03 LEGADO Porto Alegre Ano 3 / Número 3 Abril de 2017 Publicação sobre Espiritualidade e Patrimônio Marista Rede Marista
LEGADO Publicação sobre Espiritualidade e Patrimônio Marista
Porto Alegre Ano 3 / Número 3 Abril de 2017
REVISTA LEGADO PROVÍNCIA MARISTA BRASIL SUL-AMAZÔNIA REDE MARISTA SUPERIOR PROVINCIAL/PRESIDENTE: IR. INACIO ETGES CONSELHO PROVINCIAL/CONSELHO ADMINISTRATIVO: IR. DEIVIS ALEXANDRE FISCHER (VICE-PROVINCIAL/VICE-PRESIDENTE), IR. EVILÁZIO FRANCISCO BORGES TEIXEIRA, IR. LAURO FRANCISCO HOCHSCHEIDT, IR. MANUIR JOSÉ MENTGES, IR. ODILMAR JOSÉ CIVA FACHI, IR. SEBASTIÃO ANTONIO FERRARINI COORDENADOR DA COORDENAÇÃO DE VIDA CONSAGRADA E LAICATO: IR. GENUINO BENINI EQUIPE DA ÁREA DE PATRIMÔNIO E ESPIRITUALIDADE MARISTA: IR. GENUINO BENINI (COORDENADOR) E GUSTAVO BALBINOT (ASSESSOR) CONSELHO EDITORIAL DA REVISTA LEGADO: IR. GENUINO BENINI, IR. CLAUDIANO TIECHER, GUSTAVO BALBINOT (COORDENADOR), IR. DEIVIS FISCHER, IR. MARCELO BONHEMBERGER E LIDIANE RAMIREZ DE AMORIM SUPERVISÃO EDITORIAL: LIDIANE RAMIREZ DE AMORIM E DIEGO WANDER SILVA PRODUÇÃO: ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO E REPRESENTAÇÃO INSTITUCIONAL REVISÃO: IRANY TEREZINHA FIORAVANTE DIAS PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO: DESIGN DE MARIA ISSN 2358-8993
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
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ESTUDOS Rosto mariano da igreja: sua história e recepção no Instituto dos Irmãos Maristas Angelo Ricordi
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A vivência dos valores institucionais: percepção desvelada do ser marista Simone Engler Hahn
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Espiritualidade: a força impulsionadora de Champagnat Gustavo Balbinot
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Desenvolvimento docente: saberes e inspiração em Marcelino Champagnat Leia Raquel de Almeida
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Humanização, inovação e desenvolvimento na universidade: novos desafios e perspectivas inspirados no legado de Champagnat Carla Denise Bonan, Elisabeth Avila Abdala, Rafael Rossetto, Vanessa Manfredini
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PRODUÇÕES DIVERSAS Educação marista e escotismo Beatriz Wolff
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APRESENTAÇÃO
“O que é espiritualidade senão o que fazemos com paixão?”. Irmão Sean Sammon imprimiu um lindo significado àquilo que nos move. Paixão que tomou o coração de Marcelino Champagnat quando constatou a situação das crianças pobres do interior da França. Paixão que fez o Irmão Lourenço, um dos pioneiros do Instituto Marista, deixar os trabalhos da roça para transformar-se em um catequista educador, mesmo diante dos grandes desafios e sofrimentos. Paixão que transformou o coração de outro pioneiro, o Irmão Silvestre, de leviano e dissipado, como ele mesmo afirmou, em serenidade e testemunho de vida. Há 200 anos, nascemos da paixão: paixão a Deus, paixão à Maria, paixão aos jovens, às crianças, aos Montagnes. Na celebração do bicentenário marista, a Revista Legado nº 3 apresenta, dentre outros, temas fundamentais do nosso carisma: o rosto mariano da Igreja, em uma abordagem histórica, receptiva e identitária marista; a espiritualida-
de como força impulsionadora de Marcelino Champagnat; a vivência dos valores institucionais pelos gestores educacionais, como desafio de serem guardiões da filosofia marista; a ressignificação de alguns aspectos do desenvolvimento docente inspirado na pedagogia marista; a importância do legado de Champagnat frente aos desafios de humanização, inovação e desenvolvimento na universidade; e, por fim, um pouco da história, atuação e importância dos grupos de Escoteiros nas unidades maristas. Agradecemos às autoras e aos autores, alunos e alunas do Curso de extensão de Espiritualidade e Patrimônio Marista e ao leigo Angelo Ridordi, por terem colaborado com suas pesquisas, estudos e corações na construção desta revista. Um novo começo já nos é caminho! Boas leituras e reflexões, Equipe de Espiritualidade e Patrimônio Marista
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ROSTO MARIANO DA IGREJA: SUA HISTÓRIA E RECEPÇÃO NO INSTITUTO DOS IRMÃOS MARISTAS
Angelo Ricordi2
ROSTO MARIANO DA IGREJA:
SUA HISTÓRIA E RECEPÇÃO NO INSTITUTO DOS IRMÃOS MARISTAS1 |9|
RESUMO Analisar a expressão Rosto Mariano da Igreja, sua história e recepção no Instituto dos Irmãos Maristas, é o objetivo principal desta pesquisa. Para a realização deste trabalho, contou-se com a análise bibliográfica de textos da tradição dos Padres Maristas, assim como documentos do Magistério da Igreja e do Instituto dos Irmãos Maristas. A expressão Rosto Mariano da Igreja revela uma renovação não apenas na mariologia do Instituto, mas, sobretudo, na sua concepção de eclesiologia. A expressão Rosto Mariano da Igreja se fundamenta em ampla e riquíssima tradição teológica e magisterial da Igreja. Todavia, é perceptível que no horizonte do Instituto dos Irmãos Maristas seja percebida muito mais como uma fonte de renovação e animação pastoral, do que uma contribuição consistente e pós-conciliar do Instituto à Igreja.
PALAVRAS-CHAVE Instituto Marista. Rosto Mariano da Igreja. Renovação Conciliar.
1 Artigo preparado para o Encontro de Animadores em Espiritualidade Marista- UMBRASIL – Florianópolis, novembro de 2016. 2 Mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Pesquisador e membro do Setor de Vida Consagrado e Laicato da Província Marista Brasill Centro-Sul.
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INTRODUÇÃO
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O presente trabalho tem como objeto de estudo a reflexão sobre a expressão Rosto Mariano da Igreja, sua história e recepção no Instituto dos Irmãos Maristas. A expressão representa uma forma de ser e viver o cristianismo inspirado no seguimento de Jesus a exemplo de Maria, e se tornou habitual no Instituto Marista a partir do XXI Capítulo Geral. Todavia, enquanto inspiração mariana, esteve presente desde os primórdios da Sociedade de Maria, na longínqua promessa de 1816, em Fourvière. No intuito de aprofundar o seu real significado, convém perguntar-se: quando e onde se ouviu pela primeira vez a expressão na história do Instituto? Como foi evoluindo? Qual a sua base teológica? Possui reconhecimento do Magistério da Igreja? E, por fim, qual o seu impacto na renovação do Instituto? No intuito de trazer uma contribuição a esses questionamentos é que este artigo foi concebido. Seu objetivo principal consiste em analisar, por meio das publicações oficiais do Instituto Marista, bem como da Tradição
dos Padres Maristas e do Magistério da Igreja, a evolução de um pensamento que se torna determinante no governo do Irmão Emili Turú, Superior-Geral, no modo de entender a relação dos Maristas de Champagnat com Maria e no processo de renovação do Instituto dos Irmãos Maristas. Como tal, o termo Rosto Mariano da Igreja não aparece nas origens do Instituto dos Irmãos Maristas e da Sociedade de Maria. Contudo, a expressão Igreja Mariana, ou Igreja Nascente, é uma forma correlata de expressar, ainda que de modo um pouco diverso, a inspiração mariana dos primeiros Maristas, na sua forma de ser e viver sua fé como membros da Igreja. Os jovens sacerdotes e seminaristas que se consagraram em Fourvière traziam um sonho de uma Igreja renovada, que expressavam com o termo Sociedade de Maria. Essa Sociedade tem na pessoa do Padre Colin não apenas seu ordenamento jurídico como Superior, mas também muito da sua inspiração teológica e mística em relação à Maria e à Igreja.
ROSTO MARIANO DA IGREJA: SUA HISTÓRIA E RECEPÇÃO NO INSTITUTO DOS IRMÃOS MARISTAS
“Igreja Mariana, uma inspiração”3 A ideia de viver a fé em Jesus Cristo em uma Igreja que reflete o modo como Maria a viveu nas origens do cristianismo foi denominada pelo Padre Colin e pelos primeiros maristas com a expressão Igreja Nascente. Essa ideia remonta à história da Sociedade de Maria (Padres Maristas) e à maneira como ela concebe a sua missão pastoral e escatológica na Igreja. Desde o início da Sociedade, Padre Colin moveu-se por um pensamento um tanto quanto misterioso: No final de 1837 – mais de vinte anos depois que Colin havia deixado Santo Irineu – Mayet escreveu as seguintes palavras de Colin: A Santíssima Virgem disse: “Fui o sustentáculo da Igreja nas-
cente, e sê-lo-ei também no final dos tempos”4 (TAYLOR, 2015, p.27).
Essa dupla afirmação constitui-se como um dos polos da espiritualidade dos Padres Maristas, redescoberta na volta às fontes5, motivada pelo movimento de renovação suscitado pelo Concílio Vaticano II. Assim como no Instituto dos Irmãos Maristas, os Padres Maristas descobriram aspectos de sua fundação e espiritualidade até então desconhecidos de sua história. O termo Igreja Mariana nunca foi utilizado de maneira explícita por Colin, ou pelos primeiros maristas. Ao contrário, utilizaram o termo Sociedade de Maria. Uma sociedade reunida sob os auspícios da Virgem no processo de recris-
3 A expressão “Igreja Mariana” não aparece literalmente nas origens maristas. O termo utilizado por Courveille e Colin fala de uma Sociedade dedicada aos auspícios da Virgem Maria. Que milita sob o seu nome: “A esta mínima Congregação, [...] lhe coube a sorte de receber, desde sua origem, o nome Sociedade de Maria. Este nome indica claramente sob que bandeira deseja militar nos combates do Senhor e qual deve ser o seu espírito” (CONSTITUIÇÕES, SOCIETAS MARIAE, 1872, n.1). A mística em torno do nome de Maria também marca o início dos Pequenos Irmãozinhos de Maria: “Elevado à dignidade sacerdotal em 1816, mesmo antes de deixar o Seminário de Lião, pensei seriamente em criar uma Sociedade de professores que julguei dever consagrar à Mãe de Deus, persuadido de que bastaria o nome de Maria para atrair muitos candidatos”. (CHAMPAGNAT, Cartas, n. 34). 4 “La S. Vierge a dits: J’ai été soutien de l’Église naissante; je le serai aussi à la fin des temps” (COSTE; LESSARD, 1960. Doc. 422). 5 Os escritos e pesquisas dos Padres Jean Coste, Antoine Forissier e Gaston Lessard são fundamentais no processo de redescoberta das fontes maristas. Esse processo culminará na seleção e edição em quatro volumes em Roma da obra Origines Maristes, Sociedade dos Padres Maristas, 1960.
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tianização da França e do mundo. Padre Coste, ao falar sobre a ideia da Sociedade de Maria, resgata não se tratar de algo específico do grupo dos seminaristas de Lyon, mas sim de uma inspiração já presente na história da Igreja e de outras congregações (COSTE, 1965).
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Todavia, existem elementos que marcam uma mística mariana autêntica neste movimento iniciado em Lyon que, segundo Padre Keel (1993), estudioso marista, pode ser descrito como três momentos fundamentais na vida da Igreja primitiva, como fonte e inspiração para a nascente Sociedade de Maria: Maria como sustento da Igreja; Maria e a Igreja Nascente e, por fim, Maria e os Apóstolos. Maria como sustento da Igreja
faz uma reflexão dos anos em que se prepararam no grande Seminário de Santo Irineu. Colin, ao se referir à Maria como sustento da Igreja, faz a analogia ao berço da criança ao lado de sua mãe: “Jesus deixou sua Mãe à Igreja nascente para formá-la desde o seu berço. No final dos tempos, Ele aparecerá para chamar aqueles que ainda não entraram em seu útero...” (KEEL, 1993, doc. 7). Em todas essas afirmações, existe uma intuição, uma mística mariana não centrada na pessoa de Maria, mas, sobretudo, na postura existencial de primeira discípula do seu Filho. Colin parece fundamentar não apenas uma mariologia, mas antes de tudo uma eclesiologia, um modelo para a Sociedade de Maria. Maria e a Igreja nascente
Nos relatos do Padre Mayet, descritos em Origenes Maristes, de 1960, Colin fala de Maria não apenas como sustentáculo da Igreja, mas também da Sociedade que está nascendo sob o seu nome. Em uma interessante analogia aos três anos de vida pública de Jesus e da sua formação dos apóstolos, Colin
O período da Igreja Nascente foi o modelo de referência fundamental de eclesiologia para a Sociedade de Maria. Os primeiros Maristas acreditam nessa inspiração de Colin. Estaún, no texto Herdeiros da Promessa, resgata essas afirmações:
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A Sociedade não toma como modelo nenhuma outra, já existente. Não temos outro modelo de Sociedade senão a Igreja nascente. A Sociedade começou como a Igreja; é preciso que sejamos como os apóstolos e como os numerosos que a eles aderiram: Cor unumet anima una. Amavam-se como irmãos. (TAYLOR; ESTAÚN; DROUILLY, 2015, p. 50).
alma [...] Que não haja entre vós senão um mesmo coração e um mesmo espírito” (FURET, 1999, p. 223). Trata-se de uma inspiração utópica e mística, que contempla no horizonte da Igreja nascente em torno de Maria um grande desejo de fraternidade que deveria marcar o início da Sociedade de Maria. Maria e os Apóstolos
Da imagem da Igreja primitiva nasce um dos elementos caros, tanto à espiritualidade dos padres como dos Irmãos Maristas, representada na inspiração lucana: “cor unum et anima una”6 (COSTE; LESSARD, 1961, doc. 660). Assim, como os primeiros apóstolos na Igreja Nascente, os maristas cultivam esse ideal como uma máxima e uma forma de viver a sua espiritualidade: “A Sociedade começa como a Igreja. Devemos ser como os apóstolos e como aqueles que a eles foram aderindo (e foram muitos): Cor unum et anima una” (OM 286). Essa mesma expressão aparece consolidada no Testamento Espiritual do Padre Champagnat: “Eu vos peço também, meus Irmãos, com toda a afeição de minha
Uma das redescobertas da volta às fontes na pesquisa dos Padres Maristas foi a dimensão marial que iluminava e inspirava Colin no início da Sociedade de Maria. Trata-se da presença de Maria junto aos apóstolos7: Maria presente no meio dos apóstolos, o sustentáculo da Igreja nascente, apesar de oculta dentro dela, um modelo para a sociedade nestes últimos tempos que lhe pareciam tão semelhantes aos da primeira comunidade apostólica. (COSTE, 1980, p. 10).
O zelo apostólico é animado e fortalecido constantemente por meio da contemplação e vivência desta mística, que aparece na Igreja
6 Um só coração e uma só alma. 7 Sobre essa temática, existe um campo de pesquisas ainda aberto sobre a influência da obra de Maria d’Agreda na espiritualidade dos Padres Maristas, assim como em Marcelino Champagnat (LANFREY, 2007, p. 23; COSTE; LESSARD, 1960. Doc. 554, n. 1; LESSARD, [S.d.], p. 46).
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primitiva, nascida sob o manto de Maria: “Vamos, coragem. Olhem como os apóstolos, juntamente à Virgem Maria no Cenáculo. Aproveitem esse tempo. Aqueçam-se na casa do amor de Deus: coragem, coragem! ” (KEEL, 1993, doc. 47). Pe. Colin, ao inspirar-se em Maria e nos apóstolos como modelos da Sociedade de Maria, adverte, já desde sua fundação, sobre um dos grandes riscos do ativismo. Falando aos noviços diz: | 14 |
Nós nos entediamos sem fazer nada, porque fomos feitos para a ação, sentimos uma necessidade de agir. Mas ver a nossa Mãe depois da Ascenção do Divino Mestre, ela é chamada Regina Apostolorum. No entanto, ela parecia não fazer nada; mas por suas orações realiza muito mais do que os apóstolos pregando” (KEEL, 1993, doc. 47).
Esse modo de entender a Igreja primitiva influenciou o pensamento escatológico e pastoral da Sociedade de Maria. A missão e a evangelização devem servir à consolidação de levar adiante esse projeto nascido na Igreja primi-
tiva, e revivido novamente sob a mística do projeto de Fourvière. Marcelino Champagnat8 Marcelino Champagnat, padre Marista e fundador dos Pequenos Irmãozinhos de Maria, não escreve de forma explícita ou sistematizada sobre a expressão mariológica e escatológica coliniana. Entretanto, algumas de suas cartas revelam uma escatologia subjacente à certeza de que a Sociedade de Maria é uma obra desejada e querida por Jesus e por Maria, em tempos de crise moral e incredulidade. Escrevendo ao Monsenhor de Pins, administrador de Lyon, afirma o que segue: Jesus e Maria, é neles que espero, apesar da maldade deste século. Continuo mantendo a firme convicção de que Deus quer esta obra, apesar dos esforços mais do que diabólicos que satanás desde o princípio fez para derrubá-la. Deus quer esta obra nestes tempos de perversidade. Sempre tem sido esta minha convicção inabalável. (CHAMPAGNAT, 1997, Cartas n. 6).
Em Marcelino Champagnat, não aparece a visão universalista
8 Recomendamos sobre essa temática o trabalho do Ir. Francisco das Chagas Ribeiro (1989): A Superiora dos Maristas. Trabalho de síntese e hermenêutica dos textos de Marcelino Champagnat relacionados à Maria.
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e utópica do Padre Colin, de uma Sociedade na qual até mesmo o Papa um dia viria se tornar marista (COSTE; LESSARD, 1960, Doc. 459). Sua visão, ainda que tenha traços da universalidade do projeto marista: “Todas as dioceses do mundo entram em nossos planos [...]” (CHAMPAGNAT, Cartas, n. 93, 112, 208), encontra sua realização na cidade mística de L’Hermitage. Para ele, L’Hermitage é o protótipo do verdadeiro cenáculo. Na Circular de janeiro de 1828, inspirado pelo texto da Carta aos Gálatas (1,15) orienta seus Irmãos: “Deus nos amou desde toda a eternidade; escolheu-nos e nos separou do mundo. A Santíssima Virgem nos plantou em seu quintal, Ela tem o cuidado de que nada nos falte” (CARTAS, n.10). Em outra Circular, revela essa expressão de maneira ainda mais forte: Venham repousar e refazer as forças num lugar de paz, de silêncio e de recolhimento, venham com as mesmas
disposições que tinham os apóstolos no Cenáculo e como a multidão dos primeiros cristãos eram um só coração e uma só alma, esforçar-nos-emos por reproduzir em nossa conduta as virtudes que nos deram tão bons exemplos (CHAMPAGNAT, Cartas, n.62).
Em uma vertente menos universalista, o Ir. Balko afirma que a característica fundamental da sua visão mariana é a filialidade. A Sociedade que começa em l’Hermitage é mais simples. Nela, o papel fundamental de Maria é ser mãe, não rainha9. Sua concepção de Maria não é original; pelo contrário, fundamenta-se na piedade cristã. Maria é, acima de tudo, a Boa Mãe10, a cuidadora de Jesus e, consequentemente, de todo filho que lhe chama a casa. A atitude fundamental que nasce dessa devoção, segundo o historiador e pesquisador Marista Irmão Balko (1983), é o abandono filial à pessoa de Maria.
9 Todavia, há exceções, como o acontecido na Revolução de 1830. Diante da instabilidade política e religiosa, Champagnat mostraria uma clara evolução à Promessa realizada em Fourvière. Já não confiaria sua fundação à proteção do Rei ou da Rainha, mas diante da única realeza capaz de protegê-los, à realeza de Maria. A partir desse ano, recomendaria uma prática que seria incorporada ao Instituto: a oração da Salve Rainha (FURET, 1999, p. 321; LANFREY, 2015, p. 351). 10 Em várias cartas de Marcelino Champagnat aparece a expressão Boa Mãe. Em quase todas elas, Champagnat refere-se às situações concretas das quais uma mística profunda e filial, de alguém que para ele era pessoa concreta, real, próxima: Cf. Cartas n. 11, 23, 58, 74, 95, 109, 122, 144, 172, 249 e 278 (Cartas da edição brasileira de 1997).
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A mariologia de Marcelino Champagnat é fruto de sua época, todavia revela uma centralidade bastante atual da importância de Jesus como o verdadeiro sentido de toda devoção: “Maria não guarda nada para si. Quando a servimos, quando nos consagramos a ela, só nos recebe para oferecer-nos a Jesus. Para nos impregnar de Jesus” (FURET, 1999, p.101).
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Apesar de eclesiologias diferentes11, Champagnat e Colin concordam no essencial: o papel fundamental de Maria na fundação da Sociedade que leva o seu nome. Cada um, à sua maneira, reconhece uma forte mística marial, que marca os conturbados inícios da fundação dos Padres e dos Irmãos Maristas. Colin e Champagnat são movidos pela certeza de serem colaboradores de uma Obra, que é de Maria. Portanto, não medem esforços para realizar a sua concretização: Champagnat, em l’Hermitage, e Colin, em Belley.
A “IGREJA MARIAL” E O XXI CAPÍTULO GERAL A temática aludida pela expressão Igreja Marial dos primeiros Maristas reaparece pela primeira vez entre os documentos oficiais dos Irmãos em uma das cartas em preparação ao XXI Capítulo Geral. Trata-se da Carta Regional da Oceania, de 1 de janeiro de 2009. Nela, surge a projeção dos Maristas em face do futuro e, como argumentação, a seguinte expressão: Progressivamente, os Maristas vão constituir um movimento internacional na Igreja, com característica e espiritualidade específicas, na visão de uma “Igreja Marial”, dinâmica e audaz em prol da evangelização e da solidariedade (INSTITUTO DOS IRMÃOS MARISTAS, 2009, p. 4).
A reflexão de uma Igreja Marial surge na longínqua Oceania e nasce, segundo relatos do Irmão Antônio Estaún, por conta da proximidade espiritual partilhada,
11 À ideia original de uma Sociedade de Maria mística e utópica, compreendida por Padres, Irmãos, Irmãs e Leigos, a aprovação de Roma em 1836 equacionará apenas com o ramo dos Padres Maristas. O projeto original não será aprovado pelas autoridades romanas. Todavia, convém ressaltar que o gérmen de uma Sociedade de Maria acontece logo após a Consagração de Fourvière em duas frentes distintas: Hermitage e Belley (LANFREY, 2007).
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desde longo tempo, entre os Padres e os Irmãos Maristas dessa região. Portanto, a discussão do tema aparece de forma periférica, como uma proposição, no meio de outras reflexões das regiões que compõem o Instituto. O conceito de uma Igreja Marial, descrita na Carta Regional da Oceania, expressa-se concretamente na descentralização e na solidariedade, marcas de uma Igreja que é mãe fecunda e cuidadora, sensível às necessidades de todos, em especial daqueles que mais precisam. Uma Igreja que não seja marcada pela dominação masculina e institucional, mas que expresse a liberdade do Espírito. A inspiração e a riqueza que encerram a vivência da fé na comunidade Marista do modo como viveu Maria aparecerá literalmente na Carta do XXI Capítulo Geral: “Com Maria, ide depressa a uma nova terra”. A Igreja profética e mariana acolhe como um verdadeiro kairós a vocação do leigo marista: Reconhecemos e apoiamos a vocação do leigo marista. Acreditamos que
12 Furet (1999, p. 28)
seja um convite do Espírito a viver uma nova comunhão de irmãos e leigos maristas juntos, contribuindo para uma maior vitalidade do carisma marista e da missão no nosso mundo. Acreditamos que estamos perante um “Kairós”, uma oportunidade-chave para partilhar e viver com audácia o carisma marista, formando todos juntos uma Igreja profética e mariana (INSTITUTO DOS IRMÃOS MARISTAS, 2009, p. 3).
O sonho de uma Igreja laical, parece ser refletida no projeto pessoal de fundação dos Pequenos Irmãos de Maria, pois a valorização do laicato insere-se no projeto marista de Marcelino Champagnat. Desde o grupo dos aspirantes maristas do Seminário Maior de Lion em Fourvière, Marcelino insistia na necessidade de Irmãos leigos: “Precisamos de Irmãos!”12. Segundo o Ir. Estaún, ao subir sozinho a Fourvière, Marcelino não apenas consagra os Irmãos que deseja fundar, mas traz no seu coração todos aqueles que seriam contagiados pelo dom do Espírito Santo, que é o carisma marista na Igreja (ESTAÚN, et al., p. 45).
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Pode-se dizer que o modo de entender a Igreja, do jeito como viveu Maria, marca as origens do Instituto Marista, e é nesta perspectiva que se deve compreender a expressão Rosto Mariano da Igreja.
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Todavia, existe uma recepção institucional que vai se consolidando muito antes da publicação da Circular Deu-nos o nome de Maria. O Irmão Emili Turú escreveu uma reflexão importante na Revista FMS Mensagem, em março de 2010. No artigo, Turú resgata aquilo que chamou de presença “quase palpável de Maria entre nós” (TURÚ, 2010), relatando o clima do Capítulo Geral, por ocasião da publicação da última Circular do Irmão Séan Sammon (2009), então Superior-Geral do Instituto, Em seus braços e em seu coração”. O subtítulo dessa circular destaca como elemento fundamental o papel de Maria como fonte de renovação13 do Instituto. A percepção da presença de Maria no XXI Capítulo Geral se traduziu em questões de ordem performativa. Segundo o Irmão Emili Turú, pode-se constatar a influên-
cia naquilo que ele denominou de “diálogo mariano”, diálogo franco, aberto, descentralizado: “Sinto que nos é dirigido um forte chamado a viver no espírito desse diálogo, em todos os níveis do Instituto: pessoal e interpessoal, comunitário, provincial, interprovincial e intercongregacional” (TURÚ, 2010, p. 12). Outro elemento resgatado pelo Irmão Emili foi o profetismo na Igreja e na sociedade, através das palavras inspiradoras do Papa João Paulo II, por ocasião dos Capítulos Gerais dos Superiores da Família Marista em 2001, na cidade de Roma: “Cabe-lhes hoje manifestar de maneira original e específica a presença de Maria, na vida da Igreja e dos homens”. Irmão Emili traduz essa inspiração naquilo que chamará de “Rosto Mariano da Igreja” por meio de três inserções programáticas de grande impacto para a gestão do Instituto: 1) um novo modo ser Irmão; 2) uma nova relação entre Irmãos e Leigos; 3) uma presença fortemente significativa entre as crianças e jovens (TURÚ, 2010, p. 13).
13 Sobre a temática de Maria como fonte de renovação do Instituto, seria interessante o aprofundamento por meio da Circular Um Novo Espaço para Maria, do Irmão Basílio Rueda (1976). No capítulo II, ao tratar do Itinerário da fé da Igreja em relação ao mistério de Maria, o autor proporá como conclusão do capítulo a reflexão de Maria, exemplo e modelo da verdadeira renovação.
ROSTO MARIANO DA IGREJA: SUA HISTÓRIA E RECEPÇÃO NO INSTITUTO DOS IRMÃOS MARISTAS
UMA EVOLUÇÃO DA EXPRESSÃO IGREJA MARIANA PARA O TERMO ROSTO MARIANO DA IGREJA14
pelo autor, cujo resultado iremos desenvolver na próxima seção.15.
A partir da reflexão do Irmão Emili Turú e da repercussão do tema, tanto no Capítulo Geral como fora dele, o Irmão Antonio Estaún, na época Diretor de Comunicação do Instituto, começa a publicação de uma série de artigos na Revista Notícias Maristas, sobre o tema Rosto Mariano da Igreja.
Em que consiste o Princípio Mariano da Igreja?
No primeiro deles, datado de 20 de maio de 2010, Estaún resgata a ideia de que o termo Igreja Mariana remonta à mariologia dos Padres Maristas, e chega como reflexão ao Capítulo Geral, sendo eco das Cartas regionais da Oceania. No segundo artigo (ESTAÚN, 2010, n. 107), há um aprofundamento do termo Rosto Mariano, por forte influência dos estudos realizados em preparação ao mês de Maria na Casa-Geral. Após a leitura da obra O Princípio Mariano na Igreja, de Brendan Leahy (2005), Ir. Estaún faz uma síntese dos principais temas trabalhados
O objetivo de von Balthasar supera a intenção de oferecer Maria como um modelo a ser vivido ou seguido individualmente na Igreja. Pelo contrário, ao citar o documento conciliar Lumen Gentium, evidencia a validade do princípio mariano para toda a Igreja. Segundo ele, a identidade da Igreja oscila entre o princípio mariano e o princípio petrino (LEAHY, 2005). Ao todo, o teólogo von Balthasar fala de cinco princípios que constituem a estrutura fundamental da Igreja: os princípios petrino, paulino, joanino, jacobeu (São Tiago) e mariano – sendo que esse último compreende os anteriores. No Princípio Petrino, von Balthasar assinala a figura de Pedro, relacionando-a à proclamação do querigma e à sua realização concreta na vida cristã. O Princípio
14 O primeiro teólogo a falar em Perfil ou Princípio Mariano da Igreja foi o teólogo Hans Urs von Balthasar. Teólogo e jesuíta suíço, nasceu em 1905, em Lucerna. Foi um dos mais importantes teólogos do século XX. Grande defensor da teologia genuflexa, dizia que a verdadeira teologia era feita de joelhos, orando (BOFF, 1988, p. 142). 15 Recomendamos a leitura na íntegra dos textos apresentados na Revista Notícias Maristas, n. 105, 107, 111, 128 e 133, escritos pelo Ir. Antonio Estaún.
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Paulino está vinculado ao caráter missionário de Paulo, o apóstolo dos gentios, aquele que se tornou cristão pela graça de Deus. No Princípio Joanino, von Balthasar considera a missão de João como uma missão de unidade que continua. Sintetiza os elementos petrinos e paulinos, combinando-os com uma visão contemplativa. O Princípio Jacobeu se baseia em São Tiago, irmão do Senhor, que representa, sobretudo, a continuidade entre a Antiga e a Nova Aliança, a Tradição, a continuidade, o direito canônico. Por sua vez, o Princípio Mariano afirma que Maria é o modelo de fé para todos os membros da Igreja. Os fundamentos desse princípio se apoiam na lógica trinitária no inefável mistério de Deus, revelado em Cristo. Maria é uma explicação desse mistério de amor e é o modelo de nosso encontro com o mistério de Deus, revelado em Jesus Cristo: Pedro, na comunidade pascal e pentecostal, reconheceria, como os demais apóstolos, Maria como a Mãe
do Senhor por sua docilidade à graça e por sua resposta à vontade de Deus. Enquanto Maria, acompanhando a Igreja nascente, veria em Pedro o discípulo a quem seu Filho entregara as chaves do Reino dos céus. Para Maria, Pedro é o ponto de referência, no qual “se faz unidade” até o fim. Para Pedro, no entanto, a referência é Maria, porque ela, além de Mãe, é o devenir (futuro) de toda a Igreja. Nenhum dos dois se equivoca (ALONSO, apud ESTAÚN, 2010, n. 111, p. 2).
Daí se conclui que o perfil mariano é anterior e mais fundamental que o petrino. Isso porque é mais importante crer do que desempenhar um ministério na Igreja, pois em sua essência está o princípio mariano. Ela é o modelo, o typos do nosso encontro com o mistério de Deus revelado no seu Filho. “Em sua unicidade, ela encontra Deus de um modo que não elimina a sua história, a sua corporeidade, o seu mundo; mas antes até completa e ultrapassa os sonhos dela” (LEAHY, 2005, p. 56). Nas edições 128, 133 e 136 de
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Notícias Maristas, Ir. Estaún, tendo von Balthasar como embasamento teórico, enumera o princípio mariano da Igreja a partir de três momentos fundantes:
vez, precede a função de João. João e Maria são uma comunidade de crentes. João a recebe em sua casa como a portadora da fé, a crente fiel de Nazaré.
Anunciação (ícone do mistério): em Maria, a Mãe fiel, dá-se a continuidade à fé da Igreja. A Igreja fundada em Nazaré, no sim de Maria. O mistério da anunciação reflete uma Igreja fiel à palavra dada, Igreja fecundada pela Palavra, a qual remete à fé em que se compromete com uma oferta que somente se conhece se é certa ao final. A Anunciação inicia a escatologia que se cumprirá ao final dos tempos. Tudo isso se sucede no mistério de duas liberdades que se encontram, fiam-se e prometem fidelidade uma à outra.
Pentecostes (ícone da fecundidade), consolidação da experiência vivida em Nazaré. Nela, o Espírito Santo consolida sua obra.
