Edição 22 - Ano IV

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março/abril 2014 Ano 4 • n º 22

Oncologia para todas as especialidades

Entrevista

O oncologista Gilberto Lopes fala da importância dos médicos não especialistas na prevenção

Mama

A ligação entre obesidade e neoplasias

Do bem

Planos de saúde têm de arcar com os custos da quimioterapia oral

Desafios do rastreamento e detecção precoce do câncer mundo virtual | esôfago | asco gi | asco gu


sumário

entrevista

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capa

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Em um país cuja população sabe tão pouco sobre câncer, quais são os desafios e a importância de investir na prevenção e na detecção precoce da doença

esôfago

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Câncer de esôfago localmente avançado: epidemiologia, estadiamento e tratamento Anelisa K. Coutinho e Bruno Mendonça Protásio

mama

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Obesidade e câncer Daniel Tabak

asco gu

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Principais avanços no tratamento de câncer de próstata, bexiga e rim Adriano Gonçalves e Silva

gastrointestinal

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Planejamento multidisciplinar no tratamento de metástases hepáticas de câncer colorretal – uma necessidade Alessandro Landskron Diniz

do bem

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Legislação que obriga planos de saúde a arcar com os custos da quimioterapia oral é conquista da sociedade civil no combate ao câncer

curtas

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Novidades sobre pesquisas, parcerias e eventos: um giro pelo mundo da oncologia

mundo virtual

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Aplicativos para tablets e smartphones que ajudam médicos a se manter sempre atualizados e no melhor caminho para o diagnóstico e tratamento de seus pacientes

acontece

49

Fique por dentro dos congressos, simpósios, encontros de atualização e outros tantos eventos do mundo da oncologia

calendário

50

Programe-se: os eventos e congressos que estão por vir

Após anos atuando no exterior, o oncologista clínico Gilberto de Lima Lopes volta ao Brasil com a missão de ensinar a não oncologistas tudo o que eles precisam saber sobre o câncer


Conselho editorial Editor clínico: Sergio D. Simon

I – Cancerologia clínica

II – Cancerologia cirúrgica

IV – Patologia

Oncologia clínica:

Abdômen:

André Moraes (SP) Anelise Coutinho (BA) Artur Katz (SP) Auro Del Giglio (SP) Carlos Sampaio (BA) Clarissa Mathias (BA) Claudio Petrilli (SP) Daniel Herchenhorn (RJ) Fernando Maluf (SP) Fernando Medina (SP) Igor Morbeck (DF) Jacques Tabacof (SP) João Nunes (SP) José Bines (RJ) Karla Emerenciano (RN) Marcelo Aisen (SP) Marcelo Collaço Paulo (SC) Maria de Fátima Dias Gaui (RJ) Mario Luiz Silva Barbosa (SP) Nise Yamaguchi (SP) Oren Smaletz (SP) Paulo Marcelo Gehm Hoff (SP) Roberto Gil (RJ) Sebastião Cabral Filho (MG) Sérgio Azevedo (RS) Sergio Lago (RS)

Ademar Lopes (SP) José Jukemura (SP) Laercio Gomes Lourenço (SP) Marcos Moraes (RJ) Paulo Herman (SP)

Carlos Bacchi (SP) Felipe Geyer (SP) Fernando Soares (SP)

Onco-hematologia: Carlos Chiattone (SP) Carmino de Souza (SP) Daniel Tabak (RJ) Jane Dobbin (RJ) Nelson Spector (RJ) Vânia Hungria (SP)

Transplante de medula: Jairo Sobrinho (SP) Luis Fernando Bouzas (RJ) Nelson Hamerschlak (SP) Yana Novis (SP)

Ginecologia: Jorge Saad Souen (SP) Sérgio Mancini Nicolau (SP) Sophie Derchain (SP)

Mama: Alfredo Barros (SP) Antonio Frasson (SP) Carlos Alberto Ruiz (SP) Maira Caleffi (RS) Ruffo de Freitas (GO)

Neurologia: Manoel Jacobsen Teixeira (SP) Marcos Stavale (SP) Cabeça e pescoço: Luis Paulo Kowalski (SP) Vergilius Araújo (SP) Tecido osteoconjuntivo: Olavo Pires de Camargo (SP) Reynaldo J. Garcia Filho (SP)

Tórax: Angelo Fernandez (SP) Riad Naim Younes (SP)

V – Cuidados paliativos e dor Ana Claudia Arantes (SP) Fabíola Minson (SP) João Marcos Rizzo (RS) Ricardo Caponero (SP)

VI – Pesquisa Carlos Barrios (RS) Conceição Accetturi (SP) Everardo D. Saad (SP) Greyce Lousana (SP) Gustavo Werutzky (RS)

VII – Radiologia e diagnóstico por imagem Jairo Wagner (SP)

VIII – Radioterapia João Victor Salvajoli (SP) Ludmila Siqueira (MG) Paulo Novaes (SP) Robson Ferrigno (SP) Rodrigo Hanriot (SP) Wladimir Nadalin (SP)

IX – Especialidades médicas

Urologia:

Cardiologia:

Antônio Carlos L. Pompeu (SP) Miguel Srougi (SP)

Roberto Kalil Filho (SP)

III – Biologia molecular

Mario Luiz Silva Barbosa (SP)

Ada Alves (RJ) André Vettore (SP) Carlos Gil (RJ) Helenice Gobbi (MG) José Cláudio Casali (RJ) Luísa Lina Villa (SP) Maria Isabel Achatz (SP)

Gastroenterologia:

Clínica médica:

Carlos de Barros Mott (SP)

Geriatria: Wilson Jacob Filho (SP)

Pneumologia: Carlos Roberto de Carvalho (SP)

Ano 4 • número 22 março/abril 2014 Publisher Simone Simon simone@iasoeditora.com.br Editorial Regiane de Oliveira regiane@iasoeditora.com.br Editora adjunta Ruth Helena Bellinghini ruth@iasoeditora.com.br

Impressão: Ipsis Gráfica Tiragem: 10 mil exemplares ISSN: 2179-0930 Jornalista responsável: Regiane de Oliveira (MTb 35.749/SP) Colaboraram nesta edição: Adriano Gonçalves e Silva, Alessandro Landskron Diniz, Anelisa K. Coutinho, Daniel Tabak, Flávia Lo Bello

A revista Onco& – Oncologia para todas as especialidades, uma publicação da Iaso Editora, especializada em comunicação médica, traz informações sobre oncologia a profissionais de todas as especialidades médicas. De circulação bimestral, tem distribuição nacional e gratuita por todo o território nacional. A reprodução do conteúdo da revista é permitida desde que citada a fonte. A opinião dos colaboradores não reflete necessariamente a posição da revista.

Subeditor Gabriel Ferreira gabriel@iasoeditora.com.br Direção de arte/Prepress Ione Franco ione@iasoeditora.com.br Revisão Patrícia Villas Bôas Cueva

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Informar para prevenir, o desafio de todos

N

OTÍCIAS SOBRE CÂNCER GANHARAM DESTAQUE

NAS MÍDIAS AO REDOR DO MUNDO NAS ÚLTI-

MAS SEMANAS. ENQUANTO O WORLD CANCER Report 2014, da Organização Mundial da Saúde (OMS), alertava que apenas a melhoria do tratamento não será suficiente para vencer a guerra contra o câncer, no Brasil, um levantamento feito pelo Instituto Oncoguia, Datafolha e American Cancer Society mostrou que a desinformação crônica é um dos maiores problemas para se avançar em políticas públicas de prevenção. Para nos somarmos ao debate, a reportagem de capa da Onco& destaca a importância da prevenção e detecção precoce do câncer. Os programas de screening populacional são um exemplo de ação, que se justifica para doenças que possuem uma alta prevalência ou uma alta letalidade, no qual a detecção precoce e os tratamentos disponíveis podem mudar a evolução da doença, elevando os índices de cura. Também não deixamos de lado as boas-novas, como o início da vacinação em rede pública de meninas de 11 a 13 anos contra o papiloma vírus humano (HPV) – uma das principais causas do câncer de colo do útero. E os avanços registrados na

10ª edição do Genitourinary Cancers Symposium (ASCO GU) na pesquisa e tratamento de câncer de próstata, bexiga, pênis, uretra, testículos e rins. Temos de estar sempre alertas na divulgação de informações de qualidade sobre a prevenção do câncer, porque, como nos lembra o oncologista clínico Gilberto de Lima Lopes, nosso entrevistado desta edição, “o brasileiro tende a acreditar que sintomas ‘desaparecem sozinhos’ ou acaba se acostumando com algum problema e passa a considerá-lo ‘normal’”. E não há nada normal em ainda termos tantos casos de morte por falta de informação. Damos as boas-vindas, nesta edição, aos jornalistas especialistas em saúde Regiane de Oliveira, Ruth Helena Bellinghini e Gabriel Ferreira, que chegam para somar conosco no desafio de trazer informações sobre câncer para médicos de todas as especialidades. E registro nosso muito obrigada pelo belo trabalho a Valéria Hartt e Sergio Azman, que se despedem de nossa equipe. Boa leitura!

Simone Simon Publisher Contato: simone@iasoeditora.com.br

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entrevista

Ênfase em educação, prevenção e diagnóstico De volta ao Brasil após anos atuando nos Estados Unidos, na América Latina e no Sudeste Asiático, o oncologista clínico Gilberto de Lima Lopes traz na bagagem a missão de ensinar a não oncologistas tudo o que eles precisam saber sobre o câncer

Murilo Constantino/Onco&

Por Ruth Helena Bellinghini

O

CÂNCER IMPACTA DE FORMA DESPROPORCIONAL

OS PAÍSES EMERGENTES, QUE, POR UM LADO,

Gilberto de Lima Lopes *Diretor de oncologia do HCor e diretor científico da Oncoclínicas, professor assistente de oncologia da Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore. Acumula em seu currículo mais de 100 papers em publicações como Nature Review, Journal of Clinical Oncology, Cancer, Lancet Oncology and Health Affairs, em pesquisas sobre câncer de mama, gastrointestinal, geniturinário e torácico Contato: glopes.md@gmail.com

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REGISTRAM ALTOS ÍNDICES DE NEOPLASIAS CAUsadas por infecções evitáveis (fígado, estômago, colo do útero), e, por outro, convivem com a escalada de tumores malignos característicos das sociedades industrializadas (pulmão, mama, colorretal, entre outros). O alerta foi feito pela Organização Mundial de Saúde (OMS) no início de fevereiro, no lançamento do World Cancer Report 2014, elaborado pela International Agency for Research on Cancer (Iarc), o braço da OMS especializado em câncer com sede em Lyon, na França. A palavrachave do relatório é prevenção. O Brasil se encaixa perfeitamente nesse quadro, com aspectos culturais que afetam tanto médicos como pacientes no que se refere a prevenção e diagnóstico precoce. O oncologista clínico Gilberto de Lima Lopes, diretor de Oncologia do HCor e diretor científico da Oncoclínicas, acumula em seu currículo mais de 100 papers em publicações como Nature Review, Journal of Clinical Oncology, Cancer, Lancet Oncology and Health Affairs, em pesquisas sobre câncer de mama, gastrointestinal, geniturinário e torácico. Professor assistente de oncologia da prestigiosa Fa-

culdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, Maryland, Lopes tem particular interesse no lado econômico da saúde, em como garantir acesso a tratamento e medicação – cada vez mais cara e sofisticada – para pacientes de países emergentes e pobres. Como membro do Comitê de Assuntos Internacionais da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco) e editor associado da universidade da Asco, ele se empenha no desenvolvimento de currículo e palestras, online e presenciais, capazes de ensinar a não oncologistas tudo o que eles precisam saber sobre o câncer. Casado, sem filhos, gremista, o gaúcho Gilberto de Lima Lopes está de volta ao Brasil há menos de um ano. A experiência de praticar a medicina em três regiões diferentes do planeta – América Latina, América do Norte e Sudeste Asiático – não lhe deu apenas a oportunidade de viajar e trabalhar com gente de muitas culturas e credos, mas mostrou como são grandes as variações em termos de fatores, incidência de tumores específicos e práticas terapêuticas. Daí sua participação como membro fundador da Ethnic Research Initiative in Cancer (ERI), cujo objetivo é justamente produzir conhecimento sobre o peso das características étnicas sobre o câncer.


“Essas experiências com a OMS, com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Asco e Union for International Cancer control (UICC), além de ministérios da saúde de diferentes países, ONGs e empresas privadas, enriqueceram minha vida pessoal e profissional. Espero ajudar a controlar o câncer no Brasil”, afirma Lopes.

sidiarem o desenvolvimento de aparelhos médicos e novas drogas, através de maiores preços praticados no sistema quando comparado a países europeus, ao Japão e a países de baixa e média renda.

Onco& – E quem paga essa conta nos Estados Unidos, o beneficiário?

Gilberto Lopes – Ao contrário do que se imagina, Onco& – Quando e como o senhor foi fisgado pela oncologia?

Gilberto Lopes – A minha primeira conexão com

“Nos Estados Unidos, os médicos aprendem a sempre imaginar qual seria o pior diagnóstico para os sintomas e sinais que os pacientes apresentam. Isso ajuda a fazer diagnósticos de enfermidades menos comuns, mas também explica em parte o alto custo do sistema americano“

a oncologia, como aquela de muitos outros colegas, foi pessoal. Minha mãe ficou órfã por volta dos 18 ou 19 anos, quando a minha avó morreu, aos 40, em decorrência de um câncer de mama. Durante a faculdade, a biologia e a patologia do câncer eram para mim fascinantes, visto que muitos avanços estavam acontecendo no nosso entendimento da doença. Durante os anos de rotações clínicas na faculdade, tive dois professores que personificavam aquilo que sempre pensamos quando temos em mente um médico modelo, e ambos eram oncologistas. A partir daí fiz estágios extras em oncologia durante a faculdade, culminando em um ambulatório semanal e uma bolsa de iniciação científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), dando meus primeiros passos em pesquisa em oncologia também. Até hoje, me fascinam na especialidade a abrangência de doenças e processos clínicos – o oncologista é acima de tudo um internista –, a relação muito estreita que temos com nossos pacientes e suas famílias e, finalmente, a proximidade que a especialidade tem com ciência, como pesquisa básica, clínica e translacional.

Onco& – Como foi sua experiência fora do Brasil? Qual o impacto da forma de fazer diagnóstico de câncer no custo da saúde norte-americana? Gilberto Lopes – Nos Estados Unidos, os médicos aprendem a sempre imaginar qual seria o pior diagnóstico para os sintomas e sinais que os pacientes apresentam. Isso ajuda a fazer diagnósticos de enfermidades menos comuns, mas também explica em parte o alto custo do sistema americano. Na verdade, o maior custo vem da adoção precoce de novas tecnologias e medicamentos, e do fato de os EUA sub-

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o sistema de saúde norte-americano é 50% financiado pelo Estado através do Medicare, do Medicaid e de outros programas. Somente 50% do financiamento vem de fontes privadas de seguro e convênios. Realmente se gasta muito, aproximadamente 18% do PIB. Muito mais do que outros países desenvolvidos, que gastam entre 8% e 13% em geral. Em parte por causa do risco de processos por erro médico e em parte por convicção cultural, a sociedade americana acredita sempre que pode resolver problemas, e não desiste, em geral, até que eles realmente se resolvam.

Onco& – No Brasil, por outro lado, os médicos tendem a partir do diagnóstico mais comum, porque é assim que são treinados nas faculdades, que, em muitos casos, ainda colocam o câncer como uma doença rara. Diante da incidência crescente de casos de câncer, há a necessidade de mudança no currículo das faculdades? Gilberto Lopes – Há uma necessidade grande em todo o mundo, e principalmente no Brasil, de aumentar a ênfase na educação sobre a doença, na prevenção, diagnóstico e tratamento do câncer, incluindo melhor entendimento e prática de medicina paliativa.

Onco& – Como funciona o diagnóstico de câncer na Europa, onde boa parte dos países tem sistema público de saúde? Eles tendem mais para o modelo americano ou para o modelo brasileiro? Gilberto Lopes – Do ponto de vista cultural, há variações grandes, mas em geral eles se situam em um meio-termo entre o Brasil e os Estados Unidos, tanto no que se refere a resultados do controle do câncer como na rapidez em fazer um diagnóstico e começar a tratá-lo. Vale lembrar que nos países da Europa, em comparação ao Brasil, há melhores sistemas de educação, de saúde, e acesso mais rápido à rede pública, o que favorece o diagnóstico.


Murilo Constantino/Onco&

Onco& – Pesquisa recente do Datafolha, em parceria com o Instituto Oncoguia, mostrou que boa parte da população brasileira pouco sabe sobre o câncer. A pergunta que não quer calar: e quanto aos médicos, que são a linha de frente tanto na orientação como na detecção precoce? Gilberto Lopes – Nós médicos, infelizmente, não temos tempo de educar nossos pacientes em mais detalhes. Com o baixo valor pago em consultas e outros honorários e com o tempo cada vez maior que passamos em trâmites burocráticos, não podemos passar mais que uns poucos minutos com cada paciente, focados no problema e doença atuais, dificultando a educação e a promoção da saúde. Onco& – Qual seria a solução para melhorarmos a qualidade da informação que chega ao paciente?

