Narrativas Docentes: cinema e educação

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Narrativas Docentes cinema e educação conexão Brasil/Uruguai

Solange Straube Stecz, Rafaela Calil (organizadores)


Narrativas Docentes: cinema e educação. Conexão Brasil/Uruguai - 2022 Organizado por: Solange Straube Stecz; Rafaela Calil Mussi Lima. Curitiba, PR. 140 páginas : 21cm. il.:color. Inclui referências ISSN: xxxxxxx.xxxx.xxxx

Esta é uma obra coletiva. Todos os textos apresentados, incluindo sua revisão gramatical são de responsabilidade dos autores. Para dúvidas, entre em contato pelo e-mail: labcineducacao@gmail.com


Reitora Profª Dra. Salete Machado Sirino

Vice-Reitor Prof. Dr. Edmar Bonfim de Oliveira

Chefe de Gabinete Profª Dra. Ivone Ceccato gabinete.reitoria@unespar.edu.br

Reitoria - Paranavaí Av. Rio Grande do Norte, 1525 - CEP 87.710-020 Paranavaí - PR - Fone (44) 3482 3200

Escritório da Reitoria - Curitiba Av. Pref. Lothário Meissner, 350 - Jardim Botânico 80210-170 - Curitiba - PR - Fone (41) 3281 7427


coordenações

Gladys Marquisio Cineduca: Instituto de Ciencias de la Educacíon - Uruguai Elianne Ivo Universidade Federal Fluminense – Brasil Solange Stecz Universidade Estadual do Paraná – Brasil – (Solange Stecz)

Agência Brasileira de Cooperação Agencia Uruguaya de Cooperación Internacional Unidad Académica de Padagogía Audiovisual - Instituto de Ciencias de la Educacíon ANEP - Consejo de Formacíon en Educacíon

editoração Rafaela Calil


realização


Sumário quem somos p.7 Rafaela Calil apresentação p. 8 Solange Stecz Maratona Audiovisual: A memória como objeto de produção Audiovisual p. 11 Rafaela Calil, Solange Stecz, Elianne Ivo Audiovisual, educação e divulgação científica: Um olhar brasileiro-espanhol p. 34 Elson Faxina As cores das flores p. 58 Márcia Regina Galvan Análise da criação cinematográfica: de Paulo Freire a Adriana Fresquet p. 71 Odair Rodrigues Práticas com audiovisual na aula de Artes p. 83 André Barroso da Veiga Entrevista sobre Cinema, Audiovisual e Educação com a Professora Marília da Silva Franco p.97 Dorotéia Werner A reação dos estudantes depois da oficina dos olhos vendados p. 107 Wagner de Alcântara Aragão Educação Audiovisual em Formação de Docentes: Uma Área de Inovação Educacional: Relato de Experiência p.112 Murilo de Oliveira Lazarin Profundización em Narrativas Docentes p.118 Johanna Holt Proyecto de cooperación internacional de intercambio regional Sur-Sur, creando lazos de experiência y amistad p.123 Alexander Chagas La experimentación de dispositivos audiovisuales em la carrera de Educación Social p.127 Sofía Rapa Proyecto de cooperación con Brasil p.134 Alexis Reyes Silva


quem somos? Cineduca é um Programa de Formação Audiovisual do Consejo de Formación en Educación (Administración Nacional de Educación Pública do Uruguai). Ele se destina a estudantes e professores das carreiras do magistério e professores de todo país. Cineduca é vocacionado para refletir sobre a linguagem audiovisual para desenvolver ferramentas audiovisuais e sensibilidades para que compreendam e se expressam através desta linguagem. UFF (Universidade Federal Fluminense, Niterói, Brasil) oferece curso superior em Cinema há mais de 50 anos. Há dois cursos de graduação: Bacharelado em Cinema e Audiovisual, voltado para a teoria e prática audiovisual, e a Licenciatura em Cinema e Audiovisual, com ênfase na formação de professores de cinema e audiovisual para atuar em escolas e outras ações educativas. A nível de pós-graduação, o PPGCINE (Programa de PósGraduação em Cinema e Audiovisual) com mestrado e doutorado se dedica à pesquisa na área. A Unespar (Universidade Estadual do Paraná, Curitiba, Brasil) possui o Mestrado Profissional em Artes, primeiro Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu (PPGARTES) no Paraná voltado ao atendimento de professores, no campo da Arte: Artes Visuais, Cinema/Audiovisual, Dança e Teatro. O Laboratório de Cinema e Educação - LabEducine, Programa de extensão e de Pesquisa foi criado em 2015 e integra a estrutura do Campus Curitiba II/FAP, vinculado ao PPGARTES e ao curso de Cinema e Audiovisual. Sua proposta tem como base o debate sobre o lugar do cinema na escola e a demanda crescente para a produção audiovisual por professores, crianças e jovens.


apresentação por Solange Straube Stecz Universidade Estadual do Paraná O ebook “Narrativas Docentes: cinema e educação” integra o Projeto Educação Audiovisual em Formação de Docentes: uma área de inovação educacional, uma parceria do Programa Cineduca do Uruguai com a Universidade Federal Fluminense e a Universidade Estadual do Paraná/ Programa LabEducine. Foi realizado com o apoio do Programa de Cooperação Técnica da ABC (Agência Brasileira de Cooperação), ligada ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil e à AUCI (Agência Uruguaya de Cooperación Internacional) do Governo do Uruguai. O acordo de cooperação internacional foi firmado entre o Programa Cineduca do Consejo de Formación en Educación (CFE) da Administración Nacional de Educación Pública (ANEP) do Uruguai Cineduca e duas instituições brasileiras, a Universidade Estadual do Paraná, por meio do Laboratório de Pesquisa e Extensão em Cinema e Educação - LabEducine e do Programa de Pós-Graduação em Artes – PPGARTES, e a Universidade Federal Fluminense, pelo curso de Licenciatura em Cinema e Audiovisual. Ao longo do projeto, também foram executadas ações como as oficinas “Inventar com a Diferença” em Montevidéu (2019) e Narrativas Docentes em Curitiba (Paraná, 2019) A proposta era realizar ainda uma oficina semelhante no Rio de Janeiro, mas com a pandemia de COVID 19 foram necessárias alterações no projeto, como a Maratona Audiovisual prevista para realização presencial em 2020 e realizada online em 2021. O projeto finaliza com o lançamento destes dois ebooks, que refletem sobre as ações conjuntas entre o Brasil e Uruguai. Um volume, edição bilingue, produzida pela UFF, “Formas de hacer y experimentar - cine y educación” foi organizado por Elianne Ivo Barroso, Cesar Migliorin, Viviane Cid e Douglas Resende. E outro “Narrativas docentes”, produzido pelo LabEducine/Unespar, que integra a Coleção Téchne do Programa de Pós Graduação em Artes Stricto Sensu - Mestrado Profissional - PPGARTES/ UNESPAR. “Narrativas Docentes: cinema e educação” trazem artigos produzidos por docentes de Curitiba e do Uruguai que participaram das diversas fases do Projeto, bem como reflexões sobre projetos de referência para uso dentro e fora do ambiente escolar. Os dois volumes estarão disponíveis gratuitamente online.


De Curitiba participaram docentes da rede estadual de ensino, alunos do Curso de Graduação em Cinema e Audiovisual e mestrandos do PPGARTES, além de egressos do curso de PósGraduação Lato Sensu em Cinema, com ênfase em Produção. O projeto permitiu um intercâmbio e uma troca de saberes que apontam para novos olhares nos desafios de implementação do cinema no ambiente escolar, bem como

fora da escola como

Organizações Sociais e Cursos Livres. O desafio de buscar alternativas, durante o período de pandemia, também contribui para construção de novos processos de criação e expressão. As novas tecnologias, que já eram usadas na educação, foram incorporadas ainda mais no período pandêmico, reafirmando a importância e o potencial do audiovisual na educação. Cada um dos textos, brasileiros ou uruguaios, apontam caminhos trilhados com a inventividade e comprometimento de professores e professoras que, apesar de todas as dificuldades que encontram percebem o ato de ensinar como uma construção compartilhada de experiências, aqui entendidas como um lugar de encontro entre sujeitos que buscam experimentar e provar. E que se colocam como sujeitos permeáveis à sua própria transformação. Boa leitura.


artigos


Maratona Audiovisual A memória como objeto de produção Audiovisual Solange Straube Stecz Universidade Estadual do Paraná/Brasil labcineducacao@gmail.com Rafaela Calil Mussi Lima Universidade Estadual do Paraná/Brasil rafaelaccalil@gmail.com Elianne Ivo Barroso Universidade Federal Fluminense/Brasil elianne.ivo@gmail.com

RESUMO

Este artigo tem como principal objetivo observar a produção audiovisual desenvolvida para a Maratona Audiovisual realizada em 2021, Brasil e Uruguai, com o uso do dispositivo Histórias dos Objetos do projeto Inventar com a Diferença, a partir dos conceitos de memória individual e coletiva. Traz os conceitos de Pierre Nora, Tzvetan Todorov, Jacques Le Goff, Maurice Halbwachs e Lev Vygotsky, e sua relação com os seis vídeos produzidos para a Maratona. Além disso, propõe-se a evidenciar a importância da cooperação internacional Brasil/Uruguai na difusão de práticas alternativas na produção audiovisual e seu uso na educação. Palavras-Chave: Audiovisual, Educação, Memória, América Latina ABSTRACT This article has as main objective to observe analyzing the audiovisual productions developed for the Audiovisual Marathon held in 2021, Brazil and Uruguay, with the use of the device Object Histories from the project "Inventar com a Diferença" from the concepts of memory, individual and collective,. It brings the concepts of Pierre Nora, Tzvetan Todorov, Jacques Le Goff, Maurice Halbwachs, and Lev Vygotsky and their relation with the six videos produced for the Marathon. Furthermore, it proposes to highlight the importance of the Brazil/Uruguay international cooperation in the diffusion of alternative practices in audiovisual production and its use in education. Keywords: Audiovisual, Education, Memory, Latin América \RESUMEN


El objetivo principal de este artículo es observar la producción audiovisual desarrollada para la Maratón Audiovisual realizada en 2021, Brasil y Uruguay, utilizando el dispositivo Histórias dos Objetos del proyecto Inventar com a Diferença, a partir de los conceptos de memoria individual y colectiva. Trae los conceptos de Pierre Nora, Tzvetan Todorov, Jacques Le Goff, Maurice Halbwachs y Lev Vygotsky, y su relación con los seis videos producidos para la Maratón. Además, propone resaltar la importancia de la cooperación internacional Brasil/Uruguay en la difusión de prácticas alternativas en la producción audiovisual y su uso en la educación. Palabras clave: Audiovisual, Educación, Memoria, América Latina

La vida no es la que uno vivió, sino la que uno recuerda y cómo la recuerda para contarla.

Gabriel Garcia Márquez


1. Introdução A história de uma pessoa se constitui de diferentes sentidos permeados por suas relações e memórias a partir de um passado recordado ou reinventado. É a soma de suas vivências pessoais, explicitada através de fragmentos de sua memória e da tessitura de lembranças individuais, somadas à sua subjetividade e à memória coletiva que as envolve. A memória, segundo Aristóteles, é um conjunto que agrega as sensações (afeto), a imaginação e o tempo. Para ele, experimentar a reminiscência não é encontrar o conhecimento das formas inteligíveis, além do sensível, mas apreender novamente um conhecimento científico, uma sensação, ou uma lembrança (Morel, 200 p.15). As memórias são transmitidas entre gerações e por meio das trocas de vivências e experiências da comunidade em uma relação dialética sujeito, cultura e história, como afirma Galvão (2020, p. 436). Em artigo no qual trabalha o conceito de memória a partir da teoria Histórico-cultural, traz o pensamento de Vygotsky, o qual podemos associar à proposta deste texto que se propõe à análise de uma Maratona Audiovisual Brasil/Uruguai. Realizada em 2021, a Maratona foi uma produção audiovisual realizada entre equipes compostas por estudantes, professores brasileiros e uruguaios, tendo como ponto de partida um dispositivo do “Projeto Inventar com a Diferença - História dos Objetos”. A proposta nos remete às memórias e afetos de cada personagem dos seis vídeos produzidos e que podemos associar à ideia deste artigo: Ao ser capaz de imaginar o que não viu, ao poder conceber o que não experimentou pessoal e diretamente, baseando-se em relatos e descrições alheias, o homem não está encerrado no estreito círculo da sua própria experiência, mas pode ir muito além de seus limites apropriando-se, com base na imaginação, das experiências históricas e sociais alheias. Vygotsky, 1987: 21. In: Galvão, 2020.

2. Cooperação Internacional A Maratona Audiovisual Brasil/Uruguai 2021 foi uma ação do projeto “Educação Audiovisual em Formação de Docentes: Uma Área de Inovação Educacional”, realizada pelo Programa de Cooperação técnica da ABC (Agência Brasileira de Cooperação), ligada ao Ministério das


Relações Exteriores do Brasil e à AUCI (Agência Uruguaya de Cooperación Internacional) do Governo do Uruguai. Esse acordo de cooperação internacional foi firmado entre o Programa Cineduca do Consejo de Formación en Educación (CFE) da Administración Nacional de Educación Pública (ANEP) do Uruguai Cineduca e duas instituições brasileiras, a Universidade Estadual do Paraná, por meio do Laboratório de Pesquisa e Extensão em Cinema e Educação - LabEducine e do Programa de Pós-Graduação em Artes – PPGARTES, e a Universidade Federal Fluminense, pelo curso de Licenciatura em Cinema e Audiovisual. Ao longo do projeto, também foram executadas ações como as oficinas “Inventar com a Diferença” em Montevidéu (2019) e Narrativas Docentes em Curitiba (Paraná, 2019). O projeto se encerra no primeiro semestre de 2022 com um seminário online e o lançamento de dois e-books com um inventário de experiências educativas em cinema e audiovisual vivenciadas ao longo desses anos pelas três instituições. Sua finalidade era, de uma forma horizontal, trocar experiências, estimular, sistematizar e criar mecanismos críticos e investigativos das práticas de ensino audiovisual para docentes de escolas de ensino fundamental e médio nos dois países. Partiu-se da ideia da importância atribuída à Educação, em que o audiovisual é peça-chave para a expressão dos sujeitos e sua compreensão dentro de uma sociedade que explora das formas mais diversas a imagem e o som. No Uruguai, o Programa Cineduca desenvolve a educação audiovisual como saber constitutivo do perfil de todos os docentes uruguaios. O programa gera práticas e experiências educativas diversas compartilhadas com a comunidade internacional, entendendo sua configuração como uma oportunidade de inovação educativa e de inclusão social. Considerado uma unidade acadêmica de pedagogia audiovisual, dentro do Conselho de Formação em Educação, da ANEP, o CINEDUCA exerce a promoção da formação do docente como educador audiovisual através de propostas de pesquisa, extensão e ensino. O centro de sua proposta era o desenvolvimento de capacidades em um educador criativo, a compreensão da cultura em sua função social e cultural, a inclusão dos saberes comunitários no fazer pedagógico e um trabalho horizontal com o educando.


Os parceiros brasileiros do projeto, a Universidade Federal Fluminense e a Universidade Estadual do Paraná/LabEducine realizaram uma série de atividades das quais destacamos aqui a Maratona Audiovisual. A proposta atende o desenvolvimento de ações que contribuam para uma educação de qualidade como garantia efetiva para a igualdade e inclusão de estudantes brasileiros e uruguaios. Também aponta para o papel fundamental que o audiovisual cumpre na educação nos dois países e a necessidade de formação de docentes habilitados a trabalhar em sala de aula e atender a demanda crescente de crianças e adolescentes que são afetados cotidianamente pelas imagens e sons. 3. Maratona Audiovisual Realizada entre os dias 19 e 23 de abril de 2021, a ação desenvolveu atividades ligadas à produção audiovisual colaborativa, com a integração de estudantes oriundos do Brasil e do Uruguai. Foi uma atividade planejada em 2017 quando do início do Projeto, com o desenvolvimento de várias atividades em conjunto focadas na transferência de conhecimentos. No ano de 2020, com a pandemia da COVID-19, foi preciso readequar as ações previstas presencialmente. Entre elas estava a Maratona Audiovisual, que aconteceu de forma remota. A ideia inicial era realizar a maratona audiovisual de Educação Audiovisual em Formação de Docentes na fronteira entre Rivera (Uruguai) e Santana do Livramento (Rio Grande do Sul, Brasil). Ali, há uma conurbação sem distinção clara de onde começa ou termina um país, lugar em que se fala uma língua “inventada” que mistura português e espanhol em um gesto de uma contracartografia. Ou seja, uma dinâmica social e local que questiona a rigidez dos mapas que delimitam com traços e pontos a divisão do território. Ademais, a escolha do lugar se deu porque, na parte uruguaia, localiza-se o Instituto de Formación Docente de Rivera ligado ao Cineduca, e, do lado brasileiro, a Unipampa - Universidade Federal do Pampa, com a qual pretendíamos fazer uma parceria para sediar a Maratona Audiovisual e convidar os estudantes da Unipampa a participar do evento. Veio a pandemia da COVID-19 e a necessidade de adaptar a atividade para uma versão remota. Mas a determinação e a perseverança das instituições de ensino envolvidas no projeto tornaram possível essa ação a partir de uma logística verdadeiramente de cooperação. Houve um atraso de mais de seis meses com várias reuniões online preparatórias e, finalmente, a Maratona Audiovisual aconteceu entre 19 e 23 de abril de 2021.


Em um momento tão grave como o da pandemia, o cinema e o audiovisual despontaram como um modelo de vida em que a colaboração e a solidariedade são a chave para a boa realização de atividades educativas. A força do coletivo e a pressão do tempo para a produção demonstraram que as barreiras da língua, as diferenças culturais e as adversidades da comunicação online foram facilmente transponíveis através da expressão audiovisual. Foi uma experiência rica e proveitosa, que abriu perspectivas, possibilitou novas amizades e ampliou as reflexões sobre o papel do audiovisual. O projeto, realizado de modo online, reuniu 42 estudantes e professores em seis grupos para a produção de vídeos que retratassem a memória e a história oral, e também para: (...) 'registrar e compor imagens que falem sobre outros tempos e outras formas de se relacionar com o mundo, sobretudo tradições e hábitos que têm sido transformados pela reconfiguração das cidades e do cotidiano. Estimular uma atenção às narrativas da comunidade. Para a Maratona Audiovisual foi escolhido o dispositivo do Inventar com a Diferença História dos Objetos, válido para todos os grupos. Cada equipe deveria produzir um filme de no máximo 5 minutos, com uso do dispositivo escolhido. Foi recomendada a leitura dos Cadernos do Inventar: Cinema, Educação e Direitos Humanos, com o propósito de que todos os participantes se familiarizassem com os conceitos e metodologia desta proposta. HISTÓRIAS DOS OBJETOS o que? Filmar uma pessoa idosa e a relação afetiva que ela estabelece com algum objeto. por quê? Valorizar a memória e a história oral; registrar e compor imagens que falem sobre outros tempos e outras formas de se relacionar com o mundo, sobretudo tradições e hábitos que têm sido transformados pela reconfiguração das cidades e do cotidiano. Estimular uma atenção às narrativas da comunidade. como? 1. Encontrar uma pessoa idosa da comunidade que fale sobre algum objeto que esteja há muitos anos na família ou que seja, de alguma forma, significativo para esta pessoa.


2. Primeiro, utilizar a câmera para gravar somente a narração (o áudio). A narração deve durar entre um e três minutos. 3. Separadamente, filmar este objeto e produzir imagens que criem relações com esta narração, explorando a duração dos planos e os enquadramentos. 4. Montar as imagens filmadas colocando os objetos em contexto com a narração." Cadernos do Inventar, 2016: 40.

O dispositivo foi a base para o desencadeamento do processo criativo das equipes e consistia na relação entre uma pessoa idosa e um objeto, buscando o significado em suas memórias/lembranças. O projeto Inventar com a Diferença foi desenvolvido pelo Departamento de Cinema da Universidade Federal Fluminense. Foi idealizado e coordenado pelo professor Cezar Migliorin, conjuntamente com os pesquisadores Isaac Pipano, Luiz Garcia e equipe, realizado com o apoio e fomento da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, em 2014. Constituiu uma rede de

estudantes e educadores em todo o país,

colaborando com a criação de metodologias e processos que possam ser disponibilizados a educadores e educadoras do país, com autonomia suficiente para definir suas práticas e estabelecer suas próprias dinâmicas de produção no campo da educação. (Cadernos do Inventar, 2016, p. 11). Como enfatiza Migliorin sobre as bases do Projeto, “mais do que do que apresentar esse ou aquele mundo, o cinema constitui-se como uma experiência em si de invenção (...) eis uma dimensão ético-política que acreditamos indissociável do fazer cinematográfico e que deveríamos enfatizar no “Inventar com a diferença” (2015, p. 49). Dessa forma, as ações desenvolvidas com professores, alunos e mediadores visavam ao desafio de buscar práticas educativas que priorizassem o protagonismo dos sujeitos e comunidades envolvidas.


4. Produção dos vídeos Os estudantes que participaram da Maratona foram selecionados entre os integrantes dos projetos do Cineduca no Uruguai, do LabEducine em Curitiba (PR/BR) e Niterói (RJ/BR), e divididos nos grupos a partir de suas habilidades com produção audiovisual. Para a comunicação entre os membros dos grupos, foram criados grupos de Whatsapp e salas virtuais na plataforma meet, abertas entre o dia 19/04/2021 e 23/04/2021. Para a divisão das tarefas dentro dos grupos, a premissa era de um trabalho coletivo. Todos deveriam participar das etapas de produção e pós-produção, mas também cada grupo escolhia um representante que atuava como contato entre a comissão organizadora e seus membros. Entretanto, havia ainda a orientação de que houvesse um responsável pela área de criação (produção, roteiro, fotografia, som e edição), a fim de que esse membro pudesse auxiliar os companheiros em caso de dúvidas e emergências. Ou seja, o representante da Fotografia poderia ajudar o colega de grupo sobre como iluminar ou enquadrar uma cena, assim como a Produção poderia se ocupar do cumprimento do cronograma, lembrando os prazos estabelecidos pelo evento. Quanto aos equipamentos utilizados para gravação e edição, foi indicado o uso de equipamentos fáceis de operar e equivalentes entre si, para que na hora da edição não houvesse nenhum problema de compatibilidade de formatos de imagem e som. Foi indicado o uso de câmeras de celular, e os detalhes técnicos foram definidos na primeira reunião, com a anuência do responsável pela montagem. No caso de gravação de depoimentos à distância, foi recomendado o uso das salas virtuais e o pedido de back up de som pelo entrevistado (gravador do celular, por exemplo). No caso de uso de música ou material de arquivo, era necessário utilizar material livre de pagamento de direitos autorais. Quanto ao tema e roteirização, a recomendação principal foi referente ao cronograma dos trabalhos. O tema deveria ser livre e escolhido em comum acordo entre os membros das equipes, que deveriam levar em conta a viabilidade da produção/edição em dois dias e meio. Para a montagem e edição final dos vídeos, foi definido um formato de exportação (MP4/H 264), a inclusão das logomarcas obrigatórias e vinheta de abertura padronizada. Os grupos deveriam definir entre si um responsável pela edição final, embora os membros pudessem editar partes do material, que não deveria exceder a duração de cinco minutos, sem os créditos. Os resultados dos vídeos produzidos permitem a reflexão sobre os conceitos de memória


individual e coletiva que transpassam diversos campos, entre eles da história, da filosofia, da psicanálise.

5. A memória afetiva como objeto de produção audiovisual Recordar é talvez uma das experiências mais importantes do ser humano e que permite ressignificar o passado fazendo-o presente. No entanto, a memória está diretamente vinculada ao

esquecimento.

Supressão

(esquecimento)

e

conservação

(recordação)

são

indissociáveis. Para o pensador búlgaro Tzvetan Todorov, “a memória não se opõe absolutamente ao esquecimento. Os dois termos contrastantes são o apagamento (o esquecimento) e a conservação; a memória é, sempre e necessariamente, uma interação entre os dois” (2000). Para ele, a memória é uma seleção, um exercício pelo qual o indivíduo, ao recordar, faz uma escolha do que deseja conservar ou descartar. Maurice Halbwachs (2006), sociólogo francês, ao sistematizar seu conceito de memória coletiva, afirma que a memória individual pode ser preenchida com o apoio da memória coletiva, uma vez que os dois tipos de memória (o individual e o coletivo) se interpenetram e um ajuda a preencher as lacunas do outro (2006, p. 72). Na busca da reconstrução da história de vida de uma pessoa, é necessário levar em conta os fragmentos da memória, percebidos não como registros fiéis da realidade, mas como uma sobreposição de lembranças que associam seu momento pessoal ao vivido em coletividade. Logo, é possível afirmar que a construção da memória é coletiva e elemento da construção de uma identidade, conforme afirma Le Goff: A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia. Mas a memória coletiva não é somente uma conquista, é também um instrumento e um objeto de poder. São as sociedades cuja memória social é sobretudo oral ou que estão em vias de constituir uma memória coletiva escrita que melhor permitem compreender esta luta pela dominação da recordação e da tradição, esta manifestação da memória. Le Goff, 1990: 476.