Maria, a esposa (ícone de comunhão), a Igreja da cruz. Ao pé da cruz, um Leigo e uma Leiga recebem o encargo de continuação da missão Filho-Mãe. Mãe-Filho é a expressão da comunidade de fé nascida do lado aberto de Cristo. Nasce a Igreja de comunhão na vocação de Maria, que, por sua
Um dos resultados que se apresentam, mediante essa pesquisa, é a clara influência das reflexões realizadas pelo Irmão Estaún na escrita da primeira Circular do Superior-Geral Emili Turú, Deu-nos o nome de Maria. Pode-se constatar, nos textos publicados em Notícias Maristas, pelo Irmão Estáun, uma proximidade conceitual a partir da hermenêutica fundada no conceito de perfil mariano da Igreja, tendo como base o pensamento de von Balthasar. O ROSTO MARIANO NA CIRCULAR DEU-NOS O NOME DE MARIA A primeira Circular do governo do Irmão Emili Turú (2012) reflete e aprofunda uma série
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de assuntos que apareceram de forma intensa no XXI Capítulo Geral. Ao escrever uma Circular que aprofunda a expressão Rosto Mariano da Igreja, Turú insere na linha do magistério dos demais Superiores-Gerais um novo tema na reflexão do Instituto Marista. É necessário destacar que o conceito de Rosto Mariano da Igreja trabalhado por Estaún e também por Turú difere do conceito Igreja Mariana dos Padres Maristas. Os autores inserem-se em uma renovada maneira de conceber o papel de Maria e do Instituto Marista na Igreja. Chamados a construir o Rosto Mariano da Igreja Quem primeiro utilizou a expressão perfil mariano na história da Igreja foi o teólogo jesuíta Hans Urs von Balthasar. Falar de um rosto mariano da Igreja corresponde a fazer uma experiência, assim como Maria, de crente e membro da comunidade cristã, no mistério único no qual Cristo é o único ponto de convergência. Todavia, para melhor entender essa expressão, a Circular apresen-
ta, na mesma linha de Estaún, a diferenciação entre os princípios ou arquétipos que constroem a face da Igreja. São eles: a experiência de Pedro com o aporte de sua convicção na ressurreição do Senhor (querigma); a experiência carismática da vida de Paulo; a experiência mística da visão joanina; por fim, a experiência da Mãe do Senhor. O Sonho de uma Igreja Renovada O Irmão Emili Turú faz uma leitura do evento fundante de Fourvière a partir do prisma de uma Igreja renovada. Vê no desejo de Colin a necessidade de uma profunda renovação da Igreja. Colin fala em reiniciar uma nova Igreja: “A Sociedade deve recomeçar uma nova Igreja de novo. Não quero dizer isso em sentido literal, o que seria uma blasfêmia. Mas ainda, em certo sentido, sim, nós devemos começar uma nova Igreja” (COSTE, 1980, p.15). Champagnat, por sua vez, pensa de maneira mais prática, na necessidade de uma Igreja não
ROSTO MARIANO DA IGREJA: SUA HISTÓRIA E RECEPÇÃO NO INSTITUTO DOS IRMÃOS MARISTAS
hierarquizada: “Precisamos de Irmãos”. Pela valorização do Irmão leigo, Champagnat prioriza uma ação que tem na educação o seu verdadeiro apostolado. Acredita que, por meio da educação da fé, através do ensino do catecismo à criança, o Religioso Irmão compartilha de um ministério tão sublime quanto dos Apóstolos. Ao atualizar o apostolado marista para os dias atuais, o Irmão Emili, baseando-se na teologia de von Balthasar, oferece três ícones para a renovação da Igreja. Três ícones fundamentais para a renovação da Igreja a) Ícone da Visitação: Igreja do Avental O serviço é a principal vocação do Instituto Marista. É pelo serviço prestado à Igreja, à sociedade e, sobretudo, às crianças e aos jovens pobres que o Instituto pretende ser uma presença evangelizadora na sociedade (TURÚ, 2012, p. 51). “Trata-se de uma liderança mariana compartilhada desde baixo, não com respostas pré-fabricadas, mas com escuta atenta, com a ati-
tude de Maria, que sabe deixar-se interpelar por Deus e pelos demais” (TURÚ, 2012, p. 53). b) Ícone de Pentecostes: a fonte da aldeia “A Igreja Católica não é um museu de arqueologia. É a antiga fonte da aldeia que dá água às gerações de hoje, como deu no passado” (TURÚ, 2012, p. 55). O segundo ícone que marca a Circular é o de Pentecostes, ícone da comunidade que nos lembra a fraternidade, movimento fundamental da vida religiosa e também da vida batismal. O ícone de Pentecostes revela uma Igreja que tem um coração materno, que não abandona nenhum dos seus filhos, mas que perdoa sem hesitação. A imagem legada por Champagnat ao Instituto, a Boa Mãe, é ressignificada nos dias de hoje pelos sentidos de fraternidade, dedicação e abnegação a serviço dos demais (TURÚ, 2012, p. 61). c) Ícone da Anunciação: a beleza salvará o mundo O terceiro ícone nos remete à beleza. Segundo von Balthasar, “a primeira coisa que captamos do
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mistério de Deus não costuma ser a verdade, mas a beleza” (TURÚ, 2012, p. 65). Essa dimensão nos remete à espiritualidade, àquilo que é o mais profundo em nosso ser. O caminho que Maria nos ensina é o do abandono, como do menino no colo de sua mãe. Ao caminho da mística marista apresenta-se o conselho de Bento XVI: “Sede sempre buscadores e testemunhas apaixonadas de Deus!” (TURÚ, 2012, p. 71). Uma aurora que já começa despontar | 24 |
A Circular Deu-nos o nome de Maria na verdade parece não oferecer uma conclusão; pelo contrário, aponta para o horizonte do Bicentenário do Instituto Marista e, a partir dele, expressa o que deseja para a Igreja e para o Instituto nos próximos anos. Se observarmos com atenção o depoimento de Marina, Leiga italiana que finaliza os anseios de todos os Maristas de Champagnat, podemos dizer, com muita alegria que, na pessoa de Francisco, e com sua renovação na vida eclesial, esse desejo expresso por ela, e assumido pelo Ir. Emili na Circular, já está acontecendo:
Uma Igreja de rosto mariano [...] é uma Igreja capaz de acolher, sempre e de modo incondicional. Uma Igreja que sorri, partilha e enxuga as lágrimas. Uma Igreja que oferece ternura e vive a misericórdia. Uma Igreja que perdoa. Uma Igreja que ama com os olhos e com o coração. Uma Igreja que leva ao encontro e ao abraço totalizante com Jesus (TURÚ, 2012, p.77).
O Magistério da Igreja e o perfil mariano da Igreja Após a reflexão de alguns termos centrais na compreensão da Circular Deu-nos o nome de Maria, podemos confirmar que aquilo que entra no Instituto Marista como uma intuição carismática é confirmado pela Instituição por meio do Magistério da Igreja. No ano de 1985, o então Cardeal Joseph Ratzinger, na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, pronunciou uma homilia, por ocasião do centenário de nascimento do Padre Kentenich, aos membros do Movimento de Schoenstatt. O discurso, pela sua riquíssima teologia, tornou-se um marco
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na reflexão do perfil mariano da Igreja. Com o título Sua Mãe como nossa Mãe, Ratzinger realiza uma catequese marial que identifica, na pessoa de Maria, a personalização da aliança que Deus estabelece com a humanidade no momento da Encarnação. A Igreja nasce, segundo Ratzinger, nas palavras de Cristo na cruz (“Mulher, eis aí teu filho”) e ao discípulo (“Eis aí a tua mãe”): Estas palavras são o ato de fundação da Igreja, ou melhor, digamos que é uma das fundamentais representações do ato no qual Jesus fundou a Igreja e com isso selou a aliança. Aqui se faz visível o que significa Igreja e o modo como Deus sela sua aliança, a nova aliança conosco (RATZINGER, 1985, p.01).
No sim de Maria ecoa, de acordo com o Cardeal, o sim de toda a Igreja. O sim dito na Anunciação e agora renovado ao pé da cruz: É um Sim, e n’Ele o sim de todos os filhos e filhas através de toda história. É um Sim para todos os tempos e para ser requerido por Ele. Neste
sim de Maria estendido em toda a história repousa a Igreja. E o inverso: a Igreja é fundada pelo Senhor por meio do fato de que és mãe aos discípulos. Assim surge a Igreja. Nos dá uma mãe, sua Mãe. A partir desse fato compreendemos na realidade o que é a Igreja. A Igreja é isto: [...]. Por ela nós podemos ter sua Mãe como nossa mãe e dessa forma podemos pertencer a Ele. Por ela somos formados como uma criança por sua mãe, nos deixamos modelar e formar para chegar a ser nós mesmos marianos, e ser assim a Igreja uma, a Esposa do Cordeiro (RATZINGER, 1985, p.02).
Ao fazer a escolha de uma eclesiologia que priorize o Rosto Mariano da Igreja, o Instituto Marista se fundamenta na reflexão do Magistério que acentua o principal aspecto vivenciado por São Marcelino Champagnat: a maternidade de Maria. A Virgem é, antes de tudo, a Mãe da Igreja, a Mãe de todos os discípulos que são gerados constantemente no seu seio, o seio da Igreja. Esse movimento de vinculação à Maria como Mãe da Igreja
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é inaugurado pelo Papa Paulo VI em seção plenária do Concílio e posteriormente resgatado com a sua Exortação Apostólica Marialis Cultus, ao afirmar: “Deste modo, o amor pela Igreja traduzir-se-á em amor para com Maria, e vice-versa, pois uma não pode subsistir sem a outra” [...] (PAULO VI, 1974, p. 13). Todos os Papas que o sucederam caminharam na evolução do papel de Maria frente à Igreja. Papa João Paulo II | 26 |
O Papa João Paulo II destaca, na encíclica Redemptoris Mater, a relação sublime e fundamental da maternidade de Maria em correlação com a maternidade da Igreja. Ao dar Maria como mãe ao discípulo na cruz, Cristo a oferece como um dom do Espírito Santo a cada discípulo, a cada cristão: “A dimensão mariana da vida de um discípulo de Cristo exprime-se, de modo especial, precisamente mediante essa entrega filial em relação à Mãe de Cristo [...]” (JOÃO PAULO II, 1987, p. 39). Por ocasião do Ano Mariano de 1987, João Paulo II assume no
Magistério da Igreja, por meio da influência do teólogo von Balthasar, a importância de se reconhecer a dimensão intrínseca de Cristo e Maria em sua relação com a Igreja. Tendo Maria como seu arquétipo, a Igreja vive um autêntico perfil ou dimensão mariana. Nas palavras do Papa João Paulo: “Este perfil mariano é igualmente, se não mais, importante e característico para a Igreja que o perfil apostólico e petrino, que estão profundamente unidos” (JOÃO PAULO II, 1987). No Catecismo da Igreja Católica, promulgado no ano de 1992, a expressão dimensão mariana encontrará o seu lugar no ensino oficial da Doutrina católica. Assim afirma o Catecismo: A santidade é a medida segundo o grande mistério, em que a Esposa responde com o dom do amor ao dom do Esposo. Maria nos precede a todos na santidade que é o mistério da Igreja como “a Esposa sem mancha e sem ruga” (Ef 5, 27). Por isso a dimensão marial da Igreja antecede a sua missão petrina” (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n. 773).
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Papa Bento XVI
Papa Francisco16
Na homilia da missa, em comemoração ao 40º aniversário de encerramento do Concílio Vaticano II, o Papa Bento XVI recorda o evento a partir de uma “moldura mariana”. Recordando o discurso de Paulo VI, reafirma Maria como a mãe da Igreja: “Maria não se coloca somente em uma relação singular com Cristo, o Filho de Deus que, como homem, quis tornar-se seu filho. Permanecendo totalmente unida a Cristo, Ela pertence também de modo integral a nós” (BENTO XVI, 2005, p. 2). Numa hermenêutica marial a respeito do Concílio, afirma:
Na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, o Papa Francisco oferece um programa de governo para a Igreja. Na introdução desse documento, salienta que essa exortação é programática, ou seja, contém em germe os rumos para a caminhada da Igreja nos próximos anos. Na linha de uma renovação pós-conciliar, Francisco propõe uma Igreja em missão, uma Igreja em saída, uma Igreja servidora. E reconhece, nesse estilo, o estilo mariano da Igreja:
O Concílio queria dizer-nos isto: Maria está tão entrelaçada no grande mistério da Igreja, que ela e a Igreja são inseparáveis, da mesma forma que ela e Cristo são inseparáveis. Maria reflete a Igreja, antecipa-a na sua pessoa e, em todas as turbulências que afligem a Igreja sofredora e fatigante, permanece sempre a sua estrela da salvação (idem, p.3)
Há um estilo mariano na atividade evangelizadora da Igreja. Porque sempre que olhamos para Maria, voltamos a acreditar na força revolucionária da ternura e do afeto. N’Ela, vemos que a humildade e a ternura não são virtudes dos fracos, mas dos fortes, que não precisam maltratar os outros para sentirem-se importantes (FRANCISCO, 2013, p.227).
16 O Documento de Aparecida, redigido sob a presidência do então Cardeal Bergoglio, traz, no n. 268, uma belíssima contribuição da Igreja da América Latina e Caribe sobre a visão mariana da Igreja: “Como na família humana, a Igreja-família é gerada ao redor de uma mãe, que confere “alma” e ternura à convivência familiar. Maria, Mãe da Igreja, além de modelo e paradigma da humanidade, é artífice de comunhão. Um dos eventos fundamentais da Igreja é quando o “sim” brotou de Maria. Ela atrai multidões à comunhão com Jesus e a sua Igreja, como experimentamos muitas vezes nos santuários marianos. Por isso, como a Virgem Maria, a Igreja é mãe. Esta visão mariana da Igreja é o melhor remédio para uma Igreja meramente funcional e burocrática” (CELAM, 2008, p. 124-125).
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O Magistério de Francisco pode ser lido em uma perspectiva muito mais mariana que petrina. Em suas catequeses e documentos oficiais, insiste em uma Igreja que é, acima de tudo, mãe. Na celebração do 50º aniversário do Concílio Vaticano II, ao conclamar o Ano Santo Extraordinário da Misericórdia, recorda as palavras do Papa João XXIII: “A Igreja Católica, levantando por meio deste Concílio Ecumênico o facho da verdade religiosa, deseja mostrar-se mãe amorosa de todos, benigna, paciente, cheia de misericórdia [...]” (FRANCISCO, 2015, p. 6).
chama acesa de uma Igreja de rosto mariano continua iluminando os caminhos e as escolhas do Instituto para os próximos anos.
O Rosto Mariano da Igreja e a Renovação do Instituto Marista
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Irmão Emili Turú fez da expressão Rosto Mariano da Igreja uma inspiração carismática para sua ação programática de governo. As escolhas do seu mandato como Superior-Geral dão continuidade ao movimento de Renovação já outrora vivenciado no XXI Capítulo Geral. Suas recentes Cartas Montagne: a dança da Missão e Fourvière: a revolução da Ternura revelam que a
A recente Carta do Ano Fourvière ressalta o chamamento a sermos uma Igreja de rosto mariano, uma Igreja samaritana, em suma, uma Igreja misericordiosa (TURÚ, 2016). Em profunda sintonia com o magistério do Papa Francisco, o Irmão Emili traça, em comunhão com todo o Instituto, um novo modo de viver a fraternidade e ser sinal da presença de Deus no mundo.
A presente pesquisa teve como objetivo analisar historicamente a recepção no Instituto dos Irmãos Maristas da expressão Rosto Mariano da Igreja. Tentou responder ao problema de fundo que guiou a escrita desse artigo, a saber, qual o impacto pastoral dessa expressão, na recente história do Instituto Marista. Para isso, procurou desenvolver a hipótese de que há uma evolução não apenas na Ma-
ROSTO MARIANO DA IGREJA: SUA HISTÓRIA E RECEPÇÃO NO INSTITUTO DOS IRMÃOS MARISTAS
riologia do Instituto, mas, acima de tudo, na eclesiologia adotada a partir do processo de renovação do Concílio Vaticano II. Essa evolução manifesta-se nesta pesquisa, a partir de quatro resultados que agora são compartilhados: Em primeiro lugar, pôde-se perceber uma intuição, ou mística mariana originária, que perpassa desde o projeto de Fourvière, pelos aspirantes Maristas, à fundação dos Pequenos Irmãos de Maria, por Marcelino Champagnat. Todavia, se há semelhança na mística mariana, a realização dos projetos de fundação (Padres e Irmãos Maristas) seguem eclesiologias bastante diferentes. O surgimento da expressão Igreja Mariana e Rosto Mariano da Igreja refletem um posicionamento eclesiológico, iniciado com o projeto de Renovação do Concílio Vaticano II. No Instituto Marista, esse processo foi catalisado pela figura de Maria, ícone da identida-
de do Instituto, e modelo seguro de renovação do mesmo. Outro resultado relevante da pesquisa foi a confirmação de que a expressão Rosto Mariano da Igreja possui vasta sustentação teológica e magisterial. Pôde-se ver uma evolução constante da percepção de Maria no processo de renovação da Igreja. Por fim, percebe-se que a expressão Rosto Mariano da Igreja, parece ser adotada muito mais como uma forma de animação pastoral do Instituto, do que como reflexão sistematizada e aprofundada em seus documentos. Os limites dessa pesquisa encontram-se justamente no fato de não se ter uma reflexão sistemática sobre o tema. Por isso, constitui-se campo amplo de trabalho para outros pesquisadores aprofundarem a reflexão sobre a renovação do Instituto, bem como o papel de Maria, na configuração e escolhas pastorais dessa renovação.
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17 Por “Nova Igreja” devemos entender o movimento dos primeiros Maristas (sobretudo, Colin) na renovação eclesiológica do jeito de Maria.
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A VIVÊNCIA DOS VALORES INSTITUCIONAIS: PERCEPÇÃO DESVELADA DO SER MARISTA
A VIVÊNCIA DOS VALORES INSTITUCIONAIS: PERCEPÇÃO DESVELADA DO SER MARISTA
Simone Engler Hahn18
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo apresentar um olhar acerca da evidência dos Valores Institucionais no cotidiano de três colégios da Rede Marista. A percepção dos valores: Audácia, Simplicidade, Solidariedade, Amor ao Trabalho, Espiritualidade, Espirito de Família e Presença deu-se a partir de entrevistas realizadas com os Diretores dessas Instituições de Ensino. Esse artigo reconhece, no seu processo, o quanto o Diretor necessita ser o guardião da Filosofia Marista. Buscou-se, também, por meio de estudo das Cartas de Marcelino Champagnat, identificar situações em que Marcelino posiciona-se como inspirador dos Sete Valores.
PALAVRAS-CHAVE: Audácia. Simplicidade. Solidariedade. Amor ao Trabalho. Espiritualidade. Espírito de Família e Presença.
18 Possui graduação em Pedagogia - Orientação Educacional pela Faculdade de Filosofia Nossa Senhora da Conceição/ FAFIMC (1992). Especialização em Psicopedagogia Clinica (1994) e Psicologia Escolar (1997) ambas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul/ PUCRS. Mestrado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul/PUCRS (2014). Tem experiência na área de Educação, atuando principalmente na Gestão de Colégios. No período de 2010 a 2012 exerceu o cargo de Gerente Educacional da Rede de Colégios Maristas do Rio Grande do Sul e Brasília. Atualmente é diretora do Colégio Marista Champagnat em Porto Alegre.
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INTRODUÇÃO Os valores institucionais constituem um ideário coletivo, direcionado para o atendimento das prioridades que sustentam a Missão Educativa Marista. Neles é reafirmada a herança educativa deixada por seu fundador, São Marcelino Champagnat, que se atualiza diante das necessidades e experiências dos novos tempos.
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O legado de São Marcelino Champagnat, hoje presente em 82 países, necessita considerar sua realidade internacional. A missão encontra contextos singulares e multiculturais, por isso se faz necessária a leitura atenta desses cenários. As Províncias produzem seus próprios documentos, balizados sob os elementos constitutivos da missão, tendo como referência os documentos do Instituto Marista, porém atentos às demandas educativas nos diferentes espaços nos quais atuam, respeitando e acolhendo a diversidade. A Província Marista Brasil Sul-Amazônia atua fortemente na educação, contribuindo com o
desenvolvimento do Rio Grande do Sul, estado onde a Província atua por mais de um século. É uma instituição que traz em si um importante patrimônio religioso, educacional, cultural e material. Seus empreendimentos dirigem seus esforços para a realização da missão Marista. Os contextos contemporâneos exigem abordagens atualizadas diante dos cenários que se apresentam tanto nos aspectos sociais, culturais, ambientais, políticos, econômicos e tecnológicos. A Província Marista do Rio Grande do Sul/PMRS, antiga denominação da Província Marista Sul-Amazônia, no Triênio Provincial de 2010/2012, tendo como desafio implantar um novo modelo de governança, na busca de enfrentar os desafios da contemporaneidade, dá grande visibilidade a Sete Valores Institucionais que devem sustentar e dar identidade a sua missão. Importante trazer presente que seu Fundador, São Marcelino Champagnat, homem de visão, esteve à frente de seu tempo. Os
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Irmãos Maristas que deram continuidade a esse legado também foram protagonistas e reconhecidos pela sua vanguarda. Hoje, Irmãos e leigos, atores da Missão Marista, encontram-se diante de um mundo complexo e ambivalente, fazendo-se necessário construir novas formas de interagir nos diversos contextos para evangelizar crianças e jovens por meio da educação. A razão de ser de uma Escola Marista é cumprir com o legado de São Marcelino Champagnat. Esse propósito, que perpassa toda proposta educacional, firma-se por um posicionamento diferenciado, sendo sustentado por sua identidade Institucional. Ao falar em Identidade Marista, trago presente o posicionamento do Irmão Emili Turú, Superior Geral dos Irmãos Maristas que, em encontro das IES Maristas, realizado em Porto Alegre, 2010, ao se referir a um dos protagonistas da obra “A tempestade”, de Shakespeare, recorda que “somos feitos do mesmo material que tecemos nossos sonhos”, “somos o que sonhamos ser”
e ao definir identidade diz que “Nossa identidade se define mais pelos nossos projetos que por nossas realizações, mais por nossos sonhos do que por nossas realidades” (ROMERO RODRIGUES, SJ apud TURÚ, 2010, p. 393). Assim, para Turú, “Falar sobre identidade marista é falar sobre a missão que nos define: Tornar Jesus Cristo conhecido, amado e seguido, especialmente junto às nossas crianças, adolescentes e jovens pobres” (TURÚ, 2010, p. 393). A escola é para o Instituto Marista espaço de evangelização e promoção humana, lugar propício para o cumprimento da missão. O XXI Capítulo Geral, Assembleia Superior do Instituto Marista (2009), destaca a necessidade de uma educação crítica com uma nova pedagogia, atualizada tecnologicamente. Ressalta que os projetos educativos abordem temas relativos à questão ambiental e à paz e que a escola Marista esteja aberta para trabalhar com crianças, adolescentes e jovens de diferentes contextos e novos arranjos familiares.
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O documento das Diretrizes da Ação Evangelizadora da PMRS nos orienta para responsabilidade de atualizar o carisma (Nº 9, p. 18.2010/2017): A missão de atualizar o carisma requer que estejamos atentos aos sinais dos tempos, buscando compreender os apelos do Espírito Santo em nossos dias, adaptando nossas metodologias, nossa forma de nos aproximar de crianças e jovens, procurando responder aos desafios da missão de evangelizar pela educação. | 40 |
Reconhecendo a educação marista como promotora de vida, precisamos afirmar e trabalhar em prol de uma educação de qualidade que promova os direitos das nossas infâncias e juventudes; desenvolva a cidadania e seja capaz de transformar sua realidade. Uma formação humano-científica que potencialize os resultados acadêmicos, articule cultura, conhecimento, protagonismo e desenvolvimento da subjetividade de todos os sujeitos do processo educativo.
Olhando para a realidade das escolas estudadas, os gestores maristas foram convidados a refletir sobre os Sete Valores Institucionais que orientam suas ações, reconhecendo sua evidência no ambiente educacional. Ao analisar sua unidade e revisitar sua forma de atuação e condução dos processos administrativos, pedagógicos e pastorais, os gestores fizeram um significativo percurso de imersão nos valores que os identificam e do quanto são perceptíveis nas ações das unidades em que atuam. Segue a análise de cada Valor Institucional, tendo como base os pressupostos da violeta marista. Violeta, flor simples, preferida de São Marcelino Champagnat, símbolo que carrega e traduz a identidade do Instituto Marista. Cumpre ressaltar que a violeta, assim apresentada, passa a fazer parte das obras maristas a partir do ano de 2010, como necessidade, entendida pelo Provincial e seu conselho, de fortalecer a identidade Institucional na então PMRS.
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cumprindo com a missão de evangelizar por meio da educação.
AUDÁCIA “Agimos com espírito empreendedor, atentos aos sinais dos tempos, tomando quando necessárias decisões inéditas e corajosas para enfrentar o novo, explorando novas possibilidades e promover mudanças”
São Marcelino Champagnat foi um homem audacioso, com o olhar no futuro. Desde os primórdios do Instituto Marista dizia: “Todas as dioceses do mundo estão em meus planos”. Tinha um espírito empreendedor, enfrentava com coragem os desafios do seu tempo. Exemplo disso é que o Instituto dos Irmãos Maristas hoje é uma feliz materialização do sonho do seu fundador presente em mais de 82 países do mundo,
Esse princípio da audácia, tão fortemente marcado por seu fundador, hoje se manifesta na gestão dos empreendimentos maristas. Para os gestores dos Colégios investigados, a ousadia está em aceitar e assumir os desafios que se apresentam sem saber exatamente que trajetória seguir. É ser empreendedor, buscar sempre construções coletivas, tendo a coragem de explorar o novo que se apresenta. É preciso muita audácia para promover a transformação, diz o Gestor 2: “É não dizer “não” antes de viver a experiência da nossa formação. As novas leituras (por meio de indicadores) da nossa realidade trouxeram mudanças para nossa escola, tanto é que ela é preferência do público externo, como escola de qualidade. Hoje ocupamos a maior fatia do mercado educacional particular da nossa cidade.” Estarmos atentos aos sinais dos tempos, observar o cenário educacional
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local e global e enxergar longe é uma evidência desse valor: “Planejar o Colégio (Planejamento Estratégico do Colégio 2012/2022) até 2022, é uma façanha para a gente” (Gestor 3).
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O princípio da Audácia está no olhar atento para o futuro, de querer crescer, ser melhor, não somente em números, mas no valor da proposta pedagógica, na busca constante de melhorias do serviço que é oferecido à comunidade. A preocupação com a qualidade da proposta educacional é perceptível nas falas dos Gestores. Planejar, antecipar riscos, ficar atento aos movimentos de mercado e tendências são ofícios dos Gestores maristas buscando a perenidade da Instituição. Essa percepção e cuidado se manifestam na fala do Gestor 3: “Se não planejarmos, vamos para traz, morremos, porque o mercado exige projeção e nossos concorrentes estão se projetando!” Nessa fala, o Gestor revela sua preocupação com o futuro da Instituição, percebendo ser necessário, de fato, antecipar o
futuro para não perder espaço no cenário educacional competitivo. Não há escola de alta performance sem gestão de alta performance. O Projeto Educativo (2010, p.77) chama a atenção para o perfil do gestor a fim de enfrentar os desafios da contemporaneidade: O gestor é um empreendedor que conhece as questões internas da Instituição, está atento aos cenários e desafios externos e tem o compromisso de garantir a perenidade, sustentabilidade e vitalidade da Missão Educativa marista na escola.
Marcelino Champagnat demonstrava preocupação com a perenidade da Instituição, já naquela época desenhava o perfil do gestor que deveria assumir a casa mãe em sua ausência. Deixa claro na carta 56 enviada a Dom Gastan de Pins (p. 134): Falta-nos alguém que supervisione, que anime e tome a direção geral da casa em minha ausência, que atenda aos que vêm e vão: que goste e sinta a importância e as vantagens de
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estar no cargo, um diretor piedoso, preparado, experimentado, prudente, firme e constante.
Manter foco na centralidade da missão era a preocupação do fundador e hoje permeia as falas dos entrevistados, enfatizando a razão de existir de uma escola que carrega a marca marista: “Temos que fortalecer a audácia naquilo que é central da nossa missão: Evangelizar criança e jovens, por meio da educação, do mundo de hoje, para essa realidade em que vivemos” (Gestor 1). A Audácia é um princípio vital para a Instituição. Aceitar e enfrentar os desafios da contemporaneidade, estar atento aos sinais dos tempos, promover com coragem as mudanças necessárias com foco na Missão passou a ser imprescindível para manter e prospectar a obra marista. Nas falas dos Gestores, fica evidente uma preocupação com a manutenção da obra marista, no sentido de empreender esforços
na busca de qualificar os processos e inovar em suas práticas, ousando manter as escolas atrativas para fazer frente à competitividade do cenário educacional atual, cumprindo com a missão de evangelizar por meio da educação. PRESENÇA “Buscamos criar um clima de harmonia, cuidado e respeito, por meio da presença atenta e disponível nos ambientes onde se desenvolve nossa missão. Como um elemento importante da pedagogia marista, empenhamo-nos em estar próximos das pessoas, cultivando uma relação de confiança.”
O princípio da Presença é um valor especial para os Irmãos Maristas. Essa forma de “estar presente” entre os públicos que circulam no espaço-tempo escolar, a aproximação e o acolhimento, distinguem as Escolas Maristas das demais. Em tempos idos, nos quais somente os Irmãos atuavam nas escolas, não existia sala dos professores. Os intervalos eram vividos entre a meninada. Um clima harmonioso
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se formava com conversas e brincadeiras, falando de esporte e de outros assuntos do cotidiano.
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A Presença Marista faz parte da herança educativa deixada por seu fundador. Nessa presença, expressa-se a pedagogia do exemplo e se enfatiza a importância desse modelo de coerência entre crianças e jovens. A pedagogia da Presença tende a criar um ambiente harmonioso, cultivando como premissa o cuidado com as pessoas. Revela-se nos mais diversos momentos, de uma forma atenta e disponível, estimulando relações saudáveis. Na percepção do gestor 1: “A Presença Marista é estar com eles, no meio deles. É uma presença preventiva e os estudantes gostam”, diz ainda: “Hoje vejo os auxiliares de pátio no meio da meninada, nos corredores, no sentido de estar presente, harmonizando o ambiente. Pra mim, eles representam os irmãos de antigamente no meio dos estudantes”. Essa mesma aproximação acontece com os professores. “É comum ver professores rodeados de estu-
dantes, em conversas informais e descontraídos” (Gestor 1). Essa presença tão marcante nos espaços do Colégio encontra eco no documento Missão Educativo Marista (1998 nº 99) e, ao falar da presença marista entre os estudantes, assim se posiciona: Educamos, sobretudo, sendo presença junto às crianças e aos jovens, demonstrando-lhes que nos preocupamos com eles e estamos atentos às suas necessidades. Dedicamos nosso tempo, além das relações meramente profissionais, buscando conhecer cada um pessoalmente. Individualmente, e como grupo de educadores, estabelecemos com eles um relacionamento baseado no amor, que cria um clima favorável à aprendizagem, à educação dos valores e ao seu desenvolvimento pessoal.
A presença citada no documento acima é revelada na proximidade, na forma de acolher, que torna mais simples as relações dentro da escola. “O Diretor, não é um Diretor de gabinete, procura estar junto dos estudan-
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tes, acompanhando recreios, entradas e saídas das turmas. Na minha Escola, a presença começa na portaria, com um Irmão acolhendo estudantes e famílias” (Gestor 3). “Eu gosto de circular nos recreios, nesses momentos enxergo situações de relacionamento ou até situações de isolamento dos estudantes, imediatamente faço os encaminhamentos necessários”, diz o Gestor 2. Percebe-se pelas falas dos Gestores esse processo de acolhida, de estar presente entre os públicos, como natural, enraizado na forma de fazer a gestão. Manifesta-se como um olhar cuidador com a comunidade educativa. Tamanha relevância tem o valor da presença na obra marista, que Antônio Martiínez Estaún, em seu livro intitulado “Pedagogia da Presença Marista” (2014, p.8) reforça o compromisso dos gestores no sentido de evidenciar esse Valor Institucional e de revelar o quanto ele significa para o Instituto:
Esse interesse merece o esforço para proporcionar aos educadores das obras educativas maristas uma visão, a mais completa possível, do alcance que teve na tradição pedagógica marista o enunciado de pedagogia da presença.
Os entrevistados são unânimes em dizer que percebem esse bom clima de aproximação também nas salas de aulas, com pais e funcionários, embora o Gestor 2 tenha revelado que em sua comunidade educativa o valor da presença, de um modo geral, precisa ser intensificado. A presença qualificada entre crianças e jovens adota um sentido especial no ambiente educacional, criando relações de confiança para que a educação possa fluir em todos os espaços e tempos escolares. Pe. Champagnat deixa claro o quanto essa Presença é educativa. O professor é exemplo para seus estudantes. Na carta 14, p.49, dirigida ao Irmão Barthélemy diz:
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Fiquei muito satisfeito de receber notícias suas. Fico satisfeito de saber que vocês estão de boa saúde. Sei também que estão com muitos alunos e que, portanto, terão muitas cópias de suas virtudes, pois é seguindo esses modelos que seus alunos se formam. De acordo com os exemplos que vocês derem é que eles vão pautar o comportamento deles.
los a viverem as virtudes marianas, estando intimamente ligados ao ser e ao agir. Esse jeito simples de viver é compreendido nas palavras de Norbeto Francisco Rauch, in memoriun, Reitor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, PUCRS no período de 1978 a 2004, quando escreve em Mística Marista (1979, p.20):
De uma forma muito especial, a Presença é perceptível nas falas dos entrevistados como um diferencial, um jeito de ser marista que marca as relações que se estabelecem no cotidiano da escola.
[...] humildade e simplicidade transparecem no agir discreto, nas atitudes exteriores, segundo a justa medida, o justo ‘modus’, ou seja, a modéstia. Esses valores de simplicidade, humildade e modéstia devem ser testemunhados em nossas instituições, revelando o ‘Jeito Marista de Ser’.
SIMPLICIDADE “Adotamos um estilo de vida simples em nível pessoal e institucional. Procuramos ser autênticos, reconhecendo nossas potencialidades e limitações. Tratamos a todos com respeito, suscitando o que há de melhor em seus corações”.
A simplicidade marista, para o gestor 2, “Não é apenas uma virtude que está no papel, é a expressão do nosso jeito de fazer, está presente no cotidiano da escola e se manifesta na forma de tratar as pessoas, na acolhida, demonstrando respeito e carinho.