Gilberto Lopes – Em sociedade, temos que começar a desenvolver

outros tipos de profissionais de saúde, médicos e não médicos, que possam educar a população nesses aspectos. O uso da tecnologia de informação, da mídia clássica e eletrônica, é a única maneira de alcançarmos uma educação de saúde de massa. De antemão, ressalto que a obesidade será nosso maior problema e já deve ser foco de campanhas, uma vez que comemos mais e pior, caminhamos menos, o que aumenta em muito o risco de câncer no Brasil.

Onco& – E como reverter a questão do “quem procura acha”, que costuma afastar os brasileiros dos consultórios?

Gilberto Lopes – Realmente, ainda temos muito medo de encontrar “aquela doença”. Precisamos continuar mostrando que, quanto mais cedo encontramos o câncer, maior a probabilidade de cura. Esse medo ainda faz com que pacientes não procurem os serviços médicos até que seja muito tarde. Ainda temos um número considerável de mulheres Onco& março/abril 2014

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que só vão ao médico quando o nódulo que perceberam na mama já está grande. Além do mais, há uma percepção equivocada de quais sintomas são causados por câncer. A maioria dos pacientes pensa em perda de peso, dor e sangramento, mas essas são apresentações tardias, precisamos encontrar a doença quando há tumores pequenos presentes. Em mama e cabeça e pescoço isso é comparativamente mais fácil, mas para outras doenças sempre há que se pensar que qualquer sintoma que dure mais de duas a três semanas merece uma avaliação mais detalhada.

Onco& – Mesmo depois de duas, três semanas com os sintomas,

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é comum não procurar o médico? Gilberto Lopes – O brasileiro tende a acreditar que sintomas “desaparecem sozinhos” ou acaba se acostumando com algum problema e passa a considerá-lo “normal”. Pacientes precisam perguntar mais e entender que nós médicos não podemos descobrir o que eles têm somente olhando para eles. É comum que pacientes não mencionem que já viram vários médicos para o mesmo problema, por receio de

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parecer poliqueixosos, mas é fundamental que o profissional de saúde saiba que ele já consultou dois ou três médicos e nenhum deles solucionou sua queixa, porque isso aumenta nossa suspeita de diagnósticos menos comuns.

Onco& – Isso explica o número de casos subdiagnosticados? De acordo com o Inca, o Brasil registrou 576 mil novos casos de câncer ano passado, sendo 182 mil de pele. A doença está entre as principais causas de morte de brasileiros adultos (segunda ou terceira, dependendo da estatística) e a principal entre crianças de até 5 anos. Gilberto Lopes – Mais que subdiagnosticado, temos um problema grave de diagnóstico tardio, refletido nos piores resultados que vemos no Brasil comparado aos EUA, Europa e Japão. Desses 394 mil novos casos de câncer não de pele, o Brasil contabiliza 184 mil mortes anuais, ou seja, 46%. Os EUA registram 1,66 milhão de casos novos por ano e 580 mil mortes, ou seja, 35%.


Onco& – O recente Cancer World Report, do IARC, mostra grande preocupação com o avanço do câncer nos chamados países emergentes, a ponto de chamar incidência (60% dos novos casos na América Latina, África e Ásia) e mortes (70% das mortes globais por câncer) de desproporcionais. Esses números derrubam o “mito” de que câncer é doença de rico e comprovam também que os países emergentes gastam muito pouco no combate à doença. Como está a infraestrutura brasileira hoje? Gilberto Lopes – Está melhorando, mas é ainda deficiente. Precisaríamos, por exemplo, de quatro vezes mais leitos cirúrgicos para dar conta da demanda existente hoje. De acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU), o início de um tratamento quimioterápico no SUS demora 70 dias em média. Por outro lado, o governo adquiriu 80 equipamentos de radioterapia. Perceba que, entre 2010 e 2012, o Ministério da Saúde aumentou seus gastos com oncologia em 26%; houve um crescimento de 17,3% nas sessões de radioterapia, que passaram de 7,6 milhões para mais de 9 milhões. As sessões de quimioterapia também registraram aumento de 14,8%, passando de 2,2 milhões para 2,5 milhões. A expectativa para o ano passado era que fossem realizadas 120 mil cirurgias, 25% a mais que em 2012.

Onco& – O que seria hoje uma infraestrutura adequada num país como o Brasil, em que as diferenças regionais são tão grandes? Gilberto Lopes – Cada região e estado deveria desenvolver planos de controle do câncer para começar a melhorar a situação que vemos hoje, em que há diferenças enormes no acesso e na qualidade dos serviços prestados. Além disso, para facilitar o acesso a medicamentos, o governo poderia atuar com mais firmeza no controle e negociação de preços, considerar a possibilidade de licenciamento compulsório (quebra de patente) em alguns casos

ou criar fundos de medicamentos, como se faz em alguns países.

Onco& – E como o senhor avalia os investimentos em pesquisa no país? Temos, por exemplo, alguns tipos de câncer que praticamente inexistem em países desenvolvidos, como o de pênis, cuja incidência é considerável aqui e na Índia. Gilberto Lopes – Poderíamos desempenhar um papel muito importante que fica aquém do nosso potencial. Deveríamos desenvolver estratégias de pesquisa relacionadas a aspectos clínicos e socioeconômicos do combate ao câncer em países de baixa e média renda. Por exemplo, com o baixo número de casos nos EUA e na Europa, doenças como câncer cervical e gástrico não recebem mais tanta atenção ou verbas de pesquisa como câncer de mama. Da mesma maneira, não fazemos estudos sobre serviços e sistemas de saúde de países com características semelhantes ao nosso, em que podemos aprender como usar nossos poucos recursos de uma maneira mais eficiente, ajudando a estabelecer prioridades para atuação em saúde pública e suplementar.

Onco& – Boa parte das novas descobertas a respeito do câncer, bem como novos exames, vem da biologia molecular. Como esses estudos e avanços devem integrar o dia a dia do clínico não oncologista? Gilberto Lopes – Esses avanços são extremamente importantes e cada vez mais vão estar no âmbito de atuação de não oncologistas. Por exemplo, estamos desenvolvendo exames genéticos que podem avaliar o risco individual de pacientes com e sem câncer hereditários para ver se apresentam um risco mais alto de desenvolver a doença. Há novas técnicas de rastreamento (testes genéticos e moleculares em fezes, urina, sangue, endoscopia virtual, entre outros) que estarão no arsenal do não especialista para prevenir e diagnosticar precocemente a doença.

“O brasileiro tende a acreditar que sintomas ‘desaparecem sozinhos’ ou acaba se acostumando com algum problema e passa a considerá-lo ‘normal’. Os pacientes precisam perguntar mais e entender que nós médicos não podemos descobrir o que eles têm somente olhando para eles“

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capa

Importância da prevenção e detecção precoce do câncer A falta de informação crônica sobre neoplasias é um dos grandes males da saúde brasileira, atingindo pacientes e médicos não especialistas e dificultando o diagnóstico precoce de doenças Por Flávia Lo Bello

É

MELHOR PREVENIR DO QUE REMEDIAR, DIZ O DI-

TADO POPULAR FAMOSO.

MAS

E QUANDO NÃO

SABEMOS BEM O QUE DEVEMOS PREVENIR E MUITO

menos como? O câncer é o melhor exemplo da falta de informação crônica que atinge a sociedade brasileira. Uma pesquisa realizada com 2.571 pessoas, em 159 munícipios, revelou que 59% dos entrevistados acreditam que o câncer é a doença que mais mata no país, seguida de aids (17%) e infarto (10%) – muito longe da realidade, onde as doenças do aparelho circulatório respondem por 31% das mortes, seguidas por neoplasias (17%), causas externas (13%) e problemas do aparelho respiratório (11%), conforme dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade 2010, do Ministério da Saúde. O levantamento, fruto de uma parceira entre o Instituto Oncoguia, o Datafolha e a American Cancer Society, trabalhou com perguntas abertas, o que significa que os entrevistados não sabiam que se tratava de um levantamento sobre câncer. Quando questionados sobre qual câncer é mais comum, os entrevistados responderam mama (60%), próstata (30%), pulmão (26%), colo do útero (26%). Novamente, longe da realidade: o câncer de pele não melanoma é a neoplasia mais comum, seguida por próstata, mama, traqueia, brônquios e pulmão, cólon e reto, estômago e colo do útero. De acordo

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com Rafael Kaliks, diretor científico do Instituto Oncoguia, esse desconhecimento é disseminado, independentemente de sexo, faixa etária, escolaridade, classe econômica e região. O diagnóstico: a população geral sabe pouco sobre o câncer. O prognóstico: sem sanar a falta de informação e investir em prevenção, os casos de câncer só tendem a aumentar, puxados, principalmente, pelo envelhecimento populacional. O Instituto Nacional de Câncer (Inca) estima cerca de 580 mil casos novos da doença para 2014. De acordo com a publicação Estimativa 2014 – Incidência de Câncer no Brasil, do Ministério da Saúde, os cânceres mais incidentes na população brasileira neste ano serão os de pele não melanoma (182 mil), próstata (69 mil), mama (57 mil), cólon e reto (33 mil), pulmão (27 mil) e estômago (20 mil). “O impacto deverá ser, portanto, cada vez maior na saúde pública brasileira e implicará custos crescentes, passando a ser crucial a disseminação de conhecimentos que possam reduzir a incidência das neoplasias malignas. Nesse particular, a prevenção e a detecção precoce terão uma importância cada vez maior”, salienta Vanessa Dybal, oncologista da Clínica AMO – Assistência Multidisciplinar em Oncologia (Salvador, BA). O câncer de pulmão (ou neoplasia maligna do


pulmão) é um dos tipos mais comuns e graves de tumor, sendo a neoplasia que mais mata em todo o mundo. Aproximadamente 27 mil pessoas são diagnosticadas com câncer de pulmão anualmente no Brasil. Segundo Clarissa Mathias, oncologista clínica do Núcleo de Oncologia da Bahia (NOB) e do Hospital Português, a sobrevida depende do estágio, da saúde geral e de outros fatores. Sendo assim, o diagnóstico precoce é fundamental. “A melhor forma de prevenção é a interrupção do tabagismo: 95% dos casos de câncer de pulmão em homens e 80% dos casos em mulheres são relacionados a ele”, afirma a médica. De acordo com a especialista, a redução da exposição a alguns tipos de elementos químicos, como amianto, arsênico, berílio, cromo, radônio, níquel, cádmio e cloreto de vinila, é também uma medida preventiva eficaz, bem como evitar poluição do ar e fumaça com alta temperatura. “Não fumantes compreendem cerca de 15% dos casos de câncer de pulmão”, revela. Para Clarissa, o fato de o câncer de pulmão ter geralmente um diagnóstico tardio é por se tratar de uma doença silenciosa, já que os sintomas e sinais são de início insidioso e a grande maioria dos fumantes já possui queixas respiratórias e não notam as modificações. “Sintomas como febre e perda de peso apenas acontecem na doença avançada”, avalia.

Medidas preventivas Clarissa enfatiza que a luta contra o tabagismo deve ser adotada por todas as especialidades médicas e não apenas pelo pneumologista ou oncologista. “O principal aspecto em relação à prevenção do câncer de pulmão é, sem dúvida, o combate ao tabagismo, tanto ativo como passivo”, declara. Em relação à detecção precoce, ela diz que modificações na tosse, perda de peso, rouquidão, dor torácica e dificuldades para respirar devem ser imediatamente investigadas. A especialista esclarece que no Brasil o rastreamento através de tomografia computadorizada de tórax para o câncer de pulmão não é recomendado rotineiramente. Conforme explica a médica, novas análises são necessárias para definir se apenas o grupo de alto risco (fumantes) deve realizar o exame, pois não há

dados do benefício desse rastreamento para pessoas de médio ou baixo risco, tais como os fumantes passivos ou com exposição ocupacional. “Além disso, análises cuidadosas de custo-efetividade têm de ser feitas de maneira individualizada, antes de implementar o rastreamento como rotina, sobretudo nos países em desenvolvimento”, informa Clarissa. No que diz respeito ao câncer de mama, neoplasia que mais atinge a população feminina, Marcos Nolasco, especialista em mastologia da Clínica AMO – Assistência Multidisciplinar em Oncologia, diz que a prevenção está intimamente relacionada à causa ou aos fatores de risco. “Para trabalharmos com prevenção, precisamos primeiramente apontar os possíveis fatores causais ou precipitantes de determinada situação a fim de evitarmos uma exposição possivelmente prejudicial”, ressalta, acrescentando que, assim como grande parte dos tumores malignos, o câncer de mama é multicausal e muitas vezes os fatores predisponentes não são facilmente identificáveis ou mesmo não são fáceis de alterar. História de vários familiares portadores da doença (principalmente em indivíduos com menos de 50 anos); relato pessoal de várias punções mamárias para investigação de nódulos caracterizados posteriormente como benignos; ausência de gestações; um longo período de vida fértil; exposição prolongada a hormônios femininos (tanto anticoncepcionais quanto terapia de reposição hormonal); sedentarismo e obesidade (especialmente na pósmenopausa) são algumas situações a ser evitadas sempre que possível. “Dessa forma, a melhor maneira de atuar na diminuição da incidência de tumores malignos da mama é incentivar medidas de promoção de saúde, estimulando hábitos saudáveis, como a prática de atividade física, alimentação balanceada, evitando gorduras, sal e açúcar em excesso, e o uso criterioso de terapias hormonais”, alerta Nolasco. Tais cuidados, orienta o especialista, devem ser ainda mais intensos quando já existem situações que elevam o risco da paciente, como história familiar da neoplasia ou nuliparidade. De acordo com o mastologista, a mamografia é indiscutivelmente o melhor meio para a detecção pre-

“A mamografia é indiscutivelmente o melhor meio para a detecção precoce do câncer de mama e é recomendada anualmente para as mulheres acima de 40 anos de idade, segundo a Sociedade Brasileira de Mastologia” Marcos Nolasco, especialista em mastologia da Clínica AMO

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coce do câncer de mama e é recomendada anualmente para as mulheres acima de 40 anos de idade, segundo a Sociedade Brasileira de Mastologia. “Esse procedimento aumentou consideravelmente a incidência de diagnóstico precoce do câncer de mama, contribuindo

A polêmica da mamografia Um estudo canadense pegou de surpresa os médicos brasileiros neste começo de ano. Enquanto a sociedade nem bem comemorava a decisão do governo do Estado de São Paulo de liberar para mulheres de 50 a 69 anos a realização de mamografia sem a necessidade do pedido médico em seu mês de aniversário, uma recomendação antiga da Organização Mundial de Saúde (OMS), o Canadian National Breast Screening Study afirmou que a indicação de mamografia para mulheres de 40 a 49 anos não é significativamente mais eficaz que o exame clínico de toque na redução da mortalidade por câncer de mama. Os autores do estudo bem que tentaram alertar para o fato de que os resultados não podem ser generalizados para a realidade de todos os países, mas a imprensa ignorou o alerta e espalhou a notícia como verdade absoluta. O estudo aponta entre seus resultados o aumento de detecção de tumores com tamanho superior a 2 cm e já em estado de comprometimento dos linfonodos ou ínguas da axila nos diagnósticos em que a mamografia não é utilizada. Nesses casos, o tratamento é mais complexo e as chances de cura são reduzidas em relação a tumores detectados em estágio anterior, apenas aparentes na mamografia. “Não temos nenhum programa de rastreamento populacional no Brasil que possa dizer que concorda ou discorda com o trabalho canadense. Só temos uma recomendação do Inca que nem sequer foi colocada em prática. Temos que ter nossas próprias pesquisas”, afirma Maira Caleffi, presidente da Federação Brasileira de Entidades Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama). Entre as principais recomendações do Inca é que toda mulher de 50 a 69 anos faça mamografia a cada dois anos. Paralelamente, uma portaria do Ministério da Saúde também deixou em alerta as entidades que atuam na promoção da saúde.

Programas de screening populacional Na opinião da oncologista Vanessa Dybal, os programas de screening populacional se justificam para doenças que possuem uma alta prevalência ou uma alta letalidade, no qual a detecção precoce e os tratamentos disponíveis podem mudar a evolução da doença, elevando os índices de cura. “Não há dúvida de que, quanto mais cedo se diagnostica qualquer tipo de câncer, maiores são as chances de cura e me-

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para uma redução da mortalidade. No entanto, é preciso lembrar que não podemos apenas diagnosticar mais cânceres de mama precocemente, devemos modificar fatores que aumentam a sua incidência”, afirma Nolasco.

