Relatório e Fotografias de Curt Nimuendajú sobre os Povos indígenas do Rio Negro

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ministrador da Inspetoria do Serviço de Proteção dos Índios (SPI) no Amazonas e Território do Acre. Bento de Lemos já tinha uma relação muito amistosa com Nimuendajú, desde 1921, ano em que este coordenou o processo de contato com os Paritintim. Essa expedição ao Rio Negro foi realizada no período de março a julho de 1927, o que é considerado uma boa época para se viajar e, para quem tiver interesse, observar as pedras nos rios e o inúmeros petróglifos que existem nessa região. Através das cartas que Nimuendajú escreve a Erland Nordeskiöld, diretor do Museu de Gotemburgo, e também a Carlos Estevão, informando sobre suas preocupações com os recursos para tal viagem, dá a entender que sua intenção era de permanecer mais tempo na região, com possibilidades, inclusive, de realizar escavações arqueológicas, mas os recursos prometidos por Nordeskiöld não chegaram e sua viagem encerrou-se antes do previsto. Ele percorre essa região com um olhar extremante crítico, procurando descrever claramente as relações de dominação entre os povos indígenas e não-indígenas. Certamente, o administrador do SPI em Manaus, Bento Lemos, já devia ter recebido essas denúncias de maus-tratos e da exploração dos índios pelos comerciantes extrativistas. E, que escuta-se ainda hoje, nas diversas narrativas orais dos povos do Uaupés e Içana a respeito dessa exploração e dominação. Estas relações deram origem ao termo, na língua Tukano, “pehkasa” (gente do fogo, referindo-se ao barulho do tiro de uma espingarda), como são chamados até hoje as pessoas de fora que não são “filhos da região”. Em um momento da viagem, Curt Nimuendajú deixou o seguinte registro sobre a relação dos índios com comerciantes e missionários: “O tempo moderno chegou que transforma o selvagem livre num escravo, espezinhando os seus sentimentos elevados e com eles o seu prazer de vida. Do alto Uaupés desce a tirania aniquiladora dos balateiros colombianos, enquanto do Rio Negro vem subindo a influência da missão católica, sufocando todas estas manifestações da arte primitiva”. Essa viagem de “reconhecimento” tinha o objetivo de verificar a situação em que viviam os índios, e como se percebe na sua narrativa, havia intenção de recomendar locais adequados para instalar postos de vigilância do SPI. As informações detalhadas e assertivas sobre os índios levarão o inspetor Bento Lemos a tomar rápidas decisões no tocante à proteção dos índios dessa região, pois, nesse mesmo ano, ele manda instalar o Posto do SPI na região de Yauareté (na confluência do Rio Uaupés com o Rio Papuri). E, nos anos seguintes, instalará os postos de vigilância do Rio Papuri (Melo Franco), Rio Japu e o do Rio Querari (Lemos, 1927:24-25) como medidas de conter a presença de comerciantes “balateiros” extrativistas, que entravam constantemente em território brasileiro para explorar os povos indígenas. Na sua maneira direta de escrever as suas próprias reações, o relatório está permeado de precisas informações contextuais, pressentimentos e observações etnográficas sobre tudo que se passa entre os índios. Não lhe escapa nada. Ele estava saindo de São Felipe, no Rio Negro, bem no início da viagem, quando pensou: “... tive de reconhecer que о tempo de que dispunha não era suficiente para conquistar a confiança destes índios ao ponto deles permitirem um estudo regular da sua cultura intelectual”. A maneira de Nimuendajú de relatar as diversas situações é de uma plasticidade ímpar, fazendo com que o leitor visualize o cenário que o autor está descrevendo. A temática da narrativa antropológica está presente nas discussões teóricas na atualidade, e Walter Benjamim (1992), talvez, tenha sido um dos primeiros RECONHECIMENTO DOS RIOS IÇANA, AYARI E UAUPÉS

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