Eu sou malala malala yousafzai

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homenagens e beijar sua mão, pois estavam cansadas da guerra e de atentados suicidas. No início de março parei de escrever meu blog. Hai Kakar e eu concordamos que não havia muito mais a ser dito. Mas, para nosso horror, as coisas não mudaram muito depois do acordo, exceto que o Talibã tornou-se ainda mais selvagem. Agora eles eram terroristas legitimados pelo Estado. Ficamos descontentes e desapontados. O acordo de paz era somente uma miragem. Uma noite o Talibã fez uma marcha perto de nossa rua e patrulhou as estradas com armas e cassetetes, como se fosse o Exército. Eles ainda vigiavam o Mercado Chinês. Certo dia minha mãe foi às compras com minha prima, que estava para se casar e precisava de algumas coisas para a cerimônia. Um talibã bloqueou o caminho delas e as puxou à parte. “Se eu vir vocês de novo usando lenço, mas sem burca, vou espancá-las”, disse o homem. Minha mãe não se assusta facilmente e não perdeu a compostura. “Sim, usaremos burcas no futuro”, respondeu. Mas jamais a usaria. Burcas não fazem parte da tradição pachtum. Também ouvimos falar que o Talibã atacou o dono de um estabelecimento comercial porque uma mulher desacompanhada observava os batons da loja, que era de produtos de beleza. “Há um cartaz no mercado dizendo que as mulheres não podem ir à sua loja sem estar acompanhadas por um parente homem, e você nos desafiou”, eles acusaram. O homem apanhou muito e ninguém o ajudou. Certo dia vi meu pai e seus amigos assistindo a um vídeo pelo celular. Era uma cena chocante. Uma adolescente vestindo burca preta e calça vermelha estava caída no chão, com o rosto virado para baixo, sendo açoitada em plena luz do dia por um homem de barba usando um turbante preto. “Por favor, pare!”, ela implorava em pachto, entre gritos e gemidos, à medida que cada golpe era dado. “Em nome de Alá, estou morrendo!” Podia-se ouvir o talibã gritar: “Segurem as pernas dela. Segurem as mãos dela”. Lá pelas tantas, durante o açoitamento, a burca caiu e eles pararam por um momento, para ajeitar a veste, antes de voltar a espancar a adolescente. Eles a açoitaram 34 vezes. Havia uma pequena multidão olhando, que nada fez. Um dos parentes da moça até mesmo se ofereceu como voluntário para ajudar a mantê-la no chão. Alguns dias depois, o vídeo estava em toda parte. Uma cineasta em Islamabad o encontrou. Ele foi mostrado na tevê do Paquistão repetidas vezes, e no mundo todo. As pessoas ficaram ultrajadas, e com razão; mas isso nos pareceu estranho, pois demonstrava desconhecimento das atrocidades que tinham lugar em nosso vale. Desejei que tanta indignação se estendesse à proibição talibã quanto à


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