recibo 56 - brazil distópico

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tadas acontecem dentro de um projeto de «revitalização» do Rio de Janeiro. Ou melhor, acontecem dentro de um projeto de inserção do RJ num mercado de cidades globais que vem, por sua vez, atrelado aos megaeventos (Rio+20, Jornada Mundial da Juventude, Copa do Mundo e Jogos Olímpicos), a mega-equipamentos esportivos e mega-monumentos culturais (estádios e museus) e à instalação de Unidades de Polícia Pacificadora em favelas (UPPs). Moderno e arcaico. Aqui, nessa cidade espetacularizada e securizada, faz sentido lembrar os versos da Tropicália: «Eu organizo o movimento / Eu oriento o carnaval / Eu inauguro o monumento / No planalto central do país / Viva a Bossa, sa, sa / Viva a Palhoça, ça, ça, ça, ça […] / O monumento não tem porta / A entrada é uma rua antiga / Estreita e torta / E no joelho uma criança / Sorridente, feia e morta / Estende a mão / Viva a mata, ta, ta / Viva a mulata, ta, ta, ta, ta.» Favaretto analisa os conteúdos e as formas desses versos. O monumento alude a Brasília e a sua modernidade, enquanto o arcaico persiste nas figuras da rua torta e da criança morta. Monumentalidade e mortalidade. Brasília 1960, Copa do mundo 2014. Hoje, os monumentos se multiplicaram: são doze os estádios da Copa e muitos elefantes brancos ainda por vir; já as crianças mortas, segundo o último relatório da FAO, diminuíram. Contudo, o arcaico persiste. Ao ler Foucault que fala da disciplina e segurança — «poderes que fazem viver» — quase nos esquecemos desses poderes soberanos que nos territórios cariocas continuam a «fazer morrer». Em julho de 2013, policiais da UPP da Rocinha mataram um pe-

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