A portaria 1.253/13, publicada no dia 14 de fevereiro de 2014, alterou a Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais no SUS, priorizando a realização do procedimento “Mamografia Bilateral de Rastreamento” para mulheres entre 50 e 69 anos.” Não há nada de novo, mas essa portaria confunde as mulheres, ao separar de onde vem o recurso, dando a impressão de que o acesso será dificultado. Mas ele já é difícil. Nós da Femama e do Conselho Federal de Medicina achamos que a mamografia deve ser feita acima dos 40 anos”, afirma Maria Caleffi. Na teoria, a discussão é que os municípios teriam de arcar sozinhos com o custeio de mamografias para mulheres com até 49 anos. O Ministério da Saúde veio a público reiterar que o direito de as mulheres realizarem o exame de mamografia é assegurado no Sistema Único de Saúde (SUS) e defender que a portaria não restringe o acesso das mulheres brasileiras à mamografia nem limita o financiamento às secretarias de saúde, informando que ambos os procedimentos de mamografia (bilateral, para rastreamento, e unilateral, para diagnóstico) serão pagos pelo mesmo valor pelo SUS (R$ 45,00 pela mamografia bilateral e R$ 22,50 para o procedimento unilateral, que pode ser realizado duas vezes, uma vez em cada mama). Além do mais, o governo defendeu o corte de população de 50 a 69 anos para exames de rastreamento (mamografia bilateral), conforme recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), pois “estudos indicam que a partir dos 50 anos o tecido mamário é substituído pela gordura e por isso a visualização de um possível tumor ou calcificação maligna se torna mais clara”, segundo o Ministério da Saúde. “Além disso, a mamografia abaixo dos 50 anos não tem o mesmo resultado quando realizada na faixa prioritária”, informou. De qualquer maneira, a grande maioria das mulheres ainda depende do encaminhamento, um processo longe de atender aos padrões internacionais de qualidade.

nores serão as intervenções necessárias para atingi-la.” Ela ressalta que, do ponto de vista individual do paciente, os exames de screening detectam tumores em tamanhos muito menores do que estariam quando se tornassem sintomáticos, aumentando consideravelmente as chances de cura da doença. Excluindo-se o câncer de mama, os tumores ginecológicos de maior incidência no Brasil são, em primeiro lugar, o do colo do útero,


seguido de câncer do endométrio. Para Sérgio Mancini Nicolau, professor livre-docente e chefe da Disciplina de Ginecologia Oncológica do Departamento de Ginecologia da EPM/Unifesp, a instituição de programas de screening populacional para detecção do câncer é importante em algumas situações. No caso do endométrio, ele comenta que os estudos em que se avaliou a possibilidade de screening com a realização de testes como ultrassonografia transvaginal em mulheres na pós-menopausa não se mostraram custo-efetivos com impacto na diminuição da mortalidade. “Porém, não há dúvida de que programas de screening populacional organizados para detecção precoce de alguns tipos de câncer são custoefetivos”, salienta o médico, enfatizando que isso ficou bem demonstrado com o teste de Papanicolaou (exame citológico) como método de rastreamento do câncer do colo uterino. “Embora com os conhecimentos atuais em relação à etiologia viral do câncer do colo, podemos discutir o teste a ser realizado”, ressalva. De acordo com Mancini, os países desenvolvidos que instituíram o rastreamento com esse teste observaram uma queda significativa no número de novos casos e de mortes por essa neoplasia após o início do rastreamento. Nos EUA, a queda no número de casos e de mortes foi de quase 80%. Também pesquisas recentes demonstraram que o teste de HPV, isoladamente, é melhor do que o exame citológico para rastrear a doença. “Associar o teste de HPV à citologia para todas as mulheres-alvo implica aumento do custo sem aumentar a efetividade, pois a associação identifica praticamente os mesmos casos que o teste de HPV isoladamente”, esclarece o ginecologista, lembrando que teste de screening apenas separa a população de risco para determinado problema, o que implica a realização de teste diagnóstico posteriormente. O médico diz que, embora o Papanicolaou tenha sido e seja um exame importante, com impacto na diminuição dos casos, sabe-se que a citologia cervicovaginal possui algumas limitações que fazem com que sua sensibilidade seja de aproximadamente 50%, diferentemente do teste de HPV, que já demonstrou sensibilidade de mais de 95%. Para o especialista, o “mundo ideal” seria a disponibilidade do teste de HPV colhido em meio líquido que preserve o DNA e as células, para que fosse possível, nos casos de teste positivo, fazer o estudo citológico com lâminas de Papanicolaou elaboradas a partir do meio líquido, sem que houvesse necessidade de convocar novamente a mulher para realizar nova coleta de material.

Pensando a saúde do futuro A vacinação de meninas de 11 a 13 anos contra o papiloma vírus humano (HPV) – uma das principais causas do câncer de colo do útero – começa agora em março na rede pública, segundo calendário do Ministério da Saúde. A meta do governo é imunizar 80% de um total de 5,2 milhões de meninas. Para isso, investiu R$ 465 milhões na compra de 15 milhões de doses da vacina para este ano. Até então, as famílias que desejassem vacinar suas filhas na rede privada deve-

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riam gastar, em média, mil reais na compra das três doses recomendadas da vacina. De acordo com o Ministério da Saúde, cada menina deverá receber três doses da vacina para estar imunizada contra o HPV. No entanto, o regime escolhido será diferente do que é praticado hoje nos laboratórios privados, onde, após a primeira dose, a segunda deverá ocorrer em dois meses. E a terceira, em seis.

Doenças que provocam mais mortes no Brasil (Espontânea e única) Não sabe 2%

Outras 12% Infarto 10% Aids/HI V17%

Câncer 59%

Realidade: 1º: aparelho circulatório 2º: neoplasias 3º: causas externas 4º: aparelho respiratório

(31%) (17%) (13%) (11%)

Fonte: MS/SVS-Sistema de Informação sobre Mortalidade 2010

Base: Total da Amostra (2.571 entrevistas) Na sua opinião, qual é a doença que mais provoca mortes no Brasil, em primeiro lugar? Fonte: Datafolha, Instituto Oncoguia, American Cancer Society

O governo adotou um esquema vacinal estendido, que, segundo o Ministério da Saúde, tem duas vantagens: possibilita alcançar a cobertura de forma rápida só com a administração das duas doses; e com a terceira dose, cinco anos depois, funciona como um reforço, prolongando o efeito protetor contra a doença. A estratégia não agradou a muitos médicos brasileiros, embora ela seja adotada por países como Canadá, México, Colômbia, Chile e Suíça, siga recomendação da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e tenha sido discutida com especialistas brasileiros que integram o Comitê Técnico Assessor do Programa Nacional de Imunizações (PNI). De acordo com Sérgio Mancini, um dos problemas é que ainda não há uma diretriz específica para o rastreamento de mulheres vacinadas contra o HPV. “O que se tem preconizado é que mulheres vacinadas devem continuar sendo rastreadas, primeiro porque a vacina não imuniza contra todos os tipos de HPV oncogênicos que infectam o trato genital, portanto, a população-alvo do rastreamento, vacinada ou não, deve continuar sendo rastreada.” Outra questão, segundo o especialista, é que a população de meninas que em alguns anos serão vacinadas no Brasil, entre 9 e 13 anos, levará 20 a 30 anos para atingir a idade de risco para o desenvolvimento de câncer do colo, e durante todo o tempo é necessário continuar dando atenção à população suscetível e alvo do rastreamento e que não foi vacinada. O ginecologista salienta que, muito provavelmente, a vacinação terá grande impacto, resultando na diminuição da prevalência das


doenças precursoras e do câncer do colo. Isso implicará maior dificuldade de rastreamento com a citologia e necessidade de mudança de método de rastreamento, utilizando-se para isso o teste de HPV. “As mulheres devem manter o hábito de procurar periodicamente o médico para realizar avaliação clínica e para que ele solicite os testes de screening para os tumores e para outras doenças, pois a prevenção e o diagnóstico precoce são o melhor caminho para se ter saúde e qualidade de vida”, afirma Mancini. Para Vanessa Dybal, do ponto de vista governamental/populacional, detectar doenças mais precocemente gera procedimentos cirúrgicos menores, menos necessidade de tratamentos complementares e redução da necessidade de internações e gastos com tratamentos paliativos. “O fato de termos uma doença bastante inicial não só minimiza os procedimentos cirúrgicos necessários para a sua retirada como também muitas vezes pode poupar o paciente de tratamentos complementares que poderiam ser necessários caso a doença já estivesse mais avançada”, aponta. Segundo a oncologista, em praticamente todos os tipos de câncer o tratamento da doença inicial leva a taxas de cura que ficam acima de 80%-90%, enquanto na doença diagnosticada localmente mais avançada ou metastática esses índices caem progressivamente. “A taxa de cura é maior e, portanto, pacientes sadios e economicamente ativos permanecem produtivos na sociedade. Dessa maneira, prevenir e detectar precocemente o câncer é vantajoso em todos os aspectos”, diz a médica, esclarecendo que se pode subdividir esses benefícios em dois principais aspectos: o social e o econômico. “A meu ver, o mais importante é o social, pois significa curar um maior número de pessoas e evitar ou diminuir a mutilação.” O segundo benefício da detecção precoce do câncer, o econômico, leva a uma grande economia para os cofres públicos, uma vez que os tratamentos menos agressivos são menos custosos, reduzem o tempo de hospitalização, o uso de medicamentos e a quantidade de profissionais envolvidos para cuidar de sequelas, mais comuns em estágios mais avançados do câncer. “Além disso, os pacientes diagnosticados mais precocemente necessitam de menor tempo de inatividade, reduzindo o impacto negativo na previdência oficial”, finaliza a oncologista.

Doenças onco-hematológicas: vigilância clínica Das doenças onco-hematológicas, as mais prevalentes são as linfoproliferativas, incluindo-se aí os linfomas, a leucemia linfocítica crônica e o mieloma múltiplo. “A prevenção dessas entidades é bastante complexa e muitos fatores ainda são desconhecidos. Fatores ambientais, estimulação antigênica crônica, devido a infecções virais como HIV, EBV etc., doenças pré ou coexistentes, uso de drogas imunossupressoras, entre muitos outros fatores, podem estar associados a essas entidades”, esclarece Carmino de Souza, professor titular de hematologia e hemoterapia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo o médico, não existem formas de rastreamento relacionadas a essas doenças, “apenas a vigilância clínica com controles clínicos e laboratoriais periódicos podem melhorar o diagnóstico precoce”, afirma. Além disso, a difusão dos principais sinais e sintomas envolvidos pode auxiliar a busca do profissional adequado a essas definições. O hematologista revela que as doenças onco-hematológicas vêm crescendo em sua frequência em todo o mundo, devido aos hábitos e costumes da vida moderna e urbana e à maior longevidade da população. “Os desafios são grandes no campo do diagnóstico, acesso a novos procedimentos terapêuticos e de monitoramento e na extensa pesquisa clínica que ocorre nesse campo da ciência”, informa. Conforme explica Souza, muitas dessas doenças podem ser confundidas com as de outras especialidades, e apenas um conhecimento médico mais acurado poderá auxiliar o profissional não hematologista em seu trabalho de suspeitar e realizar o diagnóstico a partir de sinais e sintomas semelhantes. “Por exemplo, a dor óssea em pessoa idosa, que é muito frequente, em certas circunstâncias pode ser investigada com a suspeita de mieloma múltiplo.” Para o médico, é fundamental que os sistemas e os profissionais de saúde se mantenham informados e treinados para o diagnóstico precoce e a orientação dos pacientes, evitando o encaminhamento tardio do doente, causando-lhe grandes prejuízos futuros.

“É fundamental que os sistemas e os profissionais de saúde se mantenham informados e treinados para o diagnóstico precoce e a orientação dos pacientes” Professor da Unicamp Carmino de Souza

Avaliação multiprofissional Especialistas, como clínicos gerais, cardiologistas, endocrinologistas, nefrologistas, ginecologistas Onco& março/abril 2014

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e urologistas geralmente possuem fidelidade de pacientes em consultório, cujo acompanhamento se estende durante muitos anos. Cabem a cada profissional de saúde a lembrança dos fatores de risco e a orientação quanto a medidas preventivas do câncer. Da mesma maneira, a indicação de exames de detecção precoce já estipulados pelas instituições de saúde pública nacionais e internacionais deve ser estimulada desde as unidades de saúde básica até os centros especializados. “No caso do câncer de mama, recomenda-se a realização de uma mamografia basal aos 35 anos. Depois, a partir de 40-50 anos, um exame anual”, explica o mastologista Marcos Nolasco. Ele diz que, para os pacientes em que são identificados fatores de maior risco para a doença, as medidas preventivas e de screening devem ser particular-

Alerta: explosão do câncer é eminente Tratamento apenas não será suficiente para vencer a guerra contra o câncer, e é fundamental que os países implementem estratégias de prevenção para evitar uma crise mundial. Essas são as principais conclusões do World Cancer Report 2014, elaborado pela International Agency for Research on Cancer (IARC), o braço especializado em câncer da Organização Mundial da Saúde (OMS). O trabalho, elaborado por 250 cientistas de mais de 40 países, mostra que a incidência global da doença está crescendo em ritmo alarmante e enfatiza a necessidade urgente de implementação de estratégias de prevenção, com destaque para a vacinação, e detecção precoce. O envelhecimento da população dos países emergentes também é causa de preocupação por causa dos índices desproporcionais: 60% dos casos de câncer ocorrem na América Latina, Ásia e África, regiões que respondem por 70% das mortes causadas pela doença. A situação nesses locais agrava-se ainda mais pela falta de detecção precoce e pela dificuldade de acesso a tratamento. A vacinação contra hepatite B e HPV, o controle das infecções por

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mente estimuladas, tanto por parte do próprio indivíduo quanto pelo profissional da saúde. Este último deve priorizar opções terapêuticas que não elevem ainda mais o risco da paciente em desenvolver o câncer de mama, e realizar o encaminhamento precocemente para o mastologista para acompanhamento especializado, caso necessário. Um aspecto importante, conforme revela o especialista, é o câncer de mama masculino. “Devemos lembrar que, apesar de raro, ele ocorre, principalmente em famílias com maior predisposição. Nessas situações, os exames de screening estarão indicados também para os homens”, salienta, enfatizando que urologistas e médicos de outras especialidades, como cardiologia e clínicos em geral, terão um papel fundamental na identificação inicial do paciente de maior risco.

H. pylori (associadas ao câncer de estômago) e o combate ao tabagismo integram a lista de recomendações, bem como o incentivo à atividade física e o combate à obesidade, estes últimos para prevenção do câncer de mama e cólon. “A despeito de avanços extraordinários, a melhoria dos tratamentos apenas não basta. Temos uma necessidade desesperada de comprometimento com a prevenção e detecção precoce do câncer para enfrentar o crescimento alarmante de novos casos,” afirma Christopher Wild, diretor do IARC e coeditor do livro World Cancer Report 2014. Em 2012, foram registrados 14 milhões de novos casos de câncer em todo o mundo, um número que deve chegar a 22 milhões de novos casos anuais nos próximos 20 anos, período em que as mortes devem passar de 8,2 milhões por ano para 13 milhões anuais. O câncer mais comum é o de pulmão (1,8 milhão de casos, 13% do total), seguido pelo de mama (1,7 milhão e 11,9% do total) e de cólon (1,4 milhão, 9,7%). Os que mais matam são o câncer de pulmão (1,6 milhão, 19,4%), fígado (800 mil, 9,1%) e estômago (700 mil, 8,8%).


esôfago

Câncer de esôfago localmente avançado: epidemiologia,estadiamentoetratamento

O

CÂNCER DE ESÔFAGO É UM PROBLEMA DE

SAÚDE PÚBLICA E REPRESENTA A OITAVA NEO-

BRASIL, SEGUNDO dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca). Apresenta maior predileção pelo sexo masculino (cerca de três vezes mais frequente) e elevada letalidade, com taxas estimadas de sobrevida global (SG) em cinco anos inferiores a 10%1. Do ponto de vista anatomopatológico, destacam-se duas histologias com perfis clínico-epidemiológicos distintos: adenocarcinoma (predominante no terço inferior do esôfago e mais associado ao esôfago de Barrett) e carcinoma epidermoide ou escamocelular (predominante nos terços superior e médio, sendo mais associado ao tabagismo e ao consumo excessivo de bebida alcoólica)2. O tratamento do câncer de esôfago tem apresentado avanços nas últimas décadas e é muito dependente do estadiamento clínico inicial. Em geral, após comprovação histológica de malignidade, torna-se necessário complementar a investigação com endoscopia digestiva alta (caso ainda não tenha sido realizada), com tomografia computadorizada de tórax e abdome superior e exames laboratoriais sanguíneos (como hemograma, função renal e função hepática)3. Além disso, sempre que a neoplasia estiver em um plano acima da carina, torna-se obrigatória a realização de broncoscopia, com o objetivo de afastar a presença de fístula traqueoesofágica. Sempre que disponível e com o intuito de melhorar a acurácia do estadiamento, recomenda-se realizar tomografia por emissão de pósitron (PET-TC) de corpo inteiro e de USG endoscópico3. O estadiamento clínico do câncer de esôfago é definido pela escala TNM- AJCC e sofreu algumas mudanças recentemente durante sua última atualização, em 2010. Entre elas, destaca-se a inclusão

ONCO&

PLASIA MAIS INCIDENTE NO

Anelisa K. Coutinho * Oncologista da Clínica AMO (Assistência Multidisciplinar em Oncologia), Salvador-BA. Contato: anelisacoutinho@clinicaamo.com.br

Bruno Mendonça Protásio * Residente de oncologia clínica – Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) – HCFMUSP Contato: bruno_protasio@yahoo.com.br

de novas variáveis histopatológicas e anatômicas, tais como: subtipo histológico, grau histológico e localização. Destacam-se, ainda, a modificação do estadiamento “N” enfatizando o número de linfonodos acometidos, e a inclusão dos linfonodos celíacos dentro da categoria de linfonodos regionais3.

Bases do tratamento Após a comprovação histológica de malignidade e o adequado estadiamento clínico, o próximo passo é o tratamento. Embora o objetivo seja sempre prolongar a SG e o tempo livre de progressão (TLP), no contexto do câncer de esôfago localmente avançado isso se torna um desafio. Com taxas de SG em cinco anos que variam de 50%-14% para os estadiamentos IIA até IIIC, respectivamente, há sempre que se valorizar aspectos de melhora de qualidade de vida e de paliação de sintomas (ex.: dor e disfagia) nesse contexto.

