The Red Bulletin Junho de 2013 - BRA

Page 34

P

‘‘

elo amor de Deus, tomem cuidado na curva inclinada”, adverte o diretor de corrida Renato Ribeiro, o Paraguaio. Ele enumera os perigos que esperam os 23 homens reunidos para a pales­ tra dos pilotos que antecede a corrida de Jericos. “Se sair da pista naquele ponto, com certeza morrerão algu­ mas pessoas do público”, diz. Os 23 competidores, em sua maioria com menos de 25 anos, alguns bem acima do peso, todos bem bronzeados, concordam com seriedade. A décima corrida nacional de Jericos Motorizados está prestes a começar. Isso é bom porque o público que lota o Jericó­ dromo já está ficando indócil. O início do evento foi adiado para coincidir com a chegada do senador Ivo Cassol, cacique político de Rondônia. O senador veio direto de Brasília para a pequena Alto Paraíso espe­ cialmente para assistir a corrida. Mas o que é este meio de transporte e por que ele surgiu em Alto Paraíso, um lugar pouco populoso localizado nas franjas do Sul da Amazônia, que se proclama a “capital do Jerico”? O fabricante Silvio Stedile, ou “Silvinho do Jerico”, como é conhecido, explica: “Quando a cidade foi construída, no final dos anos 80, as estradas eram tão ruins que nenhum caminhão normal durava – as peças da lataria caíam. Então as pessoas tiveram que inventar um veículo que aguentasse o tranco”. O resultado foi uma lataria precária, montada em suspensões de jipe velho e alimentada por motores a diesel parados, que eram normalmente usados para gerar eletricidade nas serrarias e minas de estanho. O “Jerico”, jumento ou burro, animal que serve como meio de transporte no Nordeste – origem de boa parte dos migrantes que povoaram as cidades mais recentes da região Norte –, ganhou uma versão motorizada para o ambiente hostil da Amazônia. Como brincadeira de garotos, não demorou muito até um fazendeiro local começar a pensar se o seu ju­ mento a diesel poderia ser mais rápido do que o cons­ truído pelo vizinho mineiro. As corridas – discretas por terem inicialmente essa finalidade – vieram rapidamente e, uma década depois, para comemorar o 10º aniversário de Alto Paraíso, um circuito lama­ cento de 560 metros que, desde então, vem sendo estendido, foi construído na periferia da cidade, dando origem à Corrida Nacional. O sucesso foi tão grande que a corrida se tornou conhecida pelo Norte do Brasil como a “Fórmula 1 da Amazônia”. Cerca de 40 mil pessoas (mais que o dobro da população da região de Alto Paraíso) aparecem no Jericódromo ano após ano para ver seus heróis acelerarem. Ser uma estrela da Fórmula 1 é normal­ mente sinônimo de fama e fortuna. Na F1 amazônica, entretanto, a fortuna vem na forma de uma Honda 125 cilindradas novinha para o primeiro lugar (na verdade duas, já que a Corrida Nacional é dividida em duas categorias, uma para uma cilindrada e outra para motores de duas). E fama. Para o Silvinho do Jerico, o reconhecimento garantiu uma eleição para presidente do Conselho Municipal de Alto Paraíso. O cortejo de Silvinho, no entanto, fica pequeno quando comparado ao dos irmãos Melquisedeque e 34

Cefas de Lara, apelidados pela imprensa local como os “Schumachers de Alto Paraíso”, o que é um pou­ co injusto, considerando que lutam para se manter campeões [ao contrário da dupla Ralf e Michael Schumacher, em que apenas um já foi campeão mundial]. “Melqui” é campeão na categoria duas cilindradas; Cefas, rei da classe uma cilindrada. O principal adversário deste, por acaso, é Silvinho, que ganhou em 2006 e 2007 antes de ser deposto pelas vitórias de Cefas em 2008, 2009 e 2010. Os nomes dos dois têm origens bíblicas, o que provavelmente explica a música evangélica explo­ dindo as caixas de som na loja onde eles fazem os ajustes finais em seus Jericos na véspera da corrida. “A época de correr com o Jerico do dia a dia já vai longe”, Melqui revela. “Para vencer, você precisa de um Jerico personalizado.” Melqui e Cefas cuidam de suas máquinas o ano todo para aparecer em apenas dois ou três eventos nos 12 meses, sendo a Corrida Nacional o maior de todos. Uma olhada na máquina de Melqui revela suas puríssimas origens: o motor é localizado no

THE RED BULLETIN


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.