Podemos observar esse contraste entre memória individual e coletiva no vídeo “El hilo da vida”, que narra o “tecer da vida”, ou seja, a memória passada entre gerações sobre a atividade de tecer lã. No vídeo, há a presença de um filho que acumula a tradição de seus antepassados por meio de sua mãe, o conhecimento inerente da atividade. No curta-metragem, podemos observar um objeto, a “roda de fiar”, maquinário utilizado para tecer lã, no qual o personagem René Scholz relata que, desde seu nascimento, pôde vivenciar gerações utilizando o equipamento. Ele conta que a memória afetiva da atividade fez com que não precisasse de aulas para utilizar o equipamento. Em seu relato, o personagem alega que jamais venderia o objeto, pelo valor sentimental atrelado às lembranças. Na cena, podemos observar o personagem utilizando o equipamento, que um dia fora utilizado por sua tataravó, avó e mãe, memórias estas sempre presentes em sua vida.

FIGURA 1 - RENÉ SCHOLZ COM A “RODA DE TEAR”

Fonte: Frame documentário. FIGURA 2 - A “RODA DE TEAR”


Fonte: Frame documentário.

O valor sentimental das memórias atreladas a objetos passados entre gerações é algo bastante notório nas produções desenvolvidas. No vídeo “Nosotras”, também podemos constatar a forte presença de um objeto, a “roda de fazer r”vióli”, presente na família da portoalegrense italiana Norma Barcellos Pinheiro Machado. As histórias contadas sobre os objetos acabaram transferindo discursos e sentimentos para sua materialidade. Eles adquiriram valor memorial e patrimonial dentro das casas e famílias

e

são,

geralmente,

insubstituíveis,

não

são

abandonados, apenas passados de geração para geração ou entregues às pessoas que são muito próximas à família. Seu valor simbólico, memorial e também espiritual. Bosi, 1994 apud Nery: 154, 2017.

FIGURA 3 - A “RODA DE FAZER RAVIOLI”


Fonte: Frame documentário.

Ao apresentar o vídeo “Nosotras”, a representante do grupo sintetiza o processo iniciado por conversas e trocas de recordações e histórias, como um laço da irmandade que encontraram na busca do caminho para a narração e da poesia que construíram para estabelecer um diálogo entre duas histórias de dois países distintos. Os encontros construídos entre a uruguaia Lilian Miraballes e a brasileira Norma Machado giram em torno das lembranças de suas avós e de dois objetos herdados delas: uma roda utilizada para finalizar raviolis e uma cadeira de balanço. As falas e imagens vão se sobrepondo e estabelecendo laços de memória: a aproximação da família a partir das comidas feitas pela avó e as recordações da infância de Norma sobre suas brincadeiras na cadeira de balanço.


FIGURA 4 - AVÓ NA CADEIRA DE BALANÇO

Fonte: Frame documentário.

Memória e esquecimento perpassam a fala das personagens. As falas mesclam memórias não só dos objetos, mas das recordações das avós dessas duas senhoras com mais de oitenta anos. Ao fazê-lo, trazem para o vídeo suas histórias afetivas em uma construção que nos aproxima da reflexão de Pierre Nora, para quem a memória é afetiva e mágica, se alimenta de lembranças vagas, particulares ou simbólicas, se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem e no objeto. “A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente” (Nora, 1993, p. 9). Isso também está evidenciado no vídeo “Pero el amor continua”, que traz as lembranças de Nelly D’Andrea Shen, nascida em 1932, em Montevidéu, Uruguai. A entrevistada afirma que nunca foi materialista, logo, não pode tecer suas memórias a partir de objetos materiais, e apresenta uma foto dela e seu falecido marido, perguntando para a câmera se a foto corresponde ou não a algo material. Na foto, tirada em um lugar chamado Cafetin de Antaño, na confluência das ruas Isla de Flores con Yaguaron, em Montevidéu, vemos Nelly com o marido na década de 1970. A partir da imagem, ela começa a reconstruir a história da paixão do marido pelo tango, e mais especificamente pelas músicas de Carlos Gardel, mesclando


suas memórias afetivas com as do espaço que, no fim dos anos de 1960, reunia os apaixonados por tango em Montevideo para um encontro obrigatório nos fins de semana. Lá, onde se respirava o tango, Nelly e seu marido se divertiam nas noites de sexta-feira entre artistas e o público que lotava o tradicional café decorado com fotos de Montevidéu. FIGURA 5 - NELLY E SEU MARIDO NO CAFÉ “CAFETIN DE ANTAÑ”.

Fonte: Foto de arquivo.

FIGURA 6 – NELLY E SEU MARIDO.

Fonte: Arquivo pessoal.


No relato de Nelly, percebemos a riqueza da polissemia da memória na mescla de suas memórias afetivas e da Montevidéu de outros tempos. O passado, recordado pelo afeto, revive na memória coletiva da capital uruguaia, confirmando que a história pessoal se reveste de sentidos também sociais.

Ou, de outro modo: abre-se a possibilidade de que a memória, ao invés de ser recuperada ou resgatada, possa ser criada e recriada, a partir dos novos sentidos que a todo tempo se produzem tanto para os sujeitos individuais quanto para os coletivos já que todos eles são sujeitos sociais. A polissemia da memória, que poderia ser seu ponto falho, é justamente a sua riqueza. Gondar, 2008:5. Partindo dessa premissa, podemos afirmar que as memórias presentes nos materiais audiovisuais produzidos pela maratona audiovisual são também elementos da memória social e coletiva. Isso é evidenciado na opção pelo documentário em todos os vídeos produzidos na Maratona. Bill Nichols, crítico e teórico norte-americano de cinema, e ainda autor de trabalho pioneiro dos estudos contemporâneos do documentário, afirma que "o documentário acrescenta uma nova dimensão à memória popular e à história social” (Nichols, 2005, p. 27). É, portanto, um campo que explicita a realidade social de acordo com a seleção do seu realizador. É nesse tópico, das imagens captadas pela câmera a partir do real, que, para Nichols, se estabelece o vínculo do documentário com o mundo histórico. Isso amplia a visão do senso comum de que memória é o que corresponde às lembranças de fatos passados ou do que o entrevistado entende por passado. A reconstrução das lembranças de um entrevistado é sempre

ressignificada pelo documentário, ganhando um sentido coletivo/

social. Em “ondas de memória”, o uruguaio Juan Pedro Santos conta sua experiência com o rádio e informações que o veículo lhe trazia de todo o mundo a partir do fim dos anos 1940. Seu objeto é um rádio antigo, mostrado em primeiro plano na cena que abre o vídeo.


Recorda de seu primeiro aparelho, que funcionava à bateria e da notícia que o marcou em 1952. Com precisão, relembra a queda do Voo Pan AM 202 em 29 de abril de 1952, um dos primeiros acidentes registrados na Amazônia, que vitimou os 50 ocupantes, entre passageiros e tripulantes. O avião caiu em uma área fechada localizada a 440 km a sudoeste da cidade de Carolina (Maranhão), e a informação ficou registrada em sua memória mais de sessenta anos depois. FIGURAS 7 - JUAN PEDRO COM SEUS RÁDIOS

Fonte: Documentário Ondas de Memória.

A outra entrevistada, brasileira, apresenta-se enquanto a câmera mostra seu rádio em cima de uma antiga mala de viagem. Ao dizer seu nome, Margarida Bulgarelli, de 94 anos, cita seu marido, Genuíno Bulgarelli, e localiza sua chegada ao Paraná há 60 anos. O rádio que vemos é seu primeiro rádio, comprado no município catarinense de Ponte Serrada. O aparelho era uma atração entre seus vizinhos, que passavam na estrada, de onde se ouvia bem alto o rádio que era ligado justamente para ser escutado por todos, pois poucas pessoas tinham rádio naquele tempo na cidade de Ampére (PR). Sua lembrança pessoal nos permite perceber seu papel social na comunidade, passando de um registro de acontecimento para a construção de um referencial sobre o passado e as mudanças de acesso à comunicação que ocorriam em sua época.


FIGURAS 8 - MARGARIDA BULGARELLI COM SEU PRIMEIRO RÁDIO

Fonte: Documentário Ondas de Memória.

O rádio, para Margarida e Juan Pedro, mais do que um objeto que remete ao afeto, é também uma abertura para o mundo. A precisão com que Juan Pedro relembra a letra de uma canção sobre Barcelona e o detalhamento do que Margarida ouvia no rádio trazem fragmentos de um tempo coletivo que ilustra como a memória individual é também coletiva. Juan e Margarida estão separados por fronteiras, mas suas lembranças vividas são patrimônio de suas comunidades; ao contá-las, constituem a história oral de seus lugares. Mesmo que seus discursos idealizem os fatos, ali está entrelaçada a memória de um tempo, tal como um arquivo que se ancora nos lugares da memória, conceito teórico de Pierre Nora, para quem um objeto só constitui um lugar de memória quando “escapa do esquecimento e uma comunidade o reinveste com seus afetos e suas emoções”, referindo-se assim a uma história coletiva (Nora,1993, p. 21). O vídeo “Mate” transita na questão do individual e coletivo ao trazer a relação do entrevistado, Ramon Aguiar Fernandez, uruguaio de 95 anos, com o mate, uma bebida comum no Uruguai e que tem como característica a socialização, além da importância cultural, social e econômica no sul da América do Sul (Argentina, Uruguai e sul do Brasil). Ali, a cultura do mate está nos espaços públicos e privados e se relaciona com questões de afeto que remetem à tradição e à sociabilidade. Seja no contexto urbano ou rural, a tradição permanece e se reinventa sem se


perder. O tema tratado do ponto de vista documental traz o afeto como fio condutor, podendo se enquadrar em um dos seis modos descritos por Nichols, o poético, que enfatiza associações visuais, qualidades tonais ou rítmicas, passagens descritivas e organização formal (Nichols, 2005, p. 62).

FIGURAS 9 - "CUIA DE MATE"

Fonte: Frame documentário.

Ramon, morador de Santa Rosa, Província de Canelones, Uruguai, ensina o preparo do mate, recordando que antes o preparava em um fogão, alimentado a carvão, da mesma forma que faz hoje em um fogão moderno. Para sua entrevista, Ramon usa a garrafa térmica e ''cuia'' de mate de seu vizinho, pois, segundo afirma, “toma muito pouco mate” atualmente. Essa cena caracteriza os elementos da ficção presentes no documentário, o que dificulta, para Nichols, a própria definição do documentário, sempre relativa e comparativa à sua tradição, que, ao mesmo tempo que nos transmite a ideia de autenticidade e representação do real, lida com a representação da realidade. FIGURAS 10 - "RAMON FERNANDEZ"


Fonte: Frame documentário.

Ramon, ao nos informar que não toma mais mate e que usa o kit de mate do vizinho, explicita a escolha dos realizadores e seu caráter socializador quando se refere à cuia como sua companheira e à quantidade de vezes que tomava mate em seu trabalho, com os colegas, cada um com sua cuia, usando o plural para referir-se à roda de mate. Por fim, no vídeo “Bella União - Una película para Sr. Luiz”, também podemos evidenciar o fator memória bastante presente na narrativa. O personagem Luiz Nunez relembra um episódio marcante de sua vida pessoal e profissional, a explosão de um depósito clandestino de fogos de artifício em Uruguaiana, na década de 90. Luiz era bombeiro na época e fez parte da equipe principal de resgate. No vídeo, os realizadores utilizam imagens de arquivo do noticiário da RBS para ilustrar a fala do personagem. Para Nichols (2005, p. 26), essa escolha "torna visível e audível, de maneira distinta, a matéria de que é feita a realidade social, de acordo com a seleção e a organização realizadas pelo cineasta". Além disso, esse recurso visual funciona no vídeo, para ilustrar a voz embargada do personagem, que narra com pesar o cenário da catástrofe que vivenciou com seus próprios olhos no dia 01 de dezembro de 1994.


FIGURA 11 – LUIZ NUNES A SERVIÇO DO CORPO DE BOMBEIROS DO URUGUAI.

Fonte: Foto de arquivo.

6. Conclusão O audiovisual conta histórias, e mais do que isso, serve como ferramenta social de identidade e memória. Pensando nessa premissa, este trabalho teve como principal objetivo destacar as produções audiovisuais desenvolvidas na Maratona Audiovisual, no ano de 2021. Os seis vídeos desenvolvidos apresentaram um importante fator em comum: a temática da memória afetiva, individual e coletiva dos personagens, presentes em cada narrativa. A memória foi o fio condutor das histórias retratadas, com personagens complexos que utilizam seus relatos com um olhar saudosista e afetuoso do passado, não se limitando às barreiras de


tempo e espaço. Esse elemento mostrou-se essencial para a construção dos vídeos, realizados com a premissa do dispositivo “História dos objetos”, do projeto “Inventar com a Diferença”. As recordações e relatos de uma pessoa são elementos construtores não só de sua história como da história da humanidade. Recordar e registrar suas recordações é uma forma de se inserir na história, e em um panorama de sua época. Os vídeos que comentamos puxam o fio da vida, nos ajudam a entender fatos históricos e nos deliciarmos com histórias individuais. Nos confirma as teorias de que memória é também uma construção coletiva, pois o indivíduo tem sua identidade construída a partir de seu tempo e da sociedade onde está inserido. É o tempo e suas transformações que se apresenta como cenário em cada um dos vídeos, seja através do resgate de histórias, como do bombeiro Luiz ou de sensações como de Nelly sobre seu marido apaixonado por Tango. Interessante observar nas narrativas a narração no tempo presente, memória viva, transformada através do tempo, mas retomando o pensamento de Garcia Marquez tecidas a partir do que recordamos, não apenas do que vivemos para contar. Uma reconstrução que parte do presente e se conecta e se soma a um passado de afetos, sensações e fatos vividos em determinado momento histórico. Pois, afinal, como afirmou Pablo Neruda, “nosotros, los de entonces ya no somos los mismos”. Podemos observar também, tanto no roteiro quanto no material final produzido, uma sensibilização das histórias, por meio de objetos materiais afetivos e contextos sociais diversos. A integração entre estudantes oriundos do Brasil e do Uruguai também foi um fator de destaque nas produções, visto que cada integrante pode cumprir uma função essencial na produção totalmente remota de histórias cativantes, que retrataram a essência das histórias dos personagens apresentados. A cooperação entre o Brasil e Uruguai na área de formação de docentes para o ensino audiovisual foi particularmente importante para a realização do projeto, visto que puderam ser compartilhadas as semelhanças sociais e culturais, da mesma forma que avaliadas diferenças e dificuldades da produção remota no contexto de pandemia do COVID-19. Vale ainda destacar o acordo de cooperação entre as instituições, Cineduca, UFF e a UNESPAR, como um passo inicial na colaboração de desenvolvimento de pesquisas conjuntas


na área de cinema e educação, reforçando os vínculos culturais e territoriais entre os dois países. Referências CINEDUCA. Disponível em http://cineduca.cfe.edu.uy/. Acesso em: 5 mar. 2022. GALVÃO R. M. Memórias de uma moça bem-comportada: Análise da obra pelo viés da teoria

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Audiovisual, educação e divulgação científica Um olhar brasileiro-espanhol Elson Faxina1 UFPR Durante muito tempo a ciência ficou confinada aos bancos escolares, mais claramente universitários, encastelada em seu fulcro intocável que lhe permitia manter a aura supostamente sagrada e ensimesmada no enclausuramento confortável da racionalidade. A espécie de escafandro que lhe serviu de vestimenta pretensamente nobre e o número limitado de pessoas com capacidade de entendê-la serviam de ancoradouro a refutar uma possível imiscuição com a ‘frivolidade’ da imagem, e muito mais da imagem em movimento, por natureza própria rebelde a enquadramentos em ditames que possam facilitar sua compreensão. Afinal, toda imagem é polissêmica e tem uma “cadeia flutuante” de significados (BARTHES, 1990). De alguma maneira, esse comportamento arredio, confortável a certa nata de cientistas, quase sempre pelo exagero com o zelo de sua descoberta, mas também por certa ignorância em relação às grandes transformações sociais que as tecnologias da comunicação impuseram à sociedade, acabou por alijar dos não cientistas os novos conhecimentos, surgidos graças à ciência, referentes ao cotidiano das pessoas e aos temas concernentes à vida individual e coletiva em sociedade. As novas descobertas que, no passado remoto, surgiam na própria vida cotidiana da sociedade a partir do que se costuma chamar de “mentes brilhantes”, passaram a surgir – multiplique-se isso por enormes casas decimais – em salas e laboratórios fechados, de difícil acesso público. Esse rigor em zelar a própria cria fez do criador uma espécie de ermitão urbano, isolado em seu laboratório físico ou mental, encasquetado em suas pesquisas, ora atormentado outrora entusiasmado, mas sempre atomizado, preocupado em publicar

1

Professor e pesquisador em comunicação da UFPR - Universidade Federal do Paraná/Brasil. Mestre na área de Cinema,

Rádio e Televisão pela ECA/USP; Doutor em Ciências da Comunicação pela Unisinos; Pós-doutorando em Comunicação Audiovisual pela Universidade Complutense de Madri/Espanha.


diretamente a seus pares, ou quiçá encontrar quem lhe ‘compre’ a ideia e a coloque em circulação, quase sempre mercantilizada. É nesse momento histórico, e recente, que a noção de comunicação pública surge para nos recordar da obrigatoriedade que temos para com a sociedade, ainda mais que, na imensa maioria das vezes, trata-se de pesquisas efetuadas graças a recursos públicos, como no Brasil em que mais de 95% de toda a produção científica é realizada por e nas universidades públicas (MOURA, 2019)2. Entre as diferentes conceituações de comunicação pública em discussão, pugnamos aqui por aquela cuja prática é comprometida com a democracia e a construção da cidadania e, ao mesmo tempo, tem como finalidade construir uma relação de confiança entre as instituições e os cidadãos, levando em conta a perspectiva de uma nova legitimação das instituições (HASWANI, 2013). Portanto, comunicar à sociedade a ciência produzida é parte irrefutável da responsabilidade social da universidade (ARANDA et al., 2022). Aqui interessa-nos entender a comunicação pública comprometida com a divulgação do conhecimento, oriundo do tripé ensino, pesquisa e extensão universitária, a partir do prisma do interesse público, aliás, o que é bem distinto de ‘interesse do público’. Essa diferenciação é importante e nos impõe um modo de produzir comunicação, primando por uma narrativa que envolva o público, que o torna partícipe do próprio processo de disseminação do conhecimento científico. Isto é, devemos selecionar um tema, uma pesquisa, um resultado científico que seja de interesse público e fazer com que o público se interesse por ele, se comprometa com ele. Esta é a chave para a narrativa audiovisual decidida a fazer difusão científica, como nos dois casos que tomamos aqui como fio condutor dessa reflexão: CAI CREAV UCM - Centro de Criação de Conteúdos Audiovisuais e Digitais para a Pesquisa e a Docência da Universidade Complutense de Madri – Espanha, nascido em 2008, e AE UFPR3 - Agência Escola de Comunicação Pública e Divulgação Científica da Universidade Federal do Paraná – Brasil, nascida dez aos depois, em 2018.

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https://ciencianarua.net/universidades-publicas-respondem-por-mais-de-95%-da-producao-cientifica-do-brasil/. Acessado

em 22/03/2022 3

http://www.agenciacomunicacao.ufpr.br/hotsite/


Ciência e comunicação Tratar de divulgação científica é colocar em diálogo dois campos, em princípio, completamente distintos, como explicam Bienvenido León e Enrique Baquero (2010, p. 102). La ciencia se dirige a la razón, a través de procesos de representación que utilizan fundamentalmente herramientas muy especializadas, como la lógica matemática y la experimentación empírica. Por el contrario, la televisión busca fundamentalmente despertar emociones y sentimientos. Además, la ciencia necesita manejar grandes cantidades de información muy pormenorizada, mientras que la televisión selecciona generalmente contenidos ligeros que no requieren una presentación detallada y extensa.

Detalhando essas diferenças cruciais entre ciência e o audiovisual, José Antonio Jiménez de las Heras e Almundena Munoz Gallego, respectivamente diretor e membro do CREAV UCM, afirmam que a divulgação científica unifica a relação entre a comunicação e o conhecimento especializado que a ciência oferece. La ciencia muestra una naturaleza algo más compleja, se dirige a la razón, a través de procesos sofisticados, como la lógica formal o la evidencia empírica. Ahora bien, los medios de comunicación tratan de despertar los sentimientos, la emoción y el interés a través de información comprensible a primera vista, sin explicación previa, sin ofrecer alternativas de perder la atención por desconocimiento del tema. (DE LAS HERAS; GALLEGO, 2021, p. 6)

Este é o mesmo entendimento da AE UFPR, ao definir os modos narrativos de suas produções que, além do audiovisual, são feitas também por meio de outras linguagens, como sonoras, textos, redes sociais, sites, organizações de eventos específicos e de aproximação entre cientistas e sociedade, sempre de acordo com a exigência do tema e do público em questão. Cabe destacar que, como se pode notar pelo próprio nome, o CREAV produz exclusivamente audiovisual, uma vez que “mais de 90% da informação-comunicação que recebemos habitualmente é audiovisual e, portanto, se queremos chegar de forma eficaz a um público generalista, nada melhor que o audiovisual para consegui-lo” (ARANDA et al.,


2022, p. 202)4. Por isso mesmo, em pouco mais de 13 anos de atividades, já são mais de 600 produções audiovisuais entre séries de documentários de curta, média e longa duração e de reportagens especiais, além de vídeos institucionais para divulgação, aulas, debates, transmissões de eventos entre outros. Os temas envolvem as mais variadas ciências desenvolvidas no âmbito da universidade, séries sobre cultura e a presença da UCM levando seus conhecimentos a diferentes partes do mundo, que podem ser vistos em https://www.caicreavucm.com/. Com foco nas diferentes áreas de produção científica UFPR, com campus espalhados pelo estado do Paraná, a AE traz, entre suas produções, dezenas de reportagens para site e meios impressos, mais de uma centena de boletins para rádio, dezenas de materiais dirigidos a redes sociais e outras dezenas destinadas ao audiovisual. No último ano começou a desenvolver parcerias com redes de veículos de comunicação, como a AERP (Associação de Emissoras de Radiodifusão do Paraná) que conta com mais de 300 rádios associadas no estado, e a Rede Evangelizar de Rádio, com mais de 80 emissoras espalhas pelo país. O acordo prevê a produção integralmente feita pela AE e divulgação gratuita pelos parceiros. Como aqui nos dedicamos a refletir exclusivamente sobre audiovisual, retomamos a primeira produção da AE UFPR, em outubro de 2018, um documentário5 de curta duração que retrata o problema da burocracia na pesquisa, mesclando encenação de dois atores convidados a depoimentos de 16 cientistas das mais diferentes áreas de conhecimento da UFPR. O vídeo6 faz uma imersão no gênero docuficção (ou docudrama) como forma de potencializar o problema tratado, ao mesmo tempo em que dá maior dinamismo, buscando uma certa leveza à narrativa marcada por depoimentos sérios dos cientistas. São duas narrações em paralelo, que se respeitam e se completam na medida em que uma legitima a outra. Já havia ali essa preocupação trazida por De las Heras e Gallego (2021) de criar uma aproximação entre quem faz ciência e quem produz comunicação audiovisual. Isto é, ao retratar dois temas áridos, como a pesquisa e a burocracia, buscou-se um certo devaneio simbólico, usando a figura de um detetive contratado para encontrar desvios de recursos no

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5

As citações em português desta obra serão sempre tradução livre do autor. Ver em https://www.youtube.com/watch?v=cw6veyyOluQ

6 Vencedor do 1º lugar de Júri Popular e o 3º lugar de Júri Técnico do concurso lançado com o mesmo nome pela ANDIFES - Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior/Brasil.


desenvolvimento da pesquisa, a fim de aproximar tais temas do público destinatário. Foi, digamos, uma mescla de licença poética com licença científica. Sem nenhum contato anterior entre as duas instituições, esta também é uma das formas narrativas desenvolvidas pelo CAI CREAV antes mesmo do surgimento da AE. Cada episódio da série La ciencia cotidiana7 traz uma história ficcionada como abertura provocativa ao tema, interpretada por atores, que operam, na sequência, como entrevistadores dos cientistas que passam a narrar seu próprio feito científico, como veremos mais adiante. Claro que, como em toda produção audiovisual, o sucesso depende muito de um leque de situações, que vão, no nosso caso, desde a capacidade de o cientista contar sua própria experiência a, quando for o caso, interpretações convincentes de atores e atrizes convidados, além da capacidade técnica dos produtores de desenhar um arco narrativo inteligente, gravar com todos os rigores técnicos, montar e finalizar uma bela história, que uma o rigor científico à linguagem própria do audiovisual. Mas, sem dúvida, um dos primeiros desafios a quem faz divulgação científica é buscar, em cada caso, em cada fato científico a ser tratado, uma forma narrativa que desperte interesse, que provoque a empatia na audiência, “de maneira que seja um conteúdo acessível e abordável para os públicos interessados em questões científicas, mas também para promover o interesse e despertar a curiosidade de novas audiências” (DE LAS HERAS, GALLEGO, 2021, p. 6)8. Afinal, a divulgação científica é, para Roque e Sánchez (Apud DE LAS HERAS; GALLEGO, 2021, p. 6), toda atividade de explicação e difusão dos conhecimentos, da cultura y do pensamento científico técnico, com o objetivo de “aproximar a ciência ao público generalista não especializado”. Mas, para se chegar a essa decisão há um caminho enorme a ser transposto pela equipe decidida a produzir audiovisual que tenha como pilar a divulgação da ciência, que buscamos detalhar a seguir.