Tratamento cirúrgico definitivo O tratamento padrão oferecido a esses pacientes historicamente tem sido a ressecção cirúrgica primária. Apesar de taxas de mortalidade perioperatória inferiores a 5% em centros especializados4, os resultados a longo prazo sempre foram pouco eficazes. Algumas séries de casos mostram SG inferiores a 10%-15% em cinco anos.2 Diante disso, tratamentos alternativos foram estudados nos últimos anos, especialmente modalidades que combinam quimioterapia, radioterapia e mesmo cirurgia.

Tratamento combinado (quimiorradioterapia definitiva) Herskovic e colaboradores publicaram em 1992 estudo de fase 3, conhecido como RTOG 85-01, atestando a eficácia e a segurança do tratamento combinado com quimiorradioterapia definitiva. Onco& março/abril 2014

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“O tratamento do câncer de esôfago tem apresentado avanços nas últimas décadas e é muito dependente do estadiamento clínico inicial”

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Nesse estudo, 121 pacientes com tumores cT1-2 cN0-1 (equivalente atual ao estadiamento I-IIB da AJCC 2010) e de histologia predominantemente escamocelular foram divididos em dois grupos: um braço com tratamento combinado (quimiorradioterapia com Cisplatina e 5- Fluorouracil) e outro com radioterapia exclusiva. Ao final do estudo, mais de 25% dos pacientes estavam vivos no grupo de tratamento combinado e nenhum estava vivo no braço de tratamento radioterápico exclusivo. Além disso, a SG mediana foi de 14 meses vs. 9 meses favorável ao braço de tratamento combinado de maneira estatisticamente significativa. Desde então, quimiorradioterapia definitiva se tornou uma opção viável para indivíduos com tumores potencialmente ressecáveis, mas não candidatos a tratamento cirúrgico por critérios clínicos (ex.: idade avançada e pobre performance status)5.

Tratamento trimodal (quimiorradioterapia neoadjuvante seguida por cirurgia) Tepper e colaboradores, mais recentemente, em 2008, publicaram estudo de fase 3 conduzido pelo the Cancer and Leukemia Group B (CALGB) 9781. Os resultados indicaram benefício clínico do tratamento trimodal (quimiorradioterapia neoadjuvante seguida por cirurgia) quando comparado com cirurgia exclusiva. O estudo incluiu pacientes com tumores cT2-4 N0-1 e de histologia predominantemente adenocarcinoma. Eles foram divididos em dois grupos: um braço com tratamento combinado trimodal (quimiorradioterapia com Cisplatina e 5- Fluorouracil seguida por esofagectomia) e outro com esofagectomia exclusiva. Apesar de fechado precocemente por baixo recrutamento (recrutados apenas 56 de 475 pacientes planejados), ao final do estudo 39% dos pacientes estavam vivos no grupo de tratamento combinado, comparado com 16% no braço cirurgia exclusiva. A SG mediana foi de 4,5 anos vs. 1,8 ano favorável ao braço de tratamento combinado e de maneira estatisticamente significativa6. Em 2012, pesquisadores do estudo CROSS publicaram os resultados de outro estudo positivo favorecendo o tratamento trimodal. Neste último, 368 pacientes com doença localmente avançada e ressecável, com histologia predominantemente adenocarcinoma, foram randomizados para um braço de tratamento trimodal e outro de cirurgia apenas. O braço do tratamento trimodal consistia de qui-

mioterapia com Carboplatina (AUC 2) e Paclitaxel (50 mg/m2) por cinco semanas concomitante a radioterapia (41,4 Gy em 23 frações), cinco dias por semana, seguida por cirurgia. Ao final do estudo a SG foi melhor de maneira estatisticamente significante para o braço do tratamento trimodal (HR: 0,65; IC 95%: 0,49- 0,87; p=0,003) com toxicidade manejável. A sobrevida mediana foi de 24 meses no braço da cirurgia isolada contra 49,4 meses no braço da trimodalidade7. Diante de tais resultados, a evidência em favor do tratamento trimodal foi fortalecida, tornando-se atualmente o tratamento de escolha para pacientes com tumores de esôfago localizados e com bom performance status.

Opção para adenocarcinomas da transição esofagogástrica (TEG) Uma opção de tratamento a ser considerada para pacientes com adenocarcinoma da TEG é a realização de quimioterapia perioperatória, nos moldes do tratamento oferecido a pacientes com adenocarcinomas gástricos. O estudo MAGIC (the Medical Research Council Adjuvant Gastric Infusional Chemotherapy), publicado em 2006, randomizou 503 pacientes (sendo 26% portadores de adenocarcinoma de TEG) para o braço de tratamento perioperatório com quimioterapia comparado com o braço cirurgia isolado. O braço de tratamento perioperatório consistia de três ciclos de ECF (Epirrubicina, Cisplatina e 5–FU infusional) neoadjuvante, seguido por cirurgia e por três ciclos adjuvantes do mesmo esquema. Ao final do estudo, foi identificada redução do risco de morte de 25% favorável ao braço de tratamento perioperatório de maneira estatisticamente significativa. Desde então, tal tratamento passou a ser uma opção viável para pacientes com adenocarcinoma da TEG que não são candidatos a quimiorradioterapia8.

Conclusão O câncer de esôfago é uma neoplasia relativamente comum e, apesar dos últimos avanços, ainda apresenta uma baixa taxa de cura. A melhora no diagnóstico e no tratamento representa um desafio à oncologia atual, particularmente quando ele se apresenta na forma de doença localmente avançada (DLA). A heterogeneidade de casos (de tumores po-


tencialmente ressecáveis a lesões irressecáveis), associada à diversidade de opções e combinações de tratamento (ex.: cirurgia, quimioterapia e radioterapia), demonstra as grandes dificuldades a serem enfrentadas. Os estudos mais recentes têm demonstrado de maneira consistente que a combinação de modalidades de tratamento é viável, eficaz e re-

lativamente segura no contexto da DLA. A trimodalidade (quimiorradioterapia neoadjuvante seguida por cirurgia) representa hoje o tratamento de escolha para a DLA, oferecendo melhores taxas de controle local e de SG, devendo por isso ser sempre oferecida para pacientes com bom performance status.

Referências bibliográficas: 1- Estimativa 2012: incidência de câncer no Brasil / Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva, Coordenação Geral de Ações Estratégicas, Coordenação de Prevenção e Vigilância. – Rio de Janeiro: Inca, 2011. 118 p. Disponível em URL: http://www1.inca.gov.br/estimativa/2012/estimativa20122111.pdf 2- Enzinger PC, Mayer RJ. Esophageal cancer. N Engl J Med 2003; 349(23):2241-52. 3- Edge SB, Byrd DR, Compton CC, et al. Esophagus and Esophagogastric Junction. American Joint Committee on Cancer Staging Manual, 7th ed. Springer, New York 2010. p.103. 4- Wright CD, Kucharczuk JC, O'Brien SM, et al. Predictors of major morbidity and mortality after esophagectomy for esophageal cancer: a Society of Thoracic Surgeons General Thoracic Surgery Database risk adjustment model. J Thorac

Cardiovasc Surg. 2009; 137(3):587-95. 5- Herskovic A, Martz K, al-Sarraf M, et al. Combined chemotherapy and radiotherapy compared with radiotherapy alone in patients with cancer of the esophagus. N Engl J Med 1992; 326:1593. 6- Tepper J, Krasna MJ, Niedzwiecki D, et al. Phase III trial of trimodality therapy with cisplatin, fluorouracil, radiotherapy, and surgery compared with surgery alone for esophageal cancer: CALGB 9781. J Clin Oncol. 2008 Mar 1;26(7):1086-92. 7- Van Hagen P, Hulshof MC, van Lanschot JJ, et al. Preoperative chemoradiotherapy for esophageal or junctional cancer. N Engl J Med 2012; 366:2074. 8- Cunningham D, Allum WH, Stenning SP, et al. Perioperative chemotherapy versus surgery alone for resectable gastroesophageal cancer. N Engl J Med. 2006 Jul 6;355(1):11-20.

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mama

Obesidade e câncer

A

OBESIDADE REPRESENTA UM GRAVE PROBLEMA DE

SAÚDE PÚBLICA, RECONHECIDA DESDE OS TEM-

Divulgação

POS DE HIPÓCRATES. AS ESTIMATIVAS DA ORGA-

Daniel Tabak * Hematologista-oncologista; diretor médico do Centro de Tratamento Oncológico (CENTRON); membro titular da Academia Nacional de Medicina Contato: tabak.dg@gmail.com

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nização Mundial de Saúde (OMS) já indicavam em 2008 números assustadores: mais de 1,5 bilhão de adultos com um índice de massa corpórea (IMC) superior a 25 kg/m²; 300 milhões de mulheres com IMC superior a 30 kg/m² e mais de 40 milhões de crianças obesas. Dessas crianças, mais de 70% viviam em países em desenvolvimento. No Brasil, os números também são dramáticos: uma análise publicada em abril de 2013 revelou que 48,5% da população brasileira é obesa. Os números evoluem em progressão geométrica. Em 1975, cerca de 2,8% dos homens e 8,0% das mulheres apresentavam IMC superior a 30 kg/m². Em 2010, os números atingiram a marca de 12,4% em homens e 16,9% em mulheres. Uma em cada 10 crianças brasileiras com idade inferior a 6 anos é obesa. O significado da obesidade na infância não pode ser minimizado. Uma análise recente publicada no New England Jounal of Medicine revela que 30% das crianças obesas no período pré-escolar permanecem obesas ao completar o ensino fundamental. As crianças que apresentavam obesidade grave (IMC > 40kg/m²) permaneceram obesas durante a vida adulta. O estudo da obesidade familiar revela implicações econômicas significativas. No Brasil, somente pelo SUS, foram realizadas em 2008 mais de 6 mil cirurgias bariátricas. Os gastos quase ultrapassam R$ 500 milhões, revelando as implicações da obesidade na saúde do indivíduo e do país. Existe uma clara associação entre a obesidade e

o aumento da mortalidade. A associação com as doenças cardiovasculares é bem estabelecida. No entanto, a associação da obesidade com o câncer ainda não é devidamente valorizada. Existe uma relação direta entre o IMC e a mortalidade associada ao câncer, mesmo em indivíduos que nunca fumaram. Esse fenômeno é bem documentado em diversas neoplasias. Podemos citar em ordem crescente a associação com o mieloma múltiplo, câncer de cólon e reto, ovário, fígado, linfoma não-Hodgkin, mama, vesícula biliar, esôfago, pâncreas, colo do útero e endométrio. Em suma, de 7% a 41% das neoplasias estão relacionadas à obesidade.

Obesidade e câncer de mama Diversos estudos indicam que, para cada 5 kg/m² de aumento do IMC, se observa um aumento de 12% na incidência do câncer de mama pós-menopausa. Os estudos iniciais indicaram uma relação mais clara em tumores que expressavam os receptores de estrogênio e progesterona e menos evidente em mulheres pré-menopausa. Essa discrepância, associada inicialmente à ocorrência de ciclos menstruais não ovulatórios na pré-menopausa, não pôde ser confirmada em estudos posteriores. O aumento da incidência do câncer de mama em mulheres obesas pode ser atribuído principalmente à maior síntese de estradiol, o principal agente promotor do câncer de mama. A maior expressão da aromatase no tecido adiposo, enzima responsável pela conversão de androgênios em estrogênio, aponta para a obesidade como um importante fator de risco para o câncer de mama (Figura 1).


PAI-1,CRP, Serum amyloid A

Fatores teciduais, PAI-1

proteínas de fase aguda

LPL, ApoE, FFA, glicerol associada a lipídio

associado a fibrinólise

gordura visceral

cortisona cortisol androgênios estrogênios

Aromatase

associado a inflamação TNFa, IL-1, IL-6, IL-8, IL-10

associado a inflamação e homeostase energética

Adiponectina, leptina, resistina, visfatina

associado a inflamação e homeostase vascular

VEGF, angiotensinogênio

Figura 1 Mecanismos responsáveis pela carcinogênese no tecido adiposo

A obesidade, entretanto, não deve ser definida apenas através da sua associação com o IMC > 25 kg/m². A relação cintura quadril representa outra medida de obesidade que valoriza inclusive a localização da gordura no abdômen como fator importante na gênese do câncer. Quando a relação cintura quadril foi incorporada nos estudos epidemiológicos, a relação da obesidade com o câncer de mama pôde também ser documentada em mulheres pré-menopausa. O efeito negativo da obesidade na sobrevida pode ser evidenciado não apenas em tumores que expressam receptores de estrogênio, mas também nos tumores negativos e nos períodos pré e pósmenopausa. Entretanto, os efeitos negativos da obesidade na evolução do câncer de mama não podem ser atribuídos exclusivamente a fatores biológicos. Durante muitos anos, as doses de quimioterapia utilizadas no tratamento adjuvante e em pacientes que apresentam doença metastática foram ajustadas de acordo com o IMC. Alguns estudos revelam reduções de até 30% nas doses estimadas pela superfície corpórea. Em maio de 2012, a Sociedade Americana de Oncologia Clínica estabeleceu diretrizes para o tratamento quimioterápico em pacientes obesos. Ela recomenda que o peso real seja utilizado para cálculo das

doses de drogas citotóxicas, independentemente do IMC. Ela definiu que não existe relação entre a toxicidade a curto e a longo prazo determinada pelo aumento do peso. Portanto, não existe associação entre a mielotoxicidade e o sobrepeso. Espera-se que a adoção dessas medidas reduza o impacto negativo da obesidade na sobrevida de pacientes obesos.

Mecanismos associados entre a obesidade e a carcinogênese Em primeiro lugar, devemos citar a influência da exposição do estrogênio em mulheres obesas. As vias de sinalização associadas ao estrogênio estão bem estabelecidas. O receptor de estrogênio, ao ser ativado, catalisa a expressão de proteínas da via MAPK (mitogen activated protein kinase) determinando a inibição da apoptose. A ativação do receptor resulta também no aumento da expressão de EGFR (epidermal growth fator receptor) e da síntese de mRNA, favorecendo uma maior taxa de crescimento tumoral. Diversos estudos procuraram comparar a eficácia dos inibidores de aromatase em pacientes obesas à do tamoxifeno. Alguns deles documentaram a redução da atividade daqueles agentes, talvez associada à maior expressão da aromatase no tecido adiposo.

“O efeito negativo da obesidade na sobrevida pode ser evidenciado não apenas em tumores que expressam receptores de estrogênio, mas também nos tumores negativos e nos períodos pré e pós-menopausa”

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O tecido adiposo, entretanto, é um tecido ainda mais complexo. Não apenas podemos documentar um aumento da síntese de estradiol, mas também se observam uma resistência à insulina e um estado inflamatório caracterizado pela produção de diversas citocinas (Figura 2). O aumento da produção de insulina resulta na indução de VEGF (vascular endothelial growth factor), que promove a angiogênese e a proliferação celular. O aumento da adiponectina e a redução de leptina nos adipócitos, associados ao aumento de IL-6 e à redução de TNF-em macrófagos, resultam em inibição de apoptose (Figura 3). Todos esses processos acabam por determinar um aumento da sobrevida da célula tumoral mamária. No tecido adiposo, a presença de macrófagos ativados pode ser evidenciada em torno de adipócitos necróticos produtores de diversas citocinas inflamatórias. Essas estruturas – denominadas CLS (“crown like structures”) – promovem ainda o aumento da expressão de aromatase. A resistência à insulina também pode ser a responsável pelo aumento da incidência e pelo pior prognóstico do câncer de mama em mulheres diabéticas.

Implicações terapêuticas Ao reconhecer o papel da resistência à insulina na evolução do câncer de mama, diversos pesquisadores procuraram avaliar a ação da metformina como agente antitumoral. A metformina inibe a gliconeogênese no fígado, através do estímulo da AMPK (5’AMP-activated protein kinase). Ela promove o aumento da captação celular de glicose, a oxidação de ácidos graxos e a redução da resistência à insulina. A metformina também determina uma inibição direta dos níveis de mTOR (mammalian target of rapamycin), responsável direto pelo aumento da síntese proteica, pelo crescimento celular e pela proliferação tumoral (Figura4). Vários estudos procuraram demonstrar o efeito da metformina em pacientes diabéticos, portadores de diversas neoplasias. Os resultados foram variados, refletindo a sua grande heterogeneidade. Os estudos finalizados foram estudos retrospectivos, com um pequeno número de pacientes. A exposição à metformina também foi diversa, não podendo ser excluída a ação de outros agentes hipoglicemiantes. No entanto, esse efeito precisa ser mais bem

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Mecanismos obesidade  síntese de estrogênio

produção alterada de adipocinas e citocinas

resistência à insulina

adipócitos

 insulina,  IGF-1

 estradiol

macrófagos

 adiponectina,  IL-6, IL-1b,  TNFa  leptina

 plasma SBHG

indução por VEGF

biodisponibilidade de estrogênio

proliferação celular

angiogênese

sobrevivência celular

célula de câncer de mama

Sinicrope FA and Dannenberg AJ JCO 2011;29:4-7

Figura 2 Resistência à insulina e carcinogênese

Inflamação promove a carcinogênese leptina adiponectina TNF-a IL-6 PAI1

leptina adiponectina TNF-a IL-6 PAI1

adipócito

macrófago

outras células inflamatórias

célula endotelial

Khandekar,MJ et al. Nat Cancer Rev 2011;11:886-‐895

Figura 3 Citocinas inflamatórias produzidas no tecido adiposo


O metformina inibe a proliferação celular através de mecanismos diretos e indiretos

IR BC

PI3K

nível de insulina circulante METFORMINA

AMPK AKT

explorado diante de um estudo que revelou um maior índice de resposta patológica na terapia neoadjuvante em pacientes que fizeram uso de metformina. Para esclarecer definitivamente o significado da metformina na evolução de pacientes portadoras de câncer de mama, o Instituto Nacional do Câncer no Canadá está conduzindo um grande estudo prospectivo internacional no sentido de avaliar o papel da metformina na adjuvância e no tratamento de pacientes portadoras de câncer de mama metastático.