A simplicidade é considerada um valor que identifica o Instituto Marista. A devoção de São Marcelino Champagnat à Nossa Senhora inspirou o fundador e seus discípu-
O Gestor 1 complementa a fala do colega: “Precisa estar presente nos pequenos gestos de acolhida, de estar junto sem soberba e na forma como nos comunicamos com as pessoas, ser simples
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nos dias de hoje é não ser complicado com os outros, não complicar a vida, ser alguém maleável, que se mostra como é, busca a verdade, procura ser justo.” Nosso fundador São Marcelino Champagnat foi exemplo de vida simples, suas cartas revelam a forma como tratava as pessoas e o quanto era simples seu modo de viver. Na carta número 195 (p. 413), dirigida ao Irmão François, fica explícito seu modo de viver: Tome todo o cuidado possível com esses objetos que você recebeu, devidamente encaixotados. Eu não gostaria que o Irmão Stanislas instalasse logo o lustre que lhe enviei. Penso que é bonito demais para nós; mas, deixemos este caso para depois, quando decidirmos em conjunto.
Os Gestores demonstraram ter clareza do quanto a simplicidade e a transparência facilitam a construção de relações saudáveis no ambiente escolar. Segue a fala do Gestor 3, apresentando esse valor já incorporado ao dia a dia do colégio.
“A simplicidade aparece no convívio, não existe disputa, ninguém pisa no outro, tudo é muito simples, até o próprio vestir, o exterior da simplicidade aparece nisso. Os projetos da escola têm muita qualidade, são apreciados pelos pais, mas não têm ostentação. Nossos estudantes também não são de ostentar. Nosso colégio tem 85 anos, esse valor vem sendo cultivado de muito tempo. É uma semente que está sendo semeada desde o início, não somos uma escola que dá valor aos engravatados. Tratamos todos iguais, vem da tradição marista”. Os Gestores percebem também que para manter bom clima são necessários investimentos constantes por parte da Direção, o que fica explícito no plano de formação das três escolas investigadas. Os valores referentes à filosofia Marista são trabalhados e retomados constantemente, porém a evidência desse princípio na comunidade torna-se um desafio: “É necessário entender que essa virtude cada pessoa carrega consigo, traz da sua formação, nos valores cultivados na família” (Gestor 1).
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Esse estilo de vida simples, remete a um clima de família, no qual as situações são encaminhadas pelos Gestores com tranquilidade e transparência. ESPÍRITO DE FAMÍLIA
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“Afirmamos nossa pertença a uma família onde irradia o amor, a entreajuda e a alegria. Buscamos estabelecer um ambiente de aconchego e proximidade. Acolhemos o pluralismo e a diversidade, aceitamo-nos diferentes e complementares. Colocamos os interesses comuns acima dos pessoais”.
As escolas, nas quais o estudo foi realizado, buscam estabelecer um clima de proximidade e de acolhimento entre as pessoas. O espírito de família se manifesta na construção de afeto e entreajuda, procuram acolher todos em suas diferenças: “É enxergar a necessidade do outro, seja de que ordem for e buscar intervir para ajudar. É sentir-se apoiado nas horas boas e ruins” (Gestor 2).
Marcelino Champagnat, na Carta 4, p.118, dirigida ao Irmão Antonine demonstrava claramente o quanto o cuidado com os Irmãos era ancorado no espírito de família: Estou muito sentido, caro amigo, por todos os contratempos que vocês tiveram que aguentar, tanto uns com os outros. Concedo-lhes o que me pedem, com relação às comunhões. Diga ao Irmão Möise que estamos pensando nele: mandar-lhe-emos uma camisa novinha, quanto antes. Diga-lhe também que eu quero bem, de todo o coração, que Deus lhe pagará ao cêntuplo.
Os espaços-tempos de missão maristas necessitam estar permeados de segurança e afeto, promovendo sentimentos de acolhimento e pertença. O Gestor 1, assim descreve esse sentimento dentro da Escola: “O espírito de família está relacionado a se sentir bem e fazer com que os estudantes aprendam a se sentirem parte dessa família; é fazer com que todos se sintam pertencentes a essa Escola.”
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Para o Gestor 3, o espírito de família necessita ser evidenciado, primeiramente, pela equipe diretiva, setores e departamento, ajudando o outro em suas necessidades, estando junto e colaborando uns com os outros: “Eu acredito que essa postura da equipe diretiva deveria ser um espelho para os demais colaboradores. Temos dificuldades como em uma família, cada um com suas características, mas não posso me queixar. Há um clima bom no Colégio.” O documento Missão Educativa Marista (1998, nº 108), enfatiza esse espírito de família, mesmo em instituições e obras mais complexas: Onde quer que estejamos, comprometemo-nos a construir comunidade entre todos aqueles que participam de nossas instituições e atividades, os que trabalham conosco, as crianças e os jovens sob nossa responsabilidade e suas famílias. Cada um deve sentir-se em casa entre nós. Uma acolhida calorosa, aceitação e sentido de pertença devem prevalecer, de modo
que todos se sintam estimulados e valorizados, qualquer que seja sua função social.
O espírito de família deve ser a manifestação mais intensa de pertencer a uma obra marista, pois nela os demais valores se manifestam. O espaço educativo deve promover experiências sensíveis de afeto, de diálogos, de aprendizagens, de reflexão e de perdão. Espaço de pertença e segurança, favorecendo o desenvolvimento humano em todas as dimensões. A grande evidência percebida durante as entrevistas deu-se na autoridade exercida pelos gestores como um “serviço” que trata a todos com respeito, buscando harmonizar o ambiente, promovendo sinergia nas ações, aproximando de fato as pessoas, em um espírito de família. AMOR AO TRABALHO “Realizamos o trabalho com disposição e espírito cooperativo, desenvolvendo talentos e colocando-os a serviço do bem comum. Por meio do
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trabalho cumprimos nossa missão e participamos da obra da criação, como protagonistas na construção de uma sociedade justa e fraterna”.
O exemplo e a inspiração de amar o que faz e realizá-lo da melhor forma possível vêm de Marcelino Champagnat. Era um homem empreendedor, realista, dinâmico, determinado e exigente. Essa herança do fundador, dirigida aos primeiros irmãos, tem seu eco nos tempos atuais. | 50 |
Os valores maristas são históricos, construídos pela tradição. “Amor ao trabalho era uma preocupação dos Irmãos - Sentir-se pertencente ao ambiente de trabalho e fazer aquilo que ama – é sentir-se reconhecido, indiferente da função”, assim revela o Gestor 1 . Cortela (2013) convida à reflexão de que é necessário encontrar sentido naquilo que realiza, é a capacidade de perceber que as coisas não são um fim em si mesmas, de que existem razões mais importantes do que o imediato. O mesmo autor identifica o líder espiritualizado sendo aquele capaz de olhar o outro como o outro, de
inspirar, de elevar a obra, de que aquilo que realiza tem um significado. Os Gestores investigados expressam esse entendimento, do quanto é importante as pessoas perceberem que seu trabalho é valorizado, seja ele qual for. Segue o depoimento do Gestor 3: “Estar atento ao bom clima dentro da escola é fundamental para que o princípio do amor ao trabalho seja construído. Minha pergunta é sempre bem simples: “Você está feliz, trabalhando aqui? Gosta do que faz?” Percebo as pessoas trabalhando com alegria; gostam do que fazem, embora o trabalho seja exigente, a começar pelo trabalho do Professor. Nós, Gestores, temos que estar atentos e demonstrar satisfação com o trabalho que eles realizam. Elogiar sempre que possível.” Amor ao trabalho é um valor que vem da fundação do Instituto. Pe. Champagnat, com seu exemplo, mantinha uma disciplina rigorosa no que se refere aos afazeres da casa, a construção de L’Hermitage e a busca do sustento para os primeiros irmãos. Durante toda sua vida, não mediu esforços para
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o êxito da obra dos Pequenos Irmãos de Maria. Na carta número 11, p.42, enviada ao Padre Simon Cattet, onde escreve para pedir um padre para L’Hermitage a fim de cuidar das aulas dos noviços e de algumas atribuições ligadas à formação dos candidatos à vida religiosa, deixa claro seu comprometimento com o trabalho: Pelo que respeita a minha pessoa, encarrego-me das visitas às escolas, do exame dos meninos que as frequentam, da correspondência, dos ajustes a estabelecer com os municípios, das transferências dos Irmãos, da aceitação dos noviços que se apresentam; numa palavra do bom andamento em geral e em particular de todas as fundações.
Essa inspiração do fundador é perceptível hoje nas obras maristas. Importante ressaltar que os valores não são vividos isoladamente. A acolhida, a simplicidade na relação, o espírito de família, favorecem o diálogo, dando significado às ações. O Gestor 2 assim se posiciona: “Amor ao trabalho pra mim é fazer o trabalho com prazer e com esperança
que as coisas podem mudar e dar certo. Quando nós, Gestores, valorizamos o trabalho realizado, conquistamos as pessoas porque sem as pessoas não chegamos a lugar nenhum. Os colaboradores precisam enxergar sentido, significado naquilo que fazem. Precisamos fazer com que as pessoas se sintam bem, sintam que aquele trabalho tem valor e não realizam somente para ganhar um salário no final do mês, mas que tem sentido para os estudantes, para as famílias que atendem. Seja qual for sua função, seu trabalho tem um valor imenso dentro da Instituição, esse princípio move as pessoas.” O Gestor 1 percebe que o amor ao realizar o trabalho se dá pelo sentimento de pertença: É importante fazer com que os educadores e estudantes aprendam a gostar e sentir o ambiente como deles. Esse princípio está relacionado ao espírito de família, o amor ao trabalho não tem sentido se não está dentro da família. O amor ao trabalho se revela em querer bem o ambiente no qual trabalha, perpassa pelo ato do cuidado, do sentimento de pertença. Sentir-se reconhecido
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e alegre com o ofício que realiza. Leonardo Boff (2013, p. 29), em seu livro O Cuidado Necessário, corrobora com esse entendimento: O cuidado também estabelece um sentimento de mútua pertença: participamos satisfeitos dos sucessos e vitórias, bem como das lutas, riscos e destinos das pessoas que nos são caras. Cuidar e ser cuidado são duas demandas fundamentais de nossa existência pessoal e social.
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Esse valor marista se expressa nos mais diversos espaços da escola, construindo também esse exercício e cuidado com os estudantes, para que eles valorizem todos os serviços oferecidos pelo colégio como importantes e vitais para o funcionamento da instituição. Nesse processo contínuo, é coerente que sejam valorizados da mesma forma as produções dos estudantes, sua disciplina e o cuidado com que exercem seu ofício, para que desde cedo desenvolvam amor e cuidado no trabalho que realizam.
SOLIDARIEDADE “Somos sensíveis às necessidades dos outros. Damos atenção especial aos pobres e excluídos. Buscamos auxiliar as pessoas por meio de partilha de dons pessoais e de bens materiais, promovendo a paz, a justiça e a vida, como sinal de esperança ao mundo”.
Estar atento às necessidades do outro é a primeira forma como é definida a palavra ”solidariedade” para os gestores entrevistados. “A solidariedade se manifesta no dia a dia, nos pequenos gestos, se importando com o outro” (Gestor 1). “Nossa solidariedade se revela na escuta atenta, com uma palavra de ânimo, de esperança e de apoio para as pessoas nas situações diversas da vida” (Gestor 2). “Quando falo de solidariedade, o que importa é a entreajuda, o espírito de família, um ajudando o outro. Isso é ser solidário” (Gestor 3). Pe. Champagnat tinha um profundo espírito solidário, estava
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atento às dificuldades enfrentadas pelos Irmãos, buscando sempre uma palavra de ânimo. Fica evidente esse cuidado na carta 49, p. 120, enviada ao Irmão Dominique: Enquanto não chego, diga ao Irmão Liguori que eu trago a todos carinhosamente em meu coração, que amo todos vocês, meu caro Dominique, porque sei da dificuldade que você passa, as lutas que tem que suportar, o carinho que me tem demonstrado, cada vez que nos encontramos.
Essa herança do fundador fica evidente na fala dos Gestores o quanto ser solidário requer um olhar atento ao outro. A solidariedade perpassa pela sensibilidade em perceber a necessidade de quem que está ao lado, perpassa pela entreajuda, escuta atenta, nos pequenos gestos revelando esse valor no cotidiano, entre os pares. Um segundo aspecto fortemente evidenciado pelos três gestores é a forma como suas escolas procuram sensibilizar a comunidade
educativa para a partilha “do tempo” e de “bens materiais” para os mais empobrecidos e necessitados. A solidariedade acontece em projetos com planejamentos específicos. Duas das três escolas contam com um movimento chamado “Voluntariado Marista”. Esses grupos são formados por adesão espontânea e acompanhados por um educador nas ações que são desenvolvidas, tendo sempre um encontro na escola de planejamento e reflexão para que a ação aconteça. Na fala do gestor 3, fica evidente o quanto é forte esse movimento na escola: “Os gestos de solidariedade se multiplicam em ações desenvolvidas por estudantes e professores, saindo dos muros da escola e indo ao encontro dos mais empobrecidos. Sensibilizar o coração dos estudantes, participar de projetos dessa natureza, de forma responsável em diferentes contextos, contribui para formação crítica e comprometida socialmente.” O Projeto Educativo do Brasil Marista (2010, p.67) convida a sensibilizar e a interagir com outras
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realidades sociais, fazendo com que nossos colégios sejam centros irradiadores da cultura da solidariedade: A proposta é impregnar os conteúdos e as práticas com valores evangélicos e construir espaçostempos de atuação dos sujeitos da escola a partir desses valores na comunidade educativa interna e nos espaços públicos. Desenvolve-se, assim, uma mentalidade cristã aliada a uma consciência crítica, para se relacionar e atuar na sociedade. | 54 |
Os gestores se envolvem com esses projetos e buscam estar atentos às ações propostas para o ano: “A solidariedade tem inúmeras dimensões, precisamos ir descobrindo e criando a cada ano novas formas de organizar essas práticas (Gestor 2). O Gestor 3 revela com alegria o reconhecimento das ações solidárias desenvolvidas em sua unidade escolar: “Não fazemos ações solidárias para buscar premiações, porém todos os anos recebemos prêmios de cidadania, em nível municipal e estadual. Esse ano recebemos
um prêmio Construindo a Nação Nacional em São Paulo, do Instituto de Cidadania do Brasil, com empresas Volkvagem, Sesi e Sebrae” (Gestor 3). O cuidado em não apenas oferecer aos mais necessitados bens materiais, mas sensibilizar o estudante para doar seu tempo, interagir com crianças que pertencem a comunidades mais empobrecidas, merece atenção. O Gestor 2 descreve projetos que envolvem diretamente os estudantes maristas nessas ações sociais: “Adotamos uma escola pública que atende crianças extremamente carentes. Fazemos campanhas de material escolar, roupas e alimentos para serem distribuídos às famílias dessa comunidade. Mas o trabalho não fica somente nas doações, temos um trabalho educativo também. Os alunos dessa escola vêm até o nosso colégio para oficinas e outras atividades, usufruindo do nosso espaço. Os Jovens da Pastoral Juvenil Marista (PJM) estão desenvolvendo um trabalho nessa escola com as crianças durante o recreio. Uma espécie de recreio dirigido com o objetivo de diminuir a violência escolar, levando os valores maristas para essa comunidade. Este ano, adotamos a
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praça que fica na esquina do colégio que está muito desleixada. Fizemos algumas modificações para embelezar aquele espaço, temos uma interação com a comunidade, fazendo trocas de mudas, a gente percebe que funciona.” Foram citados alguns projetos específicos que são desenvolvidos na Escola 3, como: Campanhas Solidárias que acontecem em quatro momentos distintos: Páscoa, Inverno, Semana da Criança e Natal, arrecadando alimentos, brinquedos, roupas e material escolar. Nessa mesma escola, existe um projeto que atende ao Lar da Menina no qual realizam atividades educacionais com as meninas bem pequenas que são abandonadas pelas famílias. Esse Projeto também é coordenado pelo Grupo de Voluntários da Escola. A Escola tem também um carinho especial por um projeto antigo que se chama “Viva a Alegria”, desenvolvido no hospital da cidade, levando alegria para as pessoas que lá estão. As questões sociais fazem parte da pauta de discussões em todos os seguimentos das escolas inves-
tigadas, não ficando indiferentes ante as situações de injustiça, de degradação dos valores que geram vida. Todos esses projetos têm como pano de fundo, formar corações solidários sensíveis, críticos e ativos como queria nosso fundador, São Marcelino Champagnat. Diante das estruturas sociais excludentes que fazem parte da sociedade atual, a educação marista exercida nas escolas investigadas cultiva o compromisso de sensibilizar e de preparar criticamente seus estudantes, para contribuir na superação das injustiças e da desigualdade social empreendendo atos solidário. Espiritualidade “Procuramos viver de acordo com o Evangelho, tendo Maria e São Marcelino Champagnat como inspiradores do nosso jeito de ser e atuar. A espiritualidade é a força propulsora que dá sentido e harmonia às nossas vidas. Ela ilumina a nossa compreensão do mundo e orienta o nosso relacionamento com Deus, conosco, com as pessoas e com a natureza”.
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Como um valor institucional, a Espiritualidade dá sentido à vida e mobiliza para a ação. A vivência dessa espiritualidade está alicerçada no evangelho, tendo Maria e São Marcelino Champagnat como fontes inspiradoras do fazer educativo. A espiritualidade se manifesta na relação que estabelecemos com Deus (transcendente), de como compreendemos e nos relacionamos com o mundo e os semelhantes. | 56 |
Imbuído desse entendimento, o Gestor 1 define espiritualidade como: “A relação próxima com Deus, através da evangelização, no caso Marista, fazemos por meio da educação, é um jeito, um modo de fazer. Ela nos fortalece para que o Espírito de família, a Audácia e o Amor ao Trabalho possam acontecer.” A Espiritualidade nas escolas investigadas manifesta-se na relação com as pessoas, disponibilidade dos educadores, intencionalidade dos projetos desenvolvidos e no cuidado com os espaços físicos do colégio. Necessita ser percebida
como um perfume que exala no ar um clima agradável e diferente. No dizer do Gestor 3:“É o jeito de acolher e tratar as pessoas, de educar crianças e adolescentes, expressa-se na forma de orientar as famílias na educação dos filhos. É o nosso jeito de fazer pedagógico-pastoral que se reflete no dia a dia da escola.” Pe. Champagnat vivia uma Espiritualidade que se expressava na maneira como vivia sua vida. Era um homem de Deus. Sua espiritualidade era percebida na forma como se relacionava com os outros. Na Carta 171, p. 352, ao escrever para Dom Jean-Poul Gaston de Pins, assim se manifesta: Em meio às dificuldades que tenho que vencer, eu me considero feliz, pois a Divina Providência me proporciona o prazer de manifestar a V. Excelência minha gratidão e de lhe reiterar os meus sentimentos de respeitosa homenagem.
Ao encerrar as cartas endereçadas aos Irmãos, dirigia sempre um afetuosa despedida “ deixo-o en-
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tre os braços de Maria, nossa Boa Mãe” (p. 516)....” Tenho a honra de ser seu pai muito dedicado em Jesus e Maria” (p. 53)... “Deixo vocês dois nos corações de Jesus e de Maria, são lugares tão gostosos” (p. 59). Esse cuidado com as pessoas, revelado nas cartas de Marcelino, são evidenciados hoje no olhar atento dos gestores entrevistados. A Espiritualidade para o Gestor 2 assim se manifesta: “Na nossa escola, evidencia-se na dimensão da acolhida, do bom trato nas relações interpessoais e no cuidado com todos, é a mística do cuidado que se estabelece entre nós”. O Gestor 3 também traz a dimensão do cuidado, inerente ao valor Espiritualidade, com o todo. Para o entrevistado, o cuidado tudo inspira e tudo harmoniza: “Onde há espiritualidade, há um clima de Espírito de família, pois se espelha na Família de Nazaré. É feito de amor, perdão, entreajuda e apoio, abertura aos outros e alegria. Tudo isso regado pela oração, pelo contato com Deus, por momentos especiais de reflexão e interiorização, pelo cuidado com os espaços de tal
modo que a Escola se transforme num santuário da presença de Deus. ” Observa-se a preocupação dos Gestores em priorizar no plano de formação dos educadores do colégio (professores e funcionários) momentos de oração, reflexão e cultivo pessoal, espaços-tempos especiais de retiros e celebrações. Os momentos de oração diária na sala dos professores, antes de dar início às atividades escolares, no início dos turnos de aula com os estudantes, também são percebidos como importantes para se conectarem com o grupo e com o momento presente, porém o Gestor 1 alerta: “A espiritualidade não pode se restringir ao momento de oração no início do turno, precisa permear todas as ações durante o dia.” A Escola Marista faz a opção por ser uma Escola em Pastoral, de forma a impregnar as práticas educativas com princípios evangélicos, criando espaços privilegiados de harmonizar fé, cultura e vida. Propositalmente, encerro esse
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artigo com o valor Institucional Espiritualidade, por considerá-lo a mola propulsora, que dá movimento, faz caminhar, nutre a missão da escola marista. A espiritualidade, pretende não ficar na superficialidade, busca intensidade, aproxima-se profundamente do real, sensibilizando para encontrar Deus no cotidiano. É no diálogo, no encontro e na comunhão com o outro, que a escola se torna um lugar privilegiado de Ser em detrimento do Ter. Teixeira (2012) sublinha o surgimento de uma tendência na busca de prática de valores esquecidos. A contemporaneidade valoriza a matéria, o ter, o poder, relegando ao segundo plano o espiritual, desencadeando uma crise de sentido de vida. Nas palavras de Teixeira: Só quem ama é capaz de abrir-se ao sofrimento do outro. Nesse particular, o amor como a melhor forma de conviver, como um convite para sairmos de nós mesmos e fazer a experiência de outros enquanto alteridade e transcendência. O amor é afirmação da vida que recebemos e podemos dar. Uma vida amada é
uma vida feliz. O amor como única forma de romper a surdez do outro e puxá-lo para forma de sua solidão e de seu isolamento (p.28).
A escola, pela análise realizada, é lugar propício para construção das subjetividades que promovem em suas ações uma reflexão sobre o sentido da vida, e seus gestores estão atentos à necessidade de manter um olhar cuidadoso para o estudante em formação. Dessa forma, incentivam o educador marista a um constante alimentar de sua espiritualidade como elemento capaz de dar conta da complexidade do fazer pedagógico da contemporaneidade. O momento de aceleração que a humanidade contempla na atualidade faz com que os atores da educação marista busquem em São Marcelino Champagnat a inspiração e a clareza que o fundador tinha da proposta pedagógica ao fundar a Instituição. Queria “formar bons cristãos e virtuosos cidadãos”. Esse projeto, necessariamente, convoca a formação do estudante integralmente. Requer oferecer espaços-
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tempos de formação cristã, formação acadêmica, formação para a solidariedade e para a cidadania. O Projeto Educativo vai à fonte inspiradora (2010, p. 3): Se fosse apenas para ensinar as ciências humanas aos jovens, não haveria necessidade de irmãos: bastariam os demais professores. Se pretendêssemos ministrar apenas a instrução religiosa, limitar-nos-ia a ser simples catequistas. O nosso objetivo, contudo, é mais abrangente. Queremos educar as crianças, isto é, instruí-las sobre os seus deveres, ensinar-lhes o espírito e os sentimentos do cristianismo, os hábitos religiosos, as virtudes do cristão e do bom cidadão. Para tanto, é preciso que sejamos educadores, vivamos no meio das crianças e que elas permaneçam muito tempo conosco. “Marcelino Champagnat”.
Fica assim explicita a intencionalidade do Instituto Marista. Os valores Institucionais, hoje, convidam a trilhar os caminhos de Marcelino, oferecendo ambientes educativos, vivos, orgânicos, acolhedores, nos quais esses valores
se materializam. As relações construídas com segurança e afeto, segundo os entrevistados, são solos férteis para cumprir com a missão que lhes foi confiada de educar crianças e jovens em todas as dimensões humanas. REFERÊNCIAS ANSELM,, Grün Friedrisc Assländer. A Arte de Ser Mestre de Si Mesmo para poder se Líder de Pessoas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. ARRUDA Vitório César Mura. Inteligência Espiritual: Espiritualidade nas organizações.São Paulo: IBRASA, 2005. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. BOFF, Leonardo. “Espiritualidade: um caminho em transformação. Rio de Janeiro: sextante, 2006. ________. O cuidado necessário: na vida , na saúde, na edu-
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Gustavo Balbinot20
ESPIRITUALIDADE: A FORÇA IMPULSIONADORA DE CHAMPAGNAT19
RESUMO O presente artigo teve como objetivo principal apresentar a espiritualidade de Marcelino Champagnat. Para uma compreensão inicial, o artigo parte do conceito geral de espiritualidade. Após uma conceituação geral de espiritualidade, adentra em algumas características da espiritualidade de Champagnat que se encontram escritas em sua biografia oficial, como também em seus escritos dirigidos especialmente aos primeiros Irmãos Maristas, e em breves testemunhos dos próprios Irmãos, colhidos após sua morte. A espiritualidade vivida por Marcelino Champagnat inspira-nos a vivenciar, de maneira consciente e atual, uma espiritualidade encarnada na realidade, realizando leituras de fé e dando sentido aos fatos. O tema é aberto, e o artigo não contempla totalmente a grande riqueza da espiritualidade desse “homem de Deus”. Quer somente apresentar uma forma simples e possível de ser vivida nos tempos atuais.
PALAVRAS-CHAVE Espiritualidade. Consciência. Espiritualidade de Marcelino Champagnat. Espiritualidade horizontal. 19 Artigo apresentado como trabalho final do Curso Carisma e Princípios Educativos Maristas – PUCPR. 2016. 20 Assessor de Vida Consagrada e Laicato; Coordenador da Rede Interamericana de Espiritualidade Marista. Formação em Filosofia e Teologia; Especialização em psicopedagogia do acompanhamento formativo; Especialização em Carisma e Princípios Educativos maristas; Mestrado em Educação.
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INTRODUÇÃO Se permitires que o que está em teu interior se manifeste te salvarás. Porém, se não o fizeres, te destruirás. (Evangelhos Apócrifos21)
Compreensão de Espírito/Espiritualidade
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Segundo o dicionário Webster, espírito é “o princípio animador ou vital; aquilo que dá vida ao organismo físico, em contraste com seus elementos materiais; o hálito da vida” (apud, Zohar e Marshall, 2002, p. 18). O Dicionário Teológico (1998) parte da raiz grega e latina, identificando-o como “sopro”, princípio vital: O termo espírito, do grego pneuma, nous e do latim spiritus, mens, significa literalmente “sopro”, hálito” e se usa frequentemente para indicar genericamente o princípio vital (alma) ou, também, mais especificamente, a alma racional ou o pensamento (1998, p. 305).
Essa definição se aproxima da raiz hebraica ruah22 que se traduz em sopro da vida ou princípio vital de todas as criaturas, como também revela a fonte criadora ou o também chamado Espírito de Deus. Uma fonte misteriosa e doadora de vida: Segundo Gn 2,7, o próprio Deus que criou todos os viventes, infundiu seu hálito de vida no ser humano. Este hálito, força, vigor e impulso é, na revelação bíblica, a manifestação do Espírito, que nunca se define, mas deixa sua impressão”. (ESPEJA, 1994, p. 29).
Na compreensão bíblica, a vida torna-se um sinal do Espírito de Deus. É revelação do Mistério, Absoluto, Sagrado: toda a vida é sinal daquele que a criou. O Espírito é um dado essencial da vida e ao mesmo tempo revelação daquele que o “soprou”, é a marca do Espírito, a própria vida, que provém de
21 apud GOLLEMAN, 2010, p. 69. 22 Conforme o Dicionário Teológico, “no Antigo Testamento, o termo espírito (Ruah) significa hálito, alento (Sl 33,6; Is 11,4), a respiração forte (Ex 15,8; Jó 15,13) [...]. Com referência ao homem, a Ruah aponta ou o princípio que dá a vida ao corpo (Gn 6,17; 7,15), ou a sede das emoções, dos afetos e da atividade espiritual (2Rs 19,7; Dt 34,9); a Ruah provém de Deus e está em suas mãos (Is 42,5; Jó 12,10). Em relação a Deus, ao invés pode indicar tanto sua força operante e misteriosa (Ez 1,12.20; 2Sm 23,2), quanto sua potência criadora que doa vida a tudo e a todos (Gn 1,2; Ez 37,14) e sua própria realidade incorruptível (Is 31,3).” (1988, p.306)
ESPIRITUALIDADE: A FORÇA IMPULSIONADORA DE CHAMPAGNAT
Deus. Assim, como o ar que respiramos e sem ele não vivemos, não há vida sem o Espírito: Segundo o Antigo Testamento, Espírito é sinal de vida que provém de Deus. É comparável ao vento e ao alento, sem os quais morremos. É, então, como a respiração. O sopro que o ser humano tem vem de Deus, a quem volta quando a pessoa morre e dá o último suspiro. [...]. É alento que se encontra no fundo da vida e força vivificante diante da morte e além dos seus limites”. (FLORISTÁN, apud TAMOYO et alters, 2009, p. 185).
A linguagem científica parte do princípio de que somos os únicos seres capazes de elaborar perguntas existenciais (ZOHAR e MARSHALL, 2000) e darmos sentido aos acontecimentos, como também cultivarmos sentidos transcendentes às experiências vividas. Isso é próprio de quem tem, em sua constituição, a espiritualidade. Ela não é separável do ser humano, ou uma parte do humano, mas uma dimensão (Boff, 2012A) da vida, inerente a ela. Como afirma
John Sobrino, a espiritualidade é “tão inerente ao homem como sua sociabilidade ou praxicidade.” (apud TAMOYO, 2009, p. 183). Assim, nenhum ser humano pode viver sem espírito, sem vida. (FLORISTÁN, apud TAMOYO et alters, 2009). O que torna o ser humano mais ou menos “espiritualizado” é a consciência e o cultivo, ou a negação/descaso dessa dimensão. Como afirma Marshall e Zohar, seres humanos são essencialmente criaturas espirituais, porque somos impulsionados pela necessidade de fazer perguntas ‘fundamentais’, ou ‘finais’. Por que nasci? Qual o significado da minha vida? Por que devo continuar lutar quando estou cansado, deprimido, ou me sinto derrotado? O que torna minha ivda digna de ser vivida? Somos impulsionados, na verdade definidos, por um anseio especificamente humano, o de encontrar sentido e valor naquilo que fazermos e experimentamos. Sentimos o anseio de ver nossa vida em um contexto mais amplo, que lhe confira sentido [...]. Ansiamos por algo pelo qual possamos aspirar, por algo que nos leve além de nós
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mesmos e do momento presente, por alguma coisa que nos dê, e dê aos nossos atos, sentido e valor. (2000, p. 18-19)
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Assim como não existimos sem a corporeidade, não existimos sem a espiritualidade. Somos a expressão do sopro vital, do Espírito, ou o movimento dele em nós. Não podemos viver a espiritualidade somente em momentos, ou em tempos específicos. O que é compreensível e possível é cultivá-la em momentos especiais, mas como dimensão constitutiva humana, é a força motivadora da pessoa que a caracteriza com um jeito de ser, sentir e viver no mundo. Murad (2007), referindo-se à espiritualidade cristã, aponta que a mesma é o jeito pelo qual, tanto instituições cristãs quanto pessoas seguem a Jesus. Um jeito próprio de cada uma de seguir ou viver o mesmo Sentido ou caminho, nesse caso religioso. Do ponto de vista da pessoa, a espiritualidade cristã é o jeito próprio de viver o seguimento de Jesus, a vi-
vência da fé que motiva as ações e alimenta as convicções. Na ótica de uma instituição, a espiritualidade é o conjunto de valores que sustentam a sua missão e o seu negócio, inspirados na pessoa de Jesus Cristo e na causa do Reino de Deus (MURAD, 2007, p. 127).
As pessoas que cultivam a espiritualidade veem mais além e mais profundamente, tanto as outras pessoas, os fatos, o universo das coisas, quanto o próprio universo interior. Cultivam um olhar místico sobre as realidades, um olhar de cultivo do mistério que está em cada ser vivente ou não no Universo. Como exemplifica Boff, uma montanha não é apenas uma montanha. Pelo fato de ser montanha transmite o sentido da majestade. O mar evoca a grandiosidade, o céu estrelado, a imensidão, os vincos profundos do rosto de um ancião, a dura luta da vida e os olhos brilhantes de uma criança, o mistério da vida. (BOFF, 2012A).
A espiritualidade, por ser a dimensão do profundo, não é apa-
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rente. Sendo força propulsora, essencial, é capaz de mover a vida e revelar frutos do Espírito (GRÜN, 2008). Ela diz respeito ao relacionamento com o profundo, com os valores últimos. É a dimensão humana capaz que nos transcender tanto para além quanto para o mais íntimo do ser humano: “entendida como reflexão sobre o saber sapiencial religioso, sobre a experiência com o Absoluto ou sobre os valores últimos e profundos que transcendem o ser humano, a espiritualidade ultrapassa o domínio do cristão, inclusive, do religioso” (FLORISTÁN apud TAMOYO et alters, 2009, p. 183). Uma força vital presente em cada ser humano e que é descoberta com a percepção e o sentido do profundo. Cipriano de Cartago (séc. III), um dos reconhecidos ‘Padres da Igreja’, chamando a atenção, quanto ao encontro pessoal e ao escutar o coração, escreve: “como podes pretender que Deus te escute, se tu não escutas a ti mesmo? Tu queres que Deus pense em ti, quando tu mesmo não pensas em ti?” Evágrio Pôntico (345-399), escritor,
asceta e monte, conhecido como um dos “Padres do Deserto” escreve: “Se queres conhecer a Deus, aprende primeiramente a conhecer a ti mesmo.” (apud GRÜN, 2010). O monge da Abadia Münsterschwarzach, Anselm Grün continua o pensamento de Cipriano e Evágrio, usando um termo empregado com frequência na ciência espiritual, a consciência. Estar consciente de si mesmo, das ações e dos acontecimentos. A consciência remete à inteireza do ser e de si mesmo: Se não estás consciente de ti mesmo, como podes pretender que Deus esteja em ti? Se eu não estou em casa, também Deus não pode me encontrar, se ele vier a mim. Escutar a si mesmo significa, antes de tudo, escutar ao seu verdadeiro ser, entrar em contato consigo mesmo; mas significa também dar ouvidos aos próprios sentimentos e necessidades, a tudo aquilo que se agita dentro de mim. Escutar a si mesmo, entrar em contato consigo mesmo e com as próprias necessidades mais íntimas, é, para Cipriano, a condição necessária para se entrar em contato com Deus na oração.” (GRÜN, 2010, p. 30).
