uma saudável heterodoxia, lançando mão, para tanto, de abordagens dialógicas do fenômeno moderno que não redundassem em uma visão excludente da poesia e na eleição de poucos procedimentos técnicos como condição sine qua non para a arte. Nisso consiste basicamente a generosidade intelectual de Chamie, que dá sustentação à sua obra crítica, fazendo dela um exercício inclusivo de várias tendências artísticas advindas da Semana de 22. Partilhando da idéia de que o Modernismo brasileiro é um “feixe de possibilidades” que tinha em vista justamente criticar o próprio caráter de escola e de movimento que predominava na arte, e que ele “não sabia o que queria, mas sabia o que não queria”, a própria obra de Chamie parece nos conduzir a esse leque de caminhos possíveis. A começar pelo fato de trabalhar a linguagem poética em vários níveis, que abrangem desde o seu aspecto mais telúrico e religioso, dos ditos e frases feitas da fala cotidiana (os dictemas), onde Chamie descobre um material rico e elástico para a elaboração de Lavra Lavra, por exemplo, até a ordem serial dos enunciados que compõem o lado mais urbano de sua poética, cujo estopim se dá com o livro Indústria. Há, porém, uma relação inextricável entre esses dois movimentos de uma mesma sinfonia, e que articula a visão do campo e a da cidade. Isso se dá porque Chamie não concebe a linguagem poética como um fim em si mesmo, não se restringe “ao uso exterior de técnicas e expedientes”. Ao contrário, ao invés de apenas “manipular a linguagem” em busca de efeitos imanentes de sentido, Chamie tenta penetrar “no corpo das palavras que a constituem, recriando-as poeContinente maio 2003

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