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elo amor de Deus, tomem cuidado na curva inclinada”, adverte o diretor de corrida Renato Ribeiro, o Paraguaio. Ele enumera os perigos que esperam os 23 homens reunidos para a pales tra dos pilotos que antecede a corrida de Jericos. “Se sair da pista naquele ponto, com certeza morrerão algu mas pessoas do público”, diz. Os 23 competidores, em sua maioria com menos de 25 anos, alguns bem acima do peso, todos bem bronzeados, concordam com seriedade. A décima corrida nacional de Jericos Motorizados está prestes a começar. Isso é bom porque o público que lota o Jericó dromo já está ficando indócil. O início do evento foi adiado para coincidir com a chegada do senador Ivo Cassol, cacique político de Rondônia. O senador veio direto de Brasília para a pequena Alto Paraíso espe cialmente para assistir a corrida. Mas o que é este meio de transporte e por que ele surgiu em Alto Paraíso, um lugar pouco populoso localizado nas franjas do Sul da Amazônia, que se proclama a “capital do Jerico”? O fabricante Silvio Stedile, ou “Silvinho do Jerico”, como é conhecido, explica: “Quando a cidade foi construída, no final dos anos 80, as estradas eram tão ruins que nenhum caminhão normal durava – as peças da lataria caíam. Então as pessoas tiveram que inventar um veículo que aguentasse o tranco”. O resultado foi uma lataria precária, montada em suspensões de jipe velho e alimentada por motores a diesel parados, que eram normalmente usados para gerar eletricidade nas serrarias e minas de estanho. O “Jerico”, jumento ou burro, animal que serve como meio de transporte no Nordeste – origem de boa parte dos migrantes que povoaram as cidades mais recentes da região Norte –, ganhou uma versão motorizada para o ambiente hostil da Amazônia. Como brincadeira de garotos, não demorou muito até um fazendeiro local começar a pensar se o seu ju mento a diesel poderia ser mais rápido do que o cons truído pelo vizinho mineiro. As corridas – discretas por terem inicialmente essa finalidade – vieram rapidamente e, uma década depois, para comemorar o 10º aniversário de Alto Paraíso, um circuito lama cento de 560 metros que, desde então, vem sendo estendido, foi construído na periferia da cidade, dando origem à Corrida Nacional. O sucesso foi tão grande que a corrida se tornou conhecida pelo Norte do Brasil como a “Fórmula 1 da Amazônia”. Cerca de 40 mil pessoas (mais que o dobro da população da região de Alto Paraíso) aparecem no Jericódromo ano após ano para ver seus heróis acelerarem. Ser uma estrela da Fórmula 1 é normal mente sinônimo de fama e fortuna. Na F1 amazônica, entretanto, a fortuna vem na forma de uma Honda 125 cilindradas novinha para o primeiro lugar (na verdade duas, já que a Corrida Nacional é dividida em duas categorias, uma para uma cilindrada e outra para motores de duas). E fama. Para o Silvinho do Jerico, o reconhecimento garantiu uma eleição para presidente do Conselho Municipal de Alto Paraíso. O cortejo de Silvinho, no entanto, fica pequeno quando comparado ao dos irmãos Melquisedeque e 34
Cefas de Lara, apelidados pela imprensa local como os “Schumachers de Alto Paraíso”, o que é um pou co injusto, considerando que lutam para se manter campeões [ao contrário da dupla Ralf e Michael Schumacher, em que apenas um já foi campeão mundial]. “Melqui” é campeão na categoria duas cilindradas; Cefas, rei da classe uma cilindrada. O principal adversário deste, por acaso, é Silvinho, que ganhou em 2006 e 2007 antes de ser deposto pelas vitórias de Cefas em 2008, 2009 e 2010. Os nomes dos dois têm origens bíblicas, o que provavelmente explica a música evangélica explo dindo as caixas de som na loja onde eles fazem os ajustes finais em seus Jericos na véspera da corrida. “A época de correr com o Jerico do dia a dia já vai longe”, Melqui revela. “Para vencer, você precisa de um Jerico personalizado.” Melqui e Cefas cuidam de suas máquinas o ano todo para aparecer em apenas dois ou três eventos nos 12 meses, sendo a Corrida Nacional o maior de todos. Uma olhada na máquina de Melqui revela suas puríssimas origens: o motor é localizado no
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