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Além da visão teológica, nas últimas décadas, a ciência vem estudando a importância da espiritualidade, seu cultivo e seus benefícios, e qual a relação que existe entre as manifestações espirituais (sua prática) e as funções celebrais. Simon (apud GOLEMAN et al, 2010, p. 9) caracteriza a espiritualidade como “as experiências de conexão direta com a dimensão sagrada da vida”, as quais são comprovadas por si mesmas, em especial pelos benefícios que essas práticas trazem. A autora destaca alguns princípios que regem a vida espiritual, como a compaixão, a gratuidade e a generosidade, e sugere as práticas da meditação e respiração como exercícios que beneficiam a qualidade de vida. Peter Russel (2010 apud GOLEMAN et al, 2010), em seu artigo La exploración de la mente profunda, destaca a evolução dos estudos da ciência ocidental em relação à espiritualidade. Afirma que, não obstante os tradicionais embates entre ciência e fé, ou religião, houve uma descoberta da espiritualidade como dimensão humana. Nos últimos
tempos, a ciência vem estudando a espiritualidade como “a mente profunda” ou também a chamada “essência da consciência”. Para o acesso à mente profunda, o autor sugere um exercício: buscar um lugar tranquilo, fechar os olhos e silenciar. Um exercício de acesso ao profundo pode possibilitar uma sensação não encontrada em qualquer outra sensação vital. Como afirma Russel, ao transcender a consciência, ao encontrar-se com o profundo, “adentramos em uma sensação de paz”. (RUSSEL, idem). Isso permitiria, em outras palavras, o encontro consigo mesmos: A redução da atividade mental conduz a um estado em que cessa todo pensamento verbal. Nesse nível de consciência as pessoas descobrem uma paz muito mais profunda que o impregna por inteiro. E mesmo que se a denomine de modos muito diversos como beatitude, gozo e serenidade, todo o mundo coincide em que, comparados com essa profunda sensação de bem-estar interior, os prazeres da vida cotidiana “palidecem” (RUSSEL, Peter, apud, Goleman, et alters, 2010, p. 18)
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Partindo do Mito do Cuidado (BOFF, 2012B), quando Saturno confere o nome “homem” à criatura vivente, referindo-se de onde veio (húmus – terra fértil) uma virtude fundamental de nossa existência e ser no Universo é humildade. Ela possibilita o encontro mais próximo da pessoa consigo mesma. A palavra humildade revela o que somos. A pessoa que vive a virtude (equilíbrio) da humildade é capaz de reconhecer as qualidades, os dons e reconhecer suas limitações. Além dos dons inatos e desenvolvidos, que caracterizam cada pessoa, Seligman, um dos fundadores da Psicologia Positiva e Teoria do Bem-Estar, e estuda e apresenta as potencialidades latentes do ser humano como “fraquezas”, afirma que o reconhecimento das fraquezas torna-se possibilidade de trabalhá-las e tornarem-se pontos fortes na vida das pessoas. O exercitar-se em algo pode transformar a pessoa em especialista em determinada área. (SELIGMAN, 2011). Tudo depende do tempo, da importância e da intensidade que damos às áreas
que queremos que se desenvolvam. O princípio é o da virtude da humildade, isto é, o reconhecimento do que cada um é e pode se tornar. Tudo isso depende muito da força interior que move a uma mudança ou a um aprimoramento das habilidades pessoais. A convicção das fortalezas e fraquezas, que são resultado da vivência da virtude da humildade (húmus – terra fértil, o que sou), é reconhecida hoje como caminho espiritual de quem quer ampliar sua consciência em relação a Deus e ao Universo. A Espiritualidade de Marcelino Champagnat “A espiritualidade que nos chegou de Marcelino Champagnat tem natureza mariana e apostólica. Brota do amor de Deus, se desenvolve por nossa entrega aos demais e nos leva ao Pai. Assim, harmonizamos apostolado, oração e vida comunitária. ” (Constituições Maristas, art. 7)
Marcelino Champagnat é modelo de vida espiritual conectada aos acontecimentos e às relações.
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Uma conexão que vai além dos sentimentos e emoções, que assume a própria realidade relacional e encarna-se nela. Fruto de seu tempo, de sua cultura, Marcelino teve a capacidade de realizar leituras de fé e de compromisso para dar resposta que transformariam a história. A instituição Marista, em seu bicentenário de existência, contempla o primeiro sonho e inquietação de seu fundador. | 70 |
Voltou todo compenetrado destes sentimentos, cismando: “quantos outros meninos se encontram, todos os dias, na mesma situação, correndo o mesmo risco, por não haver ninguém que os instrua nas verdades da fé”. E, então, o pensamento de fundar uma sociedade de Irmãos, destinados a prevenir tão sérias desgraças, ministrando às crianças a instrução cristã, perseguiu-o com tamanha insistência que foi ter com João Maria Granjon e lhe comunicou todos os seus planos. (FURET, 1999, p. 56)
O acontecimento “Montagne” está ligado às suas experiências an-
teriores, às suas impressões quando chegou em seu primeiro trabalho apostólico como sacerdote em La Valla, às suas experiências mal sucedidas na infância a respeito da educação escolar23, às marcas da Revolução Francesa, como também da graça da educação recebida em sua família (FURET, 1999). Tudo foi constituindo sua personalidade, sua espiritualidade, seu jeito de ver e ser na realidade em que viveu. Cada um de nós, em certa medida, é fruto de seu tempo. Os cristãos que viveram durante o período descrito acima não podiam deixar de ser influenciados pelo pensamento e pelos costumes de sua época. Isso não é menos verdade em relação a Marcelino Champagnat. O período da história em que nasceu e viveu, bem como suas circunstâncias, tiveram profunda influência sobre seu desenvolvimento pessoal e espiritual. (SAMMON, 2003, p. 41)
O testemunho dos primeiros Irmãos e os escritos do próprio Champagnat revelam o cuidado amoroso que tinha com eles, e a
23 Na infância, o Pe. Champagnat tivera extrema dificuldade em aprender a ler. Mais tarde, pesquisando a causa, atribuiu-a à incapacidade dos professores e às falhas do método em vigor. (FURET, 1999, p. 486)
ESPIRITUALIDADE: A FORÇA IMPULSIONADORA DE CHAMPAGNAT
espiritualidade encarnada, próxima, vivencial. Do Ir. Francisco (seu sucessor), primeiro Irmão Superior Geral do Instituto: A sua orientação não consistia em multiplicidade de palavras. Muitas vezes era carícia paterna, uma palavra, a mesma palavra repetida várias vezes. Pronunciada por ele, aquela palavra descia até o fundo do coração, levando ao arrependimento, ao amor de Deus, ao desejo de progredir. Junto dele, quantos de nós recobramos a paz, a confiança e a felicidade. [...]” (por Ir. Francisco, AFM–Archives Frères Maristes, doc 505.8).
Do Irmão Lourenço, um dos Irmãos mais próximos a Champagnat: “Uma mãe não tem mais carinho para com seus filhos do que o Pe. Champagnat o tinha por nós. E isto ainda não é bem exato pois, não raras vezes, as mães amam os filhos com um amor apenas humano, ao passo que ele nos amava de uma forma toda espiritual. No começo éramos muito pobres, o pão que comíamos tinha a cor da terra, mas ele
nunca nos deixou faltar nada. Como o mais terno dos pais, ele tinha um grande cuidado de nós. Lembro-me de suas preocupações por mim quando eu estava doente, em La Valla. Vinha me visitar todos os dias, sempre trazendo alguma coisa especial. Amiúde, recordava-nos o cuidado que a Divina Providência tem para com aqueles que depositam nela a sua confiança. Quando nos falava da bondade de Deus e do seu amor por nós, ele o fazia de maneira tão persuasiva que incutia em todos o ardor divino de que estava repleto, de tal sorte que as dores, os trabalhos e todas as misérias da vida seriam incapazes de nos abalar”. (por Ir. Lourenço OM-Origines Maristes, tomo II, doc 756).
Do Irmão Sylvestre a quem Champagnat tinha um amor e compreensão especiais: [...] peço ao leitor que preste atenção em tudo o que fez por mim o venerado Padre, procurando corrigir meus defeitos e conservar-me da vocação. Ver-se-á que foi a sua grande paciência, acompanhada de solícita paternidade e de constante firmeza, que acabou por triunfar sobre o meu
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caráter leviano, dissipado, parecendo inadequado à vida religiosa. (SYLVESTRE, 2014. p. 261)
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Pelos testemunhos dos primeiros Irmãos, podemos descrever um pouco como era o jeito de ser de Marcelino Champagnat: solidário, próximo, firme, atencioso, afetuoso, vivendo a experiência de Deus nos seus mais próximos e nas crianças mais pobres. Ultrapassou as estruturas eclesiásticas, muito fortes em sua época, sendo um sacerdote Irmão dos seus Irmãos. Marcelino chegou a esse amadurecimento espiritual após longo caminho, desde sua infância quando teve a educação espiritual de sua mãe e tia, mas também de seu pai, pela organização e princípios de igualdade (FURET, 1999). Foi um grande empreendedor e, reconhecendo suas limitações pessoais, confiava as obras e a Obra à Maria. A devoção do Fundador a Maria é um indicador muito sugestivo de sua personalidade. Marcelino foi pouco a pouco se conscientizando de suas limitações. Sabia que os dons necessários para a realização da
obra que empreendera superavam em muito suas capacidades naturais. Como explicar, então, seus bons resultados? A sinceridade da consciência do Fundador creditava todo o sucesso de sua realização à Maria, cujo auxílio sempre solicitava e cuja inspiração perseguia com total fidelidade. (SAMMON, 2003, p. 56)
Sammon (2010) destaca três aspectos da espiritualidade de Marcelino Champagnat que são lembradas no seu Testamento Espiritual: o sentido da presença de Deus, em uma confiança incondicional a Ele; a devoção à Maria que a tinha como primeira superiora; Recurso Habitual e Boa Mãe; e o cultivo das virtudes da Simplicidade e da Humildade. Essas características apontam para uma espiritualidade madura e que se torna quase arquétipo: Perseverai fielmente no santo exercício da presença de Deus, alma da oração, da meditação e de todas as virtudes. A humildade e a simplicidade sejam sempre as características dos Irmãozinhos de Maria. Uma devoção terna e filial por vossa Boa
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Mãe vos anime em todo tempo e em todas as circunstâncias. Tornai-a amada por todos, tanto quanto vos for possível. Sede fiéis à vossa vocação, amai-a e perseverai nela corajosamente.” (Champagnat, Testamento Espiritual. In FURET, 1999, p. 224)
Como nos apresenta o Ir. Sammon, Marcelino realizou um itinerário de crescimento espíritual. No inicio, em sua juventude priozia a autodisciplina em um programa bem delineado de oração e penitência: O rigoroso horário de práticas ascéticas do Fundador começava com o despertar às 4h da manhã, seguido de uma meditação de meia hora. A Missa diária era precedida de 15 minutos de oração em profundo recolhimento. Embora o trabalho paroquial recebesse dele plena dedicação, ainda conseguia reservar ao menos uma hora por dia para o estudo de teologia. Jejuava toda sexta-feira e visitava regularmente os doentes da sua paróquia. Esses exercícios de autodisciplina, oração e penitência,
adotados pelo Fundador para estreitar seu relacionamento com Deus, constituem parâmetros importantes para o aprofundamento de nossa vida espiritual. (SAMMON, 2003, p. 43)
Seu caminhar espiritual transformou-se na sua adultez, pelas experiências e compreensão da vida, em vida e paixão pelos jovens e crianças. Ir Sean Sammon, compara a espiritualidade como a paixão com que fazemos as coisas e, no caso de nosso ser marista, a paixão pelas crianças e jovens. [...] um dos dons da atualidade é a compreensão cada vez maior de que espiritualidade é muito mais o fogo perene que deve arder em nós do que uma subida vertiginosa na escada das virtudes. Exercícios de piedade, sem paixão, não nos sustentam muito tempo. [...] em última análise, o que é espiritualidade senão o que fazemos com paixão? (SAMMON, 2003, p. 47)
A força motivadora de Marcelino, pelo amor que tinha pelas
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crianças e jovens, nascido do amor a Jesus e Maria, foi tão clara e forte que chamava a atenção dos Irmãos quando não priorizavam o cuidado e a presença deles entre as crianças.
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“Certo dia, notando que o Irmão responsável pela vigilância dos internos, entretido com a reza do ofício, dava-lhes pouca atenção, o Pe. Champagnat observou-lhe: - Meu Irmão, você nunca deve perder de vista seus alunos. - Mas, padre, se não estou recolhido, não consigo rezar, e meu ofício fica sem fruto nenhum. - Sua primeira obrigação é cuidar de seus alunos para prevenir o mal e conservar-lhes a inocência. Se conseguir isso, sua oração será mais agradável a Deus e mais meritória, ainda que, em decorrência de sua função, você se distraia um pouco. É bem melhor do que rezar sem distração, mas negligenciando este importante dever. Sabe o que é tirar proveito das práticas de piedade? É aprender, na oração, a bem cumprir os deveres, praticar as virtudes de seu estado e proceder corretamente em todas as coisas. Foi por isso que Santo
Agostinho pôde dizer: Aquele que sabe rezar bem, sabe viver bem. Ora, viver bem é saber santificar todos os seus atos, aplicar-se às coisas exteriores por espírito de fé e fazer de sua atividade, seja qual for, uma oração constante. O fruto mais precioso de seus exercícios de piedade resume-se, pois, em ser fiel a todas as obrigações e cumprir do melhor modo possível a tarefa que lhe foi confiada, sendo, para seus alunos, modelo de caridade, paciência, pontualidade e modéstia.” (FURET, 1999, p. 73)
Fatos como esse revelam seu discernimento, bom senso e serenidade espiritual. O cultivo e o exercício da presença de Deus como característica de sua vida espiritual tiveram como fundamento um forte amor a Jesus e Maria (SAMMON, 2003). Amor tão profundo que se tornou como que o lema da missão “tornar Jesus Cristo conhecido e amado”. Tornar Jesus Cristo conhecido e amado, eis a meta de sua vocação e a finalidade, nossa Congregação será inútil e Deus lhe retirará a proteção.
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Por isso, recordem sempre a vida e os mistérios de Nosso Senhor. Fale frequentemente aos alunos de suas virtudes, seus sofrimentos, do amor que lhes mostrou pela morte de cruz, e do tesouro de graças que lhes deixou nos sacramentos. Saber religião consiste em conhecer Jesus Cristo. [...] O conhecimento de Nosso Senhor deve ser, pois, o objetivo de todos os catecismos e, em nenhum deles, devem deixar de falar do divino Mestre. Quanto mais o tornarem conhecido e difundirem seu amor, mais diminuirão o reino do pecado, mais consolidarão o da virtude e mais garantirão a salvação de seus alunos. (FURET, 1999, p. 312)
Um amor que se reflete nas relações como seus Irmãos e indicação de vida e missão em relação à educação das crianças: “Para bem educar as crianças é preciso amá-las e amá-las todas igualmente. Ora, amar as crianças é dedicar-se totalmente à sua instrução e empregar todos os recursos sugeridos por um zelo criativo para formá-las à virtude e à piedade”. (FURET, 1999, p. 497)
CARACTERÍSTICAS DA ESPIRITUALIDADE DE MARCELINO CHAMPAGNAT Espiritualidade relacional Marcelino sempre manteve um afeto aos que construiu amizade e, posteriormente, o Instituto. No seminário maior, participou do grupo que fundou a Sociedade de Maria e por eles sempre manteve um afeto especial, mesmo diante das contrariedades. Os primeiros Irmãos expressaram, pós sua morte, o quanto ele, mesmo sendo firme e tendo um caráter que às vezes poderia impressionar e distanciar era afetuoso e atencioso. Fazia questão de visitar os Irmãos que estavam doentes e atender por cartas ou presença às suas necessidades. “Marcelino e os primeiros Irmãos viviam unidos de coração e mente. Era um relacionamento marcado por grande afeto e compreensão.” (Cf. Documento Água da Rocha, n° 30-32). A partir dessa experiência, constrói-se um dos valores fundamentais da identidade do Instituto Marista, o espírito de família.
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Champagnat entende que é preciso convencer e viver pelo coração e em experiências concretas da vida. Ele toma atitude quando tem a certeza de que o projeto não é dele, mas de Deus (FURET, 1999). Assim a missão de evangelizar crianças e jovens com um jeito específico de educação formal (mesmo que não reconhecida24) e catequese, tem seu nascimento em uma pequena comunidade de jovens sonhadores, movidos por uma espiritualidade específica, que nasce do coração de Champagnat25, e os impulsiona viver a partilha de vida e a missão de evangelizar crianças carentes pela educação. É importante, entretanto, reconhecer que a educação marista não está fundamentada em uma filosofia educativa ou em uma teoria pedagógica, mas no que se refere à espiritualidade, a qual foi partilhada e vivenciada por uma comunidade. É a partir da resposta religiosa intuitiva de Marcelino Champagnat, bem como da geração fundadora de maristas, que se deve compreender a essência dessa educação. (GREN, 2014, p. 7)
Lanfrey (2014) explica que a própria palavra “Irmão” caracteriza uma identidade própria de leigo “chantre-sacristão-professor”, isso é ‘um pouco de tudo’ na questão da educação nas comunas, catequistas, cantores, cuidadores de alguns atos litúrgicos até. “Champagnat sabe dotar os membros de uma espiritualidade suficientemente estruturada para que interiorizem a ideia de que são mais que professores associados e até mesmo apóstolos realizando um ministério” (LANFREY, 2014, p. 20). Mesmo após a morte de Champagnat, a característica da fraternidade, não obstante as desconfianças de alguns Irmãos, continuou a marca dos Irmãos Maristas. Liderado pelos três Irmãos considerados “três em um” ou seja, Irmão Francisco, Irmão João Batista e Irmão Luis Maria, o Instituto Marista tem em L’Hermitage sua fonte iluminadora e motivadora da espiritualidade de Champagnat: “a comunidade de l’Hermitage era a Casa-Mãe e a entidade em que se viviam o espírito e a espiritualidade de Marcelino
24 As escolas maristas, em toda a vida de Champagnat, eram consideradas clandestinas. A Universidade Imperial que mantinha o controle, a autorização e o acompanhamento das escolas, quando inspecionavam as escolas maristas, desconsideravam tal gravidade pelo bem que realizavam na comuna. (LANFREY, 2014) 25 Espiritualidade impregnada pelas experiências de vida de Champagnat e influenciada pela Escola Francesa de Espiritualidade (LANFREY, 2014) no que diz respeito ao amor à Maria.
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Champagnat.” (BARRIO, 2014, p. 90). A própria identificação dos Irmãos mais que externa aos olhos do povo partia de uma convicção interna, uma força propulsora das ações, algo que fazia com que as pessoas sentissem sua presença transformadora. Até por isso a demanda em abrir escolas sempre foi maior que o número de Irmãos para atendê-las. Certamente, descreve-se o Irmão por seu aspecto e percepção mais externos, como se a batina, o cordão, o crucifixo etc. definissem o Irmão marista. Em seguida, ele mesmo acrescenta alguns traços mais psicossociais, que reservamos para outras ocasiões. No entanto, o interior e a alma desses educadores somente podem ser captados a partir de seu íntimo. Vamos embasá-los em três pilares: sua vocação, sua espiritualidade e seu fazer apostólico-educativo; antes, porém, devem-se assinalar as fontes fundamentais nas quais se apoia sua segurança interna. (idem, p. 108)
Espiritualidade que se manteve sinal marcante dos Irmãos pela
forma de vida e pelo testemunho que expressavam. A própria casa de l’Hermitage tornou-se “ícone” da espiritualidade alicerçada na fraternidade. O que manteve as ideias de espiritualidade, do fazer teológico espiritual da congregação nascente, foi, sem dúvida, fundamentalmente, a vida dos Irmãos, que herdaram essa maneira de Marcelino, pelo seu acompanhamento como guia e mestre de vida espiritual. Esse vazio e falta de elo, que se rompeu na cadeia com a morte do fundador, foram supridos pela espiritualidade da comunidade de L’Hermitage e pelos escritos de Francisco e João Batista, alguns dos quais apareceram depois dessa dúzia de longos anos, de1840 a 1868. (idem, p. 110) Tudo convergia para Casa de L’Hermitage, que se tornou ponto de encontros anuais, desde o tempo de Champagnat, de partidas e retornos de missões. Após a morte de Champagnat, os Irmãos tinham e sentiam a presença do espírito, do jeito de ser e viver a espiritualidade de Champagnat (BARRIO, 2014).
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Espiritualidade do afeto
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A estigmação corpo versus espírito foi, por séculos, aceita e compreendida como dual no ser humano: duas realidades distintas e separadas, mesmo que coabitando juntas. A conhecida compreensão platônica separava os dois mundos, tão diversos um do outro. Ainda hoje há resquícios dessa maneira de pensar. O fato é que, mesmo sendo forte essa corrente, graças a tantos homens e mulheres místicos dos seus tempos, como também estudiosos da área, houve uma volta à compreensão unificadora do ser humano. Em Champagnat, é possivel perceber essa unificação de vida, até mesmo em suas atitudes e suas orientaçãos para a educação das crianças. “Para bem educar as crianças, é preciso amá-las e amá-las todas igualmente. Ora, amar as crianças é dedicar-se totalmente à sua instrução e empregar todos os recursos sugeridos por um zelo criativo para formá-las à virtude e à piedade”. (FURET, 1999, p.500)
É possível perceber a integralidade da presença e ação educati-
va pela compreensão da inteireza humana. Um amor que se traduzia em atitudes, levando em conta o estado humano de cada pessoa e sua faixa etária: “Amar as crianças é jamais esquecer que elas são seres frágeis e, portanto, devem ser tratadas com bondade, caridade e indulgência, e serem instruídas e formadas com muita paciência”. (idem, p. 501).
Em suas cartas aos Irmãos, encontra-se, com frequência, expressões dos seus sentimentos e atitudes de afeto que, mesmo em um tempo e cultura que não eram tão frequentes, caracterizam a espiritualidade de Marcelino. Na introdução de uma das cartas ao Irmão Marie-Laurent, Marcelino traduz seu sentimento de compaixão, seu carinho de lembrá-lo diariamente em oração e o alento espiritual de confiança em Deus como forma de cultivar a esperança: Sua carta, meu caríssimo amigo, desperta particularmente minha compaixão. Desde que a recebi, não mais subo ao Santo Altar sem recomendá-lo Àquele no qual ninguém põe em vão a esperança, Àquele
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que pode fazer com que superemos os maiores obstáculos. (Cartas, nº 249, 8 de abril de 1839)
Cuidar do coração das crianças, amá-las, além de ser condição fundamental para bem educar, sempre fizeram parte dos temas e habilidades desenvolvidas na pedagogia marista. O documento Guia das Escolas, lançado na segunda sessão do Segundo Capítulo Geral do Instituto dos Irmãos Maristas, em 1853, confere um capítulo inteiro à Educação do Coração. Já no primeiro capítulo, ele faz referência à necessidade da educação integral: “Uma boa educação é o maior benefício que se pode assegurar a uma criança. Pela educação, a criança cresce na piedade e na virtude; o seu coração e os seus hábitos se formam, enquanto se desenvolve o seu espírito e o seu corpo se fortifica. ” (Guia das Escolas, p. 25).
Mesmo vivendo um tempo de compreensão dualista da vida humana em seus primórdios, a educação marista tem colaborado na valorização do cuidado dos afetos como parte integral da pessoa, com atenção especial na idade in-
fantil e juvenil: “enquanto o educador se ocupa em desenvolver e enriquecer a inteligência da criança, deve formar o coração dela. O que chamamos aqui de coração, em psicologia recebe o nome mais exato de sensibilidade e designa a faculdade de experimentar todos os tipos de sentimentos.” (idem, p. 46). Cabe aqui a referência de Leonardo Boff (2012A) quando descreve as três dimensões fundamentais do ser humano, dentre elas, a Interioridade, reportando-se aos sentimentos e emoções. A importância de educar (formar) bem o coração tinha, no Guia das Escolas, como intenção e consequência positiva, formar pessoas inclinadas para as virtudes do bem, como nos é conhecida a expressão de Marcelino Champagnat quando se referia à educação das crianças e sua vivência tanto no meio religioso quanto social: “formar bons cristãos e bons cidadãos” (Cartas, nº 273, 19 de setembro de 1839) Consciência da Presença de Deus A compreensão transcendente, profunda, em relação ao outro,
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pode-se revelar no olhar que supera aparências, do que é visto em primeiro plano. Um olhar místico sobre as realidades, ver o belo, o novo, o maravilhoso, a graça, as bênçãos na presença do outro, sentir o Sagrado presente, o diálogo do silêncio e da contemplação. Como reza a expressão tão conhecida de Saint-Exupéry, “o essencial é invisível aos olhos”.
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Santo Agostinho expressa com profundidade o encontro consigo mesmo e com Deus, com sua força propulsora, com seu mais íntimo e profundo ser. Após ter gastado suas energias buscando Deus (racionalmente) fora de si mesmo, em uma realidade externa e não encontrando, ele o sente e vive em seu profundo: ... tarde Vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei! Eis que habitáveis dentro de mim, e eu, lá fora, a procurar-Vos! Disforme, lançava-me sobre estas formosuras que criastes. Estáveis comigo e eu não estava Convosco! Retinha-me longe de Vós aquilo que não existiria, se não existisse em Vós. Porém, cha-
mastes-me, com uma voz tão forte, que rompestes a minha surdez! Brilhastes, cintilastes, e logo afugentastes a minha cegueira! Exalastes Perfume: respirei-o, a plenos pulmões, suspirando por Vós. Saboreei-Vos e, agora, tenho fome e sede de Vós. “Tocastes-me e ardi, no desejo da Vossa Paz” (Confissões, Cap. XXVII, 2004, p. 491).
O momento sagrado de consciência de Deus, que santo Agostinho experienciou, expressa a sensibilização dos sentidos: “rompestes minha surdez”; “afugentastes a minha cegueira”. Um encontro que acontece na profundidade do coração. Esse movimento do centro para fora, ou de dentro para a realidade, é perceptível nas atitudes de Champagnat que cultivava a “presença de Deus” como constante em sua vida e que o motivou a ver as realidades externas com um olhar diferente. No início de seu ministério sacerdotal, na paróquia de La Valla, a atitude inicial foi tomar consciência, pela observação, da realidade de como viviam as pessoas e, após, no projetar suas ações, tendo como pon-
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to central a presença de Deus, sua força motivadora para agir. Cuidou primeiramente de sondar o espírito dos habitantes de La Valla, conhecer-lhes o caráter, as boas qualidade, os vícios e os defeitos, abusos e desordens na paróquia. Após ter o conhecimento suficiente sobre tudo isso, recolheu-se na presença de Deus, arquitetou planos, forjou seus projetos com rara prudência, para reformar os abusos, corrigir as falhas, reavivar a piedade e a virtude, tornar seu ministério proveitoso a todos e realizar o maior bem possível. (FURET, 1999, p. 38)
Gregg (GOLEMAN et al, 2011, p. 145) afirma que a pessoa traz dentro de si um poder capaz de impulsioná-la, ao qual chama de espiritualidade. Champagnat sempre manteve forte, como eixo central em sua vida, a consciência da presença de Deus, chegando a ser citada em seu Testamento Espiritual como uma das três características fundantes de sua espiritualidade (SAMMON, 2003). Esse poder central, segundo Gregg, é a “força mais poderosa do Universo”, que
nos leva, conectando-nos a ela em nosso eu interior, à dimensão transcendente do que vivemos em nosso cotidiano, à mudança, inclusive, de nossa realidade. O autor traz o pensamento de São Francisco de Assis e do poeta Rumí que apresentam poeticamente a existência desta dimensão interior (p. 144- 145): En nuestro interior, hay fuerzas hermosas y fuerzas salvajes”, dice san Francisco de Asís, resumiendo así el misterio y el poder que yace dentro de cada hombre, de cada mujer y de cada niño nacido en este mundo. Por su parte, el poeta sufí Rumí comparó la magnitud de nuestro poder a un gran remo que nos propulsa a través de la vida: “Si pones tu alma en esse remo –empieza diciendo- el poder que crea el universo conectará tus tendones a una fuente que no se encuentra más allá de tus extremidades, sino que es un reino sagrado que vive en tu interior.
O próprio fato conhecido como “Encontro com Montagne”, que será citado a seguir, gera a partir de uma realidade existen-
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cial gritante, e pela consciência de que muitos jovens não conheciam a Deus (o centro motivador de Champagnat) uma inquietude existencial, um movimento, tanto de busca pessoal quanto de partilha com outras pessoas, nesse caso com o jovem João Maria Granjon, que nesse tempo o acompanhava em algumas visitas aos doentes, como também nas missas presididas por Champagnat. Esse jovem, sob o olhar estratégico, pouco poderia oferecer, dado que era semi-analfabeto, mas a ele Champagnat confiou seu coração e seu sonho, porque sabia que se relatasse a algum colega de ministério sacerdotal ou a alguma autoridade, tanto civil como eclesiástica, não seria ouvido, antes rechaçado, como aconteceu em alguns períodos da história dele e do Instituto, quando ainda não era reconhecido, nem pelo Governo francês, nem pela Igreja local e de Roma (FURET, 1999). Assinado o contrato de uma pequena casa adquirida por mil e seiscentos francos, Champagnat dá início à obra tecida em seu coração, mesmo em condições materiais precárias e
com material humano aparentemente limitado. Sua força motivadora superava qualquer obstáculo. Assinado o contrato, ele próprio começou a consertar a casa, limpá-la e colocar nela uns poucos móveis indispensáveis. Pessoalmente, com umas tábuas fez as camas para seus dois Irmãos e também uma mesinha de jantar. Levou, então, os dois discípulos para a casinha modesta que se tornou o berço do Instituto dos Irmãozinhos de Maria. A pobreza transparece por toda a parte. Mas também eram pobres o presépio de Belém e a casa de Nazaré, e os filhos de Maria deviam assemelhar-se à Mãe, trazendo, desde o nascimento para a vida religiosa, a marca da pobreza e da humildade. Foi em 2 de janeiro de 1817 que os dois noviços tomaram posse da casa, começaram a viver em comunidade, lançando assim os fundamentos do Instituto dos Irmãozinhos de Maria. (FURET, 1999, p. 59)
A conexão com Deus e o sentido de sua presença alimentavam constantemente a força interior de Champagnat. Sentia, de certa forma, serenidade por ser um ins-
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trumento de Deus. Como expressa tão bem Leonardo Boff:
além de ser a mais própria para santificar-se, é, também, a mais simples, a mais fácil e a mais suave. É a mais fácil e mais simples porque abrange todas as demais e as substitui. É a mais fácil e mais suave porque a lembrança de Deus revigora a alma, cumulando-a de alegria e felicidade’.”(FURET, 1999, p. 295)
“Sentimo-nos amados, abraçados e acolhidos pelo Seio Divino. O que nos acontece, acontece no seu amor. Mesmo a morte não nos mete medo; é assumida como parte da vida, como o grande momento alquímico da transformação que nos permite estar verdadeiramente no Todo, no E no Testamento Espiritual adcoração de Deus. Precisamos passar moesta aos seus Irmãos: “Peço ainpela morte para viver mais e me- da a Deus e desejo com todo o arlhor” (BOFF, 2012A). dor de meu coração que persevereis
Era na fé e na confiança que a Providência Divina tudo acompanhava que Champagnat exercitava a presença de Deus, seja com alguns sinais como o toque do sino de tempos em tempos, seja aguçando seus sentidos frente à realidade. “O exercício predileto do Pe. Champagnat era o da presença de Deus. Preferia-o a qualquer outro, por inclinação, por atrativo e sobretudo porque sugerido pelo próprio Deus, como o caminho mais breve e eficaz para se atingir a perfeição: ‘Anda em minha presença, disse o Senhor a Abraão, serás perfeito’ (Gn 17,1). [...] A prática da presença de Deus,
fielmente no santo exercício da presença de Deus, alma da oração, da meditação e de todas as virtudes”. A virtude da humildade A principal virtude que identifica a espiritualidade de Champagnat é a humildade, fundamental para o serviço da evangelização, como também para as relações humanas, assim como já referenciado no Mito do Cuidado (BOFF, 2012B). Em várias circulares e discursos, alenta aos Irmãos viverem essa virtude. Quando ingressou no Seminário Maior de Lyon, Marcelino Champagnat formulou uma resolução que seria para ele
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regra de vida. Vê-se nela a autêntica espiritualidade nascida de uma concepção forte de humildade e de confiança em Deus e em sua providência.