Público

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https://www.youtube.com/watch?v=MeybA0k8PmI&list=PLX1M_JDhh4awq_QSGYq_0iXEt_RKxpAV9

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As citações em português desta obra serão sempre tradução livre do autor.


Definir o público a ser alcançado pela produção audiovisual é parte essencial de um projeto que deverá ser delineado em detalhes antes de qualquer trabalho ser iniciado. Vale aqui a frase atribuída a Sêneca9: ‘Não existe vento favorável a quem não sabe onde deseja ir’. Por isso mesmo, ter claro o que queremos, como e com quem vamos fazer e, principalmente, quem queremos ‘convencer’ com nossos produtos é essencial porque vai definir o horizonte que vislumbramos alcançar. Em comunicação não vale a imprecisa definição de ‘público geral’, quando nos referimos a todas as pessoas, de todas as idades, classes sociais, profissões, gêneros etc. Quando nos dirigimos a todos perdemos a precisão que uma comunicação deve ter; quando selecionamos um público conseguimos ter foco, usar a linguagem adequada, como se olhássemos nos seus olhos e falássemos individualmente a ele. Quando não sabemos objetivamente a quem falamos, nossa comunicação perde força, rumo, objetividade, não conseguimos ter uma linguagem coloquial, que dialogue com o público. Em audiovisual também vale a frase usada por quem atua em rádio: ‘quem fala para todos não alcança ninguém; quem fala para alguém alcança a todos’. Para quem faz divulgação científica vale pensar em públicos que tenham uma capacidade de irradiação, que tenham, de alguma maneira, uma reverberação de sua fala. Atingindo esse público específico, conhecido como reeditor social, e dando a ele os argumentos de que dispomos, o conquistaremos para dar sequência ao processo de difusão de nossos conteúdos, já independente de nós. Cunhado por Juan Camilo Jaramillo (1991), este termo indica uma pessoa que, por seu papel social, ocupação ou trabalho tem a capacidade de readequar mensagens, segundo as circunstâncias e propósitos, com credibilidade e legitimidade. Diferente de líder de opinião, o reeditor social é “uma pessoa que tem público próprio, que é reconhecido socialmente, que tem a capacidade de negar, transformar, introduzir e criar sentidos frente a seu público, contribuindo para modificar suas formas de pensar, sentir e atuar” (TORO, 1996, p. 42).

Busca pela pauta

9 Filósofo, escritor e político romano, nascido na Espanha por volta do ano 4 a.C. e se tornou um dos principais representantes do Estoicismo durante o Império Romano.


Ter acesso às pesquisas realizadas no âmbito da instituição em que trabalhamos, no nosso caso UFPR/Brasil e UCM/Espanha, não é uma tarefa tão simples quanto parece. Ter uma lista de temas e seus pesquisadores a fim de selecionar boas pautas não é difícil, porque há sempre uma relação de pesquisas em andamento disponibilizadas pelas instituições. No entanto, não raro são listas que você precisa entrar e ler dezenas, centenas de páginas de cada projeto e seus relatórios para entender do que se trata cada um, o que inviabiliza uma visão geral do que é produzido pelas mais variadas áreas do conhecimento e em que estágio se encontra cada pesquisa ou projeto de extensão. Esse desafio hercúleo dificulta uma primeira tomada de decisão: sobre qual produção científica ou ciência aplicada à extensão universitária vamos fazer nosso audiovisual? Por isso mesmo, para conhecer a existência de uma produção científica em processo e, preferencialmente, com resultados, ainda que parciais, não há uma maneira fixa, um caminho único a ser seguido, enquanto as próprias instituições não disponibilizarem acesso fácil, por meio de sínteses em forma de sinopses de 10 ou 12 linhas, que permitam a qualquer pessoa conhecer o que é, o que faz e em que estágio está uma pesquisa ou projeto de extensão. Isso impõe, naturalmente, que partamos das situações determinadas por nossas relações sociais. Nossos contatos já estabelecidos são, de fato, uma primeira porta que se abre e que devemos adentrar e começar a, literalmente, desvendar essa riqueza, esse imenso campo – ora quase pântano - de projetos científicos em operação. Claro que a decisão não será produzir algo porque o cientista é nosso amigo. Sua produção tem que ser significativa socialmente, ser importante para as pessoas, para a sociedade e ter alguns atributos, que trataremos mais adiante. O lado positivo disso é que iniciar uma produção audiovisual com um cientista ou extensionista, digamos, amigo é excelente porque podemos aproveitar dessa relação tranquila para experimentarmos processos, regravar situações que costumam fazer parte do nosso próprio aprendizado, tudo com o objetivo de ir definindo um modo de produção eficaz e replicável para as demais situações. Contudo, é importante que seja um passo inicial, e que podemos, a partir daí, ir ampliando os contatos. À medida que vamos perguntando se esse primeiro pesquisador contatado conhece outras experiências interessantes, vamos saindo do espaço restrito definido pela relação pessoal, estendendo nossos tentáculos, fazendo crescer nosso alcance,


redimensionando nosso raio de ação. A prática ensina que com quatro ou cinco contatos que vão se estendendo, chegamos invariavelmente a todos os projetos que buscamos, porque já não serão quatro ou cinco novos projetos, mas uma ramificação que nos leva a centenas de novas experiências científicas. O desafio é fugir desse certo aprisionamento a que somos submetidos pelas relações iniciais, levando-nos a produzir quase que exclusivamente materiais, ainda que importantes, sobre ‘nossos amigos’. E isso pode ser facilitado pelas novas tecnologias, com o apoio do pessoal de TI de nossas próprias instituições. Foi para fugir desse perigo de permanecer num círculo fechado, até mesmo vicioso, que a AE UFPR desenvolveu um Guia de Fontes10, aberto também ao público e, de maneira especial, aos profissionais de mídia externos à própria universidade. Trata-se de um guia com diferentes comandos de busca, que vão desde o nome do pesquisador, passando pela área de atuação, tipos de projetos que desenvolve e temas de seu domínio. Isso tem possibilitado uma cobertura de temas mais distribuídos nas diferentes áreas de conhecimento da UFPR. É importante destacar que o equilíbrio de produção e divulgação entre todas as ciências é essencial a uma comunicação pública, além de dar maior confiabilidade a quem produz.

Interesse público Como vimos antes, o interesse público deve ser o balizador de nossa escolha por uma pesquisa a merecer nossa produção audiovisual. O primeiro passo, então, é refletir se o tema com o qual nos deparamos, que inclusive soe interessante num primeiro momento, é de fato de interesse público. Ou seja, qual é a sua importância para as pessoas, para a sociedade. As vezes o tema pode não ter um interesse imediato, individual, mas ser interessante exatamente pela sua transcendência social e, neste caso, é importante divulgá-lo. Uma vez escolhido o tema, é momento de realizar uma boa pesquisa, isto é, conhecer em profundidade o projeto selecionado, como foi ou está sendo desenvolvido, quais as novidades apresentadas, os resultados alcançados, quem são seus autores, qual sua importância social e quantas mais informações houver.

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https://www.guiadefontes.ufpr.br/


Para começar, é importante fazer uma leitura do projeto, que municiará uma boa conversa com o pesquisador, para tirar dúvidas, esclarecer ideais, ter a compreensão mais abrangente do conhecimento apurado e seu processo de construção. Essa conversa também será um momento especial para sondar a capacidade dele próprio ser o narrador do audiovisual. De posse de todas essas informações é possível definir como vamos enfocar o tema. Por mais amigo, simpático, humano que possa ser o pesquisador, o foco da divulgação científica é o conhecimento produzido. O foco, portanto, não é ele, é sua ação. Isso é ainda mais importante quando se trata de uma instituição que patrocina ou realiza a pesquisa. Ou seja, não devemos focar nossa produção num viés autoral, seja do pesquisador ou da instituição. Essa, aliás, é uma clara diferença entre uma produção destinada à divulgação científica de outra focada em interesses de seus gestores, que muitas vezes vislumbram uma trajetória política (KUNSCH, 2011), não que isso seja necessariamente nocivo, mas não é o foco da divulgação científica. É claro e normal que seus autores apareçam, mas sempre em função do que produzem. O enfoque definido para nossa produção deverá, então, oferecer uma síntese potencialmente capaz de traduzir ao telespectador a compreensão completa do projeto, do tema e da pesquisa realizada e conquistar o seu envolvimento, sua aprovação, sua adesão.

Cada projeto com seu narrador Para ser coerente com seus propósitos a comunicação pública precisa fazer uma opção sensata pelo narrador. Não se faz uma comunicação nova se seu modelo estiver engessado por garridos donos da palavra. O discurso da comunicação pública não pode estar acondicionado num narrador institucional que não seja o próprio produtor do conteúdo, porque ela não tem uma preocupação meramente difusionista, informativa, mas busca criar, deflagrar um processo comunicativo, que responda a um projeto distinto do que propõe o jornalismo tradicional. O discurso jornalístico traz, segundo Resende (2006), pressupostos que o torna um campo cujas produções não incorporam as práticas cotidianas e culturais da contemporaneidade, porque está “burocratizado pelas fundamentações epistemológicas”, que o torna “limitado e limitador” (RESENDE, 2006, p. 3). Trata-se de narrativas autoritárias porque propõem o apagamento daquele que fala, devido à “necessária busca da verdade, valor encravado na pressuposta imparcialidade de quem relata o fato (RESENDE, 2006, p. 4).


Por isso mesmo, o discurso jornalístico praticado ainda hoje é engessado, dificultando uma narração que desenvolva empatia com o público, que lhe permita suscitar emoções próprias do tema, sem os apelos fáceis e pueris característicos do gênero policialesco. “O jornalista, restrito às formas/fórmulas que regem o discurso jornalístico, raramente produz narrativas que primem por uma ideia de interlocução” (RESENDE, 2006, p. 7). Criamos um jornalismo avesso ao afeto, encalacrado num racionalismo determinista, impositivo, asséptico à complexidade humana individual e coletiva da sociedade. Por isso, uma comunicação científica deve libertar-se dessas amarras próprias do jornalismo tradicional, propondo outras formas de narrar que respondam às necessidades do próprio conteúdo para alcançar as pessoas. E só alcançaremos as pessoas se investirmos na poesia. Para Cremilda Medina (2003), se o comunicador social não invocar a poética persistirá nos equívocos do signo da divulgação, unidirecional, autoritário, e lembra o que disse o poeta Octávio Paz: “só a poesia é capaz do ato de comunhão entre os sujeitos”. Falar de poesia não significa, necessariamente, fazer versos, trovas, criar rimas, mas entrar na intimidade humana dos sentimentos, dos devaneios, das sensações diversas, das percepções furtuitas, cativantes, misteriosas, num equilíbrio em que o “sentir-pensar-agir se revela numa narrativa ao mesmo tempo consistente, poética e transformadora” (MEDINA, 2003, p. 142). O compromisso narrativo, portanto, deve ser o de que criar proximidade com o público, o que exige uma linguagem mais informal, sem tanta intermediação de um sujeito externo, que se coloca como o narrador oficial, transformado numa espécie de tradutor intrometido, alvoroçado e presunçoso em ser o artífice que fará com que o telespectador ‘ignorante’ entenda o que o cientista ‘inteligente’ produziu. Esse afastamento do sujeito do enunciado de seu próprio público fere de morte a possibilidade dialógica necessária entre o produtor da ciência e seu beneficiário. Claro que essa comunicação não prescinde do profissional da área, seja ele do jornalista, publicitário, relações públicas, cineasta ou outros campos. Esses profissionais são essenciais neste processo e devem, preferencialmente, operar como um criador e construtor da nova narrativa, aquele que fica nos bastidores do processo comunicacional, tal como atuam, por exemplo, o produtor, o diretor e toda a equipe técnica de um filme. Sem eles o filme não existirá, mas não são eles que aparecerão na película; não são a imagem e a voz deles que o público vê e ouve.


Trocando em miúdos, o sujeito narrador da comunicação científica deve ser o próprio cientista, seja ele individual ou coletivo, que receberá da equipe de comunicação toda a orientação de como contar, narrar, mostrar, produzir uma boa história. Claro que haverá alguns momentos em que o velho formato jornalístico possa ser requerido em função de determinadas situações ou mesmo temas. Mas ele deve ficar como numa estante, como um repertório, uma possibilidade à disposição, em vez de ser a primeira ou até mesmo a forma consagrada de produzir audiovisual.

Capacidade do pesquisador Deve-se levar em conta, entretanto, que nem sempre um pesquisador, mesmo sendo professor com longa prática de sala de aula, consegue apresentar bem o seu trabalho. Afinal, contar uma história, ainda que seja a sua, não é algo simples. E no caso do pesquisador, muitas vezes é a incapacidade mesmo de resumir, de selecionar o essencial de um processo longo, cheio de detalhes, percalços, descobertas, vislumbres falsos e verdadeiros, próprios de um processo de investigação. Não há sentido pejorativo ao falar aqui em incapacidade; é, antes, o reconhecimento de que fazer uma síntese, sem perder a essência de um trabalho árduo como o científico, é uma arte em sentido amplo e, como tal, nem sempre disponível a todos e todas. Por isso mesmo, embora reforcemos sempre que precisamos dar a voz a quem é o dono da voz, há casos em que é indispensável se reinventar. Uma solução mais fácil é gravar também com outras pessoas envolvidas na pesquisa, tais como bolsistas ou colaboradores, criando uma contação coletiva da história. Caso nem isso seja possível, recorre-se aos recursos narrativos já disponíveis, como o jornalístico, o publicitário, entre outros. Nos casos em que várias vozes contarão uma história, com começo, meio e fim, é essencial que façamos um roteiro de questões, de perguntas a serem feitas para cada um referente ao que lhe compete narrar nessa história. Devemos gravar aquilo que precisamos de cada um para estruturar nosso audiovisual.

Potencial imagético


Fazer audiovisual é pensar, inicialmente, se o assunto que vamos narrar pode ser contado por imagens. Não se trata apenas de imagens que ilustram o tema, mas daquelas que sejam parte da própria narrativa, que possam ajudar a contar, a explanar o assunto. O ideal é sempre pensarmos em como contar uma história com as imagens, antes de pensar no texto. Se isso for possível, meio caminho já estará andado. Ao tratar de uma pesquisa, por exemplo, que aponte novos conhecimentos na forma de cultivar uma certa planta, não basta contá-la do ponto de vista textual, verbal. É preciso mostrar o antes e o depois, isto é, uma planta tratada de uma forma inconveniente e outra de acordo com o que a pesquisa apontou. O mesmo vai acontecer quando tratamos de temas abstratos ou mesmo invisíveis aos nossos olhos, como na série de 10 capítulos sobre as águas subterrâneas, intitulada El agua invisible11, produzido pelo CREAV em parceria com a Fundación Fomento y Gestión del Agua de Espanha e TVE espanhola. O uso extraordinário de imagens de águas, rios, rochas, planícies, montanhas, plantações e outras tantas visualidades em diferentes planos, enquadramentos e movimentos de câmera, associadas a muita arte gráfica, especialmente para explicar as camadas de terra e água subterrâneas, foram recursos essenciais para dar conta do desafio de nos mostrar, mais do que só falar sobre o tema. Afinal, produzir audiovisual é muito mais mostrar algo do que falar sobre algo. Por isso, é preciso levar em conta que se o tema não oferece boas imagens e nem possibilita a produção de imagens em forma de animação, infográficos, artes, imagens virtuais... ele pode ser difundido por outras formas narrativas, não necessariamente em audiovisual. Contudo, nunca é demais lembrar que se a equipe tem em seus quadros um bom profissional de artes gráficas, é possível fazer muitos ‘milagres’, viabilizando um audiovisual de um tema complexo. Mas será preciso contabilizar o tempo que isso levará, o custo-benefício dessa empreitada.

Formato e sua estética O que vimos até aqui são condições para se fazer audiovisual, fazem parte da sua préprodução e, como tal, deverão compor um relatório ou briefing de cada pesquisa, a fim de ajudar a definir qual será o formato do audiovisual a ser produzido. Isto porque já saberemos

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https://www.youtube.com/watch?v=JUmwQJv7Wco


o potencial dessa pesquisa para se tornar uma reportagem, um perfil, documentário, seriado, material de divulgação institucional ou outras possibilidades que a equipe crie. Afinal, antes de sair gravando, a própria equipe precisa definir quais são os formatos de seu escopo de produção, ou seja, criar grandes linhas narrativas, que deem conta de abarcar boa parte dos temas que nos tocam divulgar, sem que isso engesse ou inviabilize uma produção audiovisual referente a determinadas pesquisas. Foi assim que a AE UFPR criou uma série de produtos audiovisuais, como o Primeira Pesquisa, o UFPR na sua e o Bate que eu Debato. O primeiro é destinado a projetos de pesquisa, a partir do olhar daquele que se inicia nesse processo de construção de um novo conhecimento. O segundo retrata projetos de extensão universitária, dando espaço especialmente para as comunidades envolvidas e estudantes extensionistas, falando da importância daquele projeto para suas vidas. O terceiro é uma produção destinada a responder dúvidas a respeito de temas polêmicos que desafiam a universidade. Vale a pena assistir ao primeiro episódio12 de 2022, quando a UFPR voltou às aulas presenciais, suspensas por quase dois anos, devido ao período da pandemia do Coronavírus. De forma bemhumorada e muito clara, o próprio reitor da universidade responde às críticas surgidas, esclarecendo-as diretamente para a comunidade universitária, formada por professores, técnicos, estudantes e seus familiares. Definir um formato não é algo muito simples. Ele precisa ter uma cara, uma estética própria envolvendo narrativa, narradores, imagens, cores, sons e, para isso, a busca de referências externas é essencial. Chacrinha, conhecido apresentador de programa de auditório no Brasil nos anos 70 e 80, dizia que “na televisão nada se cria, tudo se copia”13. Trocadilho a parte, ter um bom repertório referente ao que pretendemos produzir aumenta as possibilidades de criarmos ideias novas, brilhantes, que contribuam para uma renovação permanente do discurso audiovisual. Assistindo ao menos um episódio desses três produtos ditos acima, você vai identificar qual é a estética de cada formato. Os demais episódios são diferentes em conteúdo, história, imagens, sons, mas há uma linha que dá unidade a cada formato.

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https://www.facebook.com/watch/?v=1850714498467121

13 Acervo O GLOBO. https://acervo.oglobo.globo.com/incoming/na-televisao-nada-se-cria-tudo-se-copia-22845489. Acesso em 12/03/2022


O elementar aqui é definir qual deve ser a estética geral do nosso formato. Ele será narrado por uma voz externa ou pelos próprios envolvidos no tema, os atores sociais? Quais serão os tipos de imagens e seus respectivos enquadramentos, planos, movimentos de câmera? Terá recursos de imagens digitais, como ilustrações, gráficos, artes...? Terá um tom de cor, cores ou uma paleta de cores, como se costuma dizer? Terá vinhetas padrão de abertura e encerramento? Terá um tipo de som específicos? Ou seja, a ideia é definirmos características comuns que darão unidade a nossos produtos, sem engessar os diferentes conteúdos a serem abordados. Um formato deve ter uma linha geral, com uma estética que lhe dê unidade, e não ser uma espécie de camisa de força em que devemos enquadrar, acondicionar o nosso conteúdo.

Enfoque - em busco do foco Realizados os passos anteriores, é hora de começar a definir o foco do que se quer divulgar. Aqui entra a necessária ciência da comunicação. Afinal, sabemos que em pesquisa tudo é importante: desde a primeira ideia, a primeira hipótese, a primeira pergunta, detalhar todo o processo de desenvolvimento da pesquisa, suas idas e vindas, suas dificuldades, seus achados e perdidos, até a sua conclusão. Mas se tudo é importante e interessa à comunidade científica, nem tudo será importante ao público fora dessa comunidade naturalmente restrita. Como fazer essa síntese é o papel da comunicação, dos comunicadores. Aranda et al. (2022) destacam que precisamos criar um novo discurso, que é diferente do discurso da ciência e, no caso aqui em discussão, através do audiovisual, que tem fins e formas não necessariamente científicos. A eso añadiríamos un matiz: esos “fines y formas” pueden no ser partícipes del lenguaje de las ciencias naturales, experimentales o biosanitarias, pero sí de otros lenguajes científicos y académicos, reconocidos como tales en las Ciencias Sociales y las Humanidades, tal como es el audiovisual, objeto de estudio, investigación y docencia universitaria (ARANDA et al., 2022, p. 202)

Feita por professores e pesquisadores de comunicação, gestores da Plataforma de Divulgação Científica Audiovisual da UCM (Universidade Complutense de Madri), esta afirmação nos abre caminho para pensar uma divulgação científica a partir do olhar de “um público diferente dos cientistas”, ou seja, a partir de seus modos de sentir, de ver, de ouvir


aquilo que mais lhe interessa, que fala diretamente a sua vida cotidiana. Isso nos conduz a analisar profundamente a pesquisa realizada para extrair dali o que realmente interesse a esse público, claro que sem macular o conhecido produzido e seu processo. A rigor, isso nos provoca a pensar como vou transformar a essência desse conhecimento em uma história que interessa ao público não cientista.

Contar uma boa história - Conte-me sua história Aqui entra a parte criativa da produção audiovisual: o desafio de contar uma boa história. Não se trata, necessariamente, de uma história ao estilo ficção, drama, mas uma estrutura narrativa que nos envolva, que desperte a empatia, que crie expectativa e nos mantenha atentos até o seu desfecho; que nos prenda a atenção até os últimos segundos do produto em questão. Ao referir-se à estrutura narrativa de um documentário, León (2002, p. 82) afirma: Ha de utilizar aquellos recursos narrativos y dramáticos que hacen posible la construcción de un enunciado eficaz desde el punto de vista comunicativo. Esto supone utilizar una serie de estructuras y técnicas que convierten la información científica de partida en un nuevo enunciado de características y mecanismos comunicativos propios.

