revista MACAU 65

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PATRIMÓNIO

gonçalo lobo pinheiro

oito anos. “Faz parte da história de Macau, mas poucas pessoas sabem. Tenho um amigo de 36 anos que só foi a Ká Hó três vezes e diz que não há nada para ver”, acrescenta o presidente da Associação Macau-Itália.

“Depósito de lázaros”

Quem desce pela Estrada de Nossa Senhora de Ká Hó até junto do mar já não vê a densa floresta que cobria esta zona isolada de Coloane. Hoje encontra o Centro de Santa Lúcia, onde a organização católica Cáritas acolhe mulheres com problemas mentais, o Centro de Tratamento da Associação de Reabilitação de Toxicodependentes de Macau e um lar de idosos. Mas dificilmente vislumbra, no cimo de uma pequena colina, cinco casas que durante décadas foram um porto de abrigo para os mais marginalizados de todos: os leprosos de Macau e não só. “Não é fácil conhecer a história por detrás deste local nem sequer chegar lá”, diz o arquitecto Marco Canarelli.

Há menos de uma década, a única ligação entre Ká Hó era a linha de autocarro 15, que só passava uma vez a cada 75 minutos. Actualmente a aldeia não está tão isolada, com o 15 a chegar da Taipa de meia em meia hora e o 21A a vir da península de Macau a cada 20 minutos. Ainda assim, é uma viagem que facilmente demora mais de uma hora. Por isso não admira que poucos se aventurem até Ká Hó, cujo sossego parece a milhares de quilómetros de distâncias das luzes dos casinos do Cotai. “Conheço pessoas de Macau que nunca foram a Ká Hó, o que é inacreditável, uma vez que a região é tão pequena”, diz Marco Canarelli, que vive na cidade há

E a história da Vila de Nossa Senhora tem como actor principal precisamente um italiano, o Padre Gaetano Nicosia. O Bispo Dom Belchior Carneiro tinha criado a meio do século XVI um hospício no bairro de São Lázaro, na península de Macau, para acolher os leprosos, uma instituição então financiada pela Santa Casa da Misericórdia. Mas nos finais do século XIX foram expulsos dessa área para permitir a expansão da cidade e foram separados, indo os homens para “um depósito de lázaros” em Pac Sá Lan, na ilha de São João. Foram precisos apenas três anos para que os “modestos edifícios” em que viviam fossem destruídos por um tufão, sendo finalmente substituídos por “construção mais substanciais”. Apesar do estigma da lepra, os registos mostram que os doentes eram alvo frequentes de ataques de piratas “que lhes roubavam o arroz e as escassas moedas”. Após muita residência e mudança de ideias por parte das autoridades, que chegaram a considerar outros locais na Taipa e na península de Macau,

Não é fácil conhecer a história por detrás deste local nem sequer chegar lá 72

macau • Dezembro 2018

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