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Senhor, confesso que não me conheço e estou cheio de vícios e imperfeições; dai-me conhecer meus defeitos e, sobretudo, a graça de corrigi-los. Rogo-vos este favor no mais profundo aniquilamento do meu coração. Divino Coração de Jesus que, por vossa profunda humildade, combatestes e vencestes o orgulho humano, a vós, principalmente dirijo minhas preces; dai-me, vo-lo suplico, humildade; destruí em mim a obra do orgulho, não porque é insuportável aos homens, mas porque desagrada o vosso divino coração e ofende vossa santidade. Santíssima Virgem, minha boa mãe, rogai por mim, vosso indigno servo; pedi ao coração adorável de Jesus a graça de eu me conhecer, me combater, me vencer e destruir em mim o amor próprio e o orgulho. A vossos pés tomo a resolução de fazer-lhe guerra sem tréguas. (FURET, 1999, p. 15)
Como afirmou São Francisco
de Assis (GOLEMAN, 2010), se o desejo for ruim ou maldoso, a espiritualidade que move e alimenta uma pessoa são relações negativas. Se, ao contrário, o que move é a sensibilidade, a afetividade, os valores humanos, o que move a pessoa é a essência da vida, o amor e seu cuidado. A vida de Champagnat foi um constante crescimento no cuidado do humano, tanto com seus Irmãos, tanto com as crianças que atendiam. Há um nível de consciência que é perceptível nas pessoas, pois alimentam as possibilidades de transcendência humana, e foi o que acompanhou a evolução das atitudes de Marcelino Champagnat: uma espiritualidade em crescimento e abertura, e isso se deu pelo cultivo da humildade. O amor a Jesus e Maria Jesus e Maria são o centro da espiritualidade de Champagnat. Ele tinha consciência que a obra lhes pertencia: “Deus, cuja presença Marcelino viveu e anunciou, não era uma divin-
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dade abstrata, mas o próprio Senhor Jesus. O mistério da Encarnação estava no centro de sua espiritualidade e sua trajetória de fé o levaria finalmente à intimidade com Jesus.” (SAMON, 2003, p. 25)
Sendo parte fundamental do carisma marista, a missão de evangelizar em seu sentido mais profundo de anunciar o amor de Jesus à humanidade é nascida da Missão maior de todo o cristão, mas que, de certa forma, é núcleo identitário da espiritualidade de Champagnat. Em suma, o amor a Jesus Cristo inspirava-lhe o zelo ardente por sua glória, levando-o a incentivar os Irmãos, em todas as ocasiões, a conhecerem o divino Salvador e torná-lo conhecido e amado. Nas suas instruções repetia continuamente: “Tornar Jesus Cristo conhecido e amado, eis a meta de sua vocação e a finalidade. [...] Falem frequentemente aos alunos de suas virtudes, seus sofrimentos, do amor que lhes mostrou pela morte de cruz. [...] Quanto mais o tornarem conhecido e difundirem seu amor, mais consolidarão o mundo da virtude e mais garantirão a sal-
vação de seus alunos”. (FURET, 1999, p. 312)
Influenciado pela Escola Francesa de Espiritualidade, especialmente por Boudon um dos seus maiores representantes (LANFREY, 2014), pela educação que teve no berço familiar (FURET, 1999) como também no Seminário Maior quando surgiu a ideia, liderados por Courveille, de fundar uma Sociedade de Maria. Champagnat teve um profundo amor à Maria, tanto que deu aos seus Irmãos o nome dela, unindo a atitude de filhos, de fraternidade e identidade: “Pequenos Irmãos de Maria” (FURET, 1999). Muitas foram as provas na vida de Marcelino, mas sua confiança em Deus e em Maria o fizeram superar todas as adversidades. Ele tinha total consciência de que “o projeto que empreendera não era dele, mas de Maria: “O relacionamento de Marcelino com Maria, a quem se referia como ‘Boa Mãe’, foi marcado por profunda afeição e total confiança, pois estava plenamente convencido de que o projeto que empreendera, na verdade era dela”. (Água da Rocha, n° 25)
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Para Champagnat, Maria era ao mesmo tempo fundamento e missão. Pela devoção a ela, confiança e zelo e ao mesmo tempo anúncio de seu amor à humanidade. Podemos sim afirmar que seu coração era movido pelo amor profundo a ela e o desejo que outros também a amassem: “Uma devoção terna e filial por nossa boa Mãe vos anime em todo tempo e em todas as circunstâncias. Tornai-a amada em toda parte, tanto quanto vos for possível. Ela é a primeira Superiora de toda a Sociedade”. (FURET, 1999, p. 224). Uma espiritualidade encarnada Outro aspecto fundamental da espiritualidade de Marcelino Champagnat, muito próxima ao sentido da presença de Deus, é espiritualidade apostólica, encarnada na realidade, em constante contemplação da realidade. As leituras de fé partiam da consciência de que Deus estava presente em todos os momentos e situação, mesmo aquelas que não desejasse, como o foi no fato Montagne. Cham-
pagnat, partindo de uma realidade de morte, de descaso da própria sociedade, sentiu nas situações de miséria o impulso para agir, porque sentia a presença de Deus. A natureza encarnada da espiritualidade de Marcelino era a fonte de sua prática da presença de Deus. Ele era apaixonado pelo Senhor e por sua missão. Para Marcelino, Jesus estava sempre por perto. Consequentemente, seu diálogo com o Senhor foi permanente, assim como a confiança n’Ele e em Sua vontade, que foram progressivamente se aprofundando. Marcelino sempre citava as palavras do Salmo 127: “Se o Senhor não construir sua casa, em vão trabalham seus construtores”. (SAMMON, 2003, p. 50)
Eram frequentes as chamadas de atenção aos Irmãos para que aguçassem a consciência de que, estando na presença das crianças, estariam realizando a vontade de Deus, até mesmo superando rotinas ou costumes devocionais e obrigatórios. Sabemos que, naquela época, a rigidez e o cumprimento das leis canônicas e litúrgicas
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era fundamental para a vivência cristã e, por conseguinte, muitos sentiam-se tranquilos, quando as cumpriam, mesmo que em detrimento da atividade apostólica. A espiritualidade horizontal, apostólica, encarnada na realidade é uma das características fortes que recebemos, como legado, da espiritualidade de Champagnat. Seu olhar místico e transcendente sobre as realidades e nas realidades motivou mudanças em seu tempo e nos move no mesmo sentido. Elevado à dignidade sacerdotal em 1816, fui enviado a um município do cantão de Saint Chamond (Loire). O que constatei com meus próprios olhos nesta nova situação, com relação à educação dos jovens, me lembrou as dificuldades que, por falta de professores, eu mesmo experimentara na idade deles. Apressei-me então em executar um projeto que havia formado de fundar uma associação de Irmãos professores para os municípios rurais, cuja penúria não lhes permitia ter os Irmãos das Escolas Cristãs. Dei aos membros da nova Sociedade o nome de Maria, persuadido de que
bastaria este nome para atrair um bom número de candidatos. Apesar da falta de recursos materiais, tivemos logo um bom resultado, o que justificando minhas conjecturas, superou minhas expectativas. (CHAMPAGNAT, Cartas, n. 59)
ESPIRITUALIDADE HORIZONTAL: UM CAMINHO ATUAL Ao final do documentário “I AM”, organizado Tom Shadyac, um diretor de sucesso em Hollywood, um dos entrevistados afirma que a salvação do Planeta passa pelo princípio/atitude da cooperação. A cooperação é um dos princípios da solidariedade, que ganha mais força e sentido se reconhecido como apelo do próprio Deus. Cultivar a espiritualidade encarnada assim como o fez Champagnat, tendo como cerne a presença de Deus (SAMMON, 2003) é um caminho e maneira atual de realização humana. O documento final do 21º Capítulo Geral do Instituto dos Irmãos Maristas (2009) desafiou
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“olhar o mundo com os olhos das crianças e jovens pobres”, o que requer o movimento, não somente de servir aos pobres, mas ver de como eles. O olhar com amor, e a partir da situação da vida do outro, é o princípio da compaixão. Como maristas, a partir da nossa razão de existir como carisma, jovens e crianças. Essa razão é nossa a paixão, como afirma Green (2014, p. 8), dos que
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“foram agraciados pelo fato de terem descoberto sua paixão por Deus e, por meio dela, sua paixão pelos jovens”. A espiritualidade marista se revela na atitude apaixonada de evangelizar crianças e jovens: “em última análise, o que é espiritualidade senão o que fazemos com paixão?” (SAMMON, 2003, p. 22).
Somos desafiados a ser místicos horizontais (GARCIA26). A espiritualidade da libertação ensinou a rezar a partir do lugar teológico, das juventudes, dos pobres, das crianças, dos que estão à margem da sociedade, assim como o próprio Jesus fazia quando estava com eles.
Não há lugar na América Latina – afirma Gutiérrez– onde se ore com mais fervor e alegria no meio do sofrimento e da luta diária, do que nestas comunidades inseridas no povo pobre. É um ato de reconhecimento e de esperança no Espírito que nos torna livres e que nos levará à verdade completa” (FLORISTÁN, apud TAMOYO et alters, 2009, p. 188).
Por muitos tão bem reconhecida como ‘espiritualidade do cotidiano’, a espiritualidade apostólica é vivenciada na descoberta de Deus em todos os acontecimentos e a exemplo de Jesus e dos primeiros apóstolos, é possibilidade de ser sinal de Deus na realidade diária. Isso requer educação da sensibilidade do coração e dos sentidos, ver o mundo com os olhos de Deus, de sua misericórdia, escutar os corações aflitos, descer à realidade dos que mais sofrem, festejar as conquistas tanto pessoais quanto das outras pessoas, enfim estar próximo e deixar-se evangelizar, inclusive, pelas humanidades e desumanidades. É a partir das desumanidades, da opressão, do descaso, da escravidão, da exclu-
26 Site RED-EAM. García, José Antonio. Texto Místicos Horizontales (http://maristas.org.br/drive/cvcl/2014/Textos%20em%20PDF%20Espiritualidade%20 Apost%C3%B3lica/M%C3%ADsticos%20horizontales%20(texto%20original%20 completo)_Jos%C3%A9%20Antonio%20Garc%C3%ADa.pdf – busca 04/08/2015)
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são que Deus convoca os profetas a ser sua voz e defender seu povo27. Espiritualidade horizontal: Es despertarse cada día enamorado de un Dios que nos besa la frente al darnos la bienvenida al nuevo día. Es abrir los ojos cada mañana a la aurora de gracia que nos espera durante la jornada. Es meternos de lleno cada día em toda la actividad y experiencia humana que se nos presenta – lo gozoso, lo triste y lo neutral – em memoria de Jesús. Es vivir cada día mano a mano con Él. Es reírnos y llorar, trabajar y bailar, conversar y calar... y todo dentro del contexto del Evangelio. Es ser lo que somos y hacer lo que hacemos porque es lo que somos y lo que hacemos, y el porque así lo hizo Él. ( SCOTT, Margaret. La Espiritualidad del cotidiano: Entrar em el santuario de las cosas. (Site RED-EAM)28
Uma das características da espiritualidade apostólica é o exercício das “leituras de fé” dos acontecimentos e fatos que se apresentam. Na vida, quantas histórias, quantos fatos poderíamos partilhar, que foram verdadeiras leituras de fé, em que sentimos a presença de Deus mais intensamente. Da mesma forma, quantas pessoas não são sensíveis às experiências da vida e procuram encontrar razões pela razão, somente. Ver um homem de rua, um jovem jogado à calçada, uma criança em situação de vulnerabilidade, um ancião desprotegido, já não lhes causa impressão, tudo entrou na esfera da normalidade - banalidade. Deus nos fala diariamente nas situações menos ou mais agradáveis, menos ou mais prazerosas, menos ou mais dolorosas.
27 Em se tratando de espiritualidade bíblica, cristã e apostólica, é importante reconhecermos que é Deus quem toma iniciativa. Em vários textos podemos perceber a iniciativa divina, indicando uma missão de resgate das humanidades sentida pelo próprio Deus. A vocação de Moisés (Ex 3, 1-15), de Samuel (I Sam 3, 10-19), de Isaías (Is 6, 8), de Ezequiel (Ez 2). Em Jeremias encontramos a iluminação bíblica da qual afirma que existimos no coração de Deus antes mesmo de nossa concepção (Jr. 1, 4-8). Outros chamados que o próprio Jesus fez aos seus discípulos (Mt 4, 18-22; Mc 2,13-14; Jo 1, 45-49) nos levam a refletir a proximidade de Deus, em Jesus, na realidade própria de cada um: pescando, limpando as redes, coletando impostos, ou simplesmente estando sob a sobra de uma “bela figueira” (Jo. 1,48). O chamado de Maria (Lc 1, 26-38), em sua comunidade e o encontro dela com Isabel (Lc 1,39-45), o Magnificat (Lc 1, 46-55) enraizado na Palavra de Deus e encarnado na realidade dos sofridos, nos traduzem uma espiritualidade do cotidiano. 28 (http://maristas.org.br/drive/cvcl/2014/Textos%20em%20PDF%20Espiritualidade%20 Apost%C3%B3lica/M%C3%ADsticos%20horizontales%20(texto%20original%20completo)_ Jos%C3%A9%20Antonio%20Garc%C3%ADa.pdf – busca 04/08/2015)
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Quantas mãos, quantas energias, quantos sacrifícios e alegrias para que tudo o que usamos, que nos serve, chegue a nós. Quantos cuidados de Deus por cada um de nós, pelos seus filhos e filhas a quem tanto ama. Nisso poderíamos nos deixar iluminar pelo Salmo 127 (126) que tantas vezes, segundo a tradição marista, Marcelino Champagnat rezou. De fato, “Deus dá o pão aos seus amados enquanto dormem”. Talvez em um tempo não tão distante de nossas experiências de vida, as pessoas vivenciassem com maior intensidade o semear e colher alimentos, o ‘bater o trigo’, moer grãos para farinha, cozer pães, forjar uma enxada, construir uma casa. Quanto disso e outras verdadeiras obras de arte e crença. A espiritualidade encarnada requer uma mística profunda, ou
como se refere Garcia, “sermos místicos horizontais”, “contemplativos na ação”29, e a entrega dos projetos a Deus, no caso de Marcelino a Deus e a Maria, demonstra sua claridade e consciência do sentido de ser e estar no mundo. Ele não empreendera projetos sozinho, mas tinha plena consciência que Deus empreendera através dele. Pela primeira inspiração e desejo de, com seus amigos, formarem uma sociedade dedicada à Maria (FURET, 1999), sua espiritualidade carrega, em seus fundamentos e atos, o jeito de ser de Maria30. Considerava-a “Boa Mãe”31, “Recurso Habitual”32, “Primeira Superiora”. Esse dado, para a espiritualidade de Marcelino é fundamental, já a tinha como modelo de vida e ‘segurança’ da obra.
29 http://maristas.org.br/drive/cvcl/2014/Textos%20em%20PDF%20Espiritualidade%20 Apost%C3%B3lica/M%C3%ADsticos%20horizontales%20(texto%20original%20completo)_ Jos%C3%A9%20Antonio%20Garc%C3%ADa.pdf 30 “Dando-nos o nome de Maria, Champagnat quis que vivêssemos de seu espírito. Convencido de que Ela fez tudo entre nós, chamava-a de Recurso Habitual e Primeira Superiora” (FAUSTINO JOÃO, 1998, p. 25) 31 “Uma devoção terna e filial por nossa boa Mãe vos anime em todo tempo e em todas as circunstâncias. Tornai-a amada em toda parte, tanto quanto vos for possível. Ela é a primeira Superiora de toda a Sociedade”. (FURET, 1999, p. 224) “O relacionamento de Marcelino com Maria, a quem se referia como ‘Boa Mãe’, foi marcado por profunda afeição e total confiança, pois estava plenamente convencido de que o projeto que empreendera, na verdade era dela.” (Cf. Documento Água da Rocha, n° 25) 32 “Só a ela, depois de Deus, queria ser devedor de tudo e de sua proteção tudo esperava. Maria é nosso
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... não esqueça de considerá-la como Primeira Superiora de sua casa e, consequentemente, não empreenda nada de importante sem consultá-la. Entregue-lhe sua pessoa, os Irmãos, as crianças, a escola inteira. Empenhe-se em propagar sua devoção. Recorra a ela em toda e qualquer necessidade e, depois de ter feito seu possível, diga-lhe que será problema dela se as coisas desandarem.” (FURET, 2009, p. 473)
Michael Grenn afirma que o próprio movimento da educação marista depende da paixão que move seus educadores. A força propulsora que moveu a primeira comunidade marista à educação, à espiritualidade e vida partilhada, é também fundamento e força vital para os que hoje continuam a obra de Marcelino (...) Essa essência somente pode ser apreciada ao tocar o coração daqueles que têm sido inspirados pelo movimento marista, que se sentem à vontade com ele, sentem-se satisfeitos com ele e que foram agraciados pelo fato de terem descoberto sua
paixão por Deus e, por meio dela, sua paixão pelos jovens. O futuro do movimento da educação marista dependerá de seus membros e seu poder de igualmente atrair novos membros, sustentar sua essência e recriá-lo, considerando a época em que vivem, sua cultura e as circunstâncias que os rodeiam. ” (GREEN, 2014)
Leituras de fé em nossas realidades são desafios de quem está aberto a elas e se propõe a viver uma espiritualidade apostólica, horizontal. É ser místicos, ‘presença-sinal’ de Deus na vida de tantos que sentem a necessidade de despertar para o sentido mais profundo da vida. CONSIDERAÇÕES FINAIS A espiritualidade marista encontra em Marcelino um jeito próprio de ser que outros santos, líderes cristãos, não viveram. Não é possível desvincular nossa espiritualidade da espiritualidade de Marcelino Champagnat, sem perder a identidade marista. A espiritualidade
Recurso Habitual (Champagnat, in FURET, 1999, p. 322)
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de Marcelino Champagnat é fundamento que move nosso Instituto: a paixão aos jovens e crianças. Mesmo que tentemos caracterizá-la, não conseguiremos captar a experiência mais profunda e vivência que os primeiros Irmãos e pessoas próximas a Champagnat tiveram com ele. Como afirma Ir. Mariano Varona, coordenador por muitos anos, desde sua fundação, da Rede Interamericana de Espiritualidade Marista, não conseguimos falar ou escrever sobre espiritualidade sem vivenciá-la. | 92 |
Vivemos em um tempo na Igreja, na sociedade, em que a espiritualidade marista revela e anima um novo jeito de ser e estar no mundo: com cuidado materno e afetivo ao Planeta, às crianças, aos jovens em especial em situações de fragilidade. Passar de uma espiritualidade do poder para uma espiritualidade com rosto mariano, do serviço e da presença, é tão atual, ou até mais, que no tempo em que ela surgiu. Marcelino Champagnat nos deixa um legado de unidade de vida
e missão que não podem caminhar separadas: a espiritualidade e missão. Não realizamos nenhuma missão transformadora sem a força motivadora que nos leva a apaixonar-nos pelos jovens e crianças e acreditar neles. Vale o mesmo para espiritualidade que ganha sentido somente se encarnada, vivida na realidade da vida. Creio que esse é um dos grandes desafios e ao mesmo tempo sinal para o Mundo, tanto na vida pessoal quanto na vida do Instituto Marista. Benditos são nossos caminhos por terem se encontrado com o caminho marista, por termos tido em nossa história o encontro com Marcelino Champagnat. A intensidade e a perenidade desse encontro depende do encantamento de cada pessoa. Mas quem vive com intensidade essa experiência, quem o encontrou e se encantou, impregna em si uma identidade, um jeito de ser e amar, uma espiritualidade, que é impossível não contemplar nos seus olhos. Esse encantamento é que nos dá a serenidade e a alegria de contemplarmos novos horizontes.
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REFERÊNCIAS AGOSTINHO, Santo. Confissões. Lisboa: Imprensa NacionalCasa da Moeda, 2004 BALBINOT, Gustavo. Educação Não Formal: A contribuição da Música da Educação da Sensibilidade na Adultez. Porto Alegre: PUCRS, 2013. BOFF, Leonardo. A dimensão do Profundo: o espírito e a espiritualidade. 2012A (http://leonardoboff.wordpress. com/2012/08/27/a-dimensao-do-profundo-o-espirito-e-a-espiritualidade/) _____. Saber Cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012B. CHAMPAGNAT, Marcelino. Cartas. São Paulo: Loyola: SIMAR, 1997. ESPEJA, Jesús. Espiritualidade Cristã. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.
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IMODA, Franco. Psicologia e Mistério: o desenvolvimento humano. São Paulo: Paulinas, 1996. LANFREY, André. Marcelino Champagnat e os Primeiros Irmãos Maristas 1789-1840: Tradição Educativa, Espiritualidade Missionária e Congregação. Villeurbanne, 2010. MERLEAU-PONTY, M. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 2000. MURAD, Afonso. Gestão e Espiritualidade: uma porta entreaberta.São Paulo: Paulinas, 2007. PIKAZA, Xabier e SILANES, Nereo. Dicionário teológico: o Deus cristão. São Paulo: PAULUS, 1988.
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DESENVOLVIMENTO DOCENTE: SABERES E INSPIRAÇÃO EM MARCELINO CHAMPAGNAT
Leia Raquel de Almeida33
DESENVOLVIMENTO DOCENTE: SABERES E INSPIRAÇÃO EM MARCELINO CHAMPAGNAT
RESUMO O presente artigo propõe ressignificar alguns aspectos do desenvolvimento docente, inspirado na pedagogia marista a partir da constituição dos saberes aplicados na prática docente de Irmãos Maristas. Este registro recorre às cartas de Marcelino Champagnat, relacionando-as com depoimentos de Irmãos que assumiram a docência na Rede Marista34. Partindo de algumas ideias de Imbernón (2011) e Tardif (2014), sobre o desenvolvimento docente e a constituição dos diferentes saberes, enfocamos na experiência dos religiosos que, assumindo a vida consagrada marista, exerceram a docência na escola de Champagnat. Nesta análise, propomos a reflexão sobre elementos percebidos no cuidado de Marcelino, revelados nas cartas aos Irmãos educadores e que sinalizam marcas importantes no exercício da docência, servindo de inspiração para a formação continuada de leigos que compartilham o carisma.
PALAVRAS-CHAVE Desenvolvimento Docente. Pedagogia Marista. Saberes. 33 Pedagoga. Mestranda em Gestão Educacional (UNISINOS-RS). Já atuou como assessora da PJM, professora e no Serviço de Pastoral. Atualmente é coordenadora pedagógica no Colégio Marista Rosário. E-mail: leia@maristas.org.br; leiaraquel.a@gmail.com 34 Como Unidade Administrativa do Instituto Marista, Rede Marista equivale à Província Marista Brasil Sul-Amazônia.
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INICIANDO A CONVERSA As escolas maristas expressam uma forma específica de atendimento às suas comunidades educativas, caracterizadas pela pedagogia marista. É essa pedagogia que ilumina as opções pedagógico-pastorais, os itinerários formativos e a maneira de conceber o currículo, as aprendizagens. Enfim, a educação proposta na formação de todos os sujeitos frente aos diferentes contextos em que a escola está inserida. | 96 |
O presente artigo propõe ressignificar alguns aspectos do desenvolvimento docente inspirado na pedagogia marista, a partir da constituição dos saberes aplicados na prática docente de Irmãos Maristas35. Para a análise do material, alguns elementos foram delimitados e comparados aos depoimentos de religiosos que assumiram a docência na instituição marista. Essa escrita, além de propor alguns desdobramentos dos elementos citados, encontra eco na palavra dos entrevistados, sugerindo pos-
sibilidades de atenção à formação continuada dos Leigos e Colaboradores que compartilham a missão de educar nesses quase 200 anos. Portanto, a intenção é que este artigo venha contribuir com o desenvolvimento docente, resgatando os elementos contidos nas cartas de Marcelino Champagnat, eclodindo também as inspirações dos Irmãos Maristas que atuaram na docência, na busca de significar novas inspirações de docência entre os Irmãos e os Leigos maristas. Para isso, o artigo está organizado em três vertentes de inspiração da grande fonte que é o carisma marista. A primeira é a pedagogia marista que une, na escola de Champagnat, Irmãos e Leigos na vitalidade do carisma e na singularidade da presença, de forma especial, relacionada à função do educador. A segunda apresenta a valoração das experiências e dos sentidos na constituição dos saberes docentes, que anunciam a disposição dos Irmãos professores em atuar na prática pedagógica e, na terceira, estão apresentadas as possibilidades de desenvolvimen-
35 Os Irmãos Maristas são homens consagrados a Deus, que seguem Jesus Cristo do jeito de Maria, inspirados por São Marcelino Champagnat, empenhados em tornar Jesus Cristo conhecido e amado.
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to profissional de Irmãos e Leigos, inspirando e possibilitando outros aprendizados no exercício da docência. Por fim, para escrever essa história, as fontes de pesquisa são as Cartas de Marcelino Champagnat destinadas aos Irmãos Maristas, e as palavras dos Irmãos docentes concedidas por entrevistas. Essa relação será analisada à luz de alguns teóricos e diante dos anseios da missão revelada na pedagogia marista. PRIMEIRA VERTENTE: A PEDAGOGIA DA PRESENÇA Nesta primeira seção, o artigo aponta alguns elementos da pedagogia marista como as características que a define nas relações com os diferentes contextos. A missão do Instituto se reveste de amor e cuidado e, baseada nesses fundamentos, elege como características próprias do estilo educativo: presença, simplicidade, espírito de família, amor ao trabalho, ser e agir do jeito de Maria.
Para dar visibilidade a esses aspectos, entrevistamos três Irmãos Maristas que atuaram na docência (nos últimos cinco anos) para nos dizer quais são os aspectos da pedagogia marista mais visíveis e inspiradores no fazer pedagógico deles. Como resposta, obtivemos: O que me inspira no fazer pedagógico é a possibilidade de estar junto aos estudantes, contribuindo em sua caminhada, que vai além dos conteúdos ministrados nas disciplinas, ajudando-os a ampliar seu horizonte interpretativo e a visão de mundo. (IR1)36
Outra resposta sobre a inspiração no fazer pedagógico encontra eco nas características da pedagogia marista, conforme a resposta abaixo: A partir da opção feita enquanto formação acadêmica, atuar na docência é uma missão enquanto Marista. Valores como presença, o amor ao trabalho, a audácia, inspiram a minha vida e, dessa forma, busco incentivar os estudantes a viverem também o desenvolvimento dessas competências. (IR2)
36 Utilizamos letras e número (IR1); (IR2) e (IR3) para preservar a identidade dos Irmãos participantes do trabalho.
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Marcelino Champagnat se preocupou em formar Irmãos educadores para colaborar na educação de crianças e jovens de modo a oportunizar uma maneira de viver pós-revolução francesa. Conforme seu legado, “cria o Instituto para responder a um contexto e, em todos os momentos em que encaminhou os Irmãos, foi com esse intuito, para responder à demanda daquela realidade” (conforme IR3). Quando o Irmão (IR2) fala que “atuar na docência é uma missão enquanto Marista” manifesta uma impressão de que o exercício da docência está intimamente aproximado à vivência da missão, ressignificando o fazer pedagógico como uma bonita experiência de continuar o carisma. Dessa forma, é possível destacar que a pedagogia marista acontece através do trabalho compartilhado entre Irmãos e Leigos nos diferentes contextos, demarcando-os com um estilo próprio, sistematizado na Missão Educativa Marista: Nosso estilo educativo baseia-se em uma visão integral, que se propõe conscientemente a comunicar valo-
res. Ao partilharmos essa visão com outros educadores, principalmente os cristãos, empregamos uma abordagem pedagógica própria, desenvolvida inicialmente por Marcelino Champagnat e pelos primeiros Maristas, e que era inovadora em muitos aspectos. (MEM, 2003, p. 49)
Esse estilo é aplicado nas formas e modos de exercer o fazer pedagógico. Nesse sentido, sobre os aspectos da pedagogia marista presentes no fazer pedagógico, os Irmãos entrevistados indicaram elementos como a presença, o amor ao trabalho, bem como o desenvolvimento de valores concatenados com a excelência acadêmica e a busca pelo desenvolvimento profissional e formação integral. Em um dos depoimentos, encontramos: Sobre os aspectos da pedagogia marista, destaco a presença, que é uma característica que ajuda a criar uma relação de confiança com os estudantes; a formação integral, que nos desafia a olhar a pessoa nas suas diversas dimensões; a evangelização, que dá o horizonte de que tipo de valores
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queremos desenvolver, e é um aspecto central e essencial da maneira de compreender e fazer educação marista; a disciplina, que favorece para que o processo educativo aconteça; e uma grande questão é a entrega, o amor pela causa, o envolvimento, o estar atento a cada pessoa e processo. (IR1)
conhecer cada um pessoalmente. Individualmente, e como grupo de educadores, estabelecendo com eles um relacionamento baseado no amor, que crie um clima favorável à aprendizagem, à educação dos valores e ao seu desenvolvimento pessoal. (MEM, 2003, p.49)
Uma das características que mais aparece nas entrevistas é a presença. Assim, buscamos retomar nos documentos maristas o conceito de presença e verificamos que é concebido como “a dedicação do tempo no encontro e na relação com o outro” (IR3), conforme reafirmado na entrevista. De forma aplicada na prática pedagógica, a presença se justifica pelas relações estabelecidas, conforme preconizado pela Missão Educativa Marista:
Resgatamos uma das formas de Champagnat tornar-se presente na vida dos Irmãos, que são as cartas. Em uma delas, endereçada ao Irmão Barthélemy37, Champagnat demonstra estar atento aos desafios apresentados à realidade vivida pelos irmãos, escreve:
Educamos, sobretudo, sendo presença junto às crianças e aos jovens, demonstrando-lhes que nos preocupamos com eles e estamos atentos às suas necessidades. Dedicamos-lhes nosso tempo, além das relações meramente profissionais, buscando 37 Cf. Cartas, 19 (03 de janeiro de 1931).
(...) Tomo parte deveras em todos os aborrecimentos que lhes podem causar os contratempos sofridos por seus colaboradores. (...) Ânimo, meu caro amigo, veja como seu trabalho é precioso diante de Deus. (...) Quanto bem você pode fazer (CHAMPAGNAT, 1997, p. 58- 59).
Nessa carta, Champagnat demonstra preocupação e zelo ao Irmão, preocupa-se com ele e motiva-o a continuar na missão. A presença na pedagogia marista encontra, no
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outro, a motivação, o desafio e o desejo de estar com. A presença pressupõe um encontro, um posicionamento, localizado em um lugar, em um contexto, em um espaço. E, na pedagogia marista, a presença se reveste de cuidado, que favorece ao vínculo em um movimento de atenção, fraternura e proximidade.
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Por isso, confere-se a importância e a valorização do encontro, da convivência e da relação, como fatores de aprendizagens para o exercício da docência, inclusive no que tange ao desenvolvimento profissional. O que coaduna com a ideia de Imbernón (2011), quando o autor reflete que: (...) tudo isso nos leva a valorizar a grande importância que tem para docência a aprendizagem da relação, da convivência, a cultura do contexto e o desenvolvimento da capacidade de interação de cada pessoa com o resto do grupo com seus iguais e com a comunidade que envolve a educação. (IMBERNÓN, 2011, p. 14)
Assim sendo, a pedagogia marista acolhe e desafia Irmãos e
Leigos em uma relação que envolve tempos e saberes. Tempos esses de aprendizagem em que os diferentes saberes se constituem diante dos contextos que os une. A escola marista, com um estilo e pedagogia próprios, marca um posicionamento na sociedade, oferecendo respostas ao contexto no qual está inserida. Cada contexto, assim como no tempo de Champagnat, apresenta demandas que necessitam de posicionamentos, respostas e atuação profissional que apontam para a necessidade de atualização permanente. Imbernón (2011) vem ajudar nessa reflexão continuando a fala sobre a importância do contexto na aprendizagem e no desenvolvimento profissional: A especificidade dos contextos em que se educa adquire cada vez mais importância: a capacidade de se adequar a eles, metodologicamente, a visão de um ensino não tão técnico (...), que analisa a educação como um compromisso político prenhe de valores éticos e morais e o desenvolvimento da pessoa e a colaboração
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entre iguais, como um fator importante no conhecimento profissional. (IMBERNÓN, 2011, p.14)
O compromisso explicitado pelo autor é renovado em uma escola que, desde sua origem, foi pensada para efetivar seu zelo com a formação do humano, constituído de virtudes. Essa intenção fundacional é elemento de alegria em uma das cartas mais conhecidas de Champagnat. Na carta destinada ao Irmão Barthélemy38, o Padre Champagnat alegra-se com a notícia do aumento do número de alunos, dizendo: Sei também que estão com muitos alunos e que, portanto, terão também muitas cópias de suas virtudes, pois é seguindo estes modelos que seus alunos se formam. De acordo com os exemplos que vocês derem é que eles vão pautar o comportamento deles (CHAMPAGNAT, 1997, p.49).