Embora possa causar estranheza à primeira vista, contar uma história é parte do nosso cotidiano mesmo quando apresentamos uma ideia, defendemos um ponto de vista, explicitamos um pensamento. Veja o caso de uma aula, exercício muito comum a nós envolvidos no amplo campo da educação. Ao iniciar uma aula não entramos de cara no conteúdo. Fazemos, antes, uma introdução motivadora sobre o tema da aula, por mais árido que ele seja. Aliás, quanto mais árido mais necessidade sentimos de uma boa abertura, e de um desenvolvimento que desperte a atenção dos nossos estudantes, que os segure atentos até o final da aula. Costumamos, inclusive, dar inicialmente uma pista sobre a importância dessa aula e, no decorrer, ir deixando vestígios, elementos quase dispersos que, de repente, vão se juntando até a conclusão de nossa ideia central, formada por um conjunto de pequenas ideias que foram sendo, a seu tempo, concluídas. No fundo, o que fazemos ao preparar uma aula é uma espécie de narrativa em três tempos, como ensina Syd Field ao afirmar que uma história deve ter um início, um meio e um


fim bem definidos, que ele formula em três atos: “Ato I = apresentação, Ato II = confrontação e Ato III = resolução” (FIELD, 2001, p. 13). Isto é, abrimos a aula e apresentamos vários pontos interessantes do tema, deixandoos abertos para aprofundarmos - eis o primeiro ato de todo filme de ficção. Em seguida, vamos tomando ponto por ponto, trazendo elementos novos, ideias novas, provocações novas que vão sendo isoladamente concluídas, mas que, no entanto, fazem parte da ideia central da aula - eis a segunda parte da nossa aula-história. É o que Syd Fiel chama de “confrontação”. Ao final, retomamos essas pequenas e importantes conclusões parciais e as juntamos na conclusão geral de nossa ideia central - eis a terceira e última parte do nosso conteúdo, como na terceira parte, o desfecho de um filme. Nossa aula, na realidade, segue a mesma estrutura fílmica, composta em três atos. Ou melhor, composta de um grande arco narrativo, desglosado em vários miniarcos narrativos. Esta é, praticamente, a garantia de um sucesso no processo de ensino. E não fazemos isso por cópia, porque estamos acostumados a repetir narrativas que o cinema e a grande mídia nos trouxeram. Fazemos porque esta é a forma milenar de despertarmos o interesse do outro. Portanto, foi o cinema, o audiovisual, a literatura e as mídias como um todo que buscaram na vida social sua forma de narrar. A mais corriqueira de nossas formas de diálogo ao aproximarmos de alguém, de um amigo ou uma amiga, é perguntarmos como está, é manifestarmos a curiosidade em relação ao outro. E o outro, tal como nós, o que faz? De supetão, quase sem pensar, dispara uma síntese provocativa do tipo: “Nossa, tive um fim de semana maravilhoso!”, após perguntarmos: “E aí, como foi seu fim de semana?” Nós, naturalmente, voltamos a interrogá-lo curiosamente: “Sério? Me conta tudo, não esconda nada!” Está iniciada uma história que prenderá o interlocutor até o seu final. Claro que, com tempo e a experiência, desenvolvemos formas narrativas diferentes, criativas, mas a narração em três atos é uma excelente dica para quem está iniciando no processo de produção audiovisual. Lembre-se que quanto mais teórico é o tema, mais nos esforçamos para não tornar uma aula burocrática, cansativa. É esse mesmo esforço que precisamos ter quando vamos criar um produto audiovisual para a divulgação científica, e ainda mais quando temos um tema necessário, importante para a sociedade, mas difícil de transmitir. Há casos em que precisamos lançar mão de uma história, uma ficçãozinha mesmo, para ilustrar o tema, para


torná-lo mais palatável, o que pode ser feito de diversas maneiras, como vimos no documentário. Assista aos dois vídeos sugeridos antes, realizados pela AE UFPR e pelo CAI CREAV UCM. Observe que no vídeo Burocracia na Pesquisa a solução encontrada foi criar uma história paralela que vai pontuando os subtemas relacionados aos percalços da burocracia na sua relação com os pesquisadores. Há, portanto, um grande arco narrativo – a senhora burocracia contrata um detetive para encontrar problemas, desvios de recursos usados pelos pesquisadores, que só vai ser solucionado no final do vídeo. E existem, por outro lado, vários miniarcos narrativos – um para cada dificuldade vivida pelos pesquisadores - que conformam o grande arco, propondo diversos tipos de problemas quando a burocracia impõe certos critérios que impedem o desenvolvimento normal da pesquisa. Eles vão sendo explicados, solucionados, entendidos no momento que aparecem, mas estão presentes na conclusão final, no desfecho do documentário. Já na série do CREAV – Ciência cotidiana - a opção foi por uma situação ficcionada em que dois jovens conversam, manifestam dúvidas sobre o tema e vão em busca as explicações. Ao abordarem o sucesso do que chamam de uma nova aventura serial, Aranda et al. (2022) explicam como funciona a opção narrativa iniciada com essa série. Ocho episodios en este caso, con una estructura novedosa: una ficción abre cada capítulo; cinco minutos para plantear el tema genérico con dos jóvenes protagonistas que serán los/las mismos/as que luego visitarán a los científicos en sus laboratorios y centros de trabajo. (2022, p. 214)

Mas também se pode pensar em outras possibilidades em que uma história signifique uma síntese importante de todo um conteúdo teórico. Um breve olhar sobre os livros sagrados das diversas religiões nos mostra como explicações tão complexas são traduzidas em imagens, que dão conta de abrir nossas mentes para conhecimentos mais profundos. Destacamos, por fim, que também se pode fazer uma boa produção audiovisual como diálogo, em que o próprio cientista vai contando a história de sua pesquisa, o que por si só já é uma história. O importante, nesse caso, é estruturar bem essa história, seguindo os passos do que fora vivenciado pelo pesquisador e sua equipe, com um diálogo que vá satisfazendo a curiosidade do público que, em síntese, é a nossa própria curiosidade de produtor do audiovisual.


Produção - Atenção, gravando Realizadas essas etapas anteriores é ora de colocar a mão na massa, de produzir um roteiro de gravação, melhor dizendo, um pré-roteiro, que é diferente de um roteiro de ficção. Nele estarão não estarão as falas, mas a sugestão de estrutura narrativa, as questões a serem abordadas com cada entrevistado, as imagens a serem gravadas, assim como outras informações que venham a ser necessárias para a edição do audiovisual. É de posse desse pré-roteiro que será concluída a pré-produção do audiovisual, que consiste em finalizar todo o trabalho necessário para começar a gravação, sem que ocorram surpresas de última hora. Portanto, marca-se o dia, local e horário de cada gravação, providencia-se equipamentos, deslocamentos da equipe e tudo o que for necessário. Com isso tudo pronto, inicia-se a produção em si. O mais comum numa produção é começar pelas sonoras, ou seja, pelas entrevistas previamente marcadas, com os cuidados de uma ótima captação de som e imagem do entrevistado. Se for possível fazê-la com duas câmeras, melhor. Ajuda muito no momento da edição. Mas isso dependerá do formato escolhido e sua estética. O seguinte passo costuma ser a gravação das imagens referentes ao tema e ao que foi suscitado pelo entrevistado, que merece uma discussão a parte. Imagem Se chegamos até aqui é porque o tema que selecionamos tem um potencial de imagem. Agora é hora de produzi-las, o que costuma ser o maior desafio da produção audiovisual com o propósito de divulgação científica. Talvez até pela característica própria do tema, somos levados a ter uma preocupação essencial com o conteúdo, necessariamente teórico, racional, o que nos leva a pensar desde o início no texto. É impressionante como no processo de alfabetização, bem como em todo o decorrer da escolarização, incluindo o ensino superior, somos confinados a pensar a partir da lógica textual, que é diferente de pensar a partir da lógica do tema. A lógica de uma história em si é racional, mas não necessariamente textual. Ao pensarmos, por exemplo, na lógica de uma piada – uma das grandes narrativas populares que atravessam os séculos – estamos racionalizando para entender a sua lógica, que tem tudo a ver com a narrativa audiovisual: é provocativa em seu início, explicativa e elucidadora no seu decorrer e só ao final apresenta o


seu desfecho. Mas isso não tem nada a ver com a lógica do texto, e sim com a lógica das relações humanas, da sociabilidade. No entanto, ao tomar um tema de pesquisa, ao enfrentarmos o desafio de transformálo em audiovisual somos levados, quase que instintivamente, a pensar o texto que dará conta de expressar melhor o referido conteúdo. O que parece natural em seu início, cria um descompasso a seguir: como vamos ilustrar esse texto? Ou seja, somos reféns de a uma narrativa textual, naturalmente redutora da narrativa audiovisual, pois a imagem passa a ser vista apenas em seu potencial ilustrador, quando muito em sua referencialidade. Entretanto, a comunicação audiovisual pertence mais ao campo das relações pessoais e sociais, das proximidades empáticas, do estar junto, do identificar-se com o outro, do que à transmissão de informações. A fala de um dos personagens do filme Até o fim do mundo, de Wim Wenders, pode nos ajudar a entender a raiz do discurso audiovisual e dar sua real dimensão. Num dado momento da história, sr. Mori diz: “O olho não vê o mesmo que o coração”. É isso mesmo, mostrar para o coração é o grande mote do complexo discurso audiovisual. (FAXINA; MORO, 2018, p. 51)

Ou seja, é preciso pensar o audiovisual como o discurso do afeto, que se dirija ao coração das pessoas e não à sua compreensão racional. Evidente que nosso objetivo é que o público entenda, compreenda profundamente o conteúdo, mas se não tocarmos o seu coração, as suas emoções, o seu universo empático, dificilmente ele permanecerá atento ao conteúdo. Isso nos leva a pensar como contar um fato, uma história, como contar uma pesquisa por meio de imagens, deixando o texto, a fala para contextualizar, para explicar. Ou seja, explorar ao máximo o potencial de imagens que o tema tem, como se pode ver na produção do CREAV, sobre o vulcão de Cumbre Vieja, na Ilha de La Palma, Espanha, sob o título El despertar de la tierra14 Na realidade, quando falamos de imagem é preciso ter em mente dois tipos de imagem com as quais trabalhamos em audiovisual: a imagem técnica e a simbólica. A primeira refere-se a sua materialidade, sua referencialidade, enquanto a segunda se consolida no seu

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https://www.youtube.com/watch?v=H3xlRi9NHjQ


significado, é a sua existência mental. A imagem simbólica é aquilo que a imagem técnica, mas também os demais recursos utilizados, tais como falas, sons, montagem... criaram em mim, em minha mente. Grosso modo, produzimos imagens técnicas, com todos os rigores de enquadramentos, planos, profundidade de campo, movimentos etc., para forjar imagens simbólicas, criando significações, que nem sempre estarão sob nosso controle, porque dependerão também do repertório que dispõe cada público, cada telespectador. Em todo o processo de produção de um audiovisual, a edição e finalização costumam ser um momento especial. É ali que o editor e o diretor precisam “combinar o poder conceitual e o poder emocional das imagens em movimento”, que, para Aumont e Marie (2012, p. 149), era a constante preocupação de Eisenstein na montagem de uma obra cinematográfica. De maneira especial na divulgação científica, é após a montagem pronta que vamos decidir se são necessárias imagens digitais, como artes, gráficos, desenhos etc. para facilitar a compreensão do tema. Se sim, produzi-las e editá-las, para então entrar em processo de sonorização, que vai dar a carga emocional exigida pelo tema, em cada situação. A quase a totalidade de todos os sons que ouvimos em um filme é pensada, elaborada e meticulosamente organizada em várias etapas e texturas por um Desenhista de Som ou Sound Designer e por equipes de editores e mixadores. Com muita sensibilidade, ouvidos altamente treinados e grande habilidade de gravação, organização e finalização em plataformas digitais (computadores), esses profissionais são responsáveis pela construção de uma narrativa sonora original, quase sempre relacionada com as imagens vindas do Departamento de Edição e Montagem (Galetto, 2014, p. 244).

A informação trazida por Galetto, referindo-se ao cinema, vale para toda obra audiovisual. É preciso ter em conta que uma produção audiovisual é composta de três discursos distintos e complementares, em que um deve somar-se ao outro e nunca o sobrepor: fala, imagem e sonorização. Claro que um determinado produto audiovisual possa tomar, até por definição estética, um desses discursos como o principal, e os outros dois possam ser chamados a complementá-lo. Mas o essencial aqui é compreender o potencial da fala, da imagem e da sonorização para tecer uma narrativa primorosa, fazendo com que o audiovisual atinja nossos três principais elementos cognitivos, formados pelas dimensões racional, emocional e empática do ser humano. Embora os três discursos podem e acionam, de maneira distinta, cada uma


dessas formas de sentir e pensar, grosso modo podemos dizer que a fala tem sua prioridade fincada na razão; a imagem, na empatia; e a sonorização, na emoção. Não por outra razão as equipes de produção audiovisual de cada uma das duas experiências abordadas aqui são formadas por equipes versáteis. Por isso mesmo, embora sejam equipes super enxutas para o que se requer de uma produção audiovisual, são capazes de produções importantes por serem profissionais e bolsistas multitarefas, capazes de desenvolver bem cada uma dessas áreas que se complementam.

Audiovisual para o ensino O desafio de ensinar, capacitar novos profissionais para produzir audiovisual destinado a difundir a ciência, acompanha as duas experiências em questão neste texto. No Brasil, a AE vem desenvolvendo cursos e seminários abertos a interessados em aprender a fazer divulgação científica nas diferentes áreas. Um dos cursos ofertados é sobre Jornalismo Científico e, no final de 2021, criou-se um núcleo encarregado da formação interna e externa em divulgação científica e já tem planejado um curso, em forma de educomunicação, destinado a professores, alunos e comunidades envolvidas em projetos de extensão universitária. Na Espanha, com 10 anos mais de experiência o CREAV tem grande parte de sua produção audiovisual em condições de uso em sala como verdadeiras aulas, com potencial enorme para introduzir um tema e fomentar o debate saudável entre professores e estudantes. Além disso, disponibiliza uma série de cursos e oficinas, destinadas também aos interessados externos, tais como oficinas de Câmera e iluminação, Edição, Desenho gráfico, Roteiro, Produção e Pós-produção.

Bora começar Fazer comunicação é um ato síncrono de estudar, aprender, experimentar, fazer, avaliar, corrigir e fazer de novo. Esse deve ser um exercício permanente, em que vamos corrigindo rumos, aprendendo com cada trabalho, em cada processo realizado. Em produção audiovisual, errar não é um problema em si, o problema é não aprendemos nada com ele. Por isso, avaliar o que acabamos de fazer é parte essencial do nosso aprimoramento profissional.


Abordando uma das primeiras experiências do CREAV, Aranda et al. tratam de um equívoco numa gravação para destacar a importância do aprendizado durante todo o processo de produção audiovisual. Una lección que aprendimos pronto y que nos permitió, a partir de ese momento, abordar siempre una escaleta previa que resultara, al tiempo, compatible con la necesaria flexibilidad e improvisación inherente al hecho documental, pero a la vez asegurase un férreo esqueleto científico que debía recorrer la columna vertebral de nuestros documentales. (ARANDA et al., 2022, p. 208)

Portanto, nós que estamos no amplo campo da educação não devemos ter receio do novo, do desafio, especialmente quando nos propomos a divulgar o conhecimento que construímos em projetos de pesquisa, mas também na extensão universitária e no processo de ensino, seja ele em qualquer nível de estudo, do ensino fundamental à pós-graduação. Afinal, quando falamos em divulgação científica não devemos reduzi-la à ciência produzida em laboratórios de grandes universidades. Aprender a fazer ciência não é uma tarefa reservada àqueles que ocupam os espaços formativos do ensino superior. Valorizar os trabalhos produzidos nas mais variadas disciplinas do Ensino Fundamental e Ensino Médio é essencial, seja na manufatura em réplica do que é ensinado ou no desafio de novas descobertas, ainda que incipientes. Tudo isso faz parte desse processo de introdução ao mundo do conhecimento em permanente evolução. Da mesma maneira, produzir comunicação com fins de divulgar o que se produz em ciência é um desafio para todos e todas, e devemos começar também lá nos primeiros anos escolares, valorizando as diferentes formas de expressão. Da mesma maneira, é ora de democratizar o ensino e as técnicas de se produzir audiovisual, ainda mais quando temos cada vez crianças e adolescentes dominando com destreza impressionante as novas tecnologias de produção audiovisual. Quase sempre lhes faltam reflexões, técnicas, modos de fazer. E aí entramos nós comunicadores, educadores. E a educomunicação é uma das ótimas maneiras de fazer isso acontecer. Mas isso já é tema para outro momento.

Referências ARANDA, Ricardo Jimeno; DE LAS HERAS, José Antonio Jiménez; GALLEGO, Almudena Muñoz; MOLANO, Mar Marcos. La aventura de la divulgación científica audiovisual: de la plataforma de divulgación científica audiovisual, al CAI de creación de contenidos


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As cores das flores Márcia Regina Galvan Campos15 RESUMO: O presente artigo pretende realizar análises temática e fílmica do curta-metragem espanhol “As cores das flores”, produzido por Luciano Firmo, dirigido por Miguel Bemfica e veiculado pela Agência JWT, em 2010, dentro de uma perspectiva que sintetize o tema Inclusão, em articulação com os conceitos de Deficiência como Condição do Humano, Afeto e Alteridade em Arte e Aprendizagem como Invenção. Palavras-chave: Arte; Inclusão; Afeto; Alteridade; Cinema e Educação. LOS COLORES DE LAS FLORES RESUMEN: El presente artículo pretende realizar un análisis temático y cinematográfico del cortometraje español “Los colores de las flores”, producido por Luciano Firmo, dirigido por Miguel Bemfica y transmitido por Agência JWT, en 2010, dentro de una perspectiva que sintetiza el tema Inclusión, junto con los conceptos de Discapacidad como Condición del ser humano, afecto y alteridad en el arte y el aprendizaje como invención. Palabras clave: Arte; Inclusión; Afecto; Alteridad; Cine y Educación.

1. INTRODUÇÃO

1.1 A deficiência como condição humana Atualmente, vivemos na Era do Consumismo, na qual objetos, ferramentas, criações e mesmo pessoas são descartáveis. Hannah Arendt discorre sobre essa questão, em sua obra “A Condição Humana” dizendo, inclusive, que essa Era colocou em perigo umas das condições mais básicas da vida: o ser plural. Para o autor, a condição humana tem muitas faces. Nenhum humano tem uma condição fechada, mas diversas e inúmeras diferenças que, combinadas, formam um ser único. Nossa condição é constituída por uma dependência inerente, já que nossas existências se desenvolvem a partir de uma condição que não podemos escolher. Ao exposto, deve-se acrescentar que a

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Mestranda do Programa de Pós-Graduação – Mestrado Profissional em Artes (PPG-Artes) - da Universidade Estadual do

Paraná – campus de Curitiba II/Faculdade de Artes do Paraná. Pesquisa processo experimental, com educadores, para o trabalho pedagógico com cinema e audiovisual. E-mail: marcia.galvan@hotmail.com .


experiência ligada à perda, por deterioração, das qualidades é complexa, pois não apenas limita a atividade cotidiana e a qualidade de vida da pessoa, mas também modifica as relações pessoais. A chegada dessa condição pode romper e mudar os laços afetivos mais próximos, porque a pessoa “não é mais o que era antes”, o que causa separação e abandono. Portanto, o efeito negativo da deficiência não apenas modifica o próprio corpo, mas também transforma a estrutura relacional. Em relação à nossa condição, esses dois elementos conectam nossa vulnerabilidade corpórea à dimensão social de nossa existência. (CANTO, 2018).

É fato, também, que se tem feito um uso generalizado do termo deficiência. Como nos diz CANTO, a deficiência indica a relação entre um ambiente, entendido como um facilitador ou uma barreira para o desenvolvimento das capacidades humanas e o estado de saúde de uma pessoa, eliminando o falso equacionamento entre “deficiente” e “doente”, nos chamando atenção para a distinção entre pessoas consideradas “normais” e/ou “deficientes” . Tal distinção, provavelmente, deve-se ao fato da diferenciação que essas pessoas trazem em seus seres, tanto físicas quanto subjetivas, distinguindo-se do “modelo de humanidade” instituído.

(...) Por sua vez, essa distinção é reflexo do fato que, quando pensamos em deficiência, geralmente pensamos nela em termos de uma categoria sociológica e não como uma condição que podemos experimentar. Esta concepção como uma macrocategoria social: “os deficientes” ou como algo que afeta “os outros” implica uma recusa em reconhecer que a deficiência nos muda e que a perda de qualidades é uma parte da nossa experiência. (CANTO, 2018).

A deficiência tem a capacidade de estimular o modelo normatizado do sujeito “racional, independente e autônomo”, imaginado quando se pensa no ser humano. Entretanto, se não houver discussões aprofundadas sobre o tema, novas formas de discriminação podem ser introduzidas, com relação a condições de saúde ou se são portadores de habilidades e qualidades. Por causa disso, profundas reflexões devem ser realizadas, levantadas, as quais levem em consideração a diversidade dos seres e o “modelo de humanidade” normatizado.

2. ARTE: UM UNIVERSO DE ALTERIDADE E AFETO


2.1 As cores das flores Diego é um menino cego que estuda em uma escola regular, na Espanha e, como tarefa de uma das disciplinas da grade curricular, precisa fazer uma redação com o tema as cores das flores, assim como seus colegas. Ao receber a tarefa, o menino sai da aula pensando em como resolver o desafio. O curta-metragem, de 4’08”, produzido por Luciano Firmo, dirigido por Miguel Bemfica e veiculado pela Agência JWT, em 2010, tem início com um Plano Detalhe16, de uma mão feminina escrevendo, com giz, a palavra “colores”, cores, em português, em um quadronegro. Mais do que a visão dessa imagem somos envolvidos pelo som do giz sendo apertado contra o quadro para formar a palavra, ao mesmo tempo em que lemos: “2010 – Em uma escola qualquer da Espanha”. Figura 1 – Plano Detalhe

Fonte: Imagem do filme “As cores das flores”, 2010.

Diego, a personagem principal, nos é apresentada a partir de um enquadramento de câmera denominado Over the Shoulder17, olhando para frente onde, em um quadro geral, a professora está em pé e passa a lição aos alunos, sentados em uma sala de aula tradicional. Soa o sinal para o recreio, ela pede que fechem os livros. Todos saem. Nesse momento,

16 Usado, no audiovisual, para criar mistério e surpresa quando o tema é revelado. Plano de impacto visual e emocional, mostrando uma parte essencial do assunto que será abordado.

Plano composto pelo enquadramento de dois atores, com um deles servindo como referência, geralmente fora de foco e próximo à câmera. Realizado, geralmente, a partir do ombro de um dos atores e, neste caso, indicando o “olhar” da personagem Diego. 17


percebemos claramente a dificuldade de Diego que, sem bengala é, afetuosamente, acompanhado com os olhos pelos colegas de classe até a saída da sala de aula, bem como no pátio da escola durante o intervalo. Logo após, vemos flashes temporais referentes ao restante do dia e da noite de Diego: os momentos com os pais denotam que acreditam em sua capacidade, assim como a professora da classe, a profissional que o acompanha nas aulas e os colegas. O mais interessante nesses flashes é que em nenhum momento e nenhuma dessas pessoas coloca em dúvida se o menino realizará a tarefa. A expectativa é de como irá realizá-la. De acordo com Milene Lopes Duenha, estudiosa de Espinosa, A proposição espinosista de afeto o traz como efeito que emerge do encontro entre os corpos. Segundo o autor (1992), há uma constante mudança do corpo diante dos encontros, o que poderia aumentar ou diminuir sua potência de agir. (DUENHA, 2016, p. 165). A partir daí ele procura, por meio da história que sua mãe conta, das informações que os amigos trazem, bem como das pesquisas realizadas na internet, sobre as flores e suas cores, compreender como as cores podem ser representadas ou percebidas.

Figura 2 – Pesquisa no Google sobre cores

Fonte: Imagem do filme “As cores das flores”, 2010.


Entretanto, não se sente satisfeito, porque não pode observar ou entender a realidade da forma como lhe trazem. No dia seguinte, a caminho da escola, escuta o canto dos pássaros e, por meio de assimilação, compreende um significado para as cores, dando sentido e sabendo como realizar seu trabalho escolar: Vincular produção de afeto à proposição artística, reconhecendo os efeitos que um corpo ou um objeto artístico tem sobre o outro corpo, é um movimento que se mostra contra a efetivação de uma abordagem transcendente do corpo e da arte, borrando limites entre o que seria representável e passível de interpretação, e o que se configura como potência em uma recepção menos sujeita a noções de significação e decodificação de informações. O afeto, nesse contexto, e baseado na acepção espinosista (ESPINOSA, 1992), estaria ligado à factualidade nas relações, ao que escapa a ideia de controle absoluto dos seus efeitos. (DUENHA, 2016, p. 168/169).

Figura 3 – Diego escutando o canto dos pássaros

Fonte: Imagem do filme “As cores das flores”, 2010. O resultado de sua redação é pura poesia: As cores são de cor passarinho, E existem muitas cores de flores... Por isso, há muitos passarinhos, Porque há um passarinho para que Cada flor tenha a sua cor.


Também têm flores de cor abelha e também cor vaquinha do campo... (Trecho do filme “As cores das flores”, 2010).

Figura 4 – Leitura da redação para os colegas

Fonte: Imagem do filme “As cores das flores”, 2010. O filme nos leva a refletir sobre o direito, de todos, à educação. Crianças e adolescentes com deficiências intelectuais, motoras, auditivas e visuais, enfrentam diversas dificuldades, entretanto são capazes de aprender como os outros, devendo ter o seu jeito e o seu tempo de aprendizagem respeitados. O aluno com necessidade específica tem direito a ser inserido em todos os níveis do ensino regular, ser avaliado de acordo com suas diferenças e aptidões e receber recursos específicos para essa adequação. Mais do que isso, o curta aborda a necessidade de respeitarmos e acolhermos as diferenças, proporcionando o encontro com o “outro”, e tendo na arte um dos meios para essa transformação, (...) pensar sobre a arte como possibilidade de ampliação da potência afetiva, uma vez que a experiência estética proporciona que os afetos se mobilizem para um olhar diferenciado na forma de perceber e viver a vida de maneira criativa, inventiva, afetiva e social. Fazer da inclusão escolar uma aliança com a potência de agir requer uma compreensão política dos múltiplos dispositivos que atravessam a existência. (DELEUZE, 1978). Assim, vale destacar que utilizar uma abordagem que traga para perto a diversidade implica na percepção/reconhecimento das diferenças e, baseando-se nelas, estabelecer o processo de ensino e aprendizagem, bem como reconhecer a existência do “outro”, do “não eu”, diferente do “eu”, necessita de um sensível exercício de sair de si mesmo e ir ao encontro


de, validando-o, não o descartando. Pode-se dizer, ainda, que a dificuldade de conviver/aceitar o diferente pode estar associada ao pouco desenvolvimento desse exercício, requerendo contínua atuação, por parte de todos os seres humanos, providos ou desprovidos de deficiências. Nesse sentido, podemos dizer que a palavra “devir”, dentro do significado filosófico trazido por Deleuze & Gattari, nos auxilia a compreender, mais profundamente, o que significa tal transformação do ser humano no sentido do encontro com o outro, essa mudança no sentir e no comportamento, próprias daquele que foi afetado por esse encontro: “é certamente e em primeiro lugar mudar: não mais se comportar ou sentir as coisas da mesma maneira; não mais fazer as mesmas avaliações”. (ZOURABICHVILI, 1997). Para que isso se dê é necessária a descoberta de algo externo: alguém ou alguma coisa entrou em contato com algo diferente de si mesmo. Assim, devir implica, um encontro: “algo ou alguém não se torna si mesmo a não ser em relação com outra coisa”. (ZOURABICHVILI, 1997).