Conclusão gliconeogênese

AMPK

fígado

TSC2

mTOR

síntese proteica, crescimento celular, proliferação Goodwin,P JCO. 2009;27:3271- 3273

Figura 4 Mecanismos antineoplásicos associados com a metformina

A obesidade contribui para a mortalidade e o aumento da incidência do câncer de mama. Os mecanismos fisiológicos resultam não apenas da maior produção de estradiol no tecido adiposo pela maior expressão de aromatase. O tecido adiposo deve ser reconhecido como um tecido inflamatório, responsável pela produção de diversas citocinas associadas com a inibição de apoptose e a maior proliferação celular. A potencial utilização da metformina como agente neoplásico deverá ser comprovada em estudos prospectivos diante das suas ações na inibição do estado proliferativo das células tumorais.

Referências bibliográficas: 1. Um valor extragrande http://www.valor.com.br/cultura/3101314/um-problema-extragrande. 2. Cunningham SA, Kramer MR, Narayan KM.Incidence of childhood obesity in the United States. N Engl J Med. 2014 30;370:403-11. 3. Renehan AG, Tyson M, Egger M, et al. Body-mass index and incidence of cancer: a systematic review and meta-analysis of prospective observational studies. Lancet. 2008;371:569-78 4. Khandekar MJ, Cohen P, Spiegelman BM. Molecular mechanisms of cancer development in obesity Nat Rev Cancer. 2011; 24:11886-95. 5. Goodwin PJ, Ligibel JA, Stambolic V. Metformin in breast cancer: time for action. J Clin Oncol. 2009;27:3271-3 6. He X, Esteva FJ, Ensor J, et al. Metformin and thiazolidinediones are associated with improved breast cancer-specific survival of diabetic women with HER2+ breast cancer. Ann Oncol 2012;23:1771-1780

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asco gu

Principais avanços no tratamento de câncer de próstata, bexiga e rim

E

Divulgação

M 2014 CELEBRAMOS O 10º ANO DO SIMPÓSIO DE

CÂNCER GENITURINÁRIO (ASCO GU), OCORRIDO EM SÃO FRANCISCO, NOS ESTADOS UNIDOS. Neste ano tivemos um recorde de público, somando mais de 3,1 mil médicos inscritos, entre oncologistas clínicos, urologistas e radioterapeutas, sendo que 53% vieram de outras partes do mundo, inclusive do Brasil. Entre 30 de janeiro e 1º de fevereiro, pudemos relembrar o progresso destes últimos dez anos em apresentações sobre câncer de próstata, câncer urotelial e câncer renal, além de apresentações científicas e educacionais direcionadas para as dificuldades e os triunfos do passado, sempre gerando discussões polêmicas de temas com potencial de mudar a prática clínica em um futuro próximo. Este artigo discutirá os principais pontos apresentados no ASCO-GU 2014 nos temas de câncer de próstata, bexiga e rim.

Câncer de próstata

Adriano Gonçalves e Silva * Médico oncologista clínico do ICTr – Instituto do Câncer e Transplante – Curitiba, Board Certified em oncologia clínica pelo ABIM e ex-fellow em oncologia clínica na Ochsner Clinic, New Orleans, LA, EUA Contato: adrigonsmd@gmail.com

A uro-oncologia viu nos últimos anos o número de drogas disponíveis para o tratamento do câncer de próstata resistente a castração aumentar de um (docetaxel) para seis (sipuleucel-T, cabazitaxel, abiraterona, enzalutamida e radium-223). Em 2013, a apresentação do estudo AFFIRM, que demonstrou benefício de sobrevida em pacientes tratados com enzalutamida, e previamente tratados com docetaxel, gerou aprovação dessa droga pelo FDA (EUA) e pelo EMEA (Europa). Neste ano, outro estudo envolvendo enzalutamida chamou atenção dos participantes. No estudo de fase III – PREVAIL (abstract LBA1)1, 1.717

pacientes com câncer de próstata resistente a castração, assintomáticos ou levemente sintomáticos, receberam 160 mg de enzalutamida ou placebo de maneira duplo-cega. Os resultados foram revelados após uma análise interina, que definiu que os desfechos primários do estudo, sobrevida global e progressão radiológica, atingiram melhoras dramáticas. Após um acompanhamento médio de 22 meses, enzalutamida reduziu o risco de morte em 29% (HR=0,706 95% CI (0,60-0,84); p<0,0001) e o risco de progressão radiológica em 81% (HR=0,186 95% CI (0,15-0,223); p<0,0001). Outros desfechos secundários atingidos pelo estudo foram taxa de resposta radiológica pelo critério de RECIST de 59% e queda do PSA acima de 50% e 90% de 78% e 47%, respectivamente. Outro dado importante do estudo foi o prolongamento do início de quimioterapia citotóxica em 17 meses (HR=0,35, 95% CI (0,30-0,40); p<0,001), em que pacientes que receberam placebo iniciaram, em média, docetaxel em 10,8 meses, enquanto pacientes que receberam o novo antiandrogênico iniciaram quimioterapia em 28 meses. Com esse estudo, enzalutamida passa a ser mais uma opção para pacientes assintomáticos resistentes a castração, assim como abiraterona e docetaxel. Apenas aguardamos a análise das agências reguladoras para sabermos quando estará disponível no Brasil. O grupo escandinavo de câncer de próstata apresentou resultados do estudo VII e atualização do estudo IV. O estudo VII mostrou o benefício na adição de radioterapia ao bloqueio hormonal completo em pacientes com câncer de próstata de alto risco. A mortalidade câncer específica aos 10 e aos Onco& março/abril 2014

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“Os últimos anos mudaram muito o modo como entendemos e tratamos pacientes com câncer renal”

15 anos reduziram de 18,9% e 30,7% para 8,3% e 12,4%, respectivamente (abstract 4)2. Já o estudo IV, apresentado em 2013 como um estudo de não inferioridade, comparando 18 e 36 meses de bloqueio hormonal adjuvante à radioterapia em pacientes com câncer de próstata de alto risco, mostrou uma melhor qualidade de vida principalmente no que se refere a sintomas sexuais e relacionados ao hormônio (abstract 5)3. Os efeitos colaterais da terapia hormonal também foram tema da apresentação do grupo da Universidade de Vanderbilt (EUA), que mostrou maior risco de diabetes melito e eventos cardiovasculares em pacientes acima de 70 anos (abstract 31)4. Dois artigos chamaram a atenção sobre a utilização de novas drogas no câncer de próstata, ipilimumabe e orteronel (TAK-700). Em uma análise retrospectiva do estudo CA184-043, ipilimumabe parece ter maior efeito em pacientes com melhor prognóstico. Em pacientes com fosfatase alcalina e hemoglobina próximos do normal e sem doença visceral, a sobrevida global foi de 22,5 meses para o grupo que recebeu ipilimumabe, comparado com 15,8 meses para pacientes que receberam placebo (HR=0,61) (abstract 2)5. Já o estudo internacional, randomizado de fase III ELM-PC5, que analisava o uso do novo inibidor da CYP17, orteronel (TAK700), foi terminado por não atingir o desfecho primário de sobrevida global em pacientes previamente tratados com docetaxel. No entanto, na população não europeia e não americana os benefícios foram significativos. Além disso, orteronel mostrou um benefício na sobrevida livre de progressão, mostrando ter atividade significativa na doença que pode ter sido mascarada pelo desenho do estudo (abstract 7)6.

Câncer urotelial Câncer de bexiga parece ser a ovelha negra dos tumores do trato geniturinário, por não ter apresentado os avanços dos últimos dez anos como no câncer de próstata e no câncer renal. Ineficácia no estadiamento, idade avançada ao diagnóstico e não oferecer tratamento curativo aos pacientes são alguns dos motivos para essa falta de progresso. Porém, a escassez de estudos prospectivos e a difi-

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março/abril 2014 Onco&

culdade de arrolar pacientes nos poucos que existem continuam sendo os maiores obstáculos. Mesmo assim, alguns estudos trouxeram benefícios a pacientes com câncer de bexiga. Em pacientes não candidatos a cistectomia ou que recusaram cirurgia para o tratamento do câncer de bexiga, a quimiorradioterapia tem sido usada em um período de indução, seguida de avaliação cistoscópica após 40Gy. Tradicionalmente, apenas pacientes com resposta completa (T0) completavam o tratamento com intenção curativa. Em uma análise de dois estudos do RTOG (9906 e 0233), pacientes com resposta quase completa, ou seja, pacientes que na cistoscopia de intervalo tenham resultado da biópsia Ta ou Tis, tiveram um risco de recorrência ou necessidade de cistectomia semelhante ao de pacientes com resposta completa (T0). Após um acompanhamento médio de 5,9 anos, pacientes com resposta T0 tiveram uma taxa de recorrência de 35,6%, enquanto pacientes com resposta Ta/Tis tiveram 27,8% (p=0,52). A sobrevida em cinco anos também foi semelhante, 72% e 61%, respectivamente (abstract 284)7. Dados do Cancer Genome Atlas em relação a tumores de bexiga foram apresentados. Após analisados 131 espécimes de tumores não tratados, as múltiplas alterações envolvidas chamaram atenção. A presença frequente de alterações do HER-2 abriu uma esperança na terapia-alvo no câncer urotelial. O estudo de fase I/II RTOG 0524 analisou o uso de paclitaxel concomitantemente com radioterapia e traztuzumabe em pacientes com expressão de HER-2. Taxas de resposta completa foram de 60% em ambos os grupos, mas o índice de complicações hemorrágicas e gastrointestinais de 30% preocupam (abstract LBA 287)8. Esse estudo cria uma grande expectativa para o futuro, por ser o primeiro tratamento baseado em biomarcador em carcinoma urotelial.

Câncer de rim Os últimos anos mudaram muito o modo como entendemos e tratamos pacientes com câncer renal. Das múltiplas mutações à grande heterogeneidade intratumoral já descrita, dos inibidores de tirosina kinase e mTOR aprovados ao futuro da imunotera-


pia com os novos anticorpos contra PD-1 e PDL-1, o último dia do simpósio foi reservado apenas para neoplasias renais. Primo Lara da UC Davis Cancer Center destacou em sua apresentação as cinco histórias de sucesso em CCR na última década. Foram elas: 1. Maior entendimento da biologia do CCR; 2. Rápido desenvolvimento de drogas; 3. Melhora no prognóstico dos pacientes; 4. Avanços em técnicas de nefrectomia parcial; e 5. Melhora no tratamento multidisciplinar. James Larkin, do Hospital Royal Marsden, no Reino Unido, por sua vez, reforçou a heterogeneidade dos CCR, onde 65% das mutações encontradas em uma lesão não são encontradas em suas metástases. Após a mutação inicial (driver mutation), o CCR passa a uma série de mutações de maneira ramificada e evolucionária. Se assumíssemos que a perda do VHL estivesse no tronco da árvore evolutiva do tumor, ela seria seguida por diversas mutações subclonais que ocorrem em diferentes áreas do tumor primário e de suas metástases. Sendo assim, o tratamento deve sempre focar o tronco desta árvore, i.e. a mutação encontrada em todas as áreas (driver). Contudo, a emergência de clones resistentes é inevitável, e a imunoterapia surge como uma grande expectativa em reprogramar o sistema imune a fim de combater o câncer de forma dinâmica. Tradicionalmente dividimos os pacientes com CCR metastático em grupos prognósticos usando o modelo do MSKCC ou os critérios de Motzer. Um estudo do Consórcio Internacional de Banco de Dados de CCR metastático (IMDC) criou uma nova classificação baseada em dados como performance do paciente, tempo entre diagnóstico e tratamento, anemia, plaquetopenia, neutrofilia e hipercalcemia. Dando um ponto para cada critério e estratificando os pacientes em risco baixo (zero ponto), intermediário (1-2 pontos) e alto (3-6 pontos), o modelo distingue com grande acurácia a sobrevida dos três grupos, 43,2 meses, 22,5 meses e 7,8 meses, respectivamente. Esse modelo é o primeiro desenvolvido na era dos inibidores de tirosina kinase. Embora o modelo do IMDC seja mais eficaz que modelos anteriores, ainda necessitamos de modelos que levem em conta alterações biométricas e genômicas específicas de cada caso, como os biomarcadores MET, PD-1, BAP1. A nefrectomia radical, mesmo em pacientes com doença metastática, continua sendo terapia padrão no tratamento do CCR, porém não

há nenhum estudo prospectivo após a era dos inibidores de tirosina kinase mostrando benefício dessa estratégia. Em uma análise do IMDC, a sobrevida global foi de 20,6 meses para pacientes submetidos a cirurgia radical, contra 9,5 meses para pacientes não operados (HR=0,60; p<0,0001). No entanto, o benefício parece ser maior para pacientes com prognóstico pré-tratamento maior que 12 meses, enquanto pacientes de mau prognóstico (i.e. IMDC > 4 fatores) não se beneficiariam de nefrectomia citorredutora (abstract 396)9. A terapia-alvo mudou a história do CCR, com drogas como sunitinibe, pazopanibe, sorafenibe, temsirolimus, everolimus e bevacizumabe. A dúvida está em saber qual seria o melhor sequenciamento entre elas. O estudo SWITCH randomizou pacientes para começarem com sunitinibe e trocarem para sorafenibe na progressão, ou viceversa. Sobrevida livre de doença e sobrevida global foram semelhantes em ambos os braços do estudo, sendo 12,5 e 31,5 meses na sequência So-Su e 14,9 e 30,2 na Su-So, respectivamente (abstract 393)10. Muitas dúvidas permanecem: qual é o melhor acompanhamento de pacientes com doença localizada? Como diagnosticar pacientes com recidivas tardias? Um estudo de revisão de 3.725 casos de CCR operados entre 1970 e 2008 mostrou que, baseados em protocolos como os da Associação Americana dos Urologistas (AUA) e do National Comprehensive Cancer Network (NCCN), deixamos de diagnosticar em torno de 30% a 65% das recidivas, e que um acompanhamento baseado no estádio, prognóstico e padrão de recidiva identificaria pacientes que deveriam ser acompanhados por até 10-20 anos (abstract 402)11. Por fim, o tópico mais aguardado do simpósio: os dados sobre a nova classe de imunoterápicos, os anti-PDs, sejam anticorpos monoclonais contra PD-1 ou seu ligante PDL-1. Em tumores geniturinários, principalmente o renal, os dados são apenas de pequenos estudos de fase I/II, mostrando respostas duradouras para um grupo seleto de pacientes. A toxicidade existe, porém é facilmente manejada ambulatorialmente. Estudos de fase III estão em andamento, incluindo um estudo comparando nivolumabe a everolimus em pacientes que progrediram com outra droga. Resultados desse estudo não devem ser divulgados até 2015. Antes disso, aguardamos os resultados de estudos em outros tipos de tumores, como melanoma e carcinoma pulmonar de células não pequenas, que devem ser publicados em breve.