Nessa carta, Champagnat expressa sua alegria e, ao mesmo tempo, chama a atenção dos Irmãos sobre a responsabilidade para com os inúmeros alunos que 38 Cf. Cartas, 14 (21 de janeiro de 1830).
se achegam à escola, fazendo alusão à importância do testemunho. Continua o padre: “Digam mais, que eu também gosto deles todos, que, em nenhuma vez, ao subir ao altar, deixo de me lembrar de vocês e de seus queridos meninos” (CHAMPAGNAT, 1997, p. 50). Para dar conta desse currículo, entremeado de questões políticas, sociais, permeadas pela afetividade herdada do fundador, Irmãos e leigos assumem a docência e, com a formação continuada, desenvolvem-se profissionalmente, capacitando-se para uma maior interação com os diferentes públicos e contextos. Os Irmãos entrevistados, ocupando a função de docentes, reconhecem a importância do fazer pedagógico baseado nas competências acadêmicas articuladas às competências ético-estéticas e políticas. Captamos na fala de um deles essa preocupação: “a busca pela excelência acadêmica, bem como o desenvolvimento de valores são aspectos que devem pautar o trabalho de cada profissional
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que conosco atua, assim como estão presentes na minha vida e no meu fazer, também” (IR2). Nas escolas maristas, é cada vez mais rara a presença de Irmãos Maristas como professores. Ainda assim, cada um daqueles que seguem a fidelidade do carisma, a exemplo de Champagnat, e dedicam suas vidas e projetos assumindo a vocação religiosa, expressam, na presença em outros tantos espaços educativos, saberes articulados com a vida religiosa e profissional que, ao mesmo passo que inspira, compromete no desenvolvimento da educação sonhada pelo fundador. Dessa maneira, resgatamos a seguir alguns saberes desses Irmãos que poderão servir de inspiração aos encaminhamentos do fazer pedagógico, com vistas ao desenvolvimento profissional. SEGUNDA VERTENTE: ENTRE SABERES E SENTIDOS A pedagogia marista se revela no fazer docente, que é fruto de
escolhas e posicionamentos pedagógico-pastorais alusivos às concepções que trazemos. Conforme as Diretrizes Nacionais da Pastoral Juvenil Marista, Toda a opção pedagógico-pastoral se inspira em pressupostos, que se traduzem em determinada concepção de homem e mulher que pretendemos educar, de sociedade que queremos construir(...). (SIMAR, 2006, p. 113)
É no fazer pedagógico que tais concepções se revelam. E essas concepções são construídas e assumidas ao longo de nossas histórias, conforme os sentidos que vamos conferindo aos saberes que constituímos. De acordo com Tardif (2010), (...) o saber é sempre o saber de alguém que trabalha alguma coisa no intuito de realizar um objetivo qualquer. Além disso, o saber não é uma coisa que flutua no espaço: o saber dos professores é o saber deles e está relacionado com a pessoa e a identidade deles, com a sua experiência de vida e com a sua história profissional, com as suas relações
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com os alunos em sala de aula e com os outros atores escolares na escola etc. Por isso, é necessário estudá-lo relacionando-o com nossos elementos constitutivos do trabalho docente. (TARDIF, 2014, p.11)
Logo, falar da experiência dos Irmãos Maristas que assumiram a docência é falar sobre a articulação e a constituição de saberes que não são somente curriculares, mas também experienciais. Perpassa pelo viés da identificação direta com a missão do carisma marista. Missão essa partilhada em outros espaços em que os Irmãos circulam, nas comunidades educativas e religiosas. Nessa relação, vão constituindo os saberes que, conforme Tardif (2014, p.61), são provenientes de fontes variadas. Sobre isso, o autor pontua: Entretanto, a relação dos docentes com os saberes não se reduz a uma função de transmissão dos conhecimentos já constituídos. Sua prática integra diferentes saberes, com os quais o corpo docente mantém diferentes relações. Pode-se definir o saber docente como um saber plural, formado pelo amálgama, mais ou 39 Cf. Cartas, 102 (19 de março de 1837).
menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais. (TARDIF, 2014, p.36)
Sobre os saberes experienciais, podemos resgatar toda a vivência de formação canônica vivida pelos Irmãos Maristas paralela à formação docente vivida nas universidades ou na prática da sala de aula, da convivência com o grupo de professores nos momentos de planejamento e de efetivação da prática docente. Outra fonte para os saberes experienciais são os elementos presentes na formação dos Irmãos Maristas sobre as concepções do seu fundador. Marcelino deixou-se revelar através das cartas que escrevera. Em uma delas, destinada ao Irmão Eutheyme39, Champagnat orienta que cuide da sua vocação de religioso e da sua função diante das escolas. Ele escreve: Procure fazer bem sua meditação, é um ponto importante na vida de um religioso. (...) Veja também como é importante a sua aula com os pequeninos; depende de você formar na religião todos os meninos aos quais
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está ensinando; depende de você que o céu se abra ou se feche para eles. Tenha em mente, portanto, meu caro amigo, levá-los ao bem, rezar por eles e procurar incutir bem forte o amor de Deus em seus coraçõezinhos. Reze todos os dias, antes de começar a aula (...) (CHAMPAGNAT, 1997, p. 224).
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Em outra carta, destinada ao Irmão Alphonse40, o Pe. Champagnat anima o irmão a bem cumprir sua missão de educador: “Meu bom amigo, dê tudo de si para fazer com que ela prospere. Procure formar em todas as virtudes cristãs os alunos que lhe forem confiados” (CHAMPAGNAT, 1997, p. 84). Com essas duas últimas cartas, são notórios o carinho paterno e o zelo responsável da parte do fundador de cuidado para com os irmãos. Champagnat ensina que o projeto de vida pode articular aspectos religiosos e profissionais e, na medida em que ambos coadunam com os valores e as concepções que se tem de sociedade e de humano, podem convergir em sentido para a vida. 40 Cf. Cartas, 31 (03 de novembro de 1833).
Na próxima vertente, sentido e projeto misturam-se na forma de conceber a docência, resgatando o sentido na pedagogia marista e o projeto que anuncia o desenvolvimento profissional na escola de Champagnat. TERCEIRA VERTENTE: NA PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO DOCENTE Em um dos documentos, fontes de recurso da pedagogia marista, há um relato que os primeiros Irmãos eram camponeses e que Marcelino Champagnat impregnou esses jovens com o seu zelo apostólico e educacional. Viveu entre eles e como um deles. Ensinou-lhes a leitura, a escrita, a aritmética, a rezar e a viver o Evangelho no cotidiano, e a serem mestres e religiosos educadores (MEM, 2003, p.20).
E, por isso, os saberes na prática pedagógica que os Irmãos desenvolvem, até os dias de hoje, é entremeada de valores e zelo pelo
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carisma que fomenta sua vocação e os inspira a continuar a missão voltada à educação de crianças e jovens.
de pôr em execução, sem mais detença, o projeto que há muito vinha acalentando. Comecei, pois, a preparar alguns professores. (CHAMPAGNAT, 1997, p.91)
Desse modo, quando nos dispomos a olhar para a forma com que os Irmãos Maristas se revelam nas práticas educativas que desenvolvem em uma escola pensada e sonhada pelo seu fundador, a quem pediram que permitisse chamar de “pai“ (IR. FURET, 1999, p. 105), somos mobilizados a pensar e a sentir com eles (nós, Leigos, com Champagnat e os Irmãos) o amor à causa e sentimento de pertença no comprometimento da ação pedagógica. Impossível não sermos tocados pela sensibilidade de Champagnat quando o fundador escreve ao Rei Louis-Philippe41, destacando a relevância do propósito da instituição:
Ao retomar os escritos de Champagnat, os posicionamentos profissionais tomam um sentido diferente. Não basta ter os conhecimentos acadêmicos e técnicos, é preciso resgatar a origem e compreender que ela nasceu com um propósito, revestido de espiritualidade e opção pelo humano. Pois esse sentido conferido está vinculado e sustenta o projeto de vida dos irmãos que vivem o carisma. Na extensão disso, encontramos Leigos e Leigas que se achegam à escola de Champagnat e, nela, reconhecem e se encontram com as concepções preconizadas pela missão educativa marista.
Nascido no cantão de Saint Genest Malifaiux, Departamento do Loire, só consegui aprender a ler com inúmeras dificuldades, por falta de professores competentes. (...) O que vi com meus próprios olhos me fez sentir mais vivamente a importância
O espaço para a construção desse perfil docente vinculado à proposta marista se dá através do diálogo entre os pares na escola, que contribuem para o aperfeiçoamento e o desenvolvimento profissional, pois, como conti-
41 Cf. Cartas, 34 (28 de janeiro de 1834).
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nua Tardif (2014), “os saberes dos professores são saberes com fundamentos racionais, e não saberes sagrados: o valor deles vem do fato de poderem ser criticados, melhorados, tornar-se mais poderosos, mais exatos e mais eficazes” (2014, p.206). Por isso, desde Champagnat, há a preocupação na formação dos educadores. Conforme a Missão Educativa,
para que não se perca o horizonte, tampouco a origem. Desse modo, os docentes na escola de Champagnat são tocados pelo exemplo dos Irmãos Maristas, no cuidado e no amor às crianças e jovens estudantes, em um processo de ensino e aprendizagem, flexionando e adaptando o zelo pelo carisma às exigências do contexto. Pois como reflete Tardif (2014):
Marcelino Champagnat desenvolveu um sistema de contínua capacitação profissional que articulava teoria e prática e baseava-se na experiência comunitária. Principalmente, durante os primeiros anos, as férias de verão eram dedicadas à reciclagem de seus Irmãos, aprimorando seus conhecimentos e seus métodos educativos através de conferências de trabalhos individuais e em grupo, e de bancas de exames. (MEM, 2003, p.24)
Um profissional deveria ser capaz de analisar situações complexas referentes a várias formas de interpretação; de escolher, de maneira rápida e refletida, estratégias adaptadas aos objetivos e às exigências éticas; de extrair, de um vasto repertório de saberes, técnicas e ferramentas, aqueles que são mais adequados e estruturá-los em forma de dispositivo; de adaptar rapidamente seus projetos por ocasião das interações formativas; enfim, de analisar de maneira crítica suas ações e os resultados delas e, por meio dessa avaliação, de aprender ao longo de toda sua carreira (TARDIF, 2014, p. 190).
É justamente nesse movimento de acompanhamento às práticas docentes e o incentivo à formação continuada que a proposta marista se vitaliza e se atualiza, que as concepções são retomadas e os planejamentos alinhados,
Desse modo, resgatar as histórias dos Irmãos Maristas e os elementos presentes nas Cartas de
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Marcelino pode ressignificar a forma com que se prevê a qualificação docente que eleva a formação continuada para uma condição e perspectiva de desenvolvimento profissional. Sugere, inclusive, pistas importantes de reflexão e aprendizados entre os professores, buscando rever todas as características da pedagogia marista e as inspirações para os leigos que compartilham a missão. POSSIBILIDADES E APRENDIZADOS A fonte de inspiração deste trabalho é o carisma marista e a intenção foi a de verificar as vertentes que dele decorrem e que possam servir como novas possibilidades na vivência docente, na escola de Champagnat. Como já descrito, é cada vez mais rara a presença dos Irmãos Maristas como docentes. Isso nos faz buscá-la em outros lugares, onde a missão exige que eles estejam. E, independente do lugar de ação – no passado ou na atuação presente – continuam sendo a primeira continuidade do carisma do fundador. Na práti-
ca educativa que revelam, propagam valores e as características da pedagogia marista, inspirando o fazer pedagógico entre Irmãos e leigos. E, por isso, são exemplos ternos da face de Champagnat. As vertentes desta escrita apontam para outras reflexões acerca do fazer docente, sugerindo possibilidades de outros aprendizados no que se refere à pedagogia marista revestida de sentido de vida. Um dos aprendizados é a oportunidade de revisitar as Cartas de Champagnat, buscando os elementos do cuidado e da forma de se tornar presente na vida dos Irmãos por parte do fundador. Outro aprendizado é o estímulo ao desenvolvimento docente que vai além dos saberes curriculares ou pedagógicos, mas que abarca os saberes experienciais que validam e valoram o exercício da pedagogia na escola marista. Um terceiro aprendizado, a partir da inspiração em Marcelino Champagnat, citado por um dos Irmãos entrevistado: A educação como opção de amor, como uma escolha de vida, a res-
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ponsabilidade diante da criança e do jovem, a compreensão de que a educação é um processo que precisa ser acompanhado e organizado; o olhar para as diversas dimensões da vida do educando, a importância de engajar os diversos atores e a educação como meio de evangelização (IR1).
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Chegando aos duzentos anos de história, é hora de olhar para os que nos antecederam e que foram sucessores de Champagnat, resgatando suas histórias e conhecendo suas inspirações. Os Irmãos Maristas continuam pelas escolas, na universidade, nos centros sociais, ou seja, continuam na educação, na fidelidade à promessa de Champagnat. E, nesses espaços, partilham com os Leigos e Leigas, com crianças e jovens, o sonho acalentado pelo fundador. Tais inspirações poderão nos tocar de tal modo a suscitar que cada um dê a sua resposta sobre a sua participação na revitalização da missão, enquanto tornamo-nos presença viva no fazer pedagógico, com audácia e esperança.
REFERÊNCIAS CHAMPAGNAT, Marcelino. Cartas. São Paulo: SIMAR, 1997. COMISSÃO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO MARISTA. Missão Educativa Marista: um projeto para nosso tempo. 3 ed. São Paulo: SIMAR, 2003. FURET, Jean-Baptiste. Vida de São Marcelino José Bento Champagnat. São Paulo: Loyola: SIMAR, 1999. IMBERNÓN, Francisco. Formação Docente e Profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. 9 ed. São Paulo: Cortez, 2011. SIMAR. Diretrizes Nacionais da Pastoral Juvenil Marista. Secretariado Interprovincial Marista. São Paulo: FTD, 2006. TARDIF, Maurice. Saberes Docentes e Formação Profissional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
HUMANIZAÇÃO, INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO NA UNIVERSIDADE: NOVOS DESAFIOS E PERSPECTIVAS INSPIRADOS NO LEGADO DE CHAMPAGNAT
Rafael Rossetto42
Carla Denise Bonan43
Elisabeth Avila Abdala44
Vanessa Manfredini45
HUMANIZAÇÃO, INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO NA UNIVERSIDADE: NOVOS DESAFIOS E PERSPECTIVAS INSPIRADOS NO LEGADO DE CHAMPAGNAT Graduação em Filosofia, Teologia e Direito. Pós-graduação em História do Brasil Contemporâneo. Agente de Pastoral Líder, no Centro de Pastoral e Solidariedade da PUCRS. 43 Carla Denise Bonan - Graduação em Farmácia pela UFSM, Mestrado e Doutorado em Ciências Biológicas pela UFRGS. Professora na Faculdade de Biociências, é também Diretora de Pesquisa na Pró-Reitoria de Pesquisa, Inovação e Desenvolvimento da PUCRS. 44 Graduação em Processamento de Dados pela UNISINOS. Mestrado em Administração pela UFRGS. Doutorado em Comunicação Social pela PUCRS. Professora da Escola de Negócios da PUCRS. 45 Graduação em Psicologia pela PUCRS. Mestrado em Administração pela UFRGS e Doutorado em Psicologia pela PUCRS. Professora Adjunta da Escola de Humanidades, Curso de Psicologia da PUCRS. 42
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RESUMO Este artigo tem por objetivo apresentar e discutir elementos que demonstram a importância do legado de Champagnat diante dos desafios contemporâneos em que a sociedade exige um protagonismo das universidades na perspectiva da humanização, da inovação e do desenvolvimento. Utilizou-se a pesquisa qualitativa e documental, a partir da análise interpretativa das cartas. Foi realizado, sob essa perspectiva, um estudo de algumas cartas de Marcelino Champagnat, nas quais se demonstra o seu amor à Missão, a forma inovadora e audaciosa como conduziu a fundação do Instituto Marista e a relevância da educação com instrumento para transformar as pessoas e a sociedade. Nesse sentido, a Universidade, orientada pelos valores e tradição educativa marista, tem o compromisso de formar cidadãos comprometidos com a construção e desenvolvimento de uma sociedade justa e fraterna.
PALAVRAS-CHAVE Humanização. Inovação. Desenvolvimento. Universidade. | 110 |
INTRODUÇÃO Nos últimos séculos, o processo de desenvolvimento das pessoas e até mesmo de países, do ponto de vista econômico e social, tem sido liderado pela atuação das Universidades. Desde suas origens, essas instituições de ensino evoluem de acordo com as características das sociedades em que atuam. Inicialmente, a missão das Universidades estava centrada no ensino e, posteriormente, incorporou-se à pesquisa. Atualmente, a sociedade espera uma atuação protagonista da Universidade no
seu processo de desenvolvimento em todos os aspectos, seja científico, social, econômico, ambiental e cultural. Nesse sentido, mantendo sua origem e acompanhando uma tendência global, as Universidades são chamadas a desempenhar um importante papel no crescimento das nações e nas questões ambientais e sociais que ameaçam nosso mundo. Além disso, compete à Universidade, não somente a formação de bons profissionais, mas principalmente de cidadãos conscientes de sua responsabilidade com o desenvolvimento da sociedade.
HUMANIZAÇÃO, INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO NA UNIVERSIDADE: NOVOS DESAFIOS E PERSPECTIVAS INSPIRADOS NO LEGADO DE CHAMPAGNAT
A missão Marista tem o compromisso educar crianças e jovens, visando formar bons cristãos e bons cidadãos. Portanto, mais do que nunca, os princípios e valores oriundos das intuições, reflexões e práticas de Marcelino Champagnat, continuam orientando nosso trabalho cotidiano. Aqui se pode destacar a importância das universidades como centros de excelência em educação que possibilitam religar a cultura científica e a cultura das humanidades, pois vivemos em um mundo que clama por uma ética da compreensão entre as pessoas, da solidariedade intelectual e moral da humanidade. Nesse sentido, de que as culturas aprendem umas com as outras é que pretendemos resgatar elementos importantes das cartas de Marcelino Champagnat, que evidenciam seu amor à Missão, sua visão de mundo e de pessoa enraizada no Evangelho de Jesus Cristo que, de forma inovadora e audaciosa, possibilitou-lhe a fundação do Instituto Marista como expressão de seu compromisso com o transformar das pessoas e da sociedade por meio da educação.
HUMANIZAÇÃO, INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO NA UNIVERSIDADE CATÓLICA MARISTA Humanização, inovação e desenvolvimento são características muito presentes na tradição educativa desde seu início com Marcelino Champagnat, que foi uma pessoa de uma humanidade impressionante, como se poderá perceber em suas cartas e, bem como foi “um homem prático e inovador” (CIEM, 2003, p. 21). Antes do desenvolvimento específico do tema desse tópico, é necessário se fazer algumas considerações históricas que possibilitam entender melhor a relação de Marcelino Champagnat com essas questões. Uma das principais influências em sua vida veio de seu pai, o senhor João Batista Champagnat que “Desempenhou um papel muito importante na história da Revolução em Marlhes [...], foi secretário da prefeitura, coronel da Guarda Nacional, [...] presidente da administração municipal do Cantão” (ZIND, 1988, p. 38). Desde cedo,
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então, Marcelino Champagnat aprendeu como trabalhar
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[...] na marcenaria, carpintaria, alvenaria e em todos os demais trabalhos necessários à boa administração de uma propriedade. O entusiasmo de Marcelino, seu temperamento robusto e o gosto pelo trabalho levaram-no a dedicar-se, para valer, a todas essas ocupações, e saiu-se admiravelmente bem. Aos catorze anos, começou a arquitetar planos de lucro e economia. [...] Os pais gostavam deste espírito de ordem e poupança. Deram-lhe dois ou três cordeirinhos, permitindo-lhe vendê-los em seu proveito pessoal, quando crescidos. Criou-os, de fato, com muito carinho; negociou-os, comprou outros que também criou e revendeu, sempre com lucro. Assim, com esse pequeno comércio e a série de economias, em breve ajuntou a quantia de seiscentos francos. Era muito para um jovem de dezesseis anos (FURET, 1999, p. 7).
Com excepcional capacidade, Marcelino Champagnat soube atuar em seu contexto sociopolítico, religioso e educacional, elaborando uma proposta de educação
integral para crianças e jovens, a partir de uma visão cristã da pessoa humana e do seu desenvolvimento. Por isso, diz-se que ele desenvolveu a Pedagogia do espírito de praticidade e inovação, pois era um [...] homem prático e criativo, inovador e arrojado, de espírito empreendedor e com grande capacidade de prever e imaginar, precisamos desenvolver a atitude de abertura à inovação e de adesão às novas tecnologias e aos novos métodos e recursos pedagógicos. Isso requer também vencer resistências a mudanças sadias, permite abandonar ideias superadas, a partir de critérios inspirados nos ideais que norteiam a escola superior católica e marista. Marcelino foi pioneiro em muitos aspectos pedagógicos, como a introdução de novo método de alfabetização, além da inserção do canto orfeônico e do esporte na educação, entre outras inovações. Ele era aberto a novas ideias e adaptável a novos contextos e situações: certamente é o que espera de nós, seus continuadores (FURET, 1999, p. 7).
Marcelino Champagnat não atuou diretamente na universidade, mas desenvolveu um jeito marista
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de educar que enriquece as possibilidades de atuação no ensino superior. Seu modo de ser era de alguém próximo do seu povo, consciente das suas desvantagens em face de um mundo em transformação, contudo soube “ousar imaginando outras possibilidades, além das contempladas pelos homens de Igreja e governantes do seu tempo. Sua determinação e dinamismo levaram-no a reunir seguidores [...]” (CIEM, 2003, p. 23). O modo de Marcelino Champagnat se relacionar com as pessoas em seu tempo nos inspiram e também pode ser muito útil no contexto hodierno.
formar seu contexto sociopolítico e religioso, especialmente a vida de milhares de crianças e jovens. Utilizando-se da riqueza de convicções, ele inovou não só o método de educação, mas também suas relações com as pessoas e com a sociedade. Assim também hoje a universidade marista sabe-se agente social responsável por realizar mudanças permanentes no seu contexto e para tal precisa sempre atualizar sua natureza, funções e finalidades, para poder evoluir e responder as novas questões e fenômenos que emergem. Por isso, é oportuno reafirmar aqui que:
A chave do sucesso de sua liderança era a sua habilidade em relacionar-se e comunicar-se com os outros. A sua personalidade e o seu projeto conquistaram as crianças e os jovens, tendo o dom de despertar-lhes as suas melhores qualidades, tornando-os os melhores embaixadores da sua obra [...] (CIEM, 2003, p. 25).
A educação superior marista é convocada a assumir a vanguarda no processo de conhecimento, que é a matéria-prima da Universidade. [...] Hoje, o conhecimento assumiu papel de destaque, pois a humanidade vive uma era de extraordinários avanços científicos e tecnológicos, que leva ao crescimento exponencial os níveis de conhecimento, compreensão e domínio das leis que regem o mundo e a vida. Denominada Sociedade do Conhecimento, essa metamorfose civilizatória resulta de duas condições inéditas: de
Como foi possível perceber nesse breve histórico, Champagnat foi capaz de utilizar os conhecimentos que acumulou para trans-
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um lado, o progresso das nações do mundo é cada vez mais avaliado por indicadores relacionados ao conhecimento e a propriedade intelectual, de outro, é da produção e da gestão desse conhecimento que as inovações científicas e tecnológicas derivam, e com elas novas oportunidades e desafios (REDE MARISTA INTERNACIONAL DE INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO SUPERIOR, 2010, p. 15).
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Uma das marcas de uma instituição de educação superior marista é que ela assume o compromisso com a educação integral como um de seus fundamentos para a formação dos futuros profissionais, visando educar para excelência na qualidade técnica e humana. Pautada nessa convicção é que a PUCRS definiu a formação integral e vivência dos valores institucionais como sua diretriz de sustentação das escolhas estratégicas para o período 2016-2022, sendo esta a essência que norteia a visão de futuro da Universidade. Um processo de formação integral consiste em desenvolver e despertar
nossas capacidades e riquezas mais profundas, o melhor de nós; aprender a pensar com autonomia, reconhecendo os valores humanos e institucionais que estão presentes em cada uma das nossas ações; ser solidário e ter espírito colaborativo; admirar e respeitar o mundo, a vida e tudo o que é humano, comprometendo-nos com a construção de uma sociedade justa e fraterna (PUCRS, 2016, p. 14).
A Universidade Marista quer formar um educando que valorize e respeite em sua vida pessoal, profissional e social, as dimensões que constituem como ser humano: física, afetiva, cognitiva, comunitária e social, eticovalorativa, estética e transcendente. Assim como, também, as suas múltiplas relações consigo mesmo, com o outro, com o cosmos e com o transcendente (TEIXEIRA, 2004, p. 634). Conhecer o ser humano é situá-lo no universo, interrogar-se sobre a condição humana, a partir dessa consciência conquistada pelo conhecimento, pode-se perceber que o ser humano, apesar de enraizado no pequeno mundo de seu cotidiano, revela sua abertura ao
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mundo. “Somos simultaneamente seres da abertura. Ninguém segura os pensamentos, ninguém amarra as emoções. Elas podem nos levar longe no universo. Podem estar na pessoa amada, podem estar no coração de Deus. Rompemos tudo, ninguém nos aprisiona” (BOFF, 2000, p. 27). Nesse sentido, pode-se afirmar que o homem como um ser ‘mordido’ do infinito é o único ser da criação capaz de transgredir os limites em que vive” (TEIXEIRA; MÜLLER, 2012, p. 22). Em outras palavras, a transcendência possibilita ao ser humano ir além da realidade que se apresenta, rompendo o que é dado, assumindo uma condição de ser espiritual que se constitui enquanto um projeto infinito. A transcendência e o transcendente constitui, assim, a essência da existência humana. O essencial não é a duração e sim a plenitude de sentido. Transcendência enquanto saída de si mesmo, procurar o que fica na outra margem e, dessa forma, conseguir um encontro. A vida de todo o homem como um encontro, educação como um encontro, vida da pessoa
como esforço para o acesso ao inacessível. Encontro com o mistério (TEIXEIRA, 2004, p. 638).
O estudo do ser humano como um ser complexo, aberto para a dimensão transcendente da existência deve, pois, ganhar relevo na universidade, especialmente porque a razão humana abre-se “a interrogações cada vez mais vastas” (JOÃO PAULO II, 1989). A universidade é um dos lugares, por excelência, à construção do conhecimento, mas também da sabedoria, da reflexão permanente, por meio do ensino, da pesquisa ou da extensão, que são formas de fomentar junto com os estudantes a busca por respostas às questões fundamentais do ser humano: a verdade, o bem, a justiça e a transcendência. O sentido cristão do desenvolvimento humano sustentável e integral opõe-se a determinadas visões que privilegiam apenas a eficiência, a produtividade, o consumo, a competitividade e o lucro a qualquer preço. Pelo contrário, propugna a superação das contradições sociais a partir da criação de novas
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formas de solidariedade internacional e cidadania global, baseadas no respeito à vida e na preservação do meio ambiente. Esse tipo de desenvolvimento supre as necessidades da geração atual e não compromete a capacidade de atender às futuras gerações, desde que fundamentado em novos modelos educacionais (REDE MARISTA INTERNACIONAL DE INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO SUPERIOR, 2010, p. 15).
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A universidade pautada por esse horizonte produz e difunde conhecimentos, participando de modo decisivo no processo de desenvolvimento da sociedade. Faz parte essencial de sua razão de ser organizar-se para educar para a cidadania, formar para a participação social, com igualdade de oportunidades, em diálogo com as diferentes e valores da humanidade. Pensar a educação de forma integral, superando a unidimensionalidade, é parte fundamental da missão da Universidade Católica no contexto da Sociedade do Conhecimento, caracterizada por extraordinários avanços científicos e tecnológicos, em que o
conhecimento assume papel de destaque, especialmente pelo surpreendente crescimento da sua produção, difusão e socialização. Essa sociedade traz novos desafios e novas demandas sociais, culturais e laborais que oportunizam as universidades exercerem de modo ímpar sua vocação científica e humanista. Do ponto de vista da educação do futuro, “é necessário promover um grande remembramento dos conhecimentos oriundos das ciências naturais [...], dos conhecimentos derivados das ciências humanas, bem como para integrar as contribuições inestimáveis das humanidades [...]” (MORIN, 2011, p. 44). O contexto contemporâneo exige uma educação de qualidade, capaz de “oferecer respostas aos principais desafios que a sociedade do conhecimento enfrenta” (JOÃO PAULO II, 1990). Vivemos em uma época em que o mundo se torna cada vez mais interdependente e frágil, na qual emerge a necessidade de ressignificação dos valores e culturas, para isto, enquanto humanidade, urge a
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realização de uma escolha paradigmática acerca de seu futuro. Neste sentido, Edgar Morin exclama que a educação do futuro deverá ser “o ensino primeiro e universal, centrado na condição humana. É imperativo conhecer o humano e, antes de tudo, situá-lo no universo, e não separá-lo dele” (MORIN, 2011, p. 43). Esse paradigma de educação requer um esforço transdisciplinar capaz de religar cultura científica e cultura das humanidades, trabalhando não pela lógica da oposição, mas sim da integração entre a natureza e cultura. A humanidade precisa de mentes mais abertas, escutas mais sensíveis, pessoas conscientes, responsáveis e comprometidas com a transformação de si e do mundo. Essa é a condição fundamental para a construção de um futuro viável para as gerações presentes e futuras (MORIN, 2011, p. 13).
É nesse sentido que somos instigados a “ter um pensamento
complexo, ecologizado, capaz de relacionar, contextualizar e religar diferentes saberes ou dimensões da vida” (ESCRIGAS; LOBERA; VALLS, 2013). O fator que mais influencia o desenvolvimento de uma sociedade é o conhecimento e a forma como esse é transferido para todas as áreas da vida. Todos os campos do conhecimento são valiosos e importantes para que seja possível enfrentar os desafios impostos pela sociedade globalizada. De acordo com Escrigas, Lobera e Valls (2003, p. 3) “a ciência e a tecnologia têm apresentado avanços espetaculares e as taxas de índices educacionais vêm alcançando níveis históricos em todo o mundo”.46 Apesar de existirem diferenças significativas entre os sistemas, principalmente entre países em desenvolvimento e desenvolvidos, alguns fatores influenciam as características do sistema de Ensino Superior no mundo. Dentre eles, percebe-se um “aumento na demanda”, causado pelo cresci-
46 Olhando para o Brasil, o acesso à universidade no País cresceu, mas o índice é baixo, diz a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico: “proporção de brasileiros entre 25 e 34 anos que concluiu o ensino superior quase dobrou entre 2004 e 2013, passando de 8,1% para 15,2% (1 a cada 7 brasileiros)” (CAPUCHINHO, Cristiane. Um em cada sete jovens conclui ensino superior no Brasil, aponta IBGE. São Paulo, 2014. Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/ educacao/2014-12-17/um-em-cada-sete-jovens-conclui-ensino-superior-no-brasil-apontaibge.html>. Acesso em: 10 fev. 2016).
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mento demográfico, melhores salários e qualidade de vida para as pessoas mais qualificadas, pelo valor social da Educação Superior e as mudanças nas condições de acesso (ESCRIGAS; LOBERA; VALLS, 2013).
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Outros fatores que influenciam estão vinculados à redução do papel do governo e ao aparecimento do mercado, em que as Universidades precisaram buscar fontes alternativas de renda; à emergência da educação privada e à diversificação de provedores e recursos financeiros que, em função da demanda crescente, permitiram que novas instituições se multiplicassem no mundo, sendo a maioria privadas; à internacionalização e educação além fronteiras e à acreditação para garantir qualidade e classificação. Para Escrigas, Lobera e Valls (2013, p. 7) a “visão e a missão da Educação Superior no futuro serão claramente reorientadas para os desafios da sociedade [...], a fim de reinventar uma resposta inovadora e socialmente comprometida”.
De acordo com Rodrigues (2006), identifica-se um considerável nível de concorrência entre Instituições de Ensino Superior no contexto Brasileiro. A partir dessa realidade, é necessário que as organizações adotem uma postura inovadora e incorporem o empreendedorismo no seu processo natural de gestão. Frente às questões expostas, torna-se imprescindível refletir sobre a inovação na Universidade. A inovação é considerada como uma fonte crucial de vantagem competitiva em um ambiente de crescente mudança. Para Damanpour (1991), a inovação está diretamente relacionada com um novo produto ou serviço, uma nova tecnologia no processo de produção, uma nova estrutura ou processo administrativo, ou um novo plano ou programa pertencente a membros da organização. Apesar de ser um conceito bastante amplo, o investimento em inovação ocorre para que haja uma contribuição ou maior eficácia da organização. Para o autor, a inovação poderá sofrer influência
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de diferentes categorias, incluindo o indivíduo, a própria organização e o ambiente. De acordo com Crossan e Apaydin (2010, p. 1155), a inovação pode ser definida como: [...] a produção ou adoção, assimilação ou exploração de uma novidade que agregue valor nas esferas econômicas e sociais; renovação e melhorias e produtos, serviços e mercados; desenvolvimento de novos métodos de produção e estabelecimento de novos sistemas de gerenciamento. É tanto um processo como um resultado.
Para Audy (2006), a partir do Modelo da Tripla Hélice, desenvolvido por Etzkowitz e Leydesdorff (2000), a Universidade amplia seu escopo de atuação, não sendo mais centrada somente no ensino, mas atuando na pesquisa e no desenvolvimento da sociedade onde está situada, estimulando o surgimento de ambientes de inovação e de uma cultura empreendedora. De acordo com Etzkowitz (1998), a primeira revolução na
academia ocorre com a integração da pesquisa para além das atividades de ensino. Através da segunda revolução é que surge o conceito de Universidade Empreendedora, ou Universidade Inovadora. Segundo Audy (2006, p. 66), “a Universidade Empreendedora é um conceito indissociável do trinômio Ciência-Tecnologia-Inovação”. Ao acrescentar o termo inovação à Universidade, destaca-se a necessidade de interação com a sociedade, com empresas e com o governo (CLARK, 2003). “No contexto mundial, complexo, dinâmico e competitivo, a inovação surge como resposta das Instituições de Ensino Superior aos novos desafios, constituindo uma rede que integra sociedade civil e governo” (AUDY, 2007, p. 29). A partir dessa compreensão, as universidades passam a ter um papel importante na análise das demandas da sociedade, com o olhar interdisciplinar e com o foco de atuação para além do ensino e da pesquisa ou seja, a Universidade se mostra agindo diretamente no desenvolvimento econômico,
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social e cultural da sociedade.