3. APRENDIZAGEM COMO INVENÇÃO

Inventar é criar algo de novo, encontrar argumentos, ideias e meios para convencer e persuadir. No filme “As cores das flores”, a professora passa uma lição de casa à turma, para o dia seguinte: uma redação sobre as cores das flores. Ao sair para o recreio, Diego conversa com o colega, que lhe pergunta como ele realizará a tarefa e, já procurando auxiliá-lo, descreve alguns tipos de flores e suas cores típicas. O menino acha graça quando o amigo diz: “rosas são vermelhas e violetas são violeta”! Essa cena nos mostra que uma resposta que é correta, fria e igual para todos, quanto à objetividade, é diferente, porém, equitativamente valiosa, quando levada em consideração a experiência, a vivência e o "olhar" de cada um. Figura 5 – Diego escuta explicação do colega sobre as cores de algumas flores


Fonte: Imagem do filme “As cores das flores”, 2010.

Todos as personagens que circundam a vida de Diego, sem exceção, demonstram acreditar em seu potencial. Está completamente e inteiramente inserido no ensino regular, como indica a legislação, denotando que toda criança é capaz de aprender, do seu jeito. Por isso, a importância da confiança no potencial de cada uma, desvelando um mundo com mais diversidade e inclusão. A função da arte estaria em “mudar nosso registro intensivo, reconectar-nos com o mundo”. Se considerarmos que uma das principais características da experiência artística é a possibilidade de alteração do nosso modo de perceber o mundo, e de nos percebermos nele, a consideração dos possíveis efeitos na experiência artística presencial menos vinculada a estruturas fixas de significados, que cerceiam as possibilidades de invenção de mundo, parece pertinente. (DUENHA, 2016, p. 167). O menino Diego foi desafiado a criar um texto. Redigir uma redação é um processo em que é necessária a estruturação de um discurso escrito. Escrever um texto coerente também é uma arte. Escrever é a arte de se expressar, de se comunicar com o mundo. Expressar o que sente, o que pensa ou, simplesmente, o que se deseja criar. Diego criou poesia, porque descobriu, no seu devir particular, que era agente de sua própria aprendizagem, protagonista de seu processo de aprender, em uma relação de troca com o professor, em uma via de mão dupla em que ambos aprendem e se desenvolvem. E que o


fato de não enxergar as cores das flores não era um fator impeditivo para descobrir outras maneiras de aprender, conhecer e identificar. A filosofia cria conceitos, a ciência cria funções e a arte sensações. (BARREIRO et al., 2018, p. 521). Nessa história, tanto a escola, quanto os professores, colegas e pais ofereceram, a Diego, independência, deixando-o livre para construir o seu conhecimento. Estavam, todos, por perto, mediando esse processo, mas não o ensinaram a realizá-lo. O menino se mostrou protagonista de sua maneira de aprender, de seus caminhos e de suas descobertas, pois o estudante que é incentivado a perceber a realidade por inúmeros pontos de vista, é capaz, também, de desenvolver um pensamento mais crítico, aprendendo a expor as suas ideias e as suas opiniões, sobre todos os assuntos, de modo emancipado. Em vários documentos que compõem a legislação brasileira e mundial, como A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, 2001, Política de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, de 2007, bem como na Declaração de Salamanca, de 1994, a diversidade na educação está claramente apresentada. O Art. 59, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional traz, em seu texto, que os sistemas de ensino devem garantir aos alunos currículo, métodos, recursos e organização específicos para atender às suas necessidades; assegurar a terminalidade específica àqueles que não atingiram o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências; e a aceleração de estudos aos superdotados para conclusão do programa escolar. Em 1994, a Declaração de Salamanca afirmou que toda criança possui características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que são únicas e que aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola regular, que deveria acomodá-los dentro de uma pedagogia centrada na criança, capaz de satisfazer a tais necessidades. Essa declaração destaca as condições que exigem uma atitude inclusiva da educação: crianças com deficiência e superdotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças e outros grupos desavantajados ou marginalizados. (UNESCO, 1994). As legislações acima denotam as especificidades de cada aluno, com ou sem necessidades educacionais especiais, dando destaque, primeiramente, à diversidade humana, e não somente as particularidades “diagnosticadas”. É nesse sentido que a educação inclusiva trabalha: assimilação do diferente, do outro, pois já não é mais possível, nem


admissível, pelos inúmeros motivos já destacados no decorrer deste trabalho, negar as diferenças entre os seres humanos, bem como contestar que é por meio da alteridade e do afeto, como meios, que as mudanças poderão ocorrer. 4. SOBRE A ONCE – ORGANIZAÇÃO NACIONAL DOS CEGOS DE ESPANHA O filme aqui trabalhado foi produzido por Luciano Firmo, dirigido por Miguel Bemfica e veiculado pela Agência JWT, em 2010, com o intuito de divulgar o trabalho realizado pela ONCE (Organización Nacional de Ciegos de España), organização não governamental, de solidariedade social e sem fins lucrativos, localizada na Espanha. A instituição tem, como objetivo primeiro, melhorar a qualidade de vida das pessoas cegas e com deficiências visuais. A Instituição originou-se com a criação da Sociedad de Socorro y Defensa del Ciego, em 1928, por Luis del Rosal y Caro. Em 1988, a própria ONCE criou a Fundación ONCE, “para promover a eliminação das barreiras à integração das pessoas portadoras de deficiência, sejam arquitetônicas ou relativas à informática”. É financiada, grande parte, pela venda dos já conhecidos Cupons Pró-Cegos, denominados por muitos de “Cupons da ONCE”. No curta-metragem, Diego continua a ler sua redação para a classe. Enquanto isso, somos levados, por meio de um making off, a conhecer os bastidores da produção, seus profissionais e participantes. Por meio dessas imagens, a Instituição nos fala sobre seu principal desafio: trabalhar para que todos os meninos e meninas cegos da Espanha possam estudar em qualquer colégio. Dizem-nos que nas datas das filmagens já contavam com mais de 7.500 crianças beneficiadas, assim como Diego.

Figuras 6 e 7 – Making off das filmagens de “As cores das Flores”


Fonte: Imagem do filme “As cores das flores”, 2010.

5. CONCLUSÃO No decorrer deste trabalho foi-nos possível constatar que a condição humana não é somente “um conjunto de eventos e características fundamentais que compõem a nossa existência” (CASARIN, 2018, p. 214), mas que se refere, também, a um agrupamento de qualidades ligadas à nossa dimensão biológica, expondo-nos à experiência da perda de qualidades, o que evidencia a condição humana, possibilitando nova experiência que tende a abrir caminhos outros para explorar essa condição. A presença de alunos com necessidades educacionais especiais no ambiente escolar fez com que fosse impossível negar a existência das diferenças entre as pessoas. Diferenças que sempre existiram, mas que a exigência de alunos homogêneos, que se parecem, fez com que uma educação normatizada pudesse atender. Assim, o assunto diversidade passou a fazer parte do discurso educacional, apesar de ainda se falar e pensar em um sujeito genérico. “O outro em sua singularidade ainda é uma figura estranha, há um esforço para torná-lo familiar, um pouco mais igual ao “si mesmo”, mas ele insiste em ser diferente”. (CASARIN, 2011). Dessa maneira, o encontro com o outro é essencial. Nesse sentido, a arte se coloca como uma das ferramentas que pode ajudar, mostrando novos caminhos de trabalho a partir do afeto, do reconhecimento e da aceitação do diferente colocando-se, no ambiente escolar, como um fermento de desordem, fazendose um elemento perturbador, de outra natureza, que não a da ordem institucionalizada. À arte caberia a incumbência de fazer o convite, de dizer a que veio, mas também de dar-se ao estranhamento, captar os fluxos e subverte-los em favor da invenção, ao assumir sua existência em um terreno movediço que a desafia constantemente. (DUENHA, 2016, p. 168). Para o francês Alain Bergala, crítico, ensaísta, roteirista e diretor de cinema, a arte, na escola, deve ir ao encontro da alteridade. Proporcionar esse encontro único, desmistificá-la. Não pode depender exclusivamente do ensino tradicional, sob a responsabilidade de um professor especializado, recrutado por concurso ou contrato. Se assim for, amputa sua dimensão essencial, primeira. Denota que toda forma de enclausuramento reduz o alcance simbólico da arte e sua potência de revelação e que, por sua natureza, a instituição “tende a


normalizar, e até mesmo absorver o risco que representa o encontro com toda forma de alteridade, para tranquilizar-se e tranquilizar seus agentes”. (BERGALA, 2008, p. 30). DELEUZE (1992) enfoca, ainda, que a arte é, em sua diversidade, incumbida de “compor afetos que proporcionam as experiências estéticas e, responsável pelo desencadeamento do devir sensível; uma vez que, em arte, não se trata de reproduzir ou criar formas, mas de captar forças”. Para finalizar, nos deixemos afetar pela singularidade da poesia do mato-grossense Manoel de Barros, comprovadamente mais uma amostra do devir de aprender de Diego: No descomeço era o verbo. Só depois é que veio o delírio do verbo. O delírio do verbo estava no começo, lá onde a criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos. A criança não sabe que o verbo escutar não funciona para cor, mas para som. Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira. E pois. Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer nascimentos — O verbo tem que pegar delírio. (BARROS, 2011).


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Análise da criação cinematográfica: de Paulo Freire a Adriana Fresquet18 Odair Rodrigues dos Santos Junior19

Ao participar do Programa de Intercâmbio Acadêmico de Docentes 2019 - 2020 Educação Audiovisual na Formação de Docentes: uma área de inovação educativa Brasil/Uruguai – pude, concomitantemente, rever práticas de produção audiovisual na escola em que leciono e encaminhamentos em minha pesquisa de mestrado após intercâmbio com docentes uruguaios e pesquisadores brasileiros. Comecei então a elaborar um roteiro para desenvolver uma práxis que resulte em uma metodologia no final da pesquisa. O roteiro é a base de toda produção cinematográfica. É dele que parte toda criação cinematográfica, desde a escolha da equipe, equipamentos, custos, cenário, figurino, concepção artística de direção, de fotografia e do som. Em espanhol, o roteiro cinematográfico é chamado de guión que também podemos traduzir para “guia”, numa das acepções do dicionário Houaiss, “aquilo que serve de diretriz”. Um mesmo guión pode ter diversas interpretações ao ser transformado em filme porque variam as concepções dos diretores, expertise dos membros da equipe, tecnologia, momento histórico, etc. A clássica história do mito de Orfeu serviu de inspiração para a peça teatral Orfeu da Conceição (1956), de Vinícius de Moraes, que por sua vez serviu de inspiração para o roteiro do filme Orfeu Negro20 (1959), de Marcel Camus e depois para Orfeu (1999), de Cacá Diegues. Podemos dizer que a mesma história contada em diferentes linguagens estruturou diretrizes para produção de um guión usado por esses dois diretores cinematográficos separados pelo tempo de 40 anos. Para uma escola, o guión é o Plano Político Pedagógico e seu uso por cada membro da equipe é o Planejamento Pedagógico. Dessa maneira procuro evidenciar que o sucesso do

18 Este artigo é um fragmento adaptado da dissertação de mestrado “Audiovisualidades e corpos dialógicos: Produção de cinema no espaço escolar”, sob orientação do Prof. Doutor Marcos Henrique Camargo. 19Mestrando

do Programa de Pós Graduação em Artes – Mestrado Profissional da Universidade Estadual do Paraná. Orfeu da Conceição (1959), direção de Marcel Camus. Sinopse: No Carnaval, Orfeu (Breno Mello), condutor de bonde e sambista do morro, se apaixona por Eurídice (Marpessa Dawn), uma jovem do interior que vem para o Rio de Janeiro fugindo de um estranho fantasiado de Morte (Ademar da Silva). O belo amor de Orfeu por Eurídice, no entanto, desperta a ira da exnoiva do galã, Mira (Lourdes de Oliveira) e a Morte acompanha tudo de perto. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=fWIwTOtvbSk 20


uso de cinema no ambiente escolar só é possível com planejamento porque a realidade das escolas, notadamente as públicas, possuem especificidades de equipe pedagógica, docentes, educandos, localização geográfica a despeito de se pautarem pela mesma legislação. Se para uma escola o guión é seu Plano Político Pedagógico em um interdiscurso com a Lei de Diretrizes de Base, doravante LDB - lei 9394/96, para docentes, além de seu planejamento, há sua filiação teórica a orientar sua práxis pedagógica. De modo crítico, ou não, professores tendem a escolher uma vertente de trabalho pedagógico vinculada a esta ou àquela tese. A LDB, em seu artigo 26, foi acrescida da lei 13.0006/1421, que discorre sobre a exibição de pelo menos duas horas mensais de obras do audiovisual brasileiro nas escolas de ensino básico e pode galvanizar a produção cinematográfica na escola como uma das formas de desenvolvimento de uma pedagogia a partir da mobilização de múltiplos saberes presentes no espaço escolar. Saberes esses que circulam a partir de docentes, funcionárias(os) e estudantes pelas interações entres esses corpos no espaço/tempo escolar. Ao propor produzir uma metodologia de produção audiovisual no ambiente escolar, já no início das leituras como docente-artista-pesquisador, percebi que haveria a necessidade de ir além do conceito de tékhne22 para não ficar restrito à didatização da linguagem cinematográfica e sem uma reflexão maior sobre como isso pode incidir no processo ensino/aprendizagem, principalmente na escola pública. FREIRE (2006) adverte: Não importa em que sociedade estejamos, em que mundo nos encontremos, não é possível formar engenheiros ou pedreiros, físicos ou enfermeiras, dentistas ou torneiros, educadores ou mecânicos, agricultores ou filósofos, pecuaristas ou biólogos sem uma compreensão de nós mesmos enquanto seres históricos, políticos, sociais e culturais; sem uma compreensão de como a sociedade funciona. E isto o treinamento (sic) supostamente apenas técnico não dá. FREIRE, 2006, p. 134)

21 BRASIL, Lei nº 13.006, de 26 de junho de 2014, acessado em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2014/lei-1300626-junho-2014-778954-publicacaooriginal-144445-pl.html

Em primeiro lugar téchnē diz o conhecer por intuição da ex-periência. Tal intuição gera um saber que provém de um ver originário. É o próprio ver originário, aquele ver que antes de ser já era. Para a experiência grega ver é ser" acessado em http://www.dicpoetica.letras.ufrj.br/index.php/T%C3%A9khne 22


Na ausência de uma fundamentação teórica e do debate sobre o tema com educadores e educandos, há grande predisposição de esvaziamento de qualquer proposta pedagógica, mesmo que momentaneamente desperte curiosidade e até seja “testada”. Ao me referir a educadores, vou além dos docentes: dificilmente um projeto prospera no ambiente escolar sem a mínima colaboração de direção, equipe pedagógica e funcionários. Verifico que profissionais da educação não são conquistados apenas apresentando uma “técnica inovadora” porque para formar educandos há a permanente necessidade de formar formadores dentro de um contexto histórico. Não se trata aqui de diminuir a importância nem de técnicas, nem de tecnologias diversas que estão presentes no cotidiano escolar. Ainda que algumas dessas tecnologias/técnicas nem sejam percebidas como tal como instrumentos de escrita manual que vão do giz à caneta esferográfica, passando por dicionários e gramáticas ou o relógio de sol e o esquadro usados por docentes de várias áreas (física, matemática, geografia, história). Ao se tratar da produção audiovisual, as tecnologias/técnicas são mais reconhecidas porque em pouco mais de cem anos, além da difusão mundial, sofreram constantes transformações, acréscimos de novos instrumentos e procedimentos pelo seu aspecto de renovação industrial e consumo. A inovação tecnológica demora a ser propagada nas instituições de ensino por passarem por longos debates, regulamentações de uso e resistências pelo desconhecimento de operação. Exemplifico com meu primeiro encontro com um projetor digital (datashow) - o professor nos apresentou a novidade, fez um brevíssimo comentário de como o instrumento facilitaria as aulas e então exibiu textos para que copiássemos. Em outra situação, já como docente, relato as gradativas mudanças nas normas sobre uso de smartfones em aulas e sua larga utilização para ensino remoto devido à pandemia de Covid -19. Em ambos os casos houve resistência por parte de docentes e também de educandos no uso inicial desses instrumentos tecnológicos nos contextos apresentados. Quando a tecnologia passa a ser incorporada aos planejamentos pedagógicos e com maior frequência de uso por parte de docentes e educandos, agrega sentidos no ambiente escolar. Mas isso não acontece com todos os objetos tecnológicos, há muitas escolas com salas de informática, tvs com acesso à internet, câmeras, impressoras 3D, dvds, etc, que ficam obsoletos sem serem usados. E não raro, quando usados, não há o dimensionamento do


processo ensino/aprendizagem por meio da análise da criação. FREIRE (2006) aponta a necessidade de semantizar a tecnologia de forma indagá-la: O que me parece fundamental para nós, hoje, mecânicos ou físicos, pedagogos ou pedreiros, marceneiros ou biólogos é a assunção de uma posição crítica, vigilante, indagadora, em face da tecnologia. Nem de um lado, demonologizá-la, nem, de outro, divinizá-la. (FREIRE, 2006, p 133) E FREIRE (2019), coloca a dimensão humanista da tecnologia: Se meu compromisso é realmente com o homem concreto, com a causa de sua humanização, de sua libertação, não posso por isso mesmo prescindir da ciência, nem da tecnologia, com as quais me vou instrumentando para melhor lutar por esta causa. Por isso não posso reduzir o homem a um simples objeto de técnica, a um autômato manipulável. (FREIRE, 2019, 28) A pedra angular dos escritos de Paulo Freire está na crença que homens e mulheres são agentes de sua própria libertação por trazerem em si a potência da reflexão de suas ações na sociedade em que vivem. A teoria freiriana disserta sobre a criação transpassada pela coletividade, pelo dialogismo, pela dinâmica do contexto histórico sem deixar de estabelecer correspondência com a singularidade de cada docente e de cada educando como sujeitos cognoscentes. A criação é uma das formas da relação da humanidade com o mundo e o processo de ensino/aprendizagem dialógico deve estimular a investigação, a negação passiva dos fatos para passar para a ação sobre as coisas do mundo. FREIRE (2019) define essa ação como inerente ao ser humano em sua atuação sobre o mundo e a capacidade de análise desse fazer transformador: O homem tende a captar uma realidade, fazendo-a objeto de seus conhecimentos. Assume a postura de um sujeito cognoscente de um objeto cognoscível. Isto é próprio de todos os homens e não privilégio de alguns (por isso a consciência reflexiva deve ser estimulada: conseguir que o educando reflita sobre sua própria realidade). (FREIRE, 2019, p. 38) Uma práxis pedagógica que tenha engendrada a capacidade de cada educando em agir e refletir sobre a realidade tem mais opções de instigar processos criativos porque entende que o conhecimento é móvel e se dá por vários caminhos. Esse preceito, aparentemente simples, sobre a potência dos educandos em (re)criar e (re)analisar suas experiências no ambiente escolar traz uma série de questões que podem tornar a exibição e


a produção audiovisual prenhes de alternativas no processo ensino/aprendizagem por intermédio da arte. Sendo assim, considero que a obra de Paulo Freire, aqui abordada, tem importante colaboração pelo seu diálogo com o trabalho de Adriana Fresquet sobre as viabilidades criativas do cinema na escola. Cabe explicar que a conceituação de análise da criação cinematográfica, que trataremos neste trabalho, tem sua origem nos fundamentos de BERGALA (2008), embasa as postulações de FRESQUET (2009, 2013, 2015), e estabelece diálogo com os escritos de FREIRE (2005). Sobre a análise de criação BERGALA (2008) exprime: Trata-se de fazer um esforço de lógica e de imaginação para retroceder no o processo de criação até o momento em que o cineasta tomou suas decisões, em que as escolhas ainda estavam abertas. É uma postura que exige treinamento quando se quer entrar no processo criativo para tentar compreender, não como a escolha realizada funciona no filme, mas como se apresentou em meio a muitos outros possíveis. Na criação cinematográfica, a todo momento se é confrontado com muitas escolhas, e a decisão é o momento preciso em que, em meio a todos esses possíveis, uma escolha definitiva é inscrita sobre um suporte: tela do pintor, página em branco, película ou faixa digital. (BERGALA, 2008, p. 130) A escolha de pesquisar a análise da criação cinematográfica a partir do referencial teórico de FRESQUET (2009, 2013, 2015), é porque esta desenvolveu as os preciosos ensinamentos de A hipótese-cinema: pequeno tratado de transmissão do cinema dentro e fora da escola23, BERGALA (2008), em instituições públicas brasileiras de ensino básico, e isso expandiu a probabilidade de um enfoque mais próximo à realidade que encontrei em campo ao pretender construir uma práxis pedagógica que se propunha dialógica. Essa afirmação, pode ser conferida em FRESQUET (2009): Fazer cinema não é algo que se faça na escola, habitualmente. Isso tornava o objetivo mais desafiante. Procuramos modelos, achamos muitos e interessantes no contexto brasileiro, mas a maioria com formato de oficinas temporárias. Nós queríamos outra coisa. Em verdade, queríamos criar uma escola, aliás "Uma escola de cinema para crianças e adolescentes dentro de uma escola pública".

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Doravante A hipótese-cinema.


Ensaiamos esta ideia oralmente. A receptividade era grande. (FRESQUET, 2009, p.154) Sem deixar de estabelecer a filiação teórica, atitude que se espera de um trabalho de pesquisa acadêmica, optei por buscar diretrizes que mais se aproximavam da instituição escolar pública brasileira em um primeiro momento de generalização de procedimentos. Como já discorri, a Lei de Diretrizes de Base orienta a organização educacional no Brasil, e mesmo com as diferenças regionais e pedagógicas, o Colégio Lucy Requião de Melo e Silva, localizado no município paranaense de Fazenda Rio Grande, na área metropolitana de Curitiba, é mais próximo da Escola de Aplicação da UERJ, de onde FRESQUET (2009) relata o início de seu projeto de cinema e educação, do que de qualquer instituição escolar na França ou Espanha - “Achamos outros referenciais, modelos de aprendizagem de cinema na jornada curricular na França; projetos anuais que se introduzem na escola, no horário curricular e, ao terminar, partem para outras escolas, na Espanha”. (FRESQUET, 2009, p. 154). As dúvidas iniciais de FRESQUET (2009) tinham o mesmo ponto de partida que os que encontrei em campo: As diferenças entre nossos mundos eram gigantescas. Precisamos apropriar-nos delas para criar algo próprio. E nos aventuramos. E as "coisas" no mais material dos seus significados foram aparecendo. Outras, imateriais, ou invisíveis e por isso mais essenciais, também convergiram. (...) Confiamos, também, na claridade do sonho, que perde contornos e vira luz, ao tornar-se realidade. Ela ilumina um rumo, mas não temos tanta nitidez do caminho. Sabíamos, apenas que queríamos fazer cinema com crianças e adolescentes em contexto escolar. (FRESQUET, 2009, pp.154-155) A subjetividade da citação esconde planejamento, buscas teóricas, negociações com equipe pedagógica, direção, funcionários e estudantes para iniciar a jornada do processo/ensino aprendizagem com o cinema estruturado em uma concepção dialógica. O cerne do dialogismo está na observação da dinâmica das simultaneidades processuais da criação. Parafraseando BERGALA (2008) e cineastas como Nelson Pereira dos Santos e Adélia Sampaio, entre outros, para aprender a produzir cinema é necessário ver cinema e enquanto vê, ficar pensando no que poderia ser feito nesta ou naquela cena. Análise e criação não são estanques: acontecem no encontro com o filme, como ilustra FRESQUET (2013:


Uma forma de aprender cinema vendo e fazendo. Isto traz, de cada aluno, sua capacidade mais radicalmente pessoal de criação para o encontro e descoberta do outro no cenário escolar. Isto é, o fazer tem, por um lado, a dimensão criativa fortemente individual e, de outro lado, o encontro, tanto na realização, como na fruição, que tenciona fortemente o individual com o coletivo. (FRESQUET, 2013, p. 94)

Ao exibir o curta metragem Documentário (1966), de Rogério Sganzerla24, para turmas do 9°, em 2019, os educandos não estranharam a movimentação da câmera na mão, nem os planos aparentemente aleatórios de cartazes e letreiros de cinema, histórias em quadrinhos, jornais, e nem os enquadramentos onde as personagens disputam espaço com muita informação visual porque as imagens que eles mesmos captam com seus smartfones também registram as crônicas de suas vidas sem um rígido controle quanto à estabilidade imagética e sonora. Houve comentários sobre o aspecto “antigo”, de registro histórico do filme e a São Paulo do “século passado” muito distante no tempo para adolescentes do XXI. A descoberta se deu ao saber que aquela forma de fazer filmes foi considerada rebelde, revolucionária e hoje é incorporada no cotidiano das redes sociais dos educandos. Atentaram também para a dublagem, som ambiente e montagem que marcava o ritmo de um filme “velho” sem ser “chato”, segundo as observações dos estudantes. Nessa conversa, não me preocupei se haviam entendido os diálogos, apesar de terem compreendido que as personagens falavam de cinema, o repertório, pela pouca idade, era desconhecido para eles. A exibição de Documentário (1966) colocou o cinema no horizonte de possibilidades dos educandos como forma de arte e não vídeos feitos para cumprir esse ou aquele quesito de uma disciplina. Houve mudança de significado ao descobrirem que já traziam muitas das competências para a realização do projeto de produção de um curta metragem, etapa que seria desenvolvida durante o ano letivo.

