Onco& ed.15, ano III

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do próprio ministro que está em desenvolvimento um sistema nominal, o SISCAM, que deve ser integrado com o sistema de rastreamento de câncer de mama, e isso já está em teste. Se funcionar, é bárbaro, porque o desafio é refinar o sistema atual, para que se consigam uma intervenção e uma resposta mais efetiva. Hoje, claramente as mulheres das capitais estão fazendo mais papanicolaou em comparação às mulheres que vivem em localidades remotas. Precisamos mapear essa baixa cobertura de testes, por exemplo, entre as mulheres do sertão, em Rondônia e em tantos outros locais onde taxas de incidência e mortalidade continuam elevadas. O número oficial é de 5 mil mortes entre as 16 mil mulheres infectadas por HPV, mas provavelmente a mortalidade é bem superior ao que apontam essas estatísticas.

Onco& – É uma barreira cultural e é também por dificuldade de acesso?

Luisa Lina Villa – Ouvimos muitas histórias que por vezes carecem de uma comprovação científica, mas parece mesmo haver questões culturais, questões que vêm de um repertório cultural que é tão variado neste nosso país de dimensões continentais. Já fui a tribos indígenas, sei da realidade dessas mulheres. As que estão perto dos garimpos, coitadas dessas mulheres, porque vão acabar contaminadas pelos garimpeiros e muitas vão desenvolver o tumor. Mesmo sem registros adequados, sabemos que certamente fatores culturais de determinados grupos populacionais, mesmo em populações urbanas, representam desafios adicionais ao rastreamento, porque algumas mulheres realmente não fazem o teste, seja por vergonha, pelo medo da dor, por se sentirem invadidas e por tantas outras questões. Uma das iniciativas do Instituto do HPV é um estudo que está ocorrendo agora sobre a autocoleta. A mulher que por uma dada razão não quer se expor ao médico ou ao profissional da saúde pode coletar em casa e mandar o seu material para análise ou, então, coletar no próprio hospital ou unidade de saúde, em um toalete. Isso foi objeto de estudo, que comparou a autocoleta com a coleta feita pelos profissionais de saúde, e os primeiros resultados

foram apresentados agora no final de 2012. Para populações que têm algum tipo de restrição ao exame ou em regiões sem acesso a uma unidade básica de saúde, é uma alternativa importante. Vamos mandar um kit de coleta para o sertão paraibano, para Catolé do Rocha, por exemplo? Pronto, teremos dado um passo importante com iniciativas como essas. Existe um anseio de modificar a diretriz do Inca, que eu critiquei severamente, no sentido de contribuir com o Ministério da Saúde para pensar novas metodologias, e me parece que eles estão abertos a essa reflexão.

Onco& – O custo da incorporação de novas tecnologias, como a vacina quadrivalente, ajuda a explicar o veto do Ministério da Saúde à vacina do HPV? Luisa Lina Villa – No caso das novas tecnologias, o que atrapalha não é o custo, mas uma análise retrógrada. A vacina chegou com ensaios clínicos realizados inclusive no Brasil, publicados em periódicos de primeira linha – e nós estamos à frente de um deles, o Lancet Oncology de 2008, com um trabalho sem dúvida alguma muito importante. O custo inicial da vacina era elevado e o governo nem queria saber de negociar com valores naquele patamar. Mas o custo começou a cair e aí o Ministério partiu para uma outra argumentação. Começou a questionar a eficácia e deixou dúvida, por exemplo, sobre quanto tempo dura a proteção da vacina. Hoje, as evidências se acumularam, já temos estudos de custo-efetividade e o governo está satisfeito. Qual é o empecilho agora? O Ministério precisa garantir que a intervenção seja feita dentro dos princípios do Sistema Único de Saúde, para todos. Então, a transferência de tecnologia vai ter que acontecer também para essa vacina, e isso vem sendo dito há algum tempo. Não adianta apenas comprar da indústria. Eu entendo que a discussão está muito avançada com a indústria que desenvolveu a vacina quadrivalente, porque é o cenário que tenho tido oportunidade de acompanhar. Temos Bio-Manguinhos, da Fiocruz, e o Butantã como geradores de vacinas, ou por produção própria ou por transferência de tecnologia, e o Butantã parece que está

“Em uma estimativa conservadora, 15% de todos os tipos de câncer são causados por HPV, o que é evidentemente um grande problema de saúde pública”

Onco& janeiro/fevereiro 2013

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