Tenha acesso aos links para as pesquisas divulgadas na ASCO GU no site da revista Onco& • http://revistaonco.com.br/noticias/dez-anos-de-asco-gu/

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Referências bibliográficas: 1. Beer, TM, Armstrong, AJ, Sternberg, CN, et al. Enzalutamide in men with chemotherapy-naive metastatic prostate cancer (mCRPC): Results pf phase III PREVAIL study. J Clin Oncol 32, 2014 (suppl 4; abstr LBA1). 2. Fossa, SD, Widmark, A, Klepp, OH, et al. Ten- and 15-year prostate cancerspecific survival in patients with nonmetastatic high-risk prostate cancer randomized to lifelong hormone treatment alone or combined with radiotherapy (SPCG VII). J Clin Oncol 32, 2014 (suppl 4; abstr 4). 3. Nabid A, Carrier N, Martin AG, et al. Long-term quality of life in high-risk prostate cancer: Results of a phase III randomized trial. J Clin Oncol 32, 2014 (suppl 4; Abstr 5). 4. Morgans AK, Fan KH, Koyama T, et al. Influence of age on incidence of diabetes (DM) and cardiovascular disease (CVD) among prostate cancer survivors receiving androgen deprivation therapy (ADT). J Clin Oncol 32, 2014 (suppl 4; Abstr 31). 5. Drake CG, Kwon ED, Fizazi K, et al. Results of subset analysis on overall survival (OS) from study CA 184-043: Ipilimumab (Ipi) versus placebo (Pbo) in post-docetaxel metastatic castration-resistant prostate cancer (mCRPC). J Clin Oncol 32, 2014 (suppl 4; Abstr 2). 6. Dreicer R, Jones R, Oudard S, et al. Results form a phase 3, randomized, double-blinded, multicenter, placebo-controlled trial of prteronel (TAK-700) plus prednisone in patients with metastatic castration-resistant prostate cancer

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(mCRPC) that has progressed during or following docetaxel-based therapy (EML-PC 5 trial) J Clin Oncol 32, 2014 (suppl 4; abstr 7). 7. Mitin T, George A, Zietman AL, et al. Long-term outcomes among patients who achieve complete or near-complete respose after the induction phase of bladder-preserving combined modality therapy for muscle invasive bladder cancer: A pooled analysis of RTOG 9906 and 0233. J Clin Oncol 32, 2014 (suppl 4; Abstr 284). 8. Michaelson MD, Hu C, Pham HT, et al. The initial report of RTOG 0524: Phase I/II trial of combination of paclitaxel and trastuzumab with daily irradiation following transurethral surgery for noncystectomy candidates with muscle-invasive bladder cancer. J Clin Oncol 32, 2014 (suppl 4; abstr LBA 287). 9. Ching Heng DY, Rini BI, Beuselinck B, et al. Cytoreductive nephrectomy (CN) in patients with synchronus metastases from renal cell carcinoma: Results from the International Metastatic Renal Cell Carcinoma Database Consortium (IMDC). J Clin Oncol 32, 2014 (suppl 4; Abstr 396). 10. Michel MS, Vervenne W, de Santis M, et al. SWITCH: A randomized sequential open-label study to evaluate efficacy and safety of sorafenib (SO)/sunitinib (SU) versus SU/SO in the treatment of metastatic renal cell cancer (mRCC). J Clin Oncol 32, 2014 (suppl 4; Abstr 393). 11. Stewart SB, Lohse CM, Psutka SP, et al. AUA and NCCN surveillance guidelines for RCC: Do they effectively capture recurrences following nephrectomy? J Clin Oncol 32, 2014 (suppl 4; Abstr 402).


gastrointestinal

Planejamento multidisciplinar no tratamento de metástases hepáticas de câncer colorretal – uma necessidade

O

S TUMORES COLORRETAIS

(CCR) JÁ OCUPAM A

QUARTA POSIÇÃO COMO CAUSA DE MORTE POR CÂNCER EM PAÍSES DESENVOLVIDOS1,2,3,4 E RE-

Divulgação

gistram expressivo crescimento no nosso meio. Isso motivou o desenvolvimento de diversas opções terapêuticas, entre as quais se destaca a ressecção cirúrgica das metástases hepáticas. Diferentemente de outros tumores sólidos, o CCR ainda oferece a possibilidade de tratamento curativo quando apresenta doença metastática restrita ao fígado, oferecendo chance de sobrevida de até dez anos, considerado por muitos hoje o prazo ideal para considerar o paciente curado3. Até um quarto dos pacientes com CCR apresenta metástase hepática já na época do diagnóstico. E, ao longo do seguimento, esse número pode chegar a até 2/3 dos pacientes tratados2,3. A partir da década de 90, um número crescente de estudos mostrou um aumento expressivo de ressecções hepáticas e, ao mesmo tempo, resultados cada vez mais animadores, com chance de sobrevida em cinco anos chegando a mais de 50%5 em várias séries. Em contrapartida, a cirurgia do fígado tornou-se mais segura com diminuição significativa da mortalidade, como mostra a Tabela 1. AUTOR

Hughes et al (86) Gayowski et al (94) Schelle et al (95) Fong et al (95) Schelle et al (01)

Alessandro Landskron Diniz * Cirurgião oncológico do núcleo de cirurgia abdominal do A.C. Camargo Cancer Center Contato: fjcarril@usp.br

AC Camargo Choti et al (02) Fernandez et al (04) Pawlik et al (05)

N

607 204 469 577 516 209 226 100 557

MORTALIDADE (%)

SOBREVIDA MÉDIA (meses)

SOBREVIDA 5 ANOS (%)

_

_

0 4 4 3 2’ 1 1 1

33 40 40 _

33 32 39 35 38 65 40 59 58

76 46 _ 74

Tabela 1

Impacto da abordagem multidisciplinar Centros especializados já utilizam essa abordagem há alguns anos com resultados muito positi-

vos, mas vale destacar um estudo realizado no Reino Unido, onde Greane Poston, do Liverpool Cancer Research Center, avaliou os exames de um grupo de 110 pacientes com CCR metastático em tratamento paliativo definitivo em diversos serviços não especializados do Reino Unido. Desses pacientes, 37 já haviam sido vistos por um grupo multidisciplinar com cirurgião de fígado, enquanto os demais 73 foram considerados irressecáveis por um cirurgião geral ou pelo oncologista clínico, sem nunca ter passado por um especialista em fígado. A partir daí, foram solicitados os prontuários desses pacientes com exames de imagem, chegando-se a 55 pacientes com doença restrita ao fígado. As tomografias desses pacientes foram enviadas a especialistas europeus e americanos, aos quais foi solicitado que as classificassem em ressecáveis, potencialmente ressecáveis ou irressecáveis. E chegouse a um número alarmante de 55% de mudança de intuito do tratamento, sendo que um número significativo de pacientes seria passível de cirurgias relativamente simples6,7. Esse estudo foi então encaminhado ao National Health Service (NHS, órgão gestor da saúde no Reino Unido) e ficou determinado que, daquele momento em diante, só seria autorizado o tratamento com quimioterapia de pacientes com metástases hepáticas de CCR para os doentes que fossem avaliados por grupo multidisciplinar com cirurgião de fígado. Caso contrário, os serviços de saúde e os profissionais não seriam reembolsados.

Abordagem inicial e seleção de pacientes No nosso serviço, rotineiramente os pacientes são vistos pelo oncologista clínico, cirurgião de fígado e cirurgião colorretal, quando o tumor primário ainda não foi tratado. Se necessário, o doente Onco& março/abril 2014

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pode passar ainda por outros especialistas, como cirurgião de tórax, para opinar sobre nódulos pulmonares pequenos e inespecíficos, por exemplo. Radiologistas intervencionistas, patologistas, anestesiologistas e intensivistas também integram o grupo multidisciplinar. A seleção dos pacientes para o melhor tratamento se baseia em um tripé, em que se consideram os critérios anatômicos (ressecabilidade), biológicos (fatores prognósticos, como número de nódulos, linfonodos do primário etc.) e condição clínica (status performance).

Por último, outra ferramenta fundamental para os pacientes com metastáse hepática é a ultrassonografia intraoperatória. Ela auxilia o cirurgião na localização das lesões preexistentes, bem como na avaliação anatômica intraoperatória, e permite identificar lesões que não haviam sido vistas em outros exames10.

Anatomia

MHCCR

Biologia

Status performance

Figura 1 Exemplo de captação extra-hepática ao PET

Estadiamento

Como o cirurgião pode auxiliar o oncologista clínico?

O estadiamento rotineiro deve incluir a realização de exames axiais como tomografia computadorizada e/ou ressonância magnética, que permitem avaliar as lesões hepáticas e sua relação com estruturas vasculares e biliares, além de predizer e estimar o volume de fígado residual (volumetria hepática). Para avaliação de metástases hepáticas potencialmente ressecáveis, o PET-CT apresenta utilidade fundamental na determinação de lesões extra-hepáticas que podem ser de difícil caracterização por outros métodos. No entanto, o PET-CT não deve ser utilizado isoladamente para avaliação de ressecabilidade anatômica, em que o exame axial contrastado ainda é o padrão-ouro. Um estudo americano realizado pelo grupo da Johns Hopkins University demonstrou a presença de doença extra-hepática em 25% dos casos, o que determinou mudança de conduta nesse grupo de pacientes. Vale ressaltar que a maior acurácia do método pode ser influenciada pela escolha do momento de realização do exame. Algumas pesquisas já mostraram que o melhor momento para fazer o PET-CT é antes do início do tratamento sistêmico. Isso é particularmente importante nos pacientes que são submetidos a quimioterapia pré-operatória, pois a realização de PET-CT após o início da quimioterapia provoca uma queda de sensibilidade muito grande, tornando o método inferior aos outros métodos de imagem8,9. Todos os achados do PET-CT que determinem mudança de tratamento devem ser sempre comprovados por biópsia. Na Figura 1 mostramos um caso do nosso serviço em que o PET-CT revelou com clareza a presença de uma metástase linfonodal retroperitoneal, tornando a cirurgia contraindicada.

O cirurgião pode auxiliar o clínico oferecendo estratégias que visem aumentar a ressecabilidade, como a associação de ressecções com técnicas de ablação intraoperatória, cirurgias em dois tempos e ainda hipertrofiar um fígado residual de pequeno volume, com auxílio do radiologista, por meio da técnica de embolização da veia porta. Os conceitos atuais de ressecabilidade anatômica dependem de um bom volume residual (>30%), com boa vascularização e drenagem dos segmentos hepáticos remanescentes (fluxo portal, arterial, biliar e drenagem venosa). É fundamental o seguimento em conjunto do cirurgião e do oncologista clínico durante o tratamento sistêmico pré-operatório, com o objetivo de evitar problemas como a toxicidade hepática associada à quimioterapia11, que é frequente em pacientes submetidos a tempo prolongado de quimioterapia. No nosso serviço, mostramos que o tempo prolongado de quimioterapia (>8 ciclos) é um fator associado a maior risco de insuficiência hepática no pós-operatório12, independentemente do regime empregado. Dessa forma, a partir do momento em que a resposta à quimioterapia já permite uma cirurgia com boa margem, evita-se prolongar o tratamento por muito tempo, já que vários grupos demonstraram ser esse um fator adverso. Além disso, a chance real de resposta adicional após oito ciclos é muito baixa13. Outro aspecto importante é em relação aos tumores sincrônicos, em que cada vez mais tem se evitado abordagem do tumor primário no início do tratamento, à exceção dos casos em que existe obstrução intestinal e/ou risco iminente desse cenário. Na ausência destes, a opção é pelo início do tratamento sistêmico, já que complicações cirúrgicas podem tornar o paciente mais suscetível ao risco de progressão rápida, causada por quadros de infecção e imunodepressão14,15.

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Como o oncologista clínico auxilia o cirurgião O oncologista pode auxiliar o cirurgião na seleção dos pacientes, principalmente a partir do tratamento sistêmico pré-operatório, que pode ser utilizado como terapia de conversão, ou seja, tornar ressecáveis tumores inicialmente muito volumosos ou próximos de estruturas vasculares importantes que limitariam as possibilidades cirúrgicas. Também cabe ao oncologista clínico administrar quimioterapia com intuito de tratar micrometástases e previnir recorrências. E, em outras situações, determinar a resposta ao tratamento sistêmico em pacientes de prognóstico muito ruim, tornando a opção da cirurgia fundamentada em resposta objetiva. Vários estudos apontam que a resposta radiológica e patológica pode ser uma ferramenta muito poderosa na determinação de um melhor prognóstico16. É importante ressaltar que uma decisão unilateral do cirurgião muitas vezes pode até limitar alternativas de escolha de quimioterápicos e agentes biológicos, principalmente em pacientes previamente tratados.

durante o tratamento pré-operatório. Como alguns autores já mostraram, o risco de uma lesão que desaparece nos exames de imagem recidivar ao longo do tempo é muito alto, e isso deve ser evitado. Atualmente, no Departamento de Radiologia do A.C. Camargo Cancer Center, nossa equipe desenvolveu uma estratégia de marcação dessas lesões por via percutânea, permitindo que os cirurgiões detectem essas áreas no intraoperatório através de ultrassom20.

Conclusões A decisão e a interação das diversas áreas na assistência ao paciente oncológico devem ser uma rotina. Essa abordagem permite otimizar os tratamentos, bem como oferecer as melhores estratégias para obtenção do melhor desfecho possível para os pacientes portadores de MHCCR. A criação de bons canais de comunicação entre a equipe multidisciplinar é fundamental para que se evitem atrasos e a perda de oportunidades de tratamento.

Discussão interativa dos casos Muitas vezes discutem-se em conjunto os casos dos pacientes em reunião multidisciplinar, na qual irá se decidir, por exemplo, qual o primeiro tratamento a ser adotado, qual o tipo de quimioterapia escolhido e que nível de resposta é necessário. Casos que envolvam tumores do reto com indicação de quimioterapia e radioterapia neoadjuvante trouxeram mudanças de alguns paradigmas. No passado, recomendava-se que o fígado somente fosse operado quando o tumor primário já estivesse controlado. Hoje em dia, em muitos casos adotase a chamada estratégia reversa. Em casos de doença hepática volumosa, existe a preocupação de progressão enquanto o paciente é submetido a químio e radioterapia e cirurgia do primário. Por isso, em vários casos optamos por iniciar com tratamento sistêmico seguido de uma abordagem que pode envolver ainda algum procedimento de embolização portal pré-operatória (Figura 2), em que somente após uma boa hipertrofia confirmada por volumetria será realizada a cirurgia do fígado. O tratamento do tumor primário é feito apenas após a confirmação da ressecabilidade das metástases. Essas discussões também permitem que pacientes com idade avançada sejam mais bem avaliados, evitando morbidade exagerada para tais procedimentos. Verifica-se hoje uma incidência elevada da doença em pacientes com idade avançada, acima dos 75 anos. Essa população específica de pacientes requer maior critério na avaliação funcional pré-operatória, já que está sujeita a um maior risco de intercorrências clínicas no período pós-cirúrgico. Entretanto, uma vez completada a recuperação da cirurgia, suas chances de sobrevida são iguais as dos pacientes mais jovens, como demonstrado por vários estudos17,18,19. E, por último, uma boa interação entre clínicos e cirurgiões permite evitar algumas ciladas, como o risco de lesões pequenas desaparecerem

Figura 2 À esquerda, observa-se o fígado com lobo esquerdo insuficiente. À direita, já se observa o lobo esquerdo hipertrofiado após a embolização da veia porta

Figura 3 Paciente com múltiplas metástases volumosas no fígado de ressecabilidade borderline

Figura 4 O mesmo paciente da Figura 3 após tratamento sistêmico, demonstrando grande resposta, que permitiu uma cirurgia segura com boa margem

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do bem

Quando a lei garante o direito à vida Nova legislação que obriga planos de saúde a arcar com os custos da quimioterapia oral é uma conquista da sociedade civil no combate ao câncer

Por Gabriel Ferreira e Regiane de Oliveira

O

8 DE MARÇO DE 2013 FOI MARCANTE NA ALESSANDRA NASCIMENTO, DE 39 ANOS. MAS ISSO NADA teve a ver com o fato de, naquela data, se comemorar o Dia Internacional da Mulher. Enquanto muitas moças e senhoras ganhavam flores e palavras delicadas pela rua, em suas casas e locais de trabalho, Alessandra recebeu o diagnóstico de que tinha um câncer de mama. Desde então, passou a investir na busca pelo melhor tratamento – um que ajudasse a DIA

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VIDA DA ENFERMEIRA ALAGOANA

diminuir ao mínimo possível todo o desconforto que tradicionalmente aflige os pacientes da oncologia. E foi nessa busca que ela acabou recebendo a prescrição de um medicamento antineoplásico administrado via oral, o citrato de tamoxifeno. “Com esse tipo de medicação não nos livramos dos efeitos colaterais, mas fica mais fácil administrá-los, porque a medicação não cai diretamente no sangue, onde o efeito colateral é mais intenso”, afirma. O maior problema desse tipo de tratamento está em como pagar por ele. Os remédios não costumam ser dos mais baratos e, até pouco tempo atrás, os convênios não eram obrigados a cobrir esse custo. “É um dinheiro que faz diferença, porque quem está vivendo essa situação precisa investir no próprio bem-estar, além de, muitas vezes, ter que se afastar do trabalho”, diz Alessandra, que ainda arca com o custo do medicamento oral. Desde janeiro deste ano, porém, essa situação teve uma reviravolta com a inclusão das drogas de uso oral para o tratamento do câncer no novo Rol de Procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A medida era uma antiga reivindicação de médicos e pacientes. Em 2011, a senadora Ana Amélia, com base em subsídios apresentados pelo Instituto Oncoguia, apresentou Projeto de Lei (PLS 352/11), que pretendia alterar a lei Onco& março/abril 2014

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“A medida da ANS obriga os planos de saúde a fornecer 37 drogas de uso oral aos seus segurados. São medicamentos indicados para tratamentos adjuvantes e neoadjuvantes para 56 tipos de câncer”

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dos planos de saúde para tornar obrigatória a cobertura de antineoplásicos de uso oral em domicílio. “Lutávamos por isso há pelos menos uns dez anos”, afirma Andréa Bento, advogada da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale). Maira Caleffi, presidente da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde de Mama (Femama), lembra que há tempos os médicos brasileiros já prescreviam as drogas orais e que os pacientes que não podiam pagar recorriam à Justiça para obter o medicamento pelo SUS. E mesmo os de menor custo se tornavam um problema enorme. “Temos uma camada de pacientes que têm o convênio via empresa e não têm dinheiro para comprar um medicamento de R$ 300, R$ 400, que irão tomar por no mínimo cinco anos”, afirma Maria. “Isso considerando o custo de distribuidora. Se ele for na farmácia, será ainda pior, uns R$ 600 por mês.” A medida da ANS diz que os planos de saúde – seja medicina de grupo, seguradoras, cooperativas ou autogestão – serão obrigados a cobrir o fornecimento de 37 drogas de uso oral aos seus segurados. Entre os medicamentos que passaram a ser cobertos com a nova resolução estão drogas indicadas para tratamentos adjuvantes e neoadjuvantes para 56 tipos de câncer. Segundo a agência, a medida foi adotada pois a possibilidade de o paciente se tratar em casa resulta em maior conforto e colabora com todo o sistema de saúde ao reduzir a necessidade de internação. “A inclusão desses medicamentos representa um maior cuidado com as pessoas e menores riscos à saúde”, afirmou a agência, por meio de sua assessoria de imprensa. Segundo a ANS, as futuras listagens do rol de procedimentos poderão incluir novas drogas. A lista é renovada de dois em dois anos. “Medicamentos que se mostrem realmente efetivos e que alterem de maneira significativa a mortalidade e a sobrevida dos pacientes poderão ser incluídos na próxima revisão”, informa a entidade. Antes disso, porém, é preciso entrar em vigor a lei aprovada no Congresso Nacional no fim do ano passado, que torna obrigatório o fornecimento de todos os tipos de medicamentos orais disponíveis no mercado para o tratamento de câncer. Está prevista que a nova legislação comece valer em 12 de maio deste ano.