Documentário 1966, (1966), direção de Rogério Sganzerla – Sinopse: Numa tarde de ócio, pouco dinheiro e falta de rumo pelas ruas de São Paulo, dois jovens dialogam sobre o que fazer, tendo somente como motivação o cinema. Acessado em https://www.youtube.com/watch?v=uMAcHaI9PNU 24


Quando a reflexão sobre um filme rompe a fronteira da história contada e adentra as especulações de como é contada, coloca-se em movimento a pesquisa por soluções para realização de uma obra. FRESQUET (2013), sintetiza: O filme é o produto de uma busca, não a transmissão de uma verdade ou mensagem. É na busca que se faz arte. É na busca que se aprende, ensinando. O permanente estado de busca de um educador significa estar sempre em uma travessia junto ao outro. É preciso vencer a inércia do saber pronto, concluído; daquele saber que só pode ser "ensinado", mas que carece de toda novidade, mistério e participação na sua construção. A busca deve ser fascinante, já que a fruição das descobertas produz novos motivos de busca e investigação. (FRESQUET, 2013, pp. 95-96) Pensar um filme no ambiente escolar é colocar corpos, de docentes e educandos, em toda sua plenitude física e intelectual, para mobilizar conhecimentos múltiplos ao realizar uma produção cinematográfica que pode proporcionar a análise da criação porque mobiliza uma práxis pedagógica dialógica com a potência de se tornar a reflexão do fazer artístico como meio de conhecimento. Palavra, imagem e o corpo dialógico na escola Muitas vezes, refletir sobre a prática docente é, indiretamente, refletir sobre nossa prática discursiva nas modalidades oral e escrita. Pensamos sobre falar sobre determinado conteúdo; quais textos de apoio deverão ser selecionados; quais serão os gêneros textuais serão produzidos pelos estudantes; quais os gêneros discursivos serão usados para avaliar. O fazer pedagógico não pode dispensar a atividade linguageira como um de seus principais instrumentos. Mas há de se fazer a crítica de como os discursos são usados em sala de aula. FREIRE (2005) aponta um dos aspectos dessa crítica: Quanto mais analisamos as relações educador-educandos, na escola, em qualquer de seus níveis (ou fora dela), parece que mais nos podemos convencer de que estas relações apresentam um caráter especial e marcante - o de serem relações fundamentalmente narradoras, dissertadoras (sic). Narração de conteúdos que, por isto mesmo, tendem a petrificar-se ou a fazer-se algo quase morto, sejam valores ou dimensões concretas da realidade. Narração ou dissertação que implica um sujeito – o narrador – e objetos pacientes, ouvintes – os educandos. (FREIRE, 2005, p. 65)


Na denominada “educação bancária” por FREIRE (2005), os educandos são assujeitados, apartados da chance de compor a estruturação do conhecimento e, ao invés de críticos, se tornam submissos a uma autoridade que lhes impõe os saberes, mesmo sob um conteúdo revestido de ideias consideradas pelo docente como “libertárias”, “progressistas” e “questionadoras”: Enquanto na prática "bancária" da educação, antidialógica por essência, por isso, não comunicativa, o educador deposita no educando o conteúdo programático da educação, que ele mesmo elabora ou elaboram para ele, na prática problematizadora, dialógica por excelência, este conteúdo, que jamais é "depositado", se organiza e se constitui na visão do mundo dos educandos, em que se encontram seus temas geradores. (FREIRE, 2005, pp. 118-119) Ao entender que o processo ensino/aprendizagem se dá pelo dialogismo, podemos superar a falsa dicotomia de uma pedagogia com foco no docente em oposição a uma pedagogia com foco nos educandos. O uso da imagem também acaba compondo o discurso da prática “bancária” porque, na maioria das vezes, é acessória de um discurso estruturado na escrita, sem autonomia de ser analisada em si. Praticamente docentes de todas as áreas de conhecimento usam imagens, tanto estáticas como em movimento, para ilustrar seus conteúdos. A quase onipresença das imagens no dia a dia encontra uma tradição escolar estruturada em uma forte presença da escrita e ainda descobrindo uma práxis pedagógica referenciada no dialogismo. Segundo ALMEIDA (1994): Para nós, o texto escrito é sempre o referencial mais importante, onde se tem a possibilidade de voltar, pensar, refletir. Uma inteligência do mundo mediada pela linguagem oral-escrita. Mas não podemos deixar de pensar que nós mesmos, em parte, e uma maioria, totalmente, estamos formando nossa inteligibilidade do mundo a partir das produções do cinema e da televisão. (ALMEIDA, 1994, p. 8) Apesar da grande exposição imagética a qual somos submetidos, dentro e fora do espaço escolar, uma atitude de crítica à imagem é pouco difundida. Sobre o tema, SCHIAVINATTO e ZERWES (2018) propõem que uma “cultura visual” pode ser desenvolvida fundada em uma conduta de apreciação mais atenta da imagem e de sua condição de (re)produção:


A cultura visual demanda, na análise, que se indague, pouco a pouco e cada vez mais, os protocolos discursivos das imagens, ou seja, os modos que as imagens "falam", produzem um discurso, suas tramas narrativas, seus preceitos tecnológicos, suas especificidades materiais, seus usos e suas condições de durabilidade recombinados com seus processos de (re)significação e (re)apropriação, que garantem sua longevidade, e/ou com aqueles que levam à sua hibernação, ao seu acolhimento, seu desaparecimento, seu esquecimento definitivo ou potencialmente temporário. Dessa maneira, a imagem está no âmago da cultura visual. (SCHIAVINATTO; ZERWES, 2018, p. 16) Assim como o discurso linguístico, a imagem tem seus pontos comuns e as especificidades dentro de cada área de conhecimento nos espaços escolares. Como exemplo, ao longo dos anos de docência, vi o conhecido desenho o homem vitruviano, de Leonardo da Vinci e o documentário Ilha das Flores25 (1988), de Jorge Furtado, serem analisados desde o ponto de vista sociológico, passando pela literatura, até sobre ótica em física entre outras abordagens. Cada uma das obras é autônoma, produzidas em espaços geográficos, períodos históricos, técnicas e suportes diferentes. Isso se perde quando essas imagens são reduzidas a marcos históricos, dado biográfico ou discurso com fundo moralizante. Ambas podem provocar discussões sobre relações humanas por intermédio das linguagens da ciência e da arte, mas podem ser mais enriquecedoras quando analisadas com pelo menos parte dos critérios propostos por SCHIAVINATTO e ZERWES (2018). Análise construída com educandos, sem a urgência conteudista proporcionada pela prática “bancária”. Outro apontamento sobre a concepção de centralidade do ensino nos discursos da docência é ignorar os corpos, de docentes e educandos, como principal fator de aprendizado. Mesmo quando o fazer pedagógico se dá quase que exclusivamente pela linguagem oralescrita, há a necessidade de corpos para materializar o discurso. Sobre esse processo CAMARGO (2017) evidencia: O fluxo do real está sempre em comunicação com nossos sentidos, oferecendo-nos variadíssimas informações que podem ser capturadas e absorvidas pela nossa sensibilidade, gerando em nós a cognição estética do mundo. O fluxo do real se comunica de modo

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Ilha das Flores (1988), direção Jorge Furtado, disponível em https://portacurtas.org.br/filme/?name=ilha_das_flores


enigmático, confuso, obscuro, tal como um oráculo. Na comunicação que provém do mundo não existem textos formatados segundo uma lógica gramatical, mas sinais que devem ser ecoados em nossos corpos, de modo que seus afetos produzam a intuição de um saber. (CAMARGO, 2017, p. 186)

Uma prática docente dialógica pressupõe corpos dialógicos porque discursos, ações nas espacialidades da escola são materializadas por corpos. Saliento que o problema não está em fazer uso das necessárias abstrações da linguagem no processo ensino/aprendizagem, mas em ficar apenas nelas sob o risco do conhecimento se tornar intangível para os educandos. Planejar ações pedagógicas levando em consideração os corpos de educandos, de maneira presencial ou em aulas virtuais, insere a sensibilidade como elemento do processo ensino/aprendizagem. CAMARGO e STECZ (2019) ilustram: A sensibilidade não é apenas uma condição para a percepção dos sinais estéticos, mas também um atributo da cognitio sensitiva que já existe no humano, bem antes dele arquitetar seus primeiros conhecimentos intelectuais. Quando a sensibilidade se torna consciente pelo treinamento, educação e exercícios constantes enriquece enormemente o conhecimento do mundo real. (CAMARGO; STECZ, 2019, p. 45) Considerar a sensibilidade pode, por exemplo, fazer educandos aprender sobre propriedades de triângulos ao percorrer atalhos em terrenos baldios, gramados em praças ou no próprio quintal; entender função adjetiva ao descrever pessoas em uma fotografia ou filme; discorrer sobre ondas sonoras diferenciando o “carro dos ovos” de um trio elétrico, etc. No espaço escolar, seja físico ou virtual, há tensão entre os saberes que circulam no tempo pedagógico de uma aula e os conteúdos planejados: os educandos, na particularidade de suas vivências corporais, também trazem saberes e questionamentos fora do programado pelo docente. Articular essa tensão com o planejamento pedagógico pode instigar a investigação de problemas propostos, encontrar soluções inovadoras e até mesmo conduzir a novas perguntas. Em relação ao audiovisual, quando novas questões surgem, a partir da exibição ou produção de um filme, em nosso papel de docentes detentores do “discurso de autoridade” a tentação é conduzir o debate para caminhos conhecidos, mas isso reduz a nossa possibilidade e a dos educandos agirmos como sujeitos cognoscentes. Construir um processo


de escuta transforma a perspectiva de “ensinar para” para “ensinar/aprender com” e isso nos obriga a uma permanente reinvenção, como podemos verificar em FREIRE (2005): Deste modo, o educador problematizador re-faz (sic), constantemente, seu ato cognoscente, na cognoscitividade dos educandos. Estes, em seu lugar de serem recipientes dóceis de depósitos, são agora investigadores críticos, em diálogo com o educador, investigador crítico, também. (FREIRE, 2005, p 80) A investigação dos educandos se faz com o corpo atravessado simultaneamente pelo estímulo que o espaço proporciona, o problema apresentado pelo docente, pela interação entre si. Conceber uma práxis pedagógica que leve em conta a existência de corpos dialógicos, de educandos e docentes, pode ser construída por procedimentos inerentes à produção de audiovisual na escola.

REFERÊNCIAS ALMEIDA, Milton José de. Imagens e sons: a nova cultura oral. SP, Cortez, 1994. BERGALA, Alain. A hipótese-cinema: pequeno tratado de transmissão do cinema dentro e fora da escola. COSTA NETTO, Mônica; PIMENTA, Silvia. (trad.), RJ, CINEAD-LISE-FE/UFRJ, 2008. CAMARGO, Marcos H. & STECZ, Solange S. Caderno de Notas: Mestrado Profissional em Artes. Curitiba, PR, UNESPAR, 2019 CAMARGO, Marcos H. Formas diabólicas: ensaios sobre cognição estética. Londrina, Syntagma Editores, 2017. FREIRE, Paulo. Educação e mudança. São Paulo, Paz e Terra, 2019 ___ Pedagogia da esperança. São Paulo, Paz e Terra, 2006. ___ Pedagogia do oprimido. São Paulo, Paz e Terra, 2005. FRESQUET, Adriana Mabel; MIGLIORIN, Cezar. Da obrigatoriedade do cinema na escola, notas para uma reflexão sobre a Lei 13.006/14. In: FRESQUET, Adriana. Cinema e educação: reflexões e experiências com professores e estudantes da educação básica, dentro e “fora” da escola. Belo Horizonte, MG, Autêntica, 2013 ___Aprender com experiências do cinema: desaprender com imagens da educação. (Organizadora). RJ, Booklink; CINEAD-LISE-FE/UFRJ, 2009. SCHIAVINATTO, Iara Lis; ZERWES, Erika. Cultura visual: imagens na modernidade. SP, Cortez, 2018.


Práticas com audiovisual na aula de Artes André Barroso da Veiga 26 RESUMO

Este estudo pretende observar uma prática pedagógica com produção audiovisual na disciplina de Artes. Percorre um caminho teórico por autores como Bergala, Canclini, Franco, Kenski, Levy e Stecz, para criar um entendimento sobre o cinema como possibilidade de integração entre as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TIC) nos processos de aprendizagem. Partindo desse referencial teórico para a observação de uma prática pedagógica que busca a produção audiovisual junto aos estudantes de turmas do ensino médio no Colégio Estadual do Paraná. Atividades desenvolvidas nos anos de 2012 a 2020. Este artigo é um desdobramento da pesquisa no mestrado profissional no Programa de Pós Graduação em Artes pela Universidade Estadual do Paraná. PALAVRAS CHAVE: Produção de vídeo estudantil; Cinema Educação; Ensino com audiovisual; Tecnologias de Informação e Comunicação. INTRODUÇÃO

Ao iniciar minha carreira como professor de Artes, em projetos de educação informal e posteriormente no ensino de Artes pela Rede Pública de Educação do Estado do Paraná, já havia notado a vontade, tanto por parte dos estudantes, quanto por parte das gestões escolares, no uso de Tecnologias digitais de Informação e Comunicação (TIC) nos processos pedagógicos, e que vem se transformando cada vez mais em uma urgência social. Porém, surgiam questões sobre quais tecnologias usar, como e para quais funções usar, quais os recursos necessários para o desenvolvimento de práticas pedagógicas com tecnologias digitais integradas na estrutura do processo de ensino aprendizagem. Tecnologias digitais em sala de aula despertam discussões e contradições nos profissionais da educação, como uso de aparelhos celulares, ou uso de

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André Barroso da Veiga, natural de Belo Horizonte, 1984, graduado em Licenciatura em Artes Visuais pela FAP Faculdade de Artes do Paraná em 2008, bacharelado no curso Superior em Gravura pela EMBAP - Escola de Música e Belas Artes do Paraná em 2012, com especialização em Cinema pela FAP em 2012, especialista em Inovação e Tecnologias em Educação pela UTFPR - Universidade Tecnológica Federal do Paraná em 2019, atualmente mestrando no PPGARTES, Programa de Pós Graduação Profissional em Artes pela UNESPAR – Universidade Estadual do Paraná, turma de 2019-2021. Membro do grupo de pesquisa Audiovisual Educação da UNESPAR.


mídias para resolução das atividades pedagógicas, e até mesmo questões mais amplas como indisciplina, evasão e didáticas. Chegando em questão chaves que norteiam minhas pesquisas, que é a produção audiovisual como possibilidade de integração das TICs na educação. Percebi no audiovisual a possibilidade de articular tais questões em minhas práticas docentes. Pensando sobre o uso do Cinema no ambiente escolar, como possibilidade de criação artística coletiva, lancei o olhar nos meios tecnológicos acessíveis aos professores e aos estudantes para produção cinematográfica em sala de aula. A cultura audiovisual, que constrói imaginários e está na vida das pessoas, é uma estética que articula vários saberes para sua criação, e que é muito presente no cotidiano. Considerando a gama de TICs acessíveis na sociedade urbana contemporânea, como computadores caseiros onde os estudantes podem editar materiais digitais, ou aparelhos smartphones, onde existe uma variedade de aplicativos para manipulação de conteúdos digitais. No ano de 2019, com a participação no curso ‘Narrativas Docentes’ do projeto Educação Audiovisual em Formação de Docentes: uma área de inovação educacional, que foi uma parceria do Consejo de Formación en Educación/ Cineduca do Uruguai, a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade Estadual do Paraná (Unespar). Passei a refletir sobre minhas práticas com audiovisuais desenvolvidas no meu trabalho docente, e realizei um levantamento dessas atividades. No presente estudo, que é um desdobramento da pesquisa realizada para o mestrado profissional no Programa de Pós Graduação em Artes (PPGARTES) pela Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), sob orientação de Solange Straub Stecz, primeiro realizei uma pesquisa bibliográfica a fim de horizontalizar o discurso a respeito do audiovisual e das TICS no processo de aprendizagem. Para ao final deste artigo apresento um levantamento sobre as atividades desenvolvidas com o audiovisual junto aos estudantes do ensino fundamental e médio do Colégio Estadual do Paraná, nos anos de 2012 a 2020.

AUDIOVISUAL E TECNOLOGIAS DIGITAIS NA EDUCAÇÃO

Identificando no cinema a possibilidade de criar subjetividades nos participantes do processo pedagógico, pela experiência estética para fruição do audiovisual. Bergala (2008), aponta para o cinema como uma riqueza de possibilidades


na criação de uma escola como espaço em constante inovação. O cinema possibilita acessar a obra de arte no próprio contexto escolar, e quando se assiste cinema em sala de aula, todos são espectadores, o que acaba por horizontalizar as relações, pelo menos por alguns instantes, já que todos passam a ser espectadores. Passando do repasse de informações para uma postura de mediação e construção de conhecimentos que acontecem no próprio fazer artístico. Com a pedagogia da criação, o autor propõe um cinema que vai para a escola não como texto ou como ilustração, mas como ato de criação. A criação dos estudantes e professores acontece enquanto espectadores, mas também compreende o cinema como uma experiência estética que envolve os estudantes e os professores em práticas emancipadoras de inventar com o audiovisual, que então surge como possibilidade para construção de novos conhecimentos. Entendendo a importância do ato de assistir um filme, mas propõe a criação artística com produção audiovisual junto aos estudantes. O cinema é largamente utilizado em sala de aula como recurso para discussão de uma variedade de questões que podem ser suscitadas a partir de uma obra audiovisual. Contudo, o audiovisual tem potencialidades para outras formas de atuação e interação no processo pedagógico. Podendo ser proposto em sala de aula também como meio para ativar produções audiovisuais junto aos estudantes. O ambiente escolar surge como possibilidade de ativação destes diferentes saberes para uma criação comum, tentando que ative a participação de todos, a partir de seus melhores potenciais cognitivos. Franco (1995), diz que “quando estudamos a construção da linguagem audiovisual encontramos semelhanças significativas com o universo da construção do conhecimento” (FRANCO, 1995, p. 51). Também deve se lembrar que no ambiente escolar, a fruição em arte contemporânea é difícil e complexa, enxergando nas propostas artísticas que buscam no fazer coletivo, junto àquele grupo específico, criar situações que são mais que meros artifícios, ou reproduções, ou cópias de um sistema ultrapassado, e que parece negligenciar a criatividade ao invés de fomentá la. Como identifica a professora e pesquisadora Solange Stecz, “de fato a escola pode ser um espaço de incorporação do cinema enquanto arte, através de uma vivência cultural e não só como suporte pedagógico de disciplinas.” (STECZ, 2015, p. 214). A arte na escola, pode ser entendida como possibilidade de criação de novos mundos, de novas realidades. Para que os agentes desse processo consigam se identificar com uma cultura própria, mas para que essa evolua também, e não fique estagnada, ou seja, a arte contemporânea na escola ganha um potencial de fomentar a criação entre esse grupo,


problematizando questões próprias, e explorando das capacidades de cada um no coletivo, para a criação artística. O processo de aprendizagem é sempre mediado por recursos didáticos que auxiliam na construção do conhecimento. O quadro, o giz, o livro, enfim, o que estiver disponível para o professor articular os conhecimentos pontuados nas ementas de um curso ou de uma disciplina. Kenski (2003) relativiza o termo tecnologia, comumente relacionados aos aparelhos digitais, e que na verdade são frutos da prática humana no advento de ferramentas, habilidades e conhecimentos. A autora argumenta que desde o início da civilização, o predomínio de um determinado tipo de tecnologia transforma o comportamento pessoal e social de todo o grupo. Porém as tecnologias por si só não mudam a educação. Os profissionais envolvidos devem compreender as especificidades de cada tecnologia. Deve-se aliar os objetivos de ensino com as tecnologias que melhor atendam a esses objetivos, pois as tecnologias digitais de comunicação e informação possibilitam novas formas de aprendizagens. Lévy (1999), sobre a cibercultura, observações sobre o mundo altamente conectado, a virtualidade nas relações interpessoais, sobre relações online e completamente mediadas pelas tecnologias digitais. Entendendo, com essa realidade, a importância do uso das tecnologias digitais de informação e comunicação nos processos pedagógicos, e que essa relação modifica o próprio papel do professor. Tentando entender a vida atual em sua complexidade, onde as TICs permeiam praticamente todas as relações no cotidiano urbano, apontando para novas problemáticas para a educação. Para o autor, as demandas pedagógicas devem pensar as tecnologias digitais em seus processos de aprendizagem, pois são demandas também do cotidiano, não apenas dos estudantes mas também dos professores. Canclini (2008) percorre um caminho histórico para compreender a presença audiovisual no cotidiano pós-moderno. Analisando as mudanças inferidas pelas tecnologias nos modos e relações culturais, o autor destaca que na tecnocultura transformam-se os modos históricos, e que o audiovisual tão presente em nossas sociedades é uma questão que irrompe com força. Para o autor, “participar é hoje relacionar-se com uma ‘democracia audiovisual’, na qual o real é produzido pelas imagens geradas na mídia” (CANCLINI, 2008, p. 291). A convergência digital muda os paradigmas da realidade da sociedade atual. Com as possibilidades digitais, além de recursos como ilustrações de conteúdos ou referências para estudos, podem ser compartilhados, trabalhados e retrabalhados, e possibilitam novas maneiras de criação


estética. Se entende o cinema como possibilidade a favor, já que gera produtos em materiais digitais de arquivos audiovisuais, necessitando o conhecimento relacionado a tais tecnologias. Portanto, devemos pensar no modo como usamos e nos relacionamos com estas tecnologias. PRODUÇÃO AUDIOVISUAL EM SALA DE AULA

Partimos para a observação de atividades docentes desenvolvidas na disciplina de Artes, no Colégio Estadual do Paraná. Foram analisadas práticas artístico pedagógicas desenvolvidas com turmas do ensino médio, e que iniciaram os estudos com a criação de um repertório histórico, conceitual e técnico. Se forem analisadas por etapas, as funções de produção cinematográficas podem ser observadas sob um olhar cronológico. É preciso organizar, roteirizar, pensar os planos, cores, corpos, ações, decupagem, definições de textos, lugares, equipe, equipamentos e cronogramas. Partese para a produção propriamente dita, trabalho com atores, ensaios, ou pensar pautas para entrevistas, iluminação, então é realizada a captação de imagens e sons que serão editados posteriormente. Chega a etapa de pós-produção, arquivamento de material bruto, seguindo de montagem do material audiovisual. Uso de softwares para edição em áudio e vídeo, dublagens, trilhas sonoras, coloração e desenho de som, enfim, finalização do filme. Apresentar, exibir, compartilhar, uma etapa importante que é assistir o material realizado, discutir, problematizar. Foi organizando em uma tabela, um levantamento de possíveis atividades no processo cinematográfico, como pode ser visto no Quadro 01, abaixo.

QUADRO 01 - Funções básicas para a produção audiovisual. ETAPAS

PRÉ PRODUÇÃO

PRODUÇÃO

PÓS PRODUÇÃO

ATIVIDADE

- Planejamento

- Captação de imagens e áudios.

- Montagem

- Pesquisa - Preparação

- Finalização Compartilham ento


AÇÕES

- Roteiro

- Direção

- Produção

- Produção

- Produção

- Montagem

- Fotografia

- Câmera

- Edição

- Arte

- Áudio

- Som

- Iluminação

- Desenho de som - Designer

- Atores ou entrevistados.

No Colégio Estadual do Paraná estão disponíveis espaços pedagógicos como ilhas de edição e laboratório de informática, estúdio de áudio, biblioteca, além de equipamentos como câmeras, captadores de áudio, iluminação, projetor e caixa de som, que são recursos disponíveis para atividades pedagógicas. A partir do levantamento de programas e aplicativos utilizados para realização de atividades audiovisuais nessa prática pedagógica, foi organizado em uma tabela onde se apontam tais recursos e quais foram utilizados nas atividades observadas. Como pode ser observado no quadro 02, abaixo. QUADRO 02 - Recursos básicos para produção audiovisual. Softwares Pagos

Softwares Livres ou com versões gratuitas

Programas para Edição de Imagem

- Photoshop

- Gimp

Programas para criação de slides de apresentação

- Powerpoint

- Impress

Programas para Edição

- Premiere

- Movie Macker

audiovisual

- Vegas

- KdenLive

- Final Cut

- Blender

- After FX

- Davinci


- Animate

- Open Toonz

- Flash

Programas para Edição de Áudio

- Audition

- Audacity

- Pro Tools

- Reeper

- Ableton Live

- Sonoplastia Prática

- FL Studio

(cartucheira)

- Virtual DJ

- LMMS

Aplicativos para edição

- Adobe Clip

- Flipaclip

mobile

- Kine Master

- Intro Maker

- Filmix

- Cute Cut - Filmora Go

Tratando, assim, a produção audiovisual como uma possibilidade de transpassar por várias mídias e fazendo uso de diversas tecnologias para sua criação. O cinema se transforma em suporte para a integração destas tecnologias junto ao cotidiano pedagógico para criação de novos conhecimentos. O ensino de artes deve favorecer mais o meio do que um fim, ou no produto finalizado. Com propósito realmente maior no processo criativo que na busca da formação de artistas em si. Mas para que os estudantes possam ter em sua formação, atividades que fomentem a fruição artística e estética. A produção audiovisual pode passar por vários temas em que os estudantes podem

levantar

questões

variadas.