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De acordo com Mora (2006), é esse o novo contexto ao qual a educação superior tem de responder em constante modificação, sendo importante reestruturar o modelo de formação para que se possa compreender e atender às novas demandas da sociedade. Com isso, busca-se enfatizar o papel das Universidades na geração de conhecimento frente a esse contexto de mudanças constantes (AUDY, 2006). Portanto, conforme a sociedade vai se tornando mais baseada no conhecimento, por sua vez as empresas modificam as suas características, e o mercado de trabalho se mostra mais intensivo em conhecimento. Em virtude disso, a sociedade possui uma expectativa maior das Universidades no que se refere às contribuições ao processo de desenvolvimento econômico e social (AUDY, 2009). Portanto, a “Universidade em si é um ambiente de inovação em potencial” (AUDY, 2009, p. 167). Para que ocorra o desenvolvimento desse potencial, é necessário que seja institucionalizada
a nova visão de Universidade e a forma de viabilizar o seu desenvolvimento. Além do desejo que isso aconteça, é necessária a criação de políticas institucionais e do desenvolvimento de ambientes de inovação. Com isso, é possível estabelecer um ambiente voltado à inovação e ao empreendedorismo (AUDY, 2009, p. 167). As Instituições Maristas de Educação Superior atuam de modo a identificar no progresso científico e tecnológico uma oportunidade construtiva da dignidade humana e da sustentabilidade. O desenvolvimento e a inovação são percebidos de uma maneira notória em algumas ações promovidas pela Universidade, neste caso, a PUCRS ao longo dos anos. As estratégias adotadas permitiram que a PUCRS se tornasse referência nas áreas de Pesquisa e Inovação. Ao refletir sobre essas estratégias destacam-se: mil doutores para o ano 2000; construção do TECNOPUC, da Rede INOVAPUCRS; definição dos Eixos Estratégicos de Pesquisa como ações realizadas a partir do legado
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de Champagnat. Portanto, o presente trabalho tem como proposta refletir sobre o conceito de inovação de desenvolvimento abordados na Universidade e na história Marista e que refletem a continuidade da missão de Marcelino Champagnat, que ele próprio deixou registrado em diversas cartas, de acordo com a metodologia que será apresentada a seguir. METODOLOGIA DO TRABALHO Para o desenvolvimento deste artigo, foi realizada uma pesquisa qualitativa que teve como objetivo investigar e refletir sobre a inovação e o desenvolvimento na Universidade, a partir da análise de elementos do pensamento e das ações práticas de Marcelino Champagnat que servem, até hoje, para inspirar e realizar a educação. A pesquisa qualitativa permite a obtenção de um conhecimento de maior profundidade sobre o assunto que se deseja estudar (ROESCH, 2005). Bauer e Gaskell (2004) entendem que
os dados da pesquisa qualitativa provêm de textos e a análise dos mesmos, que é realizada a partir da interpretação. Quanto aos objetivos da pesquisa, os mesmos podem ser classificados como exploratórios e descritivos. Para Gil (2010), a pesquisa exploratória é o tipo de pesquisa com maior aproximação do problema, uma vez que há a possibilidade de construir hipóteses e tornar o estudo mais explícito. Já a pesquisa descritiva tem como finalidade a descrição das características do objeto estudado. Dentre as técnicas existentes de pesquisa qualitativa, optou-se pela análise documental, que consiste na utilização de materiais que ainda não receberam um tratamento analítico e que podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa em questão (GIL, 2010). Para a análise, foram utilizadas algumas cartas de Champagnat, presentes no livro “Rezando o Legado de Marcelino Champagnat” e “Livro das Cartas”. Foram analisados os elemen-
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tos, as atitudes e a mentalidade de Marcelino, em quatro cartas: Sublimidade da Missão Marista; Missão Fundacional; Perfil do Gestor Marista e, Cuidar das Pessoas. ANÁLISE E DISCUSSÃO DAS CARTAS
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O estudo das Cartas de Marcelino Champagnat compreende uma análise de seus escritos diretos, que são conhecidos como “cartas ativas”. A partir delas, é possível entender melhor as atitudes e a mentalidade de Marcelino Champagnat, como também alguns47 elementos do contexto em que as escreveu e o objetivo das mesmas. As cartas, graças às pesquisas de alguns Irmãos, citadamente Irmão Paul Sester e Irmão Aureliano
Brambila, estão hoje à nossa disposição 339 cartas ou bilhetes escritos pelo Padre Champagnat. Desse total, só 109 são do próprio punho do Fundador; as outras 230 são cópias de textos atribuídos a ele ou porque são por ele assinados ou porque o conteúdo nos dá a certeza de serem dele (SESTER, 1999, p. 18).48 É justamente ali, nas cartas, que visualizamos a sua verdadeira imagem. São transparências claras de uma gama de riquezas de sentimentos e valores humanos: bondade, afeto, carinho, ternura paternal, alegria, sentimentos de compaixão, gratidão, compreensão, também sofrimentos e, sobretudo, amor fraternal. Ali também revela a sua personalidade humana e religiosa, o espírito e o carisma que legou ao Instituto, as ideias fundamentais de sua espiritualidade, as suas vivências e o seu espírito prático de trabalho e
47 “As cartas de um homem sendo o produto quente e vibrante de sua vida, contêm mais ensino que a sua filosofia” (Eça de Queirós. A correspondência de Fradique Mendes: memórias e notas. Porto: Livr. Chardron, 1900, p. 118). 48 Para um estudo aprofundado das Cartas de Marcelino Champagnat sugere-se o estudo da obra supracitada, já traduzida para o Português com o título de – Cartas do Marcelino Champagnat – traduzidas pelos Irmãos Sulpício José e Ireneu Martim (Disponíveis em: <http://www.cepam.umch. edu.pe/Archivum/Archivum 01/2011200010118230040005.doc>. Acesso em: 15 fev. 2015). As fontes de pesquisas têm origem no Centro de Estudos do Patrimônio Espiritual Marista ([CEPAM], que está localizado em Guadalajara, México, coordenado pelo Irmão Aureliano Brambila de la Mora. O site de referência para consultar as Cartas no idioma original e também em Espanhol está disponível em: <https://sites.google.com/site/cepam espiritualidadmarista/cartasde-todas>. Acesso em 15 fev. 2015; nele encontram-se, além das cartas, vastos estudos sobre diversos temas da vida de Marcelino Champagnat e do Instituto Marista no mundo).
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de administração. Enfim, é por esse meio – as cartas e circulares – que Champagnat expressa aos Irmãos, seus discípulos, o melhor do seu coração (BENINI, 1993, p. 1).
Considerando apenas as cartas ativas, os autores deste artigo selecionaram quatro delas, com o escopo de possibilitar aos interlocutores uma aproximação com elementos essenciais da vida de Marcelino Champagnat. As cartas escolhidas permitem identificar sua mentalidade em diversas situações de trabalho, especialmente seu foco na centralidade da missão e seu amor pelos irmãos. Essas cartas são relevantes para viver a missão, cuidar da identidade institucional e continuar projetando o futuro e escrevendo novas e significativas páginas na história da educação de milhares de pessoas que lutam por um mundo melhor. Sublimidade da missão marista A carta de número 14 foi escrita por Marcelino Champagnat em
l’Hermitage, em 21 de janeiro de 1830 e, na publicação analisada, é denominada como “Sublimidade da Missão Marista”. O contexto em que se insere é marcado pela tranquilidade do início de um ano que foi precedido por um período de turbulências enfrentado pelo Fundador, decorrente das armadilhas do senhor Courveille, a insatisfação dos irmãos em relação ao novo traje e as alterações propostas para as práticas de leitura. Tendo esses percalços sido administrados com sabedoria por Champagnat, resultaram em uma maior união dos irmãos em torno de seu líder. A resposta à carta do Irmão Barthelemy, diretor de uma pequena escola marista (em torno de 90 alunos) situada na comunidade de Ampluis, apresenta-se de forma suave, em um primeiro momento, como uma exaltação às já reconhecidas qualidades desse antigo colaborador, passando, na sequência, a compor uma mensagem de motivação e fé para com o exercício da missão educativa, extensiva para os alunos. Esse é
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o assunto que aborda a carta em estudo, enviada para o Irmão Barthélemy, e tem como conteúdo o texto que segue.
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Meu caro Irmão Barthélemy e seu caro colaborador. Fiquei muito satisfeito de receber notícias suas. Fico satisfeito de saber que vocês estão com boa saúde. Sei também que estão com muitos alunos e que, portanto, terão também muitas cópias de suas virtudes, pois é seguindo estes modelos que seus alunos se formam. De acordo com os exemplos que vocês derem, é que eles vão pautar o comportamento deles. Como é grande o trabalho que vocês fazem, como é sublime! Vocês estão continuamente em companhia daqueles com os quais Jesus se comprazia, já que proibia expressamente a seus discípulos de impedir as crianças a se achegarem a Ele. E você, meu caro amigo, não só não impede, mas ainda faz de tudo para conduzi-las a Jesus. Oh! Que bela recepção vai ter da parte do divino Mestre, esse Mestre generoso, que não deixa sequer um copo de água fresca sem recompensa. Digam a seus meninos que Jesus e
Maria gostam muito deles todos: dos que são bem comportados porque são parecidos com Jesus, que é o máximo de bem comportado; dos que ainda não são, porque eles serão. Digam que Nossa Senhora também gosta deles porque Ela é a Mãe de todos os meninos de nossas escolas. Também digam a eles que eu os amo, que não subo ao altar sem pensar em vocês e em seus queridos alunos. Desejaria eu ter a felicidade de ensinar, de consagrar minhas atenções de maneira mais direta para formar essas crianças delicadas. Todos os demais estabelecimentos vão mais ou menos bem. Rezem por mim e por toda a casa. Tenho a honra de ser seu pai muito dedicado, em Jesus e Maria. Champagnat, Superior dos Irmãos Maristas (CHAMPAGNAT, 1830).
Na análise da carta, pode-se perceber atitudes de Champagnat: a afetividade, o reconhecimento, a admiração, o amor à missão, preocupação e fé. Quanto ao tema principal da carta e sua relação com a humanização, a inovação e o desenvolvimento, destaca-se a importância da atuação do líder
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como um elemento que admira, reconhece e enaltece o trabalho desenvolvido por seus colaboradores, bem como portador de motivação e amor pela missão atribuída ao grupo.
à Missão e seu esforço no cumprimento da mesma e, ao mesmo tempo, pensando à frente de seu tempo em busca de novos saberes e desafios (AUDY; FERREIRA, 2006).
De acordo com Teixeira, diante dos desafios impostos pela sociedade atual, para que seja possível constituir uma educação superior eficaz e coerente às diferentes demandas, sejam elas sociais, culturais ou relacionadas com as questões laborais, será fundamental que as Universidades se dediquem na consolidação da sua vocação que é tanto científica quanto humanista (TEIXEIRA, 2009).
Missão fundacional
A partir das informações mencionadas por Audy e Ferreira em seu artigo, em que os autores questionam os desafios gerados a partir da criatividade e da inovação na sociedade do conhecimento, que demanda a criação de uma cultura de inovação aliada à sustentabilidade de longo prazo e à manutenção da qualidade e da tradição, é possível pensar no legado de Champagnat, seu amor
A carta de número 34 foi escrita por Marcelino Champagnat ao Rei Luis Felipe em 28 de janeiro de 1834. O contexto em que se insere envolve a necessidade de pedir a autorização legal dos Irmãos Maristas. Assim, Marcelino escreve ao Rei relatando a sua trajetória e as motivações que o conduziram à criação da Sociedade dos Irmãos Maristas. Essa carta possui duas versões, sendo que uma delas trata-se de um rascunho, provavelmente escrito pelo Irmão Francisco, e a outra apresenta diversas alterações que melhoraram o estilo e deixaram o texto mais preciso e claro em relação à versão original. Há ainda três rascunhos iniciados da carta para o Rei Luís Felipe, mas que não foram finalizados. A versão abaixo trata-se da única carta con-
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servada que foi escrita e destinada ao Rei, solicitando a autorização legal para o Instituto.
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Majestade! Nascido no cantão de Saint-Genest-Malifaux, Departamento do Loire, só vim a aprender a ler e escrever com inúmeras dificuldades, por falta de professores competentes. Compreendi desde então a urgente necessidade de uma instituição que pudesse, com menor custo, proporcionar aos meninos da região rural o grau satisfatório de ensino que os Irmãos das Escolas Cristãs proporcionam aos meninos carentes das cidades. Elevado à dignidade sacerdotal em 1816, fui destacado como coadjutor numa paróquia rural. O que vi com meus próprios olhos me fez sentir mais vivamente a importância de pôr em execução, sem mais detença, o projeto que há muito vinha acalentando. Comecei, pois, a preparar alguns professores. Dei-lhes o nome de Irmãozinhos de Maria, convencidíssimo de que este nome bastaria para atrair muitas pessoas. O êxito rápido em poucos anos justificou minhas conjecturas e superou as expectativas.
Em 1824, sob a proteção do senhor bispo administrador da diocese de Lião, ajudado por aquele Prelado e pelos homens de bem da região, construí, perto da cidade de Saint-Chamond, uma casa ampla para nela estabelecer a escola normal da novel Sociedade. Setenta e dois membros desta casa já estão empregados em um número razoável de municípios sem contar uns quarenta noviços muito esforçados que se preparam para seguir os passos dos primeiros. Para crescer e prosperar, a recém-nascida instituição, cujos estatutos seguem em anexo, só precisa da autorização legal. O zelo que Vossa Majestade consagra ao ensino me anima a requerê-la humildemente. Poderei eu desde já, Majestade, antegozar a alegria de consegui-la? Atrevo-me a imaginar que sim. Os numerosos pedidos que me são feitos de toda parte, por diversos prefeitos (sobretudo após a lei de 28 de junho de 1833), a aprovação das autoridades locais, do prefeito Departamental do Loire e de vários nobres deputados, que tiveram a gentileza de me prometer proteção, constituem provas evidentes de que meu empreendimento se coaduna com o espírito do
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governo e com as necessidades e recursos dos municípios rurais. Por isso é que nem sequer um instante posso imaginar que minha solicitação não seja atendida. Alimento, pois, a fogueira esperança de que este empreendimento criado unicamente com o propósito de beneficiar meus concidadãos, seja acolhido por Vossa Majestade, sempre pronto a favorecer o que é útil. Os Irmãos de Maria, uma vez que tiverem recebido existência legal outorgada por vossa real benemerência, ficarão obrigados a dever-lhe, Majestade, eterna gratidão, e se unirão a mim para confessarmo-nos para sempre de Vossa Real Majestade, súditos muito humildes, obedientes e fidelíssimos (CHAMPAGNAT, 1834).
zação, a inovação e o desenvolvimento, destaca-se a preocupação de Champagnat com a sociedade em que vivia e na visão de que, por meio da educação seria possível transformar a realidade daquela sociedade. Destaca-se também o seu espírito empreendedor ao construir uma casa ampla para estabelecer a escola da Sociedade dos Irmãos e ter cerca de setenta e dois membros da sociedade espalhados em diversas cidades, trabalhando com as comunidades e na formação das crianças e jovens, garantindo a continuidade da Missão e promovendo o desenvolvimento dessas regiões.
Na análise da carta, constata-se, como atitudes de Champagnat, a preocupação pela educação das crianças, sensibilidade à realidade da sociedade em que vivia, confiança em Maria, político (pela forma como expressa o sucesso de sua obra) e audácia.
A carta de número 56 foi escrita por Marcelino Champagnat em l’Hermitage, em 1835 e, na publicação analisada, é denominada como “Perfil do Gestor Marista”. O contexto em que se insere é composto pelas dificuldades crescentes que se apresentam para o Fundador, já com a saúde debilitada, para: administrar l’Hermitage, já com quase duzentos irmãos;
Quanto ao tema principal da carta e sua relação com a humani-
Perfil do gestor marista
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as visitas aos estabelecimentos de ensino (totalizando vinte e nove, com aproximadamente 4.000 alunos); e também atender às demandas que se apresentam a cada dia (novos candidatos e novos pedidos para atender).
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Para auxiliá-lo nessas atividades, bem como no desenvolvimento de outras, conta com um padre (seu auxiliar, Padre Servant) e três Irmãos (um mestre de noviços, para dar aula aos Irmãos; um Irmão para dar aulas aos noviços; e um ecônomo). Todavia, falta um Irmão que administre as atividades durante os períodos de sua ausência, que atue como gestor. E é com base nas atividades a serem desenvolvidas por esse Irmão e nos requisitos a serem preenchidos por ele que Champagnat descreve o perfil do Gestor Marista e indica o Padre Décultieux, coadjutor de Pélussin, como detentor de todas as qualidades elencadas. Esse é o assunto que aborda a carta em estudo, enviada para Dom Gaston de Pins, bispo de Lyon, e tem como conteúdo o texto que segue.
Excia. Revma! Sua paternal bondade para conosco me traz aos pés de V. Excia. para expor-lhe minha situação, a fim de que me ajude, se julgar conveniente. Em nome de Jesus e Maria, todos os nossos Irmãos se unem a mim para lhe fazer esta breve exposição. Nossa casa aumenta a olhos vistos, todos os dias se apresentam novos candidatos e chegam novos pedidos. Não me atrevo a rechaçar os que se apresentam, considero-os mandados por Maria em pessoa. Atualmente somos perto de duzentos. Vinte e nove estabelecimentos. Quatro mil alunos frequentam nossas escolas. Sou obrigado a viajar continuamente para visitá-los. Minha saúde está piorando dia a dia. O Padre Servant, meu auxiliar, merece elogios. De manhã à tarde, trancado no quarto, prepara seus sermões, prédicas e missões; agora mesmo está se preparando para pregar a Quaresma em Saint-Chamond. O pároco de St.-Pierre, que lhe solicitou insistentemente sua ajuda, está muito contente com sua maneira de fazer pregações. Tenho, é certo, Irmãos que me ajudam nos diversos trabalhos: um bom
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Mestre de noviços, um Irmão capacitado para dar aulas aos demais, outro para as aulas aos noviços e um ecônomo. Falta-nos alguém que supervisione, que anime e tome a direção geral da casa em minha ausência, que atenda aos que vêm e vão; que goste e sinta a importância e as vantagens de estar no cargo, um diretor piedoso, preparado, experimentado, prudente, firme e constante. O Padre Décultieux, coadjutor de Pélussin, reúne todas essas qualidades. Por várias vezes, manifestou-me muita estima por nossa casa, quer pelo encaminhamento de candidatos para a Congregação, quer pelo empenho que teve na fundação do estabelecimento de Pélussin. Também me deu a conhecer pessoalmente sua alegria em se dedicar a uma obra semelhante, se os superiores permitirem. Foi ele que me encarregou de escrever a V. Excia. a respeito deste assunto (CHAMPAGNAT, 1835).
Na análise da carta, destacam-se como atitudes de Champagnat: humildade, liderança, conhecimento da realidade da
Congregação, franqueza e consciência, conhecimento da organização do trabalho da equipe e suas necessidades, admiração. Quanto ao tema principal da carta e sua relação com a humanização, a inovação e o desenvolvimento, destaca-se a preocupação de Champagnat em identificar e preparar seu sucessor, com perfil alinhado à cultura e às necessidades da Congregação, para que possa dar continuidade às atividades e à Missão, garantindo assim o ciclo do desenvolvimento. Através da análise da carta acima, é possível identificar o que Clark menciona ao abordar os elementos críticos no processo de mudança, mas necessários para que se possa pensar em um contexto de inovação (CLARK, 2003). Para o referido autor, torna-se indispensável que a comunidade em geral tenha uma direção forte e clara do caminho a seguir. E esse comportamento é identificado nas atitudes de Champagnat, em que o mesmo se apresenta firme e com constância nas suas ações, fazendo com que os irmãos
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saibam quais os objetivos a serem seguidos.
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Ao se analisar o posicionamento de Champagnat expresso na carta, constata-se que ele se preocupa com a gestão das escolas, com a formação dos futuros alunos. Assim também são as necessidades contemporâneas na Universidade, pois para se chegar a atingir os altos níveis de humanização, inovação e desenvolvimento que se almeja, como diz Clark, é necessário perceber que os maiores desafios em um ambiente de mudança estão relacionados às estruturas gerenciais que não possuem competência adequada para trabalhar as mudanças necessárias (CLARK, 2003). Em função disso, torna-se importante uma postura forte e clara da direção a seguir, que deve ser incorporada e aceita por todos e em todos os níveis da organização. Não esquecendo a importância dos valores e do conhecimento dos mesmos para que haja a aceitação e o envolvimento de todos. Em relação a isso, nota-se que Champagnat tinha bastante conhecimento do
trabalho e da organização, bem como clareza em relação aos valores da Congregação. Cuidar das pessoas A carta de número 138 foi escrita por Marcelino Champagnat em l’Hermitage, em vinte e cinco de setembro de 1837 e, na publicação analisada, é denominada como “Cuidar das Pessoas”. O pano de fundo é composto pela solicitação de irmãos para atuarem em uma nova escola que seria instalada no município de Amplepuis. Para melhor entendimento do contexto, buscou-se três outras cartas, enviadas no mesmo ano pelo Fundador, e que fazem referência ao assunto: a 117 (enviada em quatro de julho para o prefeito de Amplepuis, Sr. De Pomey, explicitando que não dispõe da quantidade de irmãos aptos para conduzir as atividades de uma escola que, pelo porte da cidade, acolheria em torno de 300 a 400 alunos); a 133 (também enviada para o prefeito em trinta de agosto, esclarecendo que, apesar de
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identificar que o número de alunos a serem atendidos pela escola é menor que aquele estimado inicialmente, permanece sem ter o número de irmãos suficiente. Outra sugestão percebida é proposta para que se aguarde a indicação oficial do novo pároco e a formalização de suas ideias para, após, analisar a situação e tomar as providências cabíveis); e a 134 (enviada em dois de setembro para o Padre Fleury, pároco de Perreux, enfatizando uma prerrogativa que vinha sendo adotada com êxito nos trabalhos fundacionais, ou seja, antes de enviar os Irmãos para iniciarem um trabalho, é necessário que as instalações já estejam prontas a um ano e que o estabelecimento seja visitado pessoalmente por ele ou por um irmão destacado para realizar esta atividade). Na sequência, o novo pároco de Amplepuis (Padre Miguel Dutour) assume, confirma a intenção de instalar a escola no próximo ano, assim como reitera o pedido de irmãos para conduzir as atividades. Todavia, como essa solicitação for-
mal chega nos dias que antecedem às férias em l’Hermitage, período em que Marcelino privilegiava sua presença junto aos irmãos, inviabiliza os planos de visitação prévia ao estabelecimento. Esse é o principal assunto que aborda a carta em estudo, enviada para o Padre Miguel Dutour, e tem como conteúdo o texto que segue: Digníssimo senhor Pároco! Agora que conhecemos oficialmente sua intenção e a da importante paróquia sabiamente confiada a seus cuidados, procederemos de acordo com | 131 | o que sabemos. Desejo muito travar conhecimento com V. Revma. e com o simpático senhor De Pomey. Não posso ausentar-me agora nem por um momento, enquanto os Irmãos estão chegando, e no curto espaço de tempo em que estiverem aqui na casa mãe. Mas, assim que voltarem para seus estabelecimentos, terei pressa em chegar até aí, e colocar-me às suas ordens. Nosso maior desejo é proporcionar uma instituição sólida e religiosa aos municípios que nos honrarem com um pedido de Irmãos. Mas, neste ano é-nos absolutamente impossível
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fornecer-lhe Irmãos. Aliás, a esta altura do ano, não haveria tempo de fazer os reparos necessários à instalação de um estabelecimento mantido pelos Irmãos, num vasto município como este que lhe foi confiado. Queira receber o testemunho de respeitosa consideração com que tenho a honra de me ser, digníssimo senhor Pároco, seu servo atento. Champagnat (CHAMPAGNAT, 1837).
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Assim como nas cartas anteriores, destacam-se como atitudes de Champagnat: respeito às ideias e intenções das pessoas, relacionamento, compromisso com a presença, presteza, compromisso com a qualidade e humildade. Destaca-se na carta analisada, bem como nas demais visitadas para compor o contexto, o cuidado do Padre Champagnat com as pessoas, com a comunidade, em especial com os irmãos. Quanto ao tema principal da carta e sua relação com a inovação e o desenvolvimento, destaca-se a preocupação de Marcelino em: atuar de forma alinhada e aderente com os planos da gestão; ga-
rantir as condições de qualidade e solidez das atividades desenvolvidas na escola como requisito fundamental para obter os resultados esperados e assim atender às expectativas e satisfação da comunidade local. Da mesma forma, o compromisso com o bem-estar dos envolvidos, Irmãos e comunidade denotam a valorização das pessoas como prerrogativa para o desenvolvimento. Percebe-se tais comportamentos mencionados na análise da carta no que Audy e Ferreira destacam: [...] a Universidade deve colocar sua tradição e qualidade a serviço da renovação necessária para atender ao cumprimento de sua missão. Isto deve ser feito de forma coerente com seus princípios e valores enquanto Instituição Católica, o que significa não perder de vista sua finalidade primária de formar cidadãos, atendendo à demanda social existente (AUDY; FERREIRA, 2006, p. 421).
Portanto, mesmo havendo a necessidade de inovação, frente a uma sociedade em constante transformação, deve existir um
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equilíbrio entre a renovação e a tradição a fim de cumprir a missão e disseminar os valores Maristas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com base na análise das cartas de Champagnat, fica clara a contemporaneidade dos desafios para a humanização da sociedade do conhecimento e para continuar tendo a inovação e o desenvolvimento como fenômenos que viabilizam o melhoramento do bem-estar de toda população e de cada indivíduo. Hoje, como no tempo de Champagnat, existem ainda muitos desafios na sociedade, como o baixo número de jovens em idade escolar ideal que conseguem concluir o Ensino Básico no Brasil, a baixa qualidade da educação de modo geral, os investimentos em educação, que são insuficientes.49
Nesse cenário, a Universidade está comprometida com a excelência acadêmica e buscando, pela geração de conhecimento, com inovação e desenvolvimento, responder a essas questões em todas as suas dimensões. Diante desses e tantos outros desafios contemporâneos, os ensinamentos deixados por Marcelino Champagnat nas cartas analisadas nos convoca para a cooperação e à esperança. As cartas analisadas são inspirações e exemplos concretos de ousadia, de capacidade de criar o novo em meio a cenários desfavoráveis, especialmente no mundo da educação. Champagnat, em seu tempo, propôs um novo paradigma de educação que também se requer para a educação no século XXI: formar pessoas com alto nível de consciência crítica e espiritualidade desenvolvidas, que sabem que amar mais a vida que
49 No Rio Grande do Sul, menos da metade dos jovens considerados em idade adequada (até 19 anos) concluiu o Ensino Básico ([48,8%, abaixo da média nacional que é de 54,3%, conforme Todos pela Educação] Zero Hora, 9 dez. 2014). Outro desafio é a qualidade da educação; “o Rio Grande do Sul está entre os Estados com menor porcentagem de estudantes em fase de alfabetização capazes de escrever no nível desejado para sua idade”, conforme aponta a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) 2014 (JUSTINO, Guilherme. RS fica abaixo da média nacional em indicador de alfabetização do MEC. Zero Hora, 19 set. 2015. Disponível em: <http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2015/09/ rs-fica-abaixo-da-media-nacional-em-indicador-de-alfabetizacao-do-mec-4850041.html>. Acesso em: 11 jul. 2016). c) Brasil é o penúltimo em ranking internacional de investimento por aluno (Disponível em: http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/brasil-o-penultimo-emrankinginternacional-de-investimen to-por-aluno-13873118. Acesso em: 10 fev. 2016).
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o capital, que atuam na lógica da cooperação e da solidariedade.
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É a construção da utopia hoje, ou seja, queremos dar um salto enquanto humanidade passando, com todos os recursos que temos gerados pela inovação e desenvolvimento, habitar o mundo de modo sustentável. Cabe a Universidade ajudar os universitários a se perceberem e serem cidadãos, preparando-se para o mercado de trabalho, mas sobretudo para a vida, como Champagnat sonhou e realizou, formar as pessoas para serem: bons cristãos e professores. Portanto, preparando-se para perceber que “a educação é essencialmente relação” (TEIXEIRA, 2004). A análise das cartas possibilitou aos autores desse artigo uma singela aproximação com modo de ser e pensar de Marcelino Champagnat presente em suas cartas e corroborou a convicção de que a educação é feita, sobretudo, por pessoas, que precisam ser cuidadas, acompanhadas, reconhecidas, incentivadas, que são sensíveis e solidárias etc. Era as-
sim que Champagnat as percebia e as tratava, estabelecendo relações de confiança mútua, de compromisso com o crescimento, de inovação nos métodos de ensino e comprometidas com o exercício da cidadania em seus contextos.
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Beatriz Wolff50
EDUCAÇÃO MARISTA E ESCOTISMO INTRODUÇÃO A motivação deste estudo deu-se em função de meu atual envolvimento no Grupo de Escoteiros Tupã-ci, cujas atividades estão sediadas no Colégio Marista Rosário. O convívio no escotismo possibilitou um maior contato com a história e a filosofia que sustentam essa atividade e, na literatura recomendada para aprimoramento, houve um determinado aspecto que muito chamou minha atenção, que trata justamente da atuação de vários Irmãos Maristas como Escoteiros. Ao participar do Curso de Extensão em Espiritualidade e Patrimônio Marista (Curso PEM), que me permitiu conhecer com profundidade as raízes institucionais, em especial a vida do fundador Marcelino Champagnat, fortaleci a ideia de estudar um pouco mais sobre o envolvimento dos Irmãos Maristas no escotismo e a relação entre o escotismo e a prática educacional marista.
50 Técnica em contabilidade e Arquivista de documento, é colaboradora da Rede Marista desde 1984, onde é responsável pelo arquivo administrativo e pela atualização dos documentos constitutivos USBEE e SOME. É associada no Grupo de Escoteiro Tupã-Ci deste 2012 como vice-diretora do Grupo e chefe auxiliar.
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Dessa forma, este trabalho abordará os seguintes temas: uma breve história do escotismo; escotismo e religião; o escotismo e a filosofia de educação marista; o Grupo Escoteiro Irmão Dionysio Tonial; e o encontro dos Grupos Escoteiros sediados por Colégios Maristas, o Maristaba. UMA BREVE HISTÓRIA DO ESCOTISMO
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A seguir, será apresentado um breve apanhado dos principais fatos relacionados ao surgimento do Escotismo e sua disseminação no Brasil e no Rio Grande do Sul. A criação do Escotismo Em 1907, foram assentadas as bases do Escotismo pelo General Inglês Robert Stephenson Smyth Baden-Powel, em um acampamento experimental realizado na ilha de Brownsea, nos arredores de Londres, reunindo 20 jovens. Baden-Powel é o criador do Escotismo como sistema de Educação da Juventude. As observações do homem em contato com a natureza, da luta pela vida em meios hostis,
forneceram-lhe métodos e processos destinados à formação dos moços, educando-os física, intelectual e moralmente para a nação. As fontes inspiradoras de seu trabalho são múltiplas, tais como os ideais e formalidades que nortearam as Ordens da Cavalaria Medieval, unidos à regra da vida dos caçadores e madeireiros do Canadá e Estados Unidos, dos “Boers” e negros da África do Sul e dos indígenas da América e Oceania. Para coordenar esse diferente processo educativo, o criador do Escotismo assentou fins e objetivos bem definidos: formação da personalidade, amor a Deus, à Pátria e à Humanidade. O Escotismo no mundo O Escotismo tem um caráter internacional, pois não foi feito apenas para a Inglaterra. Ele prega a fraternidade com todos os povos. Sendo assim, o Movimento Escoteiro foi rapidamente disseminado ao redor do mundo, sendo atualmente praticado em mais de 180 países, nos cinco continentes.
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O Escotismo no Brasil O Escotismo foi introduzido no Brasil através de Suboficiais da Marinha que haviam retornado da Inglaterra a bordo do Encouraçado Minas Gerais. Eles, em sua estada na Inglaterra, entusiasmaram-se pelo Escotismo e julgaram que os jovens brasileiros gostariam das atividades dos “Boy Scouts”. Por isso, quando o navio veio para para o Brasil, trouxeram consigo uniformes escoteiros adquiridos na Inglaterra. Tendo o Minas Gerais chegado em 17 de abril de 1910 ao Rio de Janeiro, aqueles pioneiros tomaram logo as providências iniciais para a organização do primeiro Grupo de Escoteiros do Brasil, nas mesmas bases do que haviam visto na Inglaterra. Em julho de 1910, reunidos todos os interessados, no Rio de Janeiro, foi elaborado o primeiro estatuto da instituição que seria chamado Centro de Boy Scouts do Brasil. No dia 14 de junho de 1910, considerado como o dia da introdução do Escotismo no Brasil, os que assina-
ram a Ata de Fundação avisaram os jornais e comunicaram a instalação da entidade. Atualmente, o escotismo é desenvolvido em todos os Estados Brasileiros. A Associação Brasileira é chamada de União dos Escoteiros do Brasil (UEB), e as subunidades estaduais são chamadas de Regiões. Assim, no Rio Grande do Sul, há a Região do Rio Grande do Sul. O Escotismo no Rio Grande do Sul Em 13 de outubro de 1913, nascia o Escotismo no Estado do Rio Grande do Sul por obra do tenaz imigrante alemão Georg Black que atuava como professor de ginástica desde 1902 e posteriormente acabou abraçando a causa escoteira. Sua formação profissional foi na Alemanha. Iniciou seu trabalho na Sociedade Ginástica de Porto Alegre (SOGIPA), na época conhecida como “Turnerbund”. Para manter válido seu diploma de professor, Georg Black, teve
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que participar de provas e competições oficiais alemãs, as quais ocorreram no 12º Festival de Ginástica de Leipzig, na Alemanha, em 1913. Em suas andanças e visitas a clubes alemães, no Clube Bayern de Munique, teve seu contato formal com o Movimento Escoteiro, porém sua curiosidade por essa prática já havia sido despertada ao observar Grupos de Escoteiros em excursões e atividades.
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Imediatamente, após seu retorno ao Departamento de Ginástica da SOGIPA, começou a introduzir e divulgar em Porto Alegre as atividades de Escotismo, incentivando as outras sociedades e clubes de ginástica a aderirem a esse Movimento. Dessa forma, o Escotismo foi surgindo em locais como São Leopoldo, Novo Hamburgo, Caí, Montenegro, Estrela, Lajeado, Santa Cruz, entre outras cidades da região, assim como em Blumenau (Santa Catarina) e no Paraná. Em 11 de setembro de 1925, logrou fundar a Associação Rio-Grandense dos Escoteiros, sendo
seu primeiro Comissário Regional. Isso aconteceu após ter tido essa sua iniciativa frustrada no período anterior à Guerra Mundial. Atualmente são mais de 10.000 escoteiros no Rio Grande do Sul, distribuídos em mais de 250 Grupos Escoteiros. Apesar de esse movimento ter sido pensado inicialmente para meninos e jovens do sexo masculino, foi a imagem da mulher vestida de “escoteiro” que provocou Baden-Powell a pensar um espaço para as meninas. Em meio a uma demonstração de técnicas escoteiras, apareceram em tropas, solicitando seu ingresso no movimento. Sendo assim, solicitou o auxílio de uma mulher, sua irmã Agnes, que pensou no primeiro método para meninas. Essa primeira ideia de escotismo para meninas foi pensada sob a mesma condição da entrada de mulher nas salas de aula. Era necessário educar a mulher para mantê-la em uma condição de submissão, com uma ideia de controlar o corpo, para que essa continuasse a seguir nos enquadramentos que lhe eram atribuídos.