Além dos medicamentos, o novo rol de procedimentos da ANS incluiu outras medidas que devem contribuir no tratamento do câncer. Uma delas é a realização da radioterapia de intensidade modulada (IMRT), uma técnica mais avançada de radioterapia. Também temos boas notícias no que se refere à realização de exames. A lista de procedimentos de cobertura obrigatória pelos planos de saúde passou a incluir a realização de pet scan para oito indicações. Antes da medida, apenas três tipos de tumor tinham cobertura obrigatória. A partir de agora, além dos tumores pulmonares para células não pequenas, linfomas e câncer colorretal, passam a ser contemplados pelo rol da ANS a detecção de nódulos pulmonares solitários, o câncer de mama metastático, o de cabeça e pescoço, os melanomas e o câncer de esôfago. Apesar dos avanços obtidos, ainda há alguns pontos nebulosos a enfrentar. O primeiro deles é quem pagará a conta. Desde o anúncio da ampliação do rol de procedimentos da ANS, os planos de saúde vêm afirmando que, com o aumento da cobertura, seus gastos crescerão e que é bastante provável que haja necessidade de reajuste nas mensalidades para que as empresas consigam arcar com os custos extras. “Entendemos que deveria ser previsto um ajuste imediato dos valores das mensalidades para compensar o aumento dos custos para as operadoras, acarretado pela inclusão de novas coberturas, que deverá provocar inflação para o usuário final e agravar a elitização da Saúde Suplementar”, afirmou, em nota, a Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), entidade que reúne os planos de saúde. “As associadas à Abramge estão preocupadas com a logística dessa distribuição, seja ela direta, por meio de parcerias ou reembolso aos pacientes.” O impacto, porém, não deve se estender a todas as empresas do setor. “Algumas operadoras do segmento de autogestão já disponibilizavam esses medicamentos orais a seus beneficiários anteriormente à alteração do rol de procedimentos da ANS, considerando diretrizes e protocolos clínicos previamente estabelecidos”, diz Denise Eloi, presidente da União Nacional das Instituições de Autogestão (Unidas), outra entidade representativa dos planos de saúde.


Segundo ela, o impacto da nova norma deve ser maior para os planos de autogestão de pequeno porte, que, em geral, ainda não haviam incluído esse tipo de medicamento em sua cobertura. As pequenas autogestões representam 71% dos associados da Unidas.

Investir em adesão Apesar das vantagens, o uso das drogas orais no tratamento do câncer traz também uma série de desafios adicionais. O principal deles é o fato de o paciente passar a ter um papel muito mais ativo em seu próprio tratamento. “Como a administração desses remédios pode se dar em casa, é fundamental que a pessoa esteja atenta a questões como o armazenamento e o horário de administrar a medicação”, diz Solange Moraes Sanches, oncologista do Hospital A.C. Camargo. Para garantir a eficácia do tratamento, Solange acredita que a relação entre médico e paciente tem de se tornar ainda mais estreita. “Temos que investir numa orientação detalhada, para que a pessoa saiba, por exemplo, como reagir em caso de alguns efeitos colaterais.” Christine J. T. Battistini, fundadora do Instituto Espaço de Vida, afirma que a entidade está desenvolvendo ações para orientar os pacientes da necessidade de adesão. “Como agora o controle é do paciente, é importante um acompanhamento maior para saber se uma potencial evolução do quadro não poderia ser pelo fato de o paciente não ter tomado o medicamento adequadamente. E esse é um papel do médico, que, via de regra, ainda reluta em receitar a droga oral.”

Cobertura de medicamentos

27%

34%

Leucemias Mama Linfomas Pulmão

17%

6% 7%

9%

Próstata Outros

Fonte: ANS

A fundadora do Instituto Espaço de Vida admite que muita coisa ficou de fora do rol e que espera novas inclusões, porém, ela afirma que a preocupação atual tem de ser focar na utilização de todo o potencial das drogas aprovadas. “É fácil falar sobre o que ficou de fora, mas precisamos fazer o inverso, ver o potencial do que está disponível”, diz.

O Instituto Oncoguia, que é referência em informações ao paciente com câncer, também está atento a essa questão. E de antemão, Luciana Holtz, presidente do instituto, deixa claro: “Não há razão para que os médicos, por insegurança de terem problemas com adesão, deixem de receitar os medicamentos orais, só precisamos educar o paciente”, afirma. Luciana diz que as dúvidas dos pacientes que procuram o Oncoguia são muitas, a maioria ainda sem resposta. Como a medida é relativamente recente, alguns pacientes reclamam das dificuldades para o cumprimento da determinação. Não se sabe, por exemplo, como os planos estão se organizando para fazer a logística. Como esses medicamentos serão entregues aos pacientes? O que aqueles pacientes que já recebem os medicamentos pelo SUS devem fazer para começar a receber no plano de saúde? “E ainda temos um tópico polêmico: a regra deixa uma brecha para que os planos de saúde possam trocar o medicamento referência por um genérico”, alerta Luciana. Andréa, da Abrale, confirma que os trâmites ainda demoram para correr e nem sempre os pacientes obtêm o resultado esperado. “Tem sido comum os convênios liberarem a versão genérica e não a de referência, que foi a solicitada pelo médico.” A resolução da ANS realmente não prevê qual versão deve ser liberada, mas alguns pacientes que já receberam a liberação para o medicamento genérico têm entrado na Justiça para conseguir o direito de obter a medicação de referência. Maira Caleffi, presidente da Femama, levanta uma questão crucial para que, em longo prazo, a operação médicos/convênio entre em sintonia. “Apesar de ouvirmos que os convênios estão se mexendo para construir uma maneira de implementar a lei, ainda existe muita burocracia, como a necessidade de receitas mensais”, lembra. “O ideal é que esse processo seja semestral, como já acontece agora, quando as consultas são a cada seis meses. Tenho cerca de 7 mil pacientes. Imagine se todos precisarem de receitas mensais? Não é viável. Em última análise, estaremos onerando ainda mais os planos.” A presidente da Femama acredita que uma parceria entre médicos e convênios será mais produtiva para tornar transparente esse processo. Por exemplo, da mesma forma que os médicos fazem um laudo pedindo o medicamento, os convênios poderão exigir um laudo de cancelamento quando o tratamento acabar, o que vai evitar, inclusive, comércio ilegal de medicamentos. Esses percalços, no entanto, não devem minimizar o avanço da nova resolução no tratamento do câncer e na melhora da sobrevida do paciente. A lei é uma vitória de grupos de pacientes e da comunidade. Alessandra, nossa paciente entusiasta do medicamento oral, já separou sua documentação para solicitar ao plano de saúde seu mais novo direito. Mais um ponto positivo para quem luta, desde que descobriu o tumor, para afastar todos os aspectos negativos da doença. “Eu e algumas amigas que também são pacientes estamos até preparando um vídeo mostrando o lado bom do câncer”, diz.

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asco gi

Pesquisas avançam no tratamento dos cânceres gastrointestinais Istockphotos

Uma série de novidades relacionadas aos tratamentos dos cânceres gastrointestinais foi apresentada na última edição do Gastrointestinal Cancers Symposium (ASCO GI), realizada na cidade de São Francisco, nos Estados Unidos, entre os dias 16 e 18 de janeiro. A 11ª edição do encontro contou com a presença de mais de 3,4 mil especialistas, como gastroenterologistas, oncologistas, cirurgiões e outros interessados em tomar conhecimento sobre as últimas novidades da área. O primeiro dia de palestras e apresentações se concentrou nos estudos referentes aos tumores do esôfago e do estômago. Esses temas receberam atenção especial, uma vez que o câncer de esôfago se mantém como um dos três cânceres cuja incidência continua a crescer nos Estados Unidos. O prognóstico dos pacientes com esse tipo de tumor não costuma ser bom, mas novas técnicas e tratamentos começam, aos poucos, a mudar essa tendência. Exemplo disso são os dados apresentados na palestra de Charles Lightdale, da Columbia University Medical Center. Chamada de Evolution of Endoscopy in Esophageal Cancer, a apresentação mostrou quanto a endoscopia vem mudando dramaticamente o tratamento do câncer de esôfago, não apenas possibilitando o diagnóstico mais precoce da doença como também surgindo como uma poderosa ferramenta de testes e uma técnica terapêutica. A ressecção endoscópica agora prevalece como a forma mais difundida de tratamento para qualquer lesão visível sem invasão linfovascular, possibilitando uma ressecção R0 no ambulatório. Entre as pesquisa apresentadas no primeiro dia do encontro, havia uma que mostrou os resultados do experimento Rainbow, um estudo global, randomizado, duplo-cego e controlado por placebo. Os estudos, que envolveram 665 pacientes com adenocarcinomas gástrico avançado e de junção esofagogástrica (GEJ), mostraram que a adição de ramucirumab ao paclitaxel prolongou significativamente a sobrevida global a partir de uma média de 7,36 para 9,63 meses. Rainbow é a segunda pesquisa de fase III de uma terapia à base de ramucirumab para câncer gástrico avançado ou GEJ utilizando o bloqueador de VEGFR-2 no tratamento de segunda linha. O outro estudo, Regard, mostrou que o uso simples de ramucirumab aumentou significativamente a sobrevida de 3,8 a 5,2 meses quando combinado ao melhor tratamento. Rainbow é a maior pesquisa de fase III para uma tratamento de segunda linha para adenocarcinoma gástrico avançado e GEJ até hoje. “Ao final do estudo, houve um delta de 2,3 meses. Não parece muito longo, mas em um tratamento de segunda linha isso é um grande ganho de sobrevida”, afirma o líder da pesquisa, Hansjochen Wilke, da Kliniken Essen-Mitte Center of Palliative Care, na Alemanha. A FDA concedeu ao ramucirumab prioridade na revisão dos status em outubro de 2013, para a inclusão como opção de tratamento de segunda linha para pacientes com câncer gástrico avançado. A decisão final do órgão deve ser divulgada ainda no início de 2014. O segundo dia de palestras, dedicado aos cânceres no pâncreas, no intestino delgado e no trato hepatobiliar, trouxe tanto resultados positivos como outros não tão animadores. As boas notícias ficaram por conta do estudo clínico de fase II sobre a inclusão de Debiri, combinado com Folfox, no tratamento de câncer colorretal com metástase hepática inoperável. Os testes apontaram para redução dos tumores e uma subsequente ressecção em mais de um terço dos pacientes. Análises dos primeiros resultados

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mostraram que uma quantidade significativamente maior de pacientes que receberam Debiri teve uma resposta positiva ao tratamento em comparação ao grupo de controle, tanto em dois meses (79% vs. 54%) como em quatro meses (91% vs. 59%) e seis meses (83% vs. 64%). Além disso, 14 dos pacientes tratados com Debiri (35% do grupo) tiveram ressecção, enquanto no grupo de controle cinco pacientes atingiram esse nível (representando 16% dos participantes). Os resultados da pesquisa Evolve-1 não foram tão positivos. Segundo o médico Andrew X. Zhu, do Massachusetts General Hospital Cancer Center, que apresentou os resultados do estudo, não houve grande diferença nas taxas de sobrevida entre os pacientes submetidos ao tratamento e o grupo medicado com placebo. Enquanto o primeiro grupo apresentou taxa média de sobrevida de 7,6 meses, o segundo obteve 7,3 meses com o placebo. Evolve-1 é uma pesquisa randomizada, controlada por placebo e de fase III, que reuniu 546 pacientes adultos com carcinoma hepatocelular (HCC) avançado que tiveram a progressão da doença após o tratamento com sorafenibe. O último dia de palestras e debates se concentrou na discussão das pesquisas relacionadas aos cânceres de cólon e de reto. Um dos destaques foi a palestra de Marc Peeters, do Antwerp University Hospital, na Bélgica, que mostrou que um teste genético mais extenso para as mutações do gene RAS, além da análise de rotina do KRAS exon 2, pode se tornar, em breve, o novo padrão para identificar quais pacientes podem se beneficiar da terapia anti-EGFR para o CRC metastático (mCRC). As pesquisas coordenadas por Peeters corroboram os resultados obtidos por outros estudos clínicos, como o Prime e o Peak, em relação à eficácia do panitumumab no tratamento de primeira linha. Resultados semelhantes para cetuximab como opção de primeira linha também foram apresentados no simpósio, fundamentados na reanálise de dados de Fire-3, Opus e Crystal. “Baseado em todos esses dados que vêm sendo descobertos, fica claro que hoje nós precisamos do teste de RAS ao invés do de KRAS exon 2 antes de decidir pelo tratamento anti-EGFR em pacientes com mCRC”, afirmou Peeters. Outro resultado de destaque no último dia da conferência foi o da pesquisa clínica randomizada de fase III GCR-3, conduzida na Espanha, que pendeu a balança a favor da quimioterapia de indução seguida de quimiorradioterapia e, então, cirurgia, ao invés do tratamento padrão de quimiorradioterapia seguida de cirurgia e então quimioterapia em pacientes com câncer retal localmente avançado. Fatores como taxa de resposta patológica completa, recidiva locorregional, recorrência distante, sobrevida livre da doença e sobrevida geral se provaram similares entre as duas abordagens em cinco anos, apesar de uma menor toxicidade aguda e uma melhor adesão ao componente dos regimes de quimioterapia terem sido identificadas na abordagem de indução. Essas conclusões justificam uma comparação mais rigorosa entre as estratégias tradicional e a de indução em testes clínicos de fase III mais amplos. A próxima edição do simpósio está programada para acontecer entre 15 e 17 de janeiro de 2015, também em São Francisco.

Tenha acesso aos links para as pesquisas no site da revista Onco& http://revistaonco.com.br/noticias/pesquisas-avancam-no-tratamento-dos-canceres-gastrointestinais/

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Roberto Boston/Washington University School of Medicine

curtas

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Óculos high-tech podem facilitar cirurgias para remoção de tumores O equipamento ainda nem tem nome, mas causou sensação ao ser usado pela primeira vez, no dia 10 de fevereiro, numa ressecção de câncer de mama no Alvin J. Siteman Cancer Center do BarnesJewish Hospital e Washington University School of Medicine, em St. Louis, Missouri. São os óculos high-tech desenvolvidos pela equipe de Samuel Achilefu, professor de radiologia e engenharia biomédica da mesma universidade. O equipamento ajuda o cirurgião a visualizar o tecido canceroso, que brilha em diferentes tons de azul quando observado através das lentes especiais. “Estamos nos estágios iniciais de desenvolvimento dessa tecnologia, mas imagine o que pode significar no futuro, se esses óculos ajudarem a eliminar a necessidade de uma segunda cirurgia e a dor e a ansiedade associadas a ela,” afirmou Julie Margenthaler, a cirurgiã que testou os óculos high-tech. De acordo com a especialista, entre 20% e 25% das pacientes de câncer de mama acabam precisando de uma segunda cirurgia, porque a técnica atual não permite precisar a extensão da área afetada. A nova tecnologia pode contribuir tanto para a remoção da maior parte do tecido canceroso quanto para a preservação do tecido saudável. O sistema desenvolvido por Achilefu utiliza uma técnica chamada projeção óptica de luminescência adquirida (Opal, na sigla em inglês) e consiste na injeção de marcadores moleculares na área a ser operada e no uso de equipamento de vídeo que detecta e exibe as células cancerosas. Nas primeiras cirurgias, realizadas em camundongos em outubro do ano passado, o sistema foi capaz de detectar tumores de apenas 1 mm de diâmetro. A coloração azulada não é uniforme: as áreas com maior concentração de células tumorais exibem coloração azul-clara e as com poucas células cancerosas aparecem mais escuras. O equipamento vai ser usado novamente na mesma universidade, desta vez por Ryan Fields, para a remoção de um melanoma. Samuel Achilefu já tem planos para aprimorar o equipamento e espera aprovação da Food and Drug Administration (FDA) para utilizar um novo marcador molecular, capaz de permanecer por mais tempo nas células cancerosas.