Globais

ou

intimistas.

Possibilitando

a

problematização não só do tema em si, mas dos processos de produção, da comunicação e relações interpessoais, enfim. Cria a partir das potencialidades e interesses dos indivíduos de cada grupo. A partir da experiência docente em Arte, desde 2003, e mais especificamente na Rede Pública de Educação do Estado do Paraná, desde 2012, construí um repertório de propostas que acionam o audiovisual como meio de fruição e criação artística em sala de aula. Atividades que buscam ativar a diversidade do coletivo de estudantes. Atuando


como professor da disciplina de Artes do Colégio Estadual da Paraná nos anos de 2012 a 2018, passando por turmas de diferentes séries do ensino fundamental e médio. Iniciei com propostas como criação de programas radiofônicos e produção de pequenos curtas metragens digitais com as turmas de adolescentes. O ensino de artes deve favorecer mais o meio do que um fim em si. Com propósito realmente maior no processo de criação que não busca a geração de artistas em si. Mas para que os estudantes possam ter em sua formação, atividades que fomentem a fruição artística e estética. A produção audiovisual pode passar por vários temas em que os estudantes podem levantar questões variadas. Globais ou intimistas. Possibilitando a problematização não só do tema em si, mas dos processos de produção, da comunicação e relações interpessoais, enfim, cria a partir das potencialidades e interesses dos indivíduos de cada grupo. Vale lembrar que ao trabalhar com audiovisual junto a menores de idade, devemos sempre levantar questões sobre direitos de imagens, voz e depoimento. Além disso, é preciso apontar questões sobre o uso de produtos culturais com direitos autorais, como o uso de músicas para trilhas sonoras, marcas ou imagens na montagem dos materiais audiovisuais. Para a criação livre, para fins pedagógicos e no espaço escolar, é possível o uso, porém se forem postados na rede, podem sofrer cortes ou mesmo impedimentos de compartilhamento por conta da propriedade intelectual. O trabalho pedagógico exige um bom entendimento relativo às capacidades de cada faixa etária para o desenvolvimento de atividades específicas, para que realmente aconteça fruição no processo educativo. Por vezes é preciso ativar de maneira lúdica e mais despreocupada com o produto final, por outras já se faz necessário um caminho mais técnico junto aos estudantes. Nas atividades, são trabalhados conteúdos da linguagem audiovisual em planos e montagem cinematográfica, técnicas em iluminação, direção de arte, equipamentos de captação audiovisual e programas para montagem e edição digital. Mas o modo como se desenvolve está diretamente ligado à intencionalidade que o professor dá aos conteúdos, enquanto propostas de ações articuladas com os estudantes. No ano de 2012, foram produzidos cinco curtas, entre um a cinco minutos de duração. A partir da divisão em grupos, os estudantes propõem roteiros e realizam a produção e a montagem. Com câmeras simples e edição no computador do Colégio, que disponibiliza dois computadores tipo ilha de edição com programas para edição de material audiovisual, como os softwares da suíte Adobe Criative Clound. Foram equipes


que buscaram dividir bem as funções, em roteiro, câmera e montagem. Utilizaram-se dos espaços do colégio, como salas, corredores, cantina, pátio, buscando imagens que identificam seus cotidianos escolares, mas com despojamento no modo de lidar com cada assunto. No ano de 2014, foram produzidos três vídeos, a partir da divisão em grupos e funções. Cada grupo propôs um roteiro e produziu as filmagens com equipamentos do Colégio. Criaram narrativas cômicas em ficções que falam sobre o cotidiano estudantil, como atrasos para as aulas ou piadas encenadas. No ano de 2015, foram produzidos cinco vídeos, onde também se dividiram em grupos e desenvolveram seus próprios roteiros e produções, agora já realizando a montagem em ilha de edição adquirida pelo Colégio e que funciona como laboratório do curso técnico de Produção em Áudio e Vídeo, mas que também é utilizado por outros setores como disciplinas de Artes e oficinas de contra turno. As produções têm o diferencial de serem realizadas por turmas de ensino médio técnico integrado de teatro, o que acaba por gerar narrativas com atuações dramáticas dos atores estudantes. Repertório que influencia nas propostas como vídeo performance, ou vídeos dança. Levantando assuntos leves como namoros e relações entre os estudantes, mas também depressão entre adolescentes, loucura, solidão, pânico e doenças mentais, foram temas recorrentes nas propostas de roteiros e nas próprias produções. No ano de 2016, foram produzidos quatro curtas metragens, também divididos em grupos, com produções de vídeos que se preocupam com a direção de arte, escolha de cores, objetos e cenários. Narrativas cômicas em propostas todas ficcionais, tipo filme mudo preto e branco, vídeo dança, vídeo poesia, outro sobre o apaixonar-se na escola, e outro com temas do cotidiano estudantil cenas breves, como faltar aulas, pequenas piadas sobre professores, diretores e inspetores, e as regras do colégio. Também levantaram questões como gênero, sexualidade, stress e depressão da adolescência. Produziram com equipamentos do Colégio e se dividiram em grupos pequenos de três a cinco estudantes, com todos realizando um pouco de cada etapa, criando, atuando, produzindo, editando, em atividades que duraram um bimestre. Com atividade extra classe, alguns estudantes realizaram performances e intervenções artísticas e filmaram estas ações, que também foram trabalhadas em sala e finalizadas paralelamente. No ano de 2017, foram produzidos quatro vídeos, também com turmas de ensino médio integrado com técnico em teatro. Com propostas para vídeo performance, vídeo dança, vídeo poesia e cenas breves de teatro filmados, todos em narrativas ficcionais. Também produziram um programa tipo televisivos com um telejornal, cortando e pulando de ambientes diversos do Colégio e assuntos variados do universo estudantil.


Houve a intencionalidade de experimentação na edição de imagens, com sobreposições, inserção de textos, dublagem, trilha sonora e também na busca por imagens do cotidiano escolar, com preocupação na direção de arte, escolha e estudo de cores, para criação dos trabalhos audiovisuais. No ano de 2018, durante um curto período de dois meses como substituição de professor, trabalhei com uma turma de 9º ano do Ensino Fundamental, foi criado um vídeo, onde os estudantes criaram personagens fictícios e o entrevistaram como em um programa televisivo de entrevistas, com reconstituição de memórias para inserção entre as perguntas e respostas, como se o entrevistado lembrasse o passado. Vídeo de três minutos produzido pelas estudantes, em que se dividiram em funções diferentes, pensaram uma história a ser contada, trouxeram figurinos e atuaram e gravaram, editado no computador do Colégio. O formato de clip musical é uma possibilidade de trabalho individuais simples, podendo explorar a montagem das imagens com o ritmo e o andamento da música. Além de investigar os gostos e preferências musicais que é muito relacionado com a identidade de cada um no grupo. Com um trabalho coletivo, onde os estudantes simulam tocar instrumentos e inserem a música. Mas há a possibilidade de exercícios sem atuação, ou mesmo captação por câmera, podendo pesquisar imagens para a montagem a partir do ritmo musical. Nestas atividades, são trabalhados conteúdos estéticos de planos e montagem cinematográfica, técnicos em iluminação, direção de arte, equipamentos de captação audiovisual e programas para montagem e edição digital. Mas o modo como se desenvolve está diretamente ligado à intencionalidade que o professor dá aos conteúdos, enquanto propostas de ações articuladas com os estudantes. O modelo documentário também pode ser bem delimitado na entrevista, e funciona como exercício de pesquisa temática, possíveis entrevistas, cenários, locações e perguntas. O filme é uma montagem com um caminho de respostas dadas pelos entrevistados participantes. A proposta ‘Curta das Cores’, como acabou sendo chamado pelos estudantes, parte do estudo da teoria das cores aplicada na direção de artes e na produção cinematográfica, para a criação de filmes curta metragem em que sua produção ou idealização surgisse despertada por uma cor. São divididos grupos, com funções básicas para produção e pós produção, e então separadas as cores, que podem ser cores primárias, ou outras escalas, dependendo do número de grupos. Os estudantes propõem e desenvolvem o roteiro, suas planilhas, paletas de estudo de cores


e planejamentos de produção. Organizam-se e realizam a captação de material bruto audiovisual. Os curtas metragens são montados e finalizados em softwares diversos. Focando no tratamento de cores nas imagens e nas escolhas de objetos de cena, figurino, locação ou cenário. No ano de 2020, iniciei com a atividade de criação de “Planos Cinematográficos”, um estudo de linguagem audiovisual a partir de planos estáticos, fotográficos. Foi desenvolvida também para pensar a montagem, articulando planos abertos e fechados, buscando ativar possíveis narrativas. Os estudantes circularam pelos espaços do colégio e capturaram imagens de lugares interessantes para eles, buscando sempre planos abertos e fechados. No segundo momento, os estudantes compilaram em um arquivo único com as três imagens, um plano aberto, um plano médio e um plano fechado. Realizando uma espécie de paisagem cultural de uma turma de estudantes, foi pensada a atividade chamada de ‘Ascendências’, que são entrevistas com os próprios estudantes com as perguntas “Onde nasceu e qual sua ascendência?”. Atividade que tem como objetivo prático a iniciação na produção audiovisual, com manuseio de equipamentos como câmeras, cenário e iluminação, montagem e edição de vídeo. Mas que também coloca os participantes em uma situação de auto-questionamento. O modelo documentário também pode ser bem delimitado na entrevista, e funciona como exercício de pesquisa temática, possíveis entrevistas, locações e perguntas. O filme é uma montagem com um caminho de respostas dadas pelos entrevistados participantes. A atividade de entrevista “Ascendências” seguiu com o mesmo roteiro para todas as turmas trabalhadas. A edição do material foi feita no computador do próprio professor, em sala de aula, no software livre Kdenlive. A proposta “Ascendências”, que gera um material coletivo, se desdobra em outra atividade individual, que é um “Auto retrato”. Propondo que o estudante possa, então com maior tempo, investigar questões de sua identidade. Com afunilamento temático mas com liberdade de apontamentos sobre si mesmo. Uma atividade de produção individual, indicando a captação e a edição em equipamentos simples, plataformas móveis como aparelhos celulares smartphones, exatamente para aproximar o audiovisual como possibilidade de produção até mesmo em pequenos formatos com produções menos complexas. Mas que também aciona questões sobre a identidade de cada um e cada indivíduo apresenta suas paisagens particulares. A atividade busca criar narrativas, a partir das próprias histórias ou do cotidiano de cada um. Com indicação de alguns aplicativos para edição em equipamentos móveis, a atividade propõe algumas funções básicas como corte, inserção de texto, imagem, e trilha sonora.


Esta breve observação, de produções coletivas desenvolvidas durante as aulas de Artes, se coloca como um apontamento de possibilidades de atividades para serem realizadas com a produção audiovisual. Foram encaminhadas a partir de propostas para os estudantes e produzidas por eles a partir de suas organizações, criando os roteiros, as pesquisas, funções, etapas, captação e montagem do material audiovisual. Com liberdade para escolha de temas ou assuntos a serem levantados, mas com a delimitação técnica de equipamentos e cronograma para que houvesse tempo hábil para cada produção.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foram apresentados aqui algumas propostas pedagógicas e observado seus resultados. Atividades que se propõem de fácil acesso tecnológico, mas que também buscam dar suporte para produções complexas. Nas atividades pedagógicas desenvolvidas junto ao ensino médio, são trabalhados materiais e repertórios genéricos a respeito da estética, da história e da técnica da produção audiovisual. Não se pretende nesta pesquisa, fechar as possibilidades pedagógicas de produção audiovisual, nem de afirmar que estes são os melhores caminhos para a realização de atividades que integrem o cinema com a escola. Contudo, acabamos por identificar tecnologias acessíveis para o trabalho com o audiovisual, além de observarmos uma proposta docente realizada. Observamos a realidade da infraestrutura tecnológica para a produção audiovisual com estudantes, a partir do Quadro 01 identificamos atividades por etapas de trabalho, e no Quadro 02 as tecnologias em softwares utilizados práticas em sala de aula. Esta breve observação, de produções coletivas desenvolvidas durante as aulas de Artes, se coloca como um apontamento de possibilidades de atividades para serem realizadas com a produção audiovisual. Foram encaminhadas a partir de propostas para os estudantes e produzidas por eles a partir de suas organizações, criando os roteiros, as pesquisas, funções, etapas, captação e montagem do material audiovisual. Com liberdade para escolha de temas ou assuntos a serem levantados, mas com a delimitação técnica de equipamentos e cronograma para que houvesse tempo hábil para cada produção. Entendendo o audiovisual como possibilidade de inovação pedagógica, no sentido de dar autonomia aos estudantes em seus processos de criação de novos conhecimentos a partir da expressão e criatividade. Tendo em vista que a estética audiovisual, tão presente na vida atual, transita por várias mídias e tecnologias e que acaba por possibilitar novos modos de comunicação e interação interpessoal. O


cinema pode e deve ser usado na escola, tanto na ilustração de conteúdos, como processos criação, comunicação e de interlocução entre o estudante e o mundo ao seu redor.

REFERÊNCIAS

BERGALA, Alain. A Hipótese-Cinema: pequeno tratado de transmissão do cinema dentro e fora da escola. Rio de Janeiro: Booklink, UFPR, 2008. GARCIA-CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 4 ed. São Paulo: EdUSP, 2008. FRANCO, Marilia. Prazer Audiovisual. ECA, USP, SãoPaulo: Comunicação e Educação, p. 49-52, jan./abr.1995. KENSKI, Vani Moreira. Aprendizagem mediada pela tecnologia. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 4, n.10, p.47-56, 2003. LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999. STECZ, Solange Straube. CINEMA E EDUCAÇÃO: PRODUÇÃO E DEMOCRATIZAÇÃO DO AUDIOVISUAL COM CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM CURITIBA. Tese (Doutorado em Educação) – Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos. 2015.


ENTREVISTA entrevista


Entrevista sobre Cinema, Audiovisual e Educação com a Professora Marília da Silva Franco Dorotéia Werner da Silva27

Marilia da Silva Franco é graduada em cinema e concluiu o mestrado e o doutorado em Artes pela Universidade de São Paulo. É professora aposentada do Departamento de Cinema Rádio e TV da Escola de Comunicações e Artes - USP. Publicou 14 artigos em periódicos especializados. Possui 13 capítulos de livros publicados. Possui 22 itens de produção técnica artística. Participou de 92 eventos no Brasil. Ministrou cursos no exterior em Portugal, Espanha, Cuba e Venezuela. Orientou 17 dissertações de mestrado 10 teses de doutorado, orientou 5 trabalhos de iniciação científica e 7 trabalhos de conclusão de curso nas áreas de Artes, Comunicação, Educação e Letras. Foi diretora docente da Escuela Internacional de Cine y TV em Cuba. Criou e dirigiu a TV USP - CNU-SP. Em 2002 coordenou o Projeto EDUCOM.TV. Atualmente coordena 1 projeto de pesquisa - Aruanda lab.doc. E pesquisadora do Laboratório FILOCOM, com apoio FAPESP, coordenado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Fo. Atua nas áreas de Artes e Comunicação Social. Atua também na área de preservação audiovisual através do CPCB - Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro, tendo sido presidente da 1a. diretoria da ABPA - Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (2011/12). Em suas atividades profissionais interagiu com 64 colaboradores em co-autoria de trabalhos tedra UNESCO de Estudos da América Latina. Professora e orientadora no PROLAM - USP - Programa Interunidades de Estudos da América Latina. Sua carreira acadêmica sempre foi pautada por dois eixos, a preservação audiovisual e cinema / educação. Conversa com a professora Marilia Franco sobre as relações do cinema para a educação e a necessidade da formação continuada de professores para o uso do audiovisual na escola.

Dorotéia Werner da Silva -Pós Graduada - Especialização Em Cinema Com Ênfase Em Produção Unespar – Universidade Estadual do Paraná. Mestranda do Programa de Pós Graduação em Artes – PPGARTES – Unespar. Integrante do Laboratório de Cinema e Educação – Labeducine/ Unespar. Produtora Audiovisual, Sócia proprietária da Werner Produções. 27


Dorotéia Werner (DW) - Para começar nossa conversa gostaria que você falasse quando começou a aproximação do cinema com a educação. Marilia Franco (MF) - Antes de discutir sobre cinema e educação devemos entender alguns pontos: desde o nascimento do cinema a dimensão educativa está presente. Antes de discutir sobre cinema e educação devemos entender alguns pontos: desde o nascimento do cinema a dimensão educativa está presente. As projeções de imagens em movimento chegaram no Brasil ainda em fins do século XIX, com as primeiras exibições de vistas animadas sendo noticiadas na imprensa do Rio de Janeiro em 1896. No rumo dessa história também é importante resgatar duas publicações que serviram de base para a construção dos projetos de integração do cinema à educação brasileira. Projetos esses que estavam apontados nos Movimentos da Escola Nova e se consolidam com o lançamento do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, publicado em 1932. Propostos por vários intelectuais e educadores, orientaram a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública em 1930 e também sua primeira reforma em 1937, quando passou a se chamar Ministério da Educação e Saúde. Os dois livros comentam a necessidade de integrar o cinema a qualquer projeto de educação para o desenvolvimento e o progresso do país e oferecem detalhados passos para a construção de serviços de cinematografia educativa. O que podemos perceber, portanto, é o efetivo interesse de um grupo de educadores brasileiros em integrar o cinema e a educação nesse grande movimento de constituição de um plano nacional de educação, pensada como obrigação do Estado e destinada à formação obrigatória e indiscriminada de ricos e pobres, homens e mulheres, como base indispensável para a construção de uma sociedade moderna, progressista, justa e igualitária. Esses ideais estão explícitos nos textos dos manifestos. Concretizando as ideias comentadas acima, em 1937 foi criado o INCE – Instituto Nacional de Cinema Educativo, dentro do Ministério da Educação e Saúde. Para ele, foram nomeados: como diretor, Edgard Roquette Pinto (um dos signatários dos manifestos e pioneiro das comunicações no Brasil); e como diretor técnico, o cineasta Humberto Mauro, que ficou na função até sua aposentadoria, em 1974. Ao contrário de muitas iniciativas renovadoras que duram pouco e acabam sem deixar rastros, o INCE deixou uma produção de mais de 500 filmes sobre as mais variadas temáticas e nos mais variados formatos, tanto pelas criações geniais de Humberto Mauro, quanto pela integração ao seu acervo de inúmeras produções de outros cineastas. De fato, mudando de nome ou de alocação institucional (DFC – Departamento

do

Filme

Cultural/INC;

DONAC

Diretoria

de

Operações

Não

Comerciais/EMBRAFILME e Fundação do Cinema Brasileiro), esse trabalho voltado para a educação só foi encerrado em 1990, com as iniciativas arrasadoras do governo Collor na área


das artes e da cultura. É importante destacar que grande parte desse acervo, sejam filmes ou documentos de trabalho, encontra-se preservada nos arquivos hoje pertencentes ao CTAV – Centro Técnico Audiovisual, órgão do Ministério da Cultura com sede na Av. Brasil, no Rio de Janeiro. Também vários títulos estão disponíveis em DVD, embora não seja muito fácil ter acesso a esse material. É uma pena, no entanto, que o espírito com que Roquette Pinto e Humberto Mauro entendiam a integração do cinema à educação não tenha se mantido vivo nas décadas seguintes ao seu trabalho efetivo. Essa visão está clara num texto deixado por Roquette Pinto, certamente já iluminado pela experiência do INCE. Assim ele escreveu: “Não é raro encontrar, mesmo no conceito de pessoas esclarecidas, certa confusão entre cinema educativo e cinema instrutivo. É certo que os dois andam sempre juntos e muitas vezes é difícil ou impossível dizer onde acaba um e começa o outro, distinção que, aliás, não tem muita importância na maioria das vezes. No entanto é curioso notar que o chamado cinema educativo, em geral não passa de simples cinema de instrução. Porque o verdadeiro educativo é outro, o grande cinema de espetáculo, o cinema da vida integral. Educação é principalmente ginástica do sentimento, aquisição de hábitos e costumes de moralidade, de higiene, de sociabilidade, de trabalho e até mesmo de vadiação... Tem de resultar do atrito diário da personalidade com a família e com o povo. A instrução dirige-se principalmente a inteligência. O indivíduo pode instruir-se sozinho; mas não se pode educar senão em sociedade. ” DW - Tendo em vista a importância do cinema e educação no âmbito escolar. Você pode falar sobre a Hipótese Cinema de Alain Bergala? MF - O filme é um objeto estético/cultural de consumo individualizado. Sua fruição se dá dentro de uma bolha perceptiva, construída pela tecnologia da projeção das imagens em movimento em sala escura. O espectador fica “sozinho” para desfrutar das emoções proporcionadas pela história, contada através de uma linguagem que hipertrofia as percepções visual e sonora (esta última a partir de 1930). Isso favorece que haja uma adesão sem restrições ao entrecho desenvolvido. Todos os elementos característicos da linguagem cinematográfica – planos, movimentos de câmera, efeitos de iluminação, campo sonoro – e a montagem – que, além de organizar a lógica da história contada, usa recursos para acelerar ou retardar os efeitos emocionantes – foram sendo construídos rigorosamente para capturar, sem restrições, a atenção do espectador. Imerso nesse mar de estímulos sensoriais que vivificam a história contada, o espectador se deixa conduzir por um conjunto de emoções, experimentando uma verdadeira “vivência virtual” em torno da aventura cinematográfica oferecida. Na dinâmica imediata após a projeção, há um impulso de prolongar essas


sensações/emoções individuais em situações socializantes como debates ou descrições daquilo que acabou de ser visto. Os planos, detalhes e mesmo o fluxo narrativo preciso do filme, no entanto, podem ir esmaecendo na memória do espectador, mas a simples evocação do nome do filme, a reprodução de um trecho da trilha sonora ou a vista do cartaz ou de uma foto de cena do filme são suficientes para colocar o espectador naquele “estado de emoção” primitivo que o filme proporcionou. Isto é, a memória pode falhar, mas as emoções se mantêm. Os estudos de neurociência, deixam evidentes a existência e a importância dessa impregnação

afetivo/emocional

proporcionada

pela

linguagem

ou

pela

estética

cinematográfica. Para mim, essas constatações ajudam a entender as hipóteses de Bergala. O que o autor propõe é uma forma de inserção do cinema na escola que redimensiona os dois campos – o cinema e a escola –, atribuindo-lhes uma importância formadora para além das pragmáticas das disciplinas escolares racionalmente organizadas nas várias seções de conhecimento, e para além da mera função de entretenimento com que a escola sempre tratou o cinema. Bergala exalta com clareza o fundamento e o valor estético do cinema: A arte no cinema não é ornamento, nem exagero, nem academicismo exibicionista, nem intimidação cultural. Esse tipo de atitude é, inclusive, o que existe de mais prejudicial ao cinema como arte verdadeira e específica. A grande arte no cinema é o oposto do cinema que exibe uma mais valia artística E destaca a importância da experiência emocional que essa natureza estética da linguagem cinematográfica proporciona: “Ela se dá cada vez que a emoção e o pensamento nascem de uma forma, de um ritmo, que não poderia existir senão através do cinema”. Essa percepção, sensibilidade e sabedoria, que orientam a proposta de desenvolver uma cultura cinematográfica no ambiente escolar, não chegam a estar tão distantes de alguns momentos da história da educação no Brasil. Tenho absoluta convicção de que, para começar qualquer reflexão ou ação que envolva audiovisual e educação, é preciso avaliar o que entendemos por educação e quais dimensões de audiovisual temos em mente. Particularmente, estou de acordo com Roquette Pinto de que “educação é principalmente ginástica do sentimento, aquisição de hábitos e costumes de moralidade, de higiene, de sociabilidade, de trabalho e até mesmo de vadiação...” acrescentaria um comentário de Sergio Santeiro que afirma “o cinema não é o melhor divertimento, o cinema é um divertimento para nos fazer melhores”. Só a partir da visão libertária de Roquette Pinto sobre o que seja educação entendo ser possível pensar na integração do cinema/audiovisual às suas premissas e práticas, do mesmo modo que entendo a frase de Santeiro como a síntese do que o cinema pode ser, se o aceitarmos como ele se fez ao longo de seus mais de cem anos. E a hipótese-cinema de Bergala é o mapa para que possa se realizar essa viagem-cinema-educação.