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São postos, então, dois movimentos em paralelo: Escoteiros (meninos) e Bandeirantes (meninas). Supostamente, pensamos assim, mas a nossa primeira ideia é pensar em escoteiros, dificilmente recordamos das bandeirantes. O lugar do menino e o da menina eram direcionados e determinados de acordo com seu gênero, conduzidos, dessa forma, os meninos para o movimento escoteiro e as meninas para o movimento bandeirante. O artigo intitulado Método Escoteiro para Meninas: a adequação das práticas para implantação da coeducação no Escotismo Brasileiro, de Aldenise Cordeiro Santos (GEPHIM/UFS) e Anthony Fábio Torres Santana (GPECS/PROCAPS/UNIT), trata das alterações empreendidas ao método escoteiro para adaptar-se à presença feminina. O movimento criado por Baden-Powell, em 1907, propunha atividades de forma extraescolar para meninos. Dessa forma, com a expansão da prática escoteira, o escotismo ganhou adeptos em diversas partes do mundo, e despertou o interesse de
meninas. A discussão sobre a presença mútua de escoteiros e escoteiras tornou-se uma discussão em voga no universo escoteiro. A fraternidade percebeu que a melhor forma de se adequar à realidade seria a transição para um movimento coeducacional ou de educação mista, a partir do processo de coeducação desenvolvido pelo escotismo no mundo. No Brasil, essa implantação se deu entre os anos de 1979 e 1985. Os Irmãos Maristas e o Escotismo Gaúcho Em 2015, o Movimento Escoteiro completou 108 anos de existência e muitas foram as pessoas e entidades que contribuíram para que esse movimento permanecesse sempre ativo e proporcionando a crianças e jovens uma experiência que os acompanharia para toda a vida. Porém, os mais antigos não esquecem o grande envolvimento que os Irmãos Maristas tiveram com o Movimento Escoteiro. Durante muitos anos, os Irmãos adotaram o Escotismo como
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atividade complementar aos conteúdos ministrados em sala de aula, fundando e chefiando Alcateias de Lobinhos (7 a 10 anos de idade), Tropas de Escoteiros (11 a 14 anos de idade), Tropas de Seniores (15 a 17 anos de idade) e Clãs de Pioneiros (18 a 21 anos de idade), em diversas Escolas Maristas do Brasil. Os Valores contidos na Lei e Promessa Escoteiras, as atividades ao ar livre, o trabalho em equipe e o serviço à comunidade são excelentes ferramentas para a formação do caráter e da cidadania. | 144 |
A manutenção de Grupos de Escoteiros, fundados pelos Irmãos, especialmente no Rio Grande do Sul, tem sido um grande desafio, pois a maioria já não existe mais e, além disso, muitos dos Irmãos já faleceram. O registro mais antigo que possuímos da existência de um grupo escoteiro associado a uma Escola Marista é da Tropa Escoteira fundada em 1 de março de 1925, na Escola de Artes e Ofícios, no município de Santa Maria. No Rio Grande do Sul, o Escotismo teve momentos de gran-
de desenvolvimento na Congregação. Durante a década de 1940, foram fundados diversos Grupos Escoteiros em Escolas Maristas, tendo à frente pessoas como o Irmão Gelásio (Oscar Mombach), Irmão Diogo (Alexandre Câmpara) e Irmão Nilo Celestino (Nilo Clemente Tonet). Continuou florescendo nas Escolas Maristas durante a década de 1950 com os Irmãos Lauro Neuvald, Ignácio Gregory, Luiz Bacchi, Dionysio Tonial, Selvino Tolotti, Terenciano, Calixto entre outros, atingindo um auge nas décadas de 1960 e 1970, quando o caminho aberto por aqueles corajosos pioneiros contou com a participação dos Irmãos Amorin, Casildo Klein, Dante Brugalli, Dealmo Valentin Lunkes, Elto Puhl, Erno Christ, Fábio Pauletto, Gava, Jair Fischer de Almeida, Laurindo Viacelli, Mário Puhl, Ruben Korb, Sireno Conti, entre muitos outros. Pode-se dizer que entre as décadas de 1960 e 1970 a maioria das Escolas Maristas possuíam Grupos Escoteiros. Grandes eventos do Escotismo Mundial,
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como o VI Acampamento Internacional de Patrulhas (AIP), realizado em 1963, no Parque Saint’ Hilaire, em Viamão, o I Jamboree Panamericano, realizado em 1965, na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro, o AIP – 78, Acampamento Internacional de Patrulhas, realizado em 1978, no Parque Saint’ Hilaire, em Viamão e o IV Jamboree Panamericano, realizado em 1981, também nesse parque, contaram com a participação de diversos Grupos Escoteiros de Escolas Maristas. Em janeiro de 1962, no Parque Saint’ Hilaire, ocorreu um Curso para Chefe de Escoteiros, especialmente realizado para Irmãos Maristas, fato inédito e antes inimaginável na Família Marista. Em janeiro de 1967, ocorreu em Maceió (AL) um encontro nacional de Irmãos Maristas Chefes Escoteiros. De 4 a 10 de janeiro de 1968, na fazenda Guajuviras, município de Canoas, ocorreu a primeira grande confraternização de Escoteiros Maristas, o Maristaba, sob o lema Servir – Sorrir. O nome vem da junção dos termos Marista + Taba (taba = aldeia em Tupi-Guarani), ou seja,
Aldeia Marista. Essa atividade teve como idealizadores e organizadores os Irmãos Fábio Pauletto e Mário Ervino Puhl e contou com a participação de diversos Grupos Escoteiros de escolas Maristas, entre eles o Tupã-Ci, o Tupandi, o Cariris, o Pio XII, o Pindorama, o Guaracy, o Champagnat, o Tocantins, o J. Kennedy e o Tangará. Desse período, identificamos até o momento a existência dos seguintes Grupos Escoteiros: No Rio Grande do Sul: Tropa Escoteira – fundada em 1/3/1925, na Escola Artes e Ofícios, Santa Maria, sob a chefia do Capitão Alfredo Mariante. O Irmão José Otão, em entrevista realizada para um jornal escoteiro em 1964, declara ter acompanhado desde 1927 as atividades desta Tropa Escoteira. Tupã-Ci (004/RS) – fundado em 4/11/1941, no Colégio Marista Rosário, em Porto Alegre, pelo Professor Malomar Lund Edelweiss. Contou com a partici-
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pação dos Irmãos Oscar Mombach (Irmão Gelásio Maria), Quirino Piccoli, Paschoal Pasa (Irmão Emílio Pascal), Ignácio Gregory (Irmão José Hermeto), Selvino Tolotti (Irmão Delfino Marcos), Luiz Santini (Irmão Tarcisio Maximo), Domingos Gabriel Michelon (Irmão Terenciano), Erno José Christ (Irmão Pedro Fridolino), Idanyr Freiner (Irmão Gualberto), Silos Antônio Crema, Antônio Camilotto (Irmão Romano Antônio), Guilherme Caumo (Irmão Cândido Tarcísio), Germano Primo Meneguzzi e Jair Fischer De Almeida. Existe até os dias de hoje. Tupandi (104/RS) – fundado em 4/10/1946, no Colégio Marista São Pedro, em Porto Alegre, pelos Irmãos Alexandre Câmpara (Irmão Diogo) e Nilo Clemente Tonet (Irmão Nilo Celestino), funcionou até 1953. Reaberto em 15/8/1965, pelo Irmão Fábio Pauletto, também contou com a participação dos Irmãos Gothardo Pozzebon e Sérgio Martini, existiu até 1992.
Pindorama (075/RS) – fundado em 7/10/1942, no Colégio Marista Santa Maria. Funcionou nas décadas de 40 e 50, após foi reaberto em 13/8/1965, no mesmo Colégio, pelos Irmãos Ervin Lenzi, José Stein, Adelar Tedesco (Irmão Amélio), Beno Alberi Fiúza e Luiz Carlos Krummenauer Rocha. Cariris (083/RS) –– funcionou nas décadas de 40 e 50, sob a orientação do Irmão Mário Ghinzelli (Irmão Urbano Mário). Após foi reaberto em 21/4/1965, no Colégio Marista Conceição (Passo Fundo – RS), fundado pelo Irmão Sireno Romano Conti, tendo a participação do Irmão Dealmo Valentin Lunkes. Minuanos – funcionou de 1948 até aproximadamente 1961, no Colégio São Jacó, Novo Hamburgo, fundado pelo Irmão Valentim Luiz Bacchi (Irmão Luiz Augusto), tendo a participação do Irmão Lauro José Neuvald (Irmão Lauro Felipe). Tupanciguara (047/RS) – fundado em 03/9/1952, na Es-
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cola Artes e Ofícios, Santa Maria, pelos Irmãos Valentim Luiz Bacchi (Irmão Luiz Augusto) e Dorval D´Ávila Vieira (Irmão Bento Labre). Existe até os dias de hoje. Bruno de Andrade – fundado em 1953, no Colégio São João Batista, Montenegro, pelo Irmão Arlindo Valentin Schneider (Irmão Calixto Nilo). Coroados – funcionou entre 1955 e 1957, no Colégio Marista Pio XII, Novo Hamburgo, com o Irmão Armandino (Dionysio Tonial). Inhaí (074/RS) – fundado em 8/6/1955, funcionou até meados da década de 1970, no Colégio Cristo Rei, Estrela, fundado pelo Irmão Lauro José Neuvald (Irmão Lauro Felipe), contou também com a participação dos Irmãos Laurindo Viacelli (Irmão Lino Pedro), Mário Ervino Puhl, Elto Aloísio Puhl e Arlindo Valentin Schneider (Irmão Calixto Nilo). Piratini (050/RS) – funcionou no Ginásio São Gabriel, em São Gabriel, nas décadas de 1950
e 1960. Teve a participação do Irmão Alberto José Michelon (Irmão Sinésio). Abaeté – funcionou no Colégio Marista Maria Imaculada, Canela, fundado pelo Irmão Domingos Gabriel Michelon (Irmão Terenciano). Guaracy (078/RS) – fundado em 10/6/1960, no Ginásio São Tiago, Farroupilha pelo Irmão Sérgio Fassina. Em 1964 assumiu a Chefia do Grupo o Irmão Dionysio Tonial. Existe até os dias de hoje. Pio XII (077/RS) – fundado em 03/6/1961, no Colégio Marista Pio XII, Novo Hamburgo, pelo Irmão Mário Ervino Puhl. Funcionou até 1981. Tangará – Fundado pelo Irmão Laurindo Viacelli, funcionou em 1964 e 1965, no Colégio São José (Porto Alegre – RS). São Luiz (093/RS) – funcionou no Colégio Marista São Luís, Santa Cruz do Sul, teve a partici-
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pação dos Irmãos Lauro Neuvald, Dante Brugalli e Casildo Klein. O LEMA DO ESCOTISMO Sempre alerta! é o lema dos escoteiros em todo o mundo. Essa mensagem, que se traduz em “estar constantemente preparado mental e fisicamente para cumprir o seu dever”, rege a vida e a conduta dos voluntários desse movimento.
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Além do lema, existe a Lei Escoteira: instrumento educativo por meio do qual se expressam, de maneira compreensível para os jovens, os valores do Projeto Educativo Escoteiro. Os jovens aderem à lei por meio de sua “Promessa”, que constitui um elemento fundamental do Método Escoteiro, o qual consiste em um compromisso livre e voluntário do jovem, ante si mesmo e os demais, para amar a Deus, servir ao seu país, trabalhar pela paz e viver a “Lei Escoteira”. 1. O Lobinho ouve sempre os Velhos Lobos. 2. O Lobinho pensa primeiro nos outros.
3. O Lobinho abre os olhos e os ouvidos. 4. O Lobinho é limpo e está sempre alegre. 5. O Lobinho diz sempre a verdade. Lei Escoteira 1. O Escoteiro tem uma só palavra, sua honra vale mais do que a própria vida. 2. O Escoteiro é leal. 3. O Escoteiro está sempre alerta para ajudar o próximo e pratica diariamente uma boa ação. 4. O Escoteiro é amigo de todos e irmão dos demais escoteiros. 5. O Escoteiro é cortês. 6. O Escoteiro é bom para os animais e as plantas. 7. O Escoteiro é obediente e disciplinado. 8. O Escoteiro é alegre e sorri nas dificuldades. 9. O Escoteiro é econômico e respeita o bem alheio. 10. O Escoteiro é limpo de corpo e alma.
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• Lema: Frase que resume e relembra a “Promessa” • Lema do Lobinho/a: “Melhor Possível” • Lema do Escoteiro/a: “Sempre Alerta” • Lema do Sênior/Guia: “Sempre Alerta” • Lema do Pioneiro: “Servir” ESCOTISMO E RELIGIÃO O Irmão Carlos Mombach escreve em seu livro Documentos de Ideias sobre Escotismo e Religião: “Prometo pela minha honra cumprir meu dever para com Deus e a Pátria... O Escotismo tem como fundamento a Religião. As declarações de B.Powell não deixam dúvida alguma. ” Levado pela preocupação constante de não negligenciar elemento algum para a formação integral do menino, Baden-Powell reconhece no instituto religioso, senão o mais potente, ao menos o mais importante na ordem dos valores. Dele depende a orientação, de todos os valores. Psicólogo perspicaz e educador emérito, não
concebe uma pedagogia sem Religião. Para ele a incredulidade constitui, ao lado do jogo, do vinho e do prazer, um dos grandes perigos que ameaçam a juventude. Se educar é formar o homem para a sua felicidade, a Religião é necessária à educação. B. Powell frequentemente insiste sobre esta verdade fundamental: “If you are really out to make your way to success and happiness-you must not only avoid being sucked in by irreligious humbugs, but must have a religious basis to your life” (“Se você está realmente desviado para fazer o seu caminho para o sucesso e a felici| 149 | dade você não deve apenas evitar ser sugado por farsas sem religião, mas deve ter uma base religiosa para a sua vida”) (Rovering to success, london, S. d. p. 176) É raro que uma alma juvenil se entusiasme de maneira duradoura por um ideal, sem tomar, em relação a este ideal, uma atitude de admiração e fervor religioso. Ora, nesta atitude há, psicologicamente, uma expectativa que será ludibriada, se não percebem claramente os títulos divinos deste ideal. Esta necessidade de objetivar a sua fé, de “atualizar o ideal” na expres-
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são de M. G. Dumas, apenas vislumbrada pelo menino até 12 anos, torna-se cada vez mais imperiosa, à medida que o jovem se dá conta que deve submeter sua vida, dolorosamente, às vezes, a uma ordem de valor superior. A lei escoteira para ser vivida em seus dez artigos, a Boa Ação diária, exigem renúncias, sacrifícios que, inicialmente, revestiam o aspecto de divertimentos, aos poucos vão revelando sua fisionomia austera. E o Chefe de tropa ou o monitor, quantas vezes precisa sacrificar prazeres imediatos e fáceis para não “deixar cair” o seu grupo. Só é verdadeiro chefe aquele que sabe suportar este sacrifício. E as dificuldades para formar outros a este espírito de renúncia, para manter o ânimo do grupo nas adversidades, aumentam se ele não souber utilizar a força de heroísmo que o motivo religioso encerra. A companhia divina, escreve Leuba, satisfaz outra coisa mais importante que a necessidade de estima de si próprio e de simpatia; a obrigação de se sacrificar encontra, ou pode encontrar, sua expressão mais profunda nas relações de intimidade com Deus.
Por isto, a Religião do Escotismo não se limita às práticas do culto aos domingos, que pode revestir o aspecto de meros gestos exteriores, destinados sobretudo a conquistar a estima do seu meio ou evitar as críticas. Não. A Religião do Escoteiro é, antes de tudo, espírito, atitude reverente da alma face a Deus, efusão de caridade para com os homens. O Cristianismo, “morale de I’âme ouverte” (Bergson), favorece de modo singular a Religião que o Escoteiro deve praticar. Tertuliano diz que a alma humana é naturalmente cristã. (Anima naturaliter christiana). Desta forma, o instinto religioso representa, sob certos pontos de vista, um poderoso elemento de atividade e de equilíbrio (Foerster nele reconhece o contrapeso mais eficiente às manifestações prematuras ou anormais do instituto sexual). O instinto religioso é um dos mais poderosos fatores de caráter. Segundo Monakow et Mourgue, o fim do Escotismo é formar homens de caráter firme, aptos para a vida, donos de si mesmos. Sendo, como dissemos, o instinto religioso, poderoso elemento de atividade e de equilíbrio, seria de estranhar que o Escotismo não utilizasse esta força
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instintiva, uma vez que explora e utiliza todos os instintos infantis. Em síntese: Como pode o Escoteiro jurar por sua honra, se não tem Religião? Já Rousseau dizia: “Desconfiai da moral social, porque o que é feito dela, depois do sol posto. ’’ Como pode o escoteiro ser leal se não tem Religião? Como pode amar o próximo e considerar irmão todos os demais escoteiros, senão porque todos são filhos de Deus? Como pode o escoteiro ser obediente e disciplinado sem Religião? Obedecer a um homem é servilismo indigno de seres livres. A autoridade, isto é, o direito de mandar só tem força quando e porque vem de Deus. Como pode o escoteiro ser alegre sem Religião? Só Deus é que alegra a nossa juventude. (Ad Deum qui Laetificat juventutem meam). A omissão dos deveres religiosos acarreta necessariamente perturbação à consciência. E, finalmente, como pode o escoteiro ser limpo de corpo e alma, sem Religião? Concluímos que o Escotismo arreligioso ou irreligioso é negação do autêntico Escotismo de Badem-Powell. Sem Religião não há Escotismo. (MOMBACH; 2003, p.75)
FILOSOFIA DE EDUCAÇÃO MARISTA E ESCOTISMO As entidades Maristas são centros educativos católicos que a Igreja, através do Instituto Marista, oferece à sociedade para promover a formação integral de alunos. Insere-se na pastoral eclesiástica e no sistema educativo nacional. Propõe às famílias um projeto educativo que harmoniza fé, cultura e vida, segundo as instituições e o pensamento do Pe. Marcelino Champagnat, seu fundador. Esse projeto destaca os valores da pessoa, aberta aos demais, apresenta a cultura como meio de comunhão entre os homens e o saber como compromisso e serviço. Vê o homem como uma pessoa livre e original que, em relação com a natureza, com as demais pessoas e com Deus, assume-se como sujeito e autor de seu próprio desenvolvimento e da sua história. O Colégio Marista se propõe a desenvolver equilibradamente em seus educandos os aspectos físicos e estéticos, sua
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afetividade, sua inteligência e conhecimentos, sua dimensão comunitária e social, sua formação nos valores humanos e cristãos e a abri-los à sua própria transcendência para conhecer o sentido das coisas, dos outros homens e de Deus em suas vidas.
Colégio São Tiago (hoje CESF), na Rua 14 de junho, 339, pertencente a então Congregação Marista. Era o Diretor do colégio o Irmão Severino Suzin, que, por vários anos, acalentou a ideia de fundar uma Tropa Escoteira, núcleo inicial do Grupo de Escoteiros.
Inserido neste contexto, está o propósito do Movimento Escoteiro que é contribuir para que crianças e jovens entre 7 e 21 anos de idade assumam seu próprio desenvolvimento, especialmente do caráter, ajudando-os a realizar suas plenas potencialidades físicas, intelectuais, sociais, afetivas e espirituais, como cidadãos responsáveis, participantes e úteis em suas comunidades. A atividade do grupo escoteiro proporciona esse desenvolvimento através da vida de serviços à comunidade.
No início de 1960, foi transferido para Farroupilha o Irmão Sergio, que assumiu e organizou pequenas reuniões e alguns jogos diferentes dos que já eram conhecidos. Aos domingos e dias santos, após as obrigações para com Deus, iam a passeio pelas florestas onde aprendiam “coisas novas”.
GRUPO ESCOTEIRO MARISTA IRMÃO DIONYSIO TONIAL O Grupo Escoteiro Guaracy 78 foi fundado em 10 de junho de 1960, em Farroupilha, no antigo
Com a chegada da “autorização provisória” para o funcionamento da tropa, o Irmão Sérgio passou de casa em casa para obter a autorização dos pais para começar o Movimento Escoteiro. Foram realizados alguns trabalhos para angariar fundos. Em 15 de março de 1964, portanto 3 anos e 9 meses após a fundação do Grupo Guaracy 78, realizou-se homenagem de aniversário
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e despedida do fundador, Irmão Sérgio Eloi (nome civil Diamantino João Fassina). Esta solenidade deve-se à transferência do mesmo para a cidade vizinha, Garibaldi. Nessa oportunidade, o Diretor do Colégio São Tiago, Irmão Alfredo Lugtneyger, despediu-se do colega e apresentou o novo Irmão que iria assumir a chefia do Guaracy. Tratava-se do Irmão Marista Armandino Maria, nome religioso do então Chefe de Grupo, Irmão Dionysio Tonial, que usando a palavra nessa ocasião comprometeu-se a continuar a brilhante obra iniciada pelo homenageado. Apesar do ceticismo de alguns, por não acreditarem em mudanças, o Irmão Dionysio desempenhou com brilhante destaque a função de chefe do grupo. Isso aconteceu por mais de 30 anos, sendo interrompido apenas pela doença que o levaria até Viamão, onde este veio a falecer na Casa São José, às 21 horas do dia 05 de agosto de 2000. O Irmão Dionysio nasceu em Getúlio Vargas, no dia 25 de maio
de 1925, e assumiu o Grupo de Escoteiros aos 39 anos de idade. Ainda menino, foi um dos primeiros alunos do recém fundado Colégio Marista na sua cidade Natal. Em 1942, estudou no Instituto Champagnat, em Porto Alegre. Em 24 de janeiro de 1945, fez os primeiros votos religiosos. Em 1948, começou a lecionar em Santana do Livramento, sendo logo transferido para o Colégio São Francisco, em Vacaria. Em 1949, foi designado para o Colégio São Jacó, em Novo Hamburgo, onde realizou a sua promessa escoteira em 15 de agosto de 1949 (com 14 anos de idade), no Grupo Escoteiro Minuanos, no qual permaneceu como assistente de chefia até 03 de março de 1958. Ainda em 1949, nessa mesma cidade foi fundador da Escola Pio XII e do Grupo de Escoteiros Pio XII, também conhecido como Coroados. Em 1959, transferido para Veranópolis, lecionou no Colégio Divino Mestre, até março de 1964, quando, finalmente, chegou
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à Farroupilha, onde exerceu suas atividades profissionais, como religioso e professor, destacando-se na função de Diretor de Ensino primário de duas escolas de Farroupilha: Colégio São Tiago (Marista) e CNEC (particular).
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Como Chefe Escoteiro, participou de inúmeros cursos de adestramento (lobinhos, escoteiro e sênior), conseguindo a Insígnia de Madeira no ramo lobinho (colar de couro com duas contas de madeira que confere ao portador grau máximo de conhecimento naquele ramo). Também participou em 1968, de dois cursos no exterior: Saint-Denis, na França, e Além Tejo, Portugal. Além de Chefe de Grupo, foi comissário Distrital, Assistente Religioso e Membro da ERA (Equipe Regional de Adestramento RS). Participou de diversos acampamentos, bivaques e outras atividades, sempre zelando e oportunizando aos lobinhos e escoteiros vivenciar esses momentos. Irmão Didio, como era chamado, foi agraciado com a Medalha de Bons Ser-
viços (1973), Medalha de Gratidão (1975), e Cruz de São Jorge (1983). Essas condecorações são sinal de reconhecimento por grandes e relevantes serviços prestados ao movimento escoteiro. Acreditando, entretanto, que a maior homenagem a ele realizada foi na data de 01/06/2002, na cidade de Viamão, no Colégio Marista Graças, com a fundação do Grupo Escoteiros Irmão Dionysio Tonial. Devido ao seu compromisso religioso, de castidade e pobreza, não podia ter bens materiais. E com o salário de professor, mais a ajuda do grupo, foi comprado um veículo, uma Dkv Vemaguet, apelidada de “fubica” que depois foi substituída por uma possante Belina, a “furiosa”, que estava registrada em nome do Grupo. A Belina, em particular, além de transportar as barracas e equipamentos para acampar, servia de dormitório para o irmão Didio. Explica-se: Como ele tinha um sonoro ronco, era impossível dormir
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em barraca próxima a dele. Então ele se afastava com a “furiosa” e ia dormir a uns 500 metros de distância, para poder roncar sossegado. Por que o nome de Irmão Dionysio Tonial? Segundo depoimento de Paulo Barcellos, Chefe dos Lobos e um dos fundadores do Grupo Escotismo Dionysio Tonial, a motivação de adotar este nome para o grupo deu-se da seguinte forma: Quando o grupo de pais que estavam à frente do processo de formação do grupo escoteiro foram escolher o nome do futuro grupo, existia a ideia de que o nome deveria expressar, de alguma forma, o fato de ele estar localizado no município de Viamão, ou dentro de uma escola Marista. A primeira opção foi que o nome fizesse referência ao município e com isso passou-se a pesquisar nomes e termos que trouxessem essa identificação. Contudo, as opções apresentadas não atingiam os objetivos. Paralelo a esse processo, começou a tomar corpo a ideia de que o nome
deveria, de alguma forma, reconhecer o apoio que estávamos recebendo da escola (Marista Graças) para a formação do grupo escoteiro dentro de suas dependências. Durante a pesquisa, descobrimos um irmão marista que havia sido escoteiro e apoiado o movimento, mesmo durante sua vida na congregação. Através de pesquisa e conversas com outros irmãos Maristas, que residiam na Casa Marista (que existe dentro do complexo do Colégio Graças), chegamos ao nome de Dionysio Tonial e, conhecendo um pouco mais da sua história, foi consenso que este | 155 | seria o nome do grupo, pois agregaria não só reconhecimento ao apoio recebido da comunidade Marista, mas também a alguém que dedicou parte de sua vida ao desenvolvimento e divulgação do movimento escoteiro e tudo o que isso significa. (BARCELLOS; 2015)
MARISTABA O Maristaba é uma atividade nacional de confraternização de Grupos Escoteiros de Escolas Maristas cuja primeira edição ocorreu em 1968 e, desde 2007,
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é realizado a cada dois anos. O nome vem da junção dos termos “Marista” e “taba”. “Taba” quer dizer “aldeia” em tupi-guarani. Ou seja, Aldeia Marista. O Grupo Escoteiro Tupã-Ci, do Marista Rosário, é o único que esteve presente nas quatro edições. II MARISTABA Depois de 39 anos, foi realizado de 20 a 22 de julho de 2007 no Parque Santa Maria, município de Almirante Tamandaré (PR), o II MARISTABA. O evento é uma
Confraternização Nacional de Grupos Escoteiros de Escolas Maristas. A partir dessa data, o MARISTABA passou a realizar-se a cada dois anos, sendo que o seguinte encontro ocorreu em Porto Alegre (RS). III MARISTABA NACIONAL De 24 a 26 de julho, seis Grupos Escoteiros Maristas acamparam no Instituto Marista Graças para participar do III MARISTABA. Com o lema “Ser feliz só depende de nós”, o MARISTABA reuniu Grupos Escoteiros de quatro estados
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Fonte: Site Colégio Rosário – Grupo Tupã-ci no Aeroporto Salgado Filho (POA) embarcando para o V MARISTABA no Rio de Janeiro (RJ).
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brasileiros. Do Paraná, participou o grupo São Marcelino Champagnat (Colégio Marista Santa Maria), de São Paulo, veio o grupo Padre Marcelino Champagnat (Colégio Marista Arquidiocesano), do Rio de Janeiro, o grupo Nossa Senhora da Medianeira (Colégio Marista São José), de Porto Alegre, vieram os grupos Brownsea (Colégio Marista Assunção) e Tupã-ci (Colégio Marista Rosário) e, de Viamão, o grupo anfitrião Irmão Dionysio Tonial (Instituto Marista Graças). IV MARISTABA O IV MARISTABA foi realizado entre os dias 22 e 24 de julho de 2011, no Colégio Marista Arquidiocesano, localizado em Vila Mariana, São Paulo (SP). O tema do evento foi “Sampa 24 Horas”, organizado pelo grupo anfitrião, Pe. Marcelino Champagnat 222/SP. V MARISTABA O V MARISTABA foi realizado em 2013, no Colégio Marista São José, no Rio de Janeiro (RJ) e foi organizado pelo Grupo Escoteiro Nossa Senhora da Medianeira 76/RJ.
Em novembro de 2013, o Grupo Escoteiro Tupã-ci participou do V MARISTABA, sediado no Colégio Marista São José, do Rio de Janeiro, que contou com a ação do Grupo Escoteiro Nossa Senhora Medianeira – 76-RJ. CONSIDERAÇÕES FINAIS O Escotismo, aliado ao carisma Marista, busca a formação de crianças, jovens e adultos com disposição para a realização do trabalho com espírito cooperativo. Desenvolve talentos e coloca-os a serviço do bem comum, pois através do trabalho, cumprindo a missão e participando da obra da criação, atuam como protagonistas na construção e no comprometimento com uma sociedade justa e fraterna. Afirmando a pertença a uma família onde se irradia o amor, a entreajuda e a alegria, buscando estabelecer um ambiente de aconchego e proximidade, acolhendo o pluralismo e a diversidade, aceitando-nos diferentes e complementares, buscando criar um clima de harmonia cuidado
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Fonte: Acervo da autora. Abertura ano letivo 2016 no Colégio Nossa Senhora do Rosário, Porto Alegre. Data: 22/02/2016
e respeito, por meio da presença atenta e disponível nos ambientes onde se desenvolve a nossa missão, empenhados em estar próximos das pessoas, cultivando uma relação de confiança, estilo de vida simples, em nível pessoal e em grupo, tanto os Escoteiros como os Irmãos Maristas procuram ser autênticos, reconhecendo suas potencialidades e limitações. Tratam a todos com respeito, conforme o lema, suscitando o que há de melhor em seus corações. São sensíveis às necessidades dos ou-
tros. Dão atenção especial aos pobres e excluídos e buscam auxiliar as pessoas por meio da partilha de dons pessoais e de materiais, promovendo a paz, a justiça e a vida, como sinal de esperança. O Escotismo, por meio do seu Programa Educativo e do Método Escoteiro, procura ajudar o jovem a crescer na religiosidade, principalmente em uma sociedade multicultural como a que vivemos. A consciência espiritual precisa ser desenvolvida assim como o cará-
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ter, as habilidades físicas, mentais, emocionais e sociais do indivíduo. Nosso entendimento de Deus se desenvolve através dos anos. O Escotismo estimula a constante presença de Deus em nossas vidas, a diferença entre o bem e o mal, o amor aos demais e o carinho pelo mundo onde vivemos. O Irmão Marista cultiva uma vida de amor a Deus e ao próximo, orienta suas energias para essa direção. Procura viver esse ideal em comunidade. O jeito de ser do Irmão é uma maneira específica de viver com todos, de maneira alegre e gratuita. Tem como missão a evangelização e a educação cristã das crianças, adolescentes e jovens, em especial os que se encontram em situações de maior necessidade. Procura ser um ser humano integrado na sociedade e no mundo, que busca em comunidade dar sentido à vida, participa e se compromete com a história da humanidade, buscando vida plena, na construção de um mundo justo e solidário, transcendendo os laços de sua própria família, comunidade ou amigos.
REFERÊNCIAS BADEN-POWELL, Robert Stephenson Smyth. Livro de Escotismo para rapazes. São Paulo: Fraternidade Mundial, 1993. BARCELLOS, Paulo. Depoimento. Porto Alegre, 17 out 2015. Chefe dos Lobos e fundador do Grupo Escotismo Dionysio Tonial. Grupo Escotismo Dionysio Tonial. Disponível em: http://www. dionysiotonial.com.br. Acesso em out 2015. MOMBACH, Oscar. Selecta: documentário de idéias. Santa Maria: Selecta, 2003. Revista da Província Marista do Rio Grande do Sul. N.36. Porto Alegre, 2010.
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CURSO DE EXTENSÃO EM PATRIMÔNIO
E ESPIRITUALIDADE MARISTA (PEM) OPORTUNIDADE PARA APROFUNDAR O CONHECIMENTO E O AMOR PELO CARISMA
Retornar às fontes maristas, revisitar a história, os documentos e os ensinamentos de São Marcelino Champagnat são vivências oportunizadas pelo Curso PEM, curso destinado a Irmãos, Leigos(as), lideranças e colaboradores da instituição. Através de um estudo aprofundado nos documentos e fatos do Instituto e da vida do fundador, São Marcelino Champagnat, o curso proporciona aos participantes uma imersão em diversas dimensões da espiritualidade e patrimônio marista. Os artigos apresentados nesta edição da Revista Legado decorrem de alguns trabalhos de conclusão da 5ª (2015) e da 6ª (2016) turma do PEM. O curso,
promovido pela equipe de Espiritualidade Apostólica Marista (EAM) da Coordenação de Vida Consagrada e Laicato da Rede Marista, totaliza uma carga horária de 135 horas/aula, divididos em três módulos de quatro dias cada, e horas complementares de preparação dos trabalhos finais. Os professores são Irmãos e Leigos(as) da instituição e de outras unidades do Brasil, especializados nas áreas de espiritualidade e patrimônio espiritual. ACOMPANHE NOVIDADES NO PORTAL MARISTA: maristas.org.br/vidamarista CONTATO: pem@maristas.org.br
Rede Marista Rua Irmão José Otão, 11 Bom Fim - Porto Alegre | RS CEP: 90035-060 maristas.org.br