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Custo de longo prazo da cirurgia robótica tende a ser compensador Por mais que a compra e a manutenção de equipamentos para a realização de cirurgias robóticas representem gastos que muitas vezes pesam no orçamento das instituições de saúde, a utilização dessas técnicas em operações como prostatectomias e cistectomias tende a compensar no médio e no longo prazo. É nisso que acredita o urologista John Davis, do MD Anderson Cancer Center, no Texas. Apesar de os valores absolutos para a realização da cirurgia robotizada serem maiores do que o custo das prostatectomias abertas, o médico americano aponta que a soma total dos gastos com o paciente após um ano da cirurgia tende a ser ligeiramente menor no caso da robótica. Isso ocorreria porque a operação realizada com auxílio de robôs acaba resultando em menos complicações para o paciente do que a cirurgia aberta. Davis fez uma apresentação sobre o assunto durante o I Simpósio Internacional de Tratamento Multidisciplinar de Uro-Oncologia, realizado no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Alguns dados mostrados por ele em sua palestra sobre o tema apontam um custo total de 24.336 dólares para as operações tradicionais contra um gasto de 23.101 dólares com os pacientes submetidos a prostatectomias robotizadas ao se completar um ano da realização do procedimento. A visão de Davis, porém, não é uma unanimidade. Alguns médicos, como o também urologista Eric Klein, chairman do Glickman Urological & Kidney Institute, de Cleveland, defendem os benefícios da cirurgia aberta. Klein também falou sobre o assunto no simpósio. “Por mais que em aspectos como disfunção erétil e incontinência urinária a cirurgia aberta e a robótica tenham resultados similares, a aberta tem vantagens como o tempo de operação e de permanência do paciente no hospital”, afirma Klein, que só realiza cirurgias abertas. Ele também citou o caso de pacientes que têm um retorno às atividades normais – inclusive às práticas esportivas – rapidamente. Segundo Davis, os pontos que ainda pesam contra a operação robótica devem ser resolvidos conforme os cirurgiões forem ganhando mais experiência. “Hoje já temos resultados muito melhores do que quando a técnica foi introduzida. Cirurgiões experientes têm alcançado resultados fantásticos”, diz. Segundo ele, os conhecimentos adquiridos com a prática da prostatectomia devem beneficiar outros procedimentos, como as cistectomias. “A curva de aprendizado de um cirurgião que já faz a prostatectomia robotizada é muito mais rápida para transitar para outros procedimentos.” O I Simpósio Internacional de Tratamento Multidisciplinar de Uro-Oncologia foi realizado entre os dias 14 e 15 de fevereiro, no Hospital Israelita Albert Einstein, e contou com a participação de médicos de diversas especialidades interessados no tratamento dos cânceres urológicos, como oncologistas, radioterapeutas e urologistas, de diversas partes do Brasil e do mundo. Entre os temas debatidos estiveram as melhores práticas e procedimentos para os cânceres de próstata, bexiga, rins e testículos. Algumas das palestras foram proferidas por referências mundiais no assunto, como Sophie Fossa e Michael Jewett. A próxima edição do evento está programada para os dias 13 e 14 de março de 2015. “A ideia é sempre fazer em datas próximas à ASCO GU, para que possamos trazer alguns dos melhores debates de lá para cá”, afirmou o oncologista Óren Smaletz, membro da Comissão Organizadora do evento.

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Grupo COI reúne médicos para discutir o Simpósio de San Antonio O Encontro Científico do Grupo de Mama, realizado pelo Grupo COI, que aconteceu em 18 de fevereiro, trouxe ao país as novidades da última edição do San Antonio Breast Cancer Symposium e contou com os palestrantes Augusto César Peixoto da Rocha, professor assistente da UFRJ, mestre em ginecologia pela UFRJ e chefe do Serviço de Ginecologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, e Aline Gonçalves, oncologista clínica do Grupo COI e do Instituto Nacional de Câncer (Inca). Augusto César Peixoto atualizou os participantes sobre tratamento cirúrgico local nas pacientes que já apresentam metástase ao diagnóstico, mostrando estudos de diversos países, como Estados Unidos, Suécia, Índia, Turquia, entre outros. O rastreamento através de ressonância magnética para tumores não detectáveis em tomografias e mamografias, que comprovou um aumento na sobrevida das pacientes, foi um dos destaques, mostrando a abordagem “cirurgias versus radioterapia” em pacientes com tumor axilar e com linfonodo sentinela positivo. Como conclusão, ambos os tratamentos mostraram-se bastante eficazes. Outro tema relevante foi a importância da atividade física para controlar os efeitos colaterais do tratamento. Aline Gonçalves apresentou estudo que comprova que a prática de atividade física supervisionada ajuda a diminuir a dor, além de melhorar a força muscular. Outro estudo mostrou as novas estratégias para o tratamento neodjuvante, como o uso da droga Anastrazol para prevenção de risco de desenvolver câncer de mama. O Anastrazol reduziu em 53% a incidência de tumores nas mamas em grupo de alto risco, além de contribuir para a redução de incidência de outros cânceres. Só para você saber, o medicamento Anastrazol faz parte da lista de tratamento oral do câncer de mama reembolsável pelos planos de saúde. Outros resultados de pesquisas científicas apresentados no Simpósio de San Antonio também foram apresentados, mostrando avanços e também abordagens que já vinham sendo debatidas.

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Evento da Oncoclínicas debate câncer de mama

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A Oncoclínicas do Brasil promoveu no mês de fevereiro um intercâmbio científico e profissional com o Dana-Farber/Harvard Cancer Center. O objetivo do evento foi discutir as melhores práticas para o atendimento personalizado e abordagem multidisciplinar do câncer de mama. Entre os debates, estiveram questões como aconselhamento genético, seleção de quimioterapia adjuvante e novos protocolos de radioterapia. O encontro, batizado 1º Scientific Interchange Meeting, recebeu o apoio da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) e da Sociedade Brasileira de Cancerologia (SBC).

SalomãoZoppi amplia oferta de exames oncológicos O rede de laboratórios SalomãoZoppi ampliou recentemente sua linha de exames para diagnóstico e orientação terapêutica de diversos tipos de sangue. Desde outubro, os pacientes têm à disposição os painéis multigênicos OncoScreen, que agregam diversos tipos de sequenciamento de segunda geração em único exame. Com isso, o médico pode ter uma visão mais ampla e precisa da unicidade do tumor e dos genes que favorecem ou dificultam terapia individualizada com as drogas-alvo. Atualmente, os exames são voltados para diagnóstico de câncer de pulmão, mama, estômago (GIST) e cólon, mas outros tipos de tumores devem ser incluídos em breve.

Novo teste para detecção do câncer de próstata Um teste para identificar, a partir de um exame de urina, a presença da proteína engrailed-2 (EN2) deve estar disponível no mercado a partir do ano que vem. O exame, desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Surrey, na Grã-Bretanha, será útil no diagnóstico de câncer de próstata. Resultados dos estudos conduzidos no desenvolvimento do teste mostraram que ele tem uma precisão duas vezes maior que o PSA, principal exame realizado hoje para o diagnóstico de tumores de próstata. Outra vantagem do novo exame é que ele dificilmente acusa falsos positivos. Com a novidade, espera-se que os pacientes passem a ser menos submetidos a procedimentos invasivos, como biópsias desnecessárias, uma vez que o teste apontará a extensão da doença. O teste será fabricado e comercializado pelo laboratório britânico Rodox. A novidade ainda não recebeu aprovação das agências reguladoras.

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Câncer não melanoma em jovens aumenta a probabilidade de outros tumores

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Pacientes detectados com câncer de pele não melanoma antes dos 25 anos têm alto risco de apresentar outros tipos de tumor ao longo da vida, principalmente nos primeiros anos após o diagnóstico. É isso que aponta um estudo divulgado recentemente no Cancer Epidemiology, Biomarkers & Prevention, da American Association for Cancer Research. Segundo os pesquisadores, pessoas que apresentem não melanoma até meados dos 20 anos têm 53 vezes mais possibilidade de sofrer com tumores ósseos, 26 vezes mais possibilidade de neoplasias hematológicas e 20 vezes mais risco de apresentar câncer no cérebro. Em geral, a possibilidade de a pessoa apresentar outro tipo de câncer que não o de pele é de uma média de 14 vezes. O risco de isso acontecer, porém, diminui conforme a pessoa fica mais velha. A pesquisa foi a maior já realizada até hoje para analisar o quanto o câncer de pele não melanoma representa um fator de risco para o desenvolvimento de outros cânceres primários. O estudo foi financiado pelo English National Institute for Health Research.

Carl Zeiss traz ao Brasil novo sistema para radioterapia A Carl Zeiss trouxe recentemente ao Brasil suas operações na área de radioterapia intraoperatória (IORT), setor em que já atuava nos mercados europeu, americano e asiático. O último sistema lançado pela companhia no país é o INTRABEAM, indicado para o controle de tumores localizados. Segundo a empresa, o equipamento tem alta eficácia na irradiação localizada e versatilidade de aplicação clínica, garantindo maior conforto aos pacientes submetidos ao tratamento. Diversos tipos de câncer, como os de mama, gastrointestinal, do endométrio, da pele e bucal, podem ser tratados com o sistema, que também é indicado para o tratamento de metástases epidurais da coluna vertebral.

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mundo virtual

Onco& recomenda Sites e aplicativos sobre oncologia voltados tanto para médicos, com novidades e informações sobre a área, como para pacientes, com dicas de prevenção e assistência ao doente.

Apoio na palma da mão Aplicativos para tablets e smartphones que ajudam médicos a se manter sempre atualizados e no melhor caminho para o diagnóstico e tratamento de seus pacientes Atlas do Câncer de Próstata Este aplicativo para iPhone e iPad foi desenvolvido com o patrocínio do laboratório Astellas. Pelo programa, o especialista tem acesso a uma ampla coleção de imagens médicas, que podem ser editadas, salvas no próprio aparelho, enviadas por e-mail ou até impressas, conforme a necessidade. Por serem em alta resolução, as ilustrações podem ser utilizadas tanto para pesquisas do dia a dia como apresentações e estudos mais detalhados. Outra grande utilidade para o aplicativo é aproveitar a galeria de imagens para fazer esclarecimentos aos pacientes. O Atlas do Câncer de Próstata pode ser baixado gratuitamente na AppStore, mas para ter acesso às funcionalidades é necessário solicitar login a um representante da Astellas.

iMoc O aplicativo do famoso Manual de Oncologia Clínica do Brasil para tablets e smartphones tem, além da versão mais recente do livro, algumas funcionalidades adicionais, como a área de fórmulas médicas, que reúne uma série de calculadoras e ferramentas, e a parte de videoaulas, onde são discutidos alguns dos temas mais recentes do setor. A versão online, que tem apoio da distribuidora Oncoprod e conta com a supervisão de Antonio Carlos Buzaid e Fernando Maluf, pode ser baixada gratuitamente na AppStore.

Diálogo Roche Parte de um grupo que contempla diversas aplicações desenvolvidas pela Roche para se relacionar com o público da área de saúde, o aplicativo Diálogo Roche agrega uma série de funcionalidades, como bulário eletrônico, calculadoras avançadas e cobertura de diversos congressos e eventos. O sistema vem sendo atualizado constantemente, com a inclusão de novas funções. O download gratuito pode ser feito em tablets e smartphones com sistemas iOS e Android. Para acessar, é necessário o preenchimento de um cadastro.

Medscape Um dos aplicativos mais baixados por médicos em seus tablets e smartphones, a versão móvel do Medscape apresenta tanto informações e ferramentas relacionadas aos medicamentos como novidades sobre conferências, artigos científicos e anúncios da FDA em mais de 30 especialidades. Para facilitar a consulta, diversas áreas podem ser acessadas mesmo sem conexão com a internet. O aplicativo pode ser encontrado gratuitamente nas lojas virtuais dos sistemas Android, iOS e Kindle Fire.

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acontece

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Fique por dentro dos congressos, simpósios, encontros de atualização e outros tantos eventos do mundo da oncologia. Confira aqui os principais eventos de oncologia nos próximos meses. V Congresso Internacional de Uro-Oncologia Entre 27 e 29 de março acontece em São Paulo o V Congresso Internacional de UroOncologia. O evento, que reunirá especialistas de diversos países, é uma iniciativa do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes e será realizado no WTC Sheraton Hotel, na capital paulista. Entre os temas debatidos estarão as controvérsias dos cânceres de próstata e de bexiga e as doenças localizadas e metastáticas de rim e testículos. Os debates contarão com a participação de especialistas do Brasil, Canadá, Espanha, Estados Unidos e Suíça. O Congresso é presidido pelo oncologista clínico Fernando Cotait Maluf e conta também com a participação de Carlos Eduardo Corradi Fonseca, Aguinaldo C. Nardi e Robson Ferrigno na coordenação da Comissão Organizadora. Mais detalhes sobre o evento podem ser obtidos no site www.rvmais.com.br/uro_onco.

Congresso Internacional de Humanidades & Humanização em Saúde Com o objetivo de debater aspectos relativos à humanização nos serviços de saúde, ocorrerá, nos dias 31 de março e 1º de abril, a primeira edição do Congresso Internacional de Humanidades & Humanização em Saúde. O evento faz parte das comemorações dos 70 anos do Hospital das Clínicas de São Paulo e é uma iniciativa conjunta do HC e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). As diversas mesas programadas para o evento discutirão temas como a criação de empatia entre médico e paciente e gestão e participação nos serviços de saúde. Além de grandes especialistas brasileiros no assunto, como Izabel Rios, personalidades internacionais, como o espanhol Diego Gracia, participarão das apresentações e dos debates. O evento será realizado no Centro de Convenções Rebouças, em São Paulo, e mais informações podem ser obtidas no site www.congressohumaniza.com.br.

Highlights of ASH® na América Latina 2014

Sobrafo

Esta será a sexta edição do encontro que reúne os principais especialistas em hematologia da América Latina. No evento, que será realizado em Florianópolis nos dias 25 e 26 de abril, os participantes terão contato com as mais novas técnicas e estratégias de diagnóstico e tratamento das doenças hematológicas. A programação inclui palestras e debates com nomes internacionais, como Marc J. Khan e Reuben Mesa, que discutirão as mais diversas facetas do tema. A programação inclui ainda almoços com os especialistas. A expectativa é que cerca de 600 médicos marquem presença no evento. Mais detalhes no site da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (www.abhh.org.br).

VII Congresso Brasileiro de Farmacêuticos em Oncologia

A edição deste ano do Congresso da Sociedade Brasileira de Farmacêuticos em Oncologia (Sobrafo) deve reunir mais de 800 profissionais que atuam em clínicas privadas de oncologia e em hospitais públicos e privados que atendam pacientes com câncer. Entre os temas debatidos no evento haverá destaque para os medicamentos biológicos, a transdisciplinaridade, a segurança no uso de medicamentos antineoplásicos e a atualização dos tratamentos. Além disso, o congresso contará com mesas interativas de estudo de casos, que possibilitarão a interação entre o público e os palestrantes. “Nossa expectativa é sempre promover conhecimento, colaborar na atualização dos profissionais”, afirma Annemeri Livinalli, diretora de comunicação da Sobrafo e membro da comissão científica do evento. O congresso deste ano será realizado em Fortaleza entre 25 e 27 de abril. Os trabalhos apresentados durante o congresso poderão ser contemplados com o Prêmio Sobrafo e Glenmark de Incentivo à Pesquisa. O prêmio está em sua segunda edição e patrocinará a ida do vencedor à reunião anual da ASCO, em Chicago. Mais informações podem ser obtidas no site www.sobrafo.org.br.

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calendário 2014

Evento

Data

Local

Informações

VII Congresso Latino-Americano de Cuidados Paliativos

12 a 15 de março

Medellín, Colômbia

http://migre.me/i9QfE

NCCN 19th Annual Conference: Advancing the Standard of Cancer Care™

13 a 15 de março

Hollywood, EUA

http://migre.me/i9PHf

II Simpósio Internacional de Tumores Gastrointestinais

14 e 15 de março

São Paulo, SP

http://migre.me/i9OSW

3º Simpósio Anual – Núcleo de Oncologia Torácica

21 e 22 de março

Rio de Janeiro, RJ

http://migre.me/i9Pbo

XXII Simpósio Internacional de Hemoterapia e Terapia Celular

21 e 22 de março

São Paulo, SP

http://migre.me/i9NoH

IX Congresso Brasileiro de Oncologia Ortopédica e VIII Congreso de La Sociedad Latino Americana de Tumores Musculo-Esqueléticos

26 a 29 de março

Salvador, BA

http://migre.me/i9PtD

V Congresso Internacional de Uro-Oncologia

27 a 29 de março

São Paulo, SP

www.rvmais.com.br/uro_onco

Congresso Internacional de Humanidades & Humanização em Saúde

31 de março e 1º de abril

São Paulo, SP

www.congressohumaniza.com.br

I Congresso Sul Baiano de Oncologia

1 a 5 de abril

Ilhéus, BA

http://www.congressooncologiaba.com.br/

III Simpósio Internacional de Câncer de Pulmão

11 e 12 de abril

São Paulo, SP

http://migre.me/i9O6F

Highlights of ASH® na América Latina 2014

25 e 26 de abril

Florianópolis, SC

www.abhh.org.br

VII Congresso Brasileiro de Farmacêuticos em Oncologia

25 e 27 de abril

Fortaleza, CE

www.sobrafo.org.br

IX Simpósio de PET/CT e VI Simpósio de SPECT/CT em Oncologia

29 e 30 de abril

São Paulo, SP

http://migre.me/i9Olc

XVI Congresso da Sociedade Brasileira de Radioterapia

30 de abril a 3 maio

São Paulo, SP

http://sbrt2014.com.br/

Calendário de eventos de 2014 completo e atualizado:

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