DW - Todo filme é educativo? MF - Hoje não é mais qualquer filme é educativo, e sim qualquer produto audiovisual é educativo. Há tempos venho acompanhando os estudos de neurociência, e há vários experimentos que se utilizam de filmes para observar o desenvolvimento de atividades cerebrais. O que se repete, nesses estudos, é a demonstração da relevância das emoções provocadas pelos filmes e a permanência dos efeitos emocionais, chegando mesmo a produzir alterações fisiológicas nos espectadores (diante de cenas de violência ou de relações amorosas, por exemplo). Esses estudos não têm objetivos de avaliar questões ligadas à educação. Apenas usam os filmes para “simular” estados emocionais e observar o funcionamento cerebral. Ora, se essas simulações são relevantes para os estudos científicos de neurociência, como esse conhecimento poderia contribuir para avaliar também a relevância do cinema na formação de crianças e jovens, pensada a partir dessa estimulação emocional tão significativa? Até hoje, há poucos estudos sociológicos sobre o cinema, em comparação com inúmeros estudos psicopedagógicos sobre a influência dos filmes, que começaram a ser publicados justamente em torno dos anos 1920 e tiveram bom impulso nos anos 1950/60, com o apoio da UNESCO. Esses estudos, em geral vindos de pesquisadores europeus, dialogavam com a constituição das cinematografias educativas que foram criadas na França, Itália, Alemanha, Inglaterra, com maiores ou menores vínculos com o Estado. Também nos EUA, algumas produtoras cinematográficas criaram braços educativos, oferecendo filmes feitos para a educação formal. Essas experiências, bastante diversificadas, cometeram, no entanto, o mesmo equívoco de tentar limpar dos filmes os elementos mais emotivos e aproximá-los mais da lógica racional da educação formal. Resumindo bastante o resultado dessa produção, o que restou foi uma cinematografia fria, nem bem cinema, nem bem aula. E a história acabou guardando a ideia de que filme educativo é chato. Para mim, há um denso diálogo entre essa hipótese-cinema que Bergala relata, sobre o desenvolvimento do projeto de cultura cinematográfica na escola, e a visão de Roquette Pinto, que orientou a formação do INCE e foi executada cinematograficamente por Humberto Mauro. DW - Como você vê a formação continuada dos professores para o audiovisual? MF - A formação se faz necessária, mesmo sendo teórica. É imprescindível que tenha um debate na escola sobre a incidência do audiovisual na formação dos alunos. O professor deve fazer-se um espectador especializado. Quer dizer, sua especialização é como educador, não como espectador. O professor usa o filme ou vídeo numa situação de


ensino/ aprendizagem. Está exercendo sua profissão de mestre. Como espectador comum, cidadão do seu tempo, ele acumulou vivência e experiência para aplicá-la ao exercício de sua profissão. Como espectador especializado ele terá autoridade para se fazer intérprete das linguagens audiovisuais. DW - No texto Linguagens Audiovisuais e Cidadania, você afirma que abandonar preconceitos e procurar compreender as formas de expressão audiovisual é um exercício de cidadania necessário na escola. A partir desta colocação como os professores podem formar sua cidadania docente? MF - Para o professor poder formar sua cidadania audiovisual docente é preciso discutir os medos

e

preconceitos,

reconhecer

suas

competências

enquanto

ele

espectador/telespectador e pôr em foco essa pessoa social que gosta de televisão e cinema, e o profissional- professor que pode levar esta competência para a sala de aula como apoio à atividade didática. Somente reconhecendo os vícios de origem e respondendo com sinceridade a algumas frases, ex. Professor que passa filminho, gosta de matar aula. Filminho deixa os alunos muito indisciplinados. Os filmes educativos são muito chatos. Só assim será possível reverter o peso das experiências frustradas. DW - Como o professor pode escolher um filme para uso em sala de aula? MF - No momento em que o professor escolhe um filme sobre determinado assunto para exibir em sala de aula, ele pode buscar um material audiovisual no qual ele vê um potencial de apresentação para os alunos sobre o assunto que ele quer tratar em sala, mas o filme não tem a intenção de ser educativo em si. Em outro momento o professor pode eventualmente solicitar para que os alunos escolham algum material audiovisual que trate sobre o assunto abordado em sala, e que traga aos alunos esclarecimento sobre o assunto escolhido. Assim cada aluno encontrará no filme uma aprendizagem que não foi monitorada pelo professor. Ocasionalmente um aluno pode trazer um filme que não condiz com o que foi solicitado pelo professor, no entanto pode ser esclarecedor para ele. O professor deve desfrutar o filme junto com a classe, deve partilhar o calor da discussão com os alunos. Só numa situação de interação afetiva o professor tem terreno seguro para descolar-se, com sua autoridade e vivência, no rumo de uma interpretação enriquecida daquilo que foi assimilado.


DW - Que elementos vão ser importantes nessa relação do cinema com a educação? MF- Relação do cinema e educação é uma questão bem complexa. O elemento que liga o espectador ao filme é a narrativa, a história. É a história que vai capturar o espectador para assistir do começo ao fim, e também a coerência da história dentro dela e não a coerência com o mundo real. A um conceito em linguística em estudos de narrativa que é de verossimilhança. Muitas pessoas entendem que a verossimilhança é igual a realidade. Ser verossímil. E não é isso. A verossimilhança é o elemento lógico dentro da história, dentro da narrativa e não em relação ao mundo real. Não ser acreditável em relação ao mundo e sim acreditável no fluxo narrativo. Quanto mais sedutora é a história, menos tem a ver com o mundo real. Ela precisa ter lógica interna da narrativa, ela é o elemento educativo. O projeto narrativo que é educativo. DW - Como avaliar um filme a partir de uma perspectiva educativa? MF - Se você quiser avaliar um filme de uma perspectiva educativa é necessário, fazer uma análise de como a história está sendo contada é necessário ter a lógica interna, ter toque de virada, ter coerência, ter magia. O filme é um corpo audiovisual que se reveste de narrativa, movimento de câmera, cor, luz, fluxo narrativo e torna se Inesquecível. É o elemento do inesquecível que faz a educação. DW - Onde está o educativo nesta perspectiva? MF - Não é a lógica, não é o óbvio. Ás vezes é justamente a virada mais maluca que torna aquela história inesquecível e que a conclusão dela vai colar de tal maneira na memória do espectador e que vai impregnar o seu campo de conhecimento, para que ele possa agir em assuntos semelhantes quando precisar na vida. Então o educativo não é nada mais do que isto. Para ser educativo o filme precisa capturar o interesse do aluno. DW - O filme não é um produto intelectual e sim um produto sensorial. Como podemos pensar a função pedagógica do filme na sala de aula? MF - O elemento do inesquecível é a cola pedagógica. Pedagogia é uma palavra grega que quer dizer “aquele que conduz”. O pedagogo é aquele que conduz, do desconhecimento ao conhecimento, conduz da ingenuidade à sabedoria. Aquele que conduz o não saber articular um conjunto de coisas ou ideias para a possibilidade de articulação que existe entre elas. Isso é o pedagógico. Para encontrar no filme o seu potencial pedagógico, é necessário ver como


ele faz essa passagem e como ela cola na memória do espectador, qual elemento que vai ser o guia para ele agir no futuro a partir com o que ele aprendeu e absorveu do filme. O elemento principal em relação ao filme é primeiro a narrativa, segundo o que tem na narrativa. O que cola na memória e torna aquele material inesquecível. O filme, o produto audiovisual ou objeto narrativo é um corpo que se apresenta ao mundo de uma determinada maneira que se reveste de narrativa, luz, cor, atuação, fluxo e todos estes elementos que vão se conectar profundamente ao corpo físico sensível do espectador. DW - Como despertar o interesse do aluno na sala de aula ao exibir um filme? MF - O cinema é sempre visto como um intruso no sistema de educação, porque ele subverte a lógica da educação formal. Ao invés de trazer o aluno para o melhor de sua racionalidade ele conduz o aluno a sensorialidade. Para ele ser educativo precisa capturar o interesse do aluno. Assim o espectador vai absorvendo tudo com seus sentidos. Cada elemento colocado no filme tem a finalidade de tocar um ponto sensorial do espectador. Se eventualmente há uma coerência na narrativa, toca- se o corpo sensível. Se colocar um filme com a faixa etária inadequada, corre o risco de perder o interesse do aluno.


relatos


A reação dos estudantes depois da oficina dos olhos vendados

Por Wagner de Alcântara Aragão28

Este texto se propõe a ser um relato de experiências obtidas a partir de participação na oficina “Narrativas docentes”, integrante do “Programa de Intercâmbio Acadêmico de Docentes 2019-2020 – Educação audiovisual na formação de docentes: uma área de inovação educativa – Brasil/Uruguai”29, ocorrida em agosto de 2019 na Biblioteca Pública do Paraná, em Curitiba, capital do Estado. Como professor de disciplinas na área de Comunicação em cursos técnicos da rede estadual de ensino do Paraná (com maior carga horária no curso de Técnico em Produção de Áudio e Vídeo, na modalidade subsequente ao ensino médio) e de cursos livres, exercícios e intercâmbios realizados na oficina em questão se encaixaram precisamente à minha prática docente. Tanto nas aulas voltadas essencialmente para a produção de conteúdos audiovisuais, como em atividades relacionadas a outras linguagens (como escrita ou exposição oral), o aprendizado adquirido proporcionou momentos de muita riqueza. Cito, em especial, o exercício, na referida oficina, em que fomos designados a, em duplas, percorrermos ambientes (internos, da Biblioteca Pública do Paraná; e externos, nas ruas dos arredores, no Centro da cidade) de olhos fechados, sendo guiados pelo par e, depois, com a inversão dos papéis. Apliquei essa atividade com duas turmas distintas, e com propósitos diferentes, e em ambos os casos os resultados foram para lá de satisfatórios, conforme se inferiu dos relatos dos próprios estudantes, nos debates que marcaram a conclusão dos trabalhos.

Doutorando em Comunicação pela UFPR (2021), mestre em Estudos de Linguagens (UTFPR, 2018), especializado em Ensino da Língua Portuguesa e Literatura Brasileira (UTFPR, 2009) e graduado em Geografia (licenciatura, Faculdades Integradas Espírita, 2006)) e Comunicação Social (bacharel em Jornalismo, UniSantos, 2000). Currículo Lattes: <http://lattes.cnpq.br/3400479948264701>. 28

O programa é realizado em conjunto pelas seguintes instituições: Consejo de Formación en Educación/Cineduca (Administración Nacional de Educación Pública, Uruguay); Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Laboratório de Cinema e Educação (LabEducine) do curso de Cinema da Universidade Estadual do Paraná (Unespar). 29


No caso da primeira aplicação, esta se deu em uma tura de 12 estudantes de um curso livre, de curta duração, sobre “escrita criativa” (envolvendo universitários, de cursos na área de Comunicação, com faixa etária média de 20 anos30). Propus a atividade sem explicar por que nem para quê, tampouco relacionando a prática ao tema “escrita criativa”. A intenção era a de que os estudantes fossem a campo sem que estivessem em busca de algo pré-determinado, portanto menos condicionados na realização de seus percursos. Tinham dez minutos para explorarem os ambientes internos da instituição, de olhos vendados, guiados pelo colega, até um determinado ponto decidido por este, que pediria para, então, que os olhos fossem abertos e se focassem em paisagem ou objeto definido pelo guia. Depois, a inversão do papéis. Embora expressando um misto de estranheza e curiosidade, as duplas iniciaram a tarefa sem maiores questionamentos. As duplas iam retornando, eufóricas, trocando impressões entre si. À chegada de todos, iniciamos os relatos – sem, ainda, que eu lhes tenha exposto o objetivo do trabalho, para que saíssem igualmente relatos espontâneos, despreocupados a atenderem

uma

demanda determinada. Houve desde descrições objetivas do trajeto até falas que abordaram sensações, sublimações. Encerradas as exposições orais, solicitei, então, que cada um, cada uma escrevesse sobre a paisagem ou objeto diante do qual foi colocado pelo guia. O gênero do discurso seria livre – os estudantes poderiam optar pela linguagem em que mais se sentissem à vontade para a expressão textual (como um relato, ou uma poesia, ou uma letra de música, uma crônica, uma notícia, uma carta a alguém, entre incalculáveis outras possibilidades). Da exposição oral emergiram considerações como: *o ineditismo e a surpresa com a atividade; *a curiosidade, durante todo o período, em saber para quê aquela experiência seria utilizada; *a dificuldade de, mesmo com o guia, percorrer os ambientes, ainda que estivessem familiarizados com o local;

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O curso fez parte da programação da 21ª Semana Ceciliana de Comunicação, da Universidade Santa Cecília

(Unisanta), em Santos (SP), na manhã de 27 de setembro de 2019, uma sexta-feira.


*enquanto guia, a dificuldade em realizar a condução do colega, de modo a garantir a autonomia deste, entretanto mantendo o caminhar com segurança; *como outros sentidos – tato e audição, sobretudo – estiveram aguçados. Pela textura do piso ou pelos ruídos, estudantes contavam como iam reconhecendo os espaços pelos quais percorriam; *a percepção única que obtiveram desses espaços, a partir desses outros sentidos para além da visão. Da exposição escrita, frutificaram textos em prosa, em versos; alguns em forma de relato mais objetivo, outros procurando descrever sensações e emoções; um e outro abriu mão de se ater à experiência, trazendo reflexões mais pessoais, íntimas, abstratas, com pouca ou nenhuma referência à atividade. Depois da leitura dos textos, os estudantes foram motivados a explanar sobre o quanto a atividade contribuiu para o processo de escrita, na busca pela almejada “escrita criativa”, tema do curso livre. A diversidade de sensações experimentadas e a necessidade de, no trajeto percorrido, precisa manter concentração o tempo todo foram os dois fatores, segundo os participantes, que mais auxiliaram para que a escrita fosse fluida. A segunda aplicação dessa atividade ocorreu no início do ano letivo de 2020, e envolveu 16 estudantes do segundo (e último) período semestral do curso de Técnico em Produção de Áudio e Vídeo, do Colégio Estadual do Paraná, em Curitiba. Esse grupo, com integrantes de faixa etária variando de 18 a 40 anos, começava o semestre letivo ciente de que, ao término, como trabalho de conclusão de curso, deveria produzir e exibir um curtametragem (ou obra audiovisual similar). Uma das primeiras tarefas que a turma teria naquele retorno era a de, em grupos, a partir de argumentos para audiovisual elaborados no final do semestre anterior, construir um roteiro e, assim, dar a largada ao processo de produção do curta. Também sem explicitar os objetivos, a atividade foi proposta: em duplas, os estudantes percorreriam ambientes interno (da instituição) e até externo (cercanias do colégio), um de olhos vendados, ou outro guiando, depois vice-versa. Para essa turma, foi feita uma orientação mais detalhada sobre o momento em que os olhos seriam descobertos. Diferentemente da aplicação anterior, nesta os envolvidos eram estudantes de audiovisual, então cabiam instruções que convergissem com a linguagem audiovisual propriamente dita. Nesse sentido, a orientação foi: ao pedir para o par abrir os olhos, o guia deveria movimentar


a cabeça do colega para determinado objeto, solicitar que foco o olhar teria – como se estivesse a operar uma câmera. No retorno, a sequência da atividade se deu em duas etapas: primeiro, os relatos orais, para que compartilhassem impressões da experiência. Depois, eles descreveriam o objeto mirado, e a descrição seria lida em voz alta. As considerações vindas da exposição oral se assemelharam àquelas verificadas na aplicação com o outro grupo, do curso livre de escrita criativa. Com um adendo: no abrir os olhos e ser “operado” como uma câmera, os estudantes relataram vivenciar instantes de ansiedade para procurar compreender o que o guia gostaria que fosse “captado”, exatamente. Das descrições escritas, termos da fotografia audiovisual (relacionados a planos – aberto, médio, fechado) se fizeram recorrentes. Eram estudantes já familiarizados com teorias e práticas do audiovisual, e essas referências se deram de forma natural – não percebi uma tentativa de demonstrar conhecimento na área. As descrições foram detalhadas, objetivamente, mas carregadas também de substantivos abstratos, que expressavam a subjetividade do olhar diante do cenário, da cena. Lidas as descrições, fizemos um breve debate, e foram comuns comentários como “ele ou ela descreveu coisas que nem eu tinha percebido” ou “sentia coisas interessantes ao redor, mas tinha de me focar no objeto pedido pelo guia”. Pedi para que expusessem possíveis aprendizados e conclusões da experiência, e o entendimento de como as subjetividades são fundamentais numa obra audiovisual foi consenso. Dadas as duas experiências exitosas, planejei aplicar a atividade com outras turmas, no decorrer do ano letivo de 2020, para propósitos diferentes. Porém, a necessidade de adoção do ensino remoto em função da pandemia de covid-19 fez suspender esse planejamento. Como a atividade exige contato físico entre pelo menos dois participantes, dificilmente poderá ser experimentada tão cedo, mesmo quando da volta do ensino presencial. Contudo, quando as condições fitossanitárias foram favoráveis, certamente voltarei a desenvolver esse trabalho. Porque, para além dos objetivos relacionados aos conteúdos das disciplinas, a atividade desperta nos estudantes aprendizados outros. Por exemplo, o de se colocar no lugar de pessoas com deficiência visual, ou outra dificuldade de locomoção. Ou, ainda, a de


explorar os demais sentidos – tato, audição, olfato – e, a partir dessa exploração, ampliar as possibilidades de diálogo com o próximo ou com o espaço físico ocupado.


Educação Audiovisual em Formação de Docentes: Uma Área de Inovação Educacional Murilo de Oliveira Lazarin31 Selfie e o Lixo nosso de cada dia A linguagem cinematográfica tem múltiplas potencialidades e em grande parcela é pouco ou praticamente inexplorada no ambiente escolar. A exibição de um filme muitas vezes cumpre o mesmo papel equivocado/distorcido que a bola de futebol e a quadra poliesportiva têm quando falta um professor. Ou serve de complementação meramente ilustrativa de conteúdo, ou é considerada uma das melhores alternativas de reunir os poucos alunos no auditório quando a chuva prejudica a assiduidade. Tais oportunidades podem, e na maioria das vezes fazem, reduzir o cinema a mera exploração temática, empobrecendo assim, as experiências do aluno-espectador-realizador. A principal janela de abordagem da arte cinematográfica está estruturada no conteúdo curricular da disciplina de Arte, que geralmente tem pequena carga horária. O professor enfrenta, além dos desafios de infraestrutura e de tempo curricular, a falta de preparo/formação para esmiuçar nuances de trabalhos audiovisuais. Em muitos casos, existe ainda, a ausência do processo colaborativo entre equipe diretiva e corpo docente. Portanto, trabalhar o cinema na escola é uma tarefa árdua e muitas vezes provoca mudanças de paradigmas em toda a comunidade escolar. O cinema tem por gênese a multi e interdisciplinariedade, podendo, dentro da escola, ser explorado como ferramenta didático pedagógica em outras disciplinas do currículo escolar. Diversas atividades envolvendo o audiovisual podem ser propostas como inovações educacionais, aprimorando o processo de ensino e tornando o aluno um sujeito ativo no processo de aprendizagem. Para que isto aconteça é preciso que o professor assuma o papel de mediador do conhecimento teórico e prático, e tenha a sensibilidade para usar tal linguagem em narrativas que explorem temáticas relevantes. Entender os porquês de escolher o cinema e não outra forma de expressão é importante para motivação do próprio docente e

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Murilo de Oliveira Lazarin é graduado em Ciências Biológicas (UEM) e Cinema e Audiovisual (Unespar/FAP)


dos alunos. Só assim é possível construir argumentos e defendê-los frente aos questionamentos acerca do fazer fílmico. Partindo destes pressupostos e inquieto com a estagnação crítica dos alunos e a falta de abordagens concretas e importantes nas discussões das aulas de Biologia do 1º ano do ensino médio, iniciei o ano letivo de 2014 no Colégio Dr. Xavier da Silva – Curitiba/PR com a proposta de abordar o cinema como conteúdo integrante da disciplina. Assim, acolhi o Cinema dentro da minha carga horária exaurindo quaisquer empecilhos de projetos em contra turno não aprovados pela falta de verba e indisponibilidade de salas e equipamentos. Fiz algumas perguntas iniciais à mim mesmo antes de expor aos alunos, como por exemplo: como trabalhar todas as etapas do processo fílmico envolvendo teoria, prática e sensibilidade resultando em trabalhos com qualidade e narrativas consistentes? Como abordar o Cinema e a Fotografia dentro da aula de Biologia sem fugir do conteúdo programático? Minha proposta inicial foi que o aluno entendesse as peculiaridades de diferentes formas de expressão na história da humanidade (pintura, desenho, teatro, música, escrita, audiovisual etc). Após uma breve abordagem sobre diferentes obras artísticas dentro do estudo da própria Biologia, por exemplo, as pinturas rupestres e seus significados (“homens caçadores, mulheres coletoras”), e sem avisos formais sobre minha intenção de trabalhar com o cinema (e a própria fotografia como precursora do cinema), começamos a explorar os recursos e ferramentas que eles possuíam e levavam todos os dias para a escola: o smartphone. Embora fosse um dispositivo que facilitasse nosso processo fotográfico e fílmico, foi preciso proporcionar uma reflexão: histórias interessantes e relevantes deixam de ser potencializadas pela falta de significação e aperfeiçoamento técnico. Além disso, debatemos sobre o excesso de material audiovisual e fotográfico produzido na contemporaneidade; imagens e filmes que se perdem em cartões de memória e que muitas vezes vão pro lixo. A partir deste ponto, eu já havia feito o diagnóstico da viabilidade da minha proposta – seria possível usar os dispositivos tanto para gravação e fotografias, quanto para exibição dos trabalhos. Demos início as discussões acerca da história da fotografia e das redes sociais com enfoque na selfie. Contextualizamos sua origem e exploramos suas principais características de composição, como o posicionamento do celular e as poses (biquinho de pato, língua de fora e piscadinha). Conversamos sobre a vida real x vida virtual, na qual perfis ditam aparências


e padronizam a moda, influenciando desde o cardápio do almoço até relacionamentos. Por fim, chegamos ao denominador comum: a produção e o consumo de áudio e de imagens, sua capacidade de formar opiniões e seus excessos. Terminamos esta etapa com muitos alunos questionando suas próprias fotos e analisando suas redes sociais. A tarefa para a próxima aula era levar uma selfie para ser analisada em sala e, assim como os biquinhos de pato e as piscadinhas, os comentários e as risadas dos colegas não foi diferente do deboche clichê. Passado o alvoroço inicial e o medo da exposição, seguimos para a analise técnica das imagens, conversando sobre enquadramentos, luz e sombra, planos e cores. Aos poucos os comentários inoportunos foram diminuindo e eles mostravam autonomia na análise e decupagem dos retratos. As intenções e subjetivações começaram a aparecer espaçadamente nas explanações de um ou outro aluno/fotógrafo. A partir de algumas fotos em que o ambiente/plano de fundo da selfie acabava sendo mais relevante que a própria pessoa, orientei que o próximo trabalho seria sobre o lixo. Como já havíamos entendido que a selfie nos era apresentada como uma forma de afirmação de que o fotógrafo realmente estava presente naquele local naquele exato momento, orientei que a próxima tarefa seria registrar o lixo em nosso dia a dia, mas para provar que não haveria plágio da internet, era preciso fazer uma selfie. A partir da análise dos trabalhos, começamos discussões mais aprofundadas que envolviam, além dos elementos técnicos de composição, o papel do sujeito naquele ambiente. Avaliávamos os motivos que levaram o fotógrafo (e também fotografado) a escolher aquele enquadramento, o porquê daquele recorte da realidade. Dessa maneira, os alunos começaram a se perceber como agentes ativos na construção de todo aquele “cenário” cheio de lixo, entendendo que sua atitude ia além de clicar. “Quando vocês estão na praia e fazem uma selfie, o que vocês querem mostrar? Que estão bem, curtindo a vida, que tudo está uma maravilha, certo? Agora quando vocês, fotógrafos, escolhem fazer este recorte da realidade mostrando um local cheio de lixo por onde passam todos os dias, o que vocês fazem para mudar essa situação?”, questionamentos como esses eram levantados quando analisávamos selfies que mostravam em primeiro plano rostos animados e felizes e segundos e terceiros planos com papéis de bala jogados no chão, bueiros entupidos pelo excesso de sacolinhas plásticas, bitucas de cigarro amontoadas no gramado da escola etc. As indagações continuavam e cada vez mais os rostos na sala eram tomados pela seriedade e auto análise: “Se você, fotógrafo e fotografado tem o poder de escolher duplamente seu enquadramento e seu plano de fundo, porque motivo optou exatamente por esse?”, “O quão preocupados


estamos com nossas maquiagens e aparências, reproduzindo a utopia do estarmos sempre belos?”, “Será que você, estando inserido neste ambiente, não corrobora com esse tipo de atitude? É esse o lugar que você quer viver? Você, sujeito fotografado e você, fotógrafo, são cúmplices desse tipo de ato? Produzimos também lixo?”. Terminamos este encontro com uma atividade proposta por eles mesmos: registrar o lixo da escola e seu entorno. Sugeri então que poderia ser selfie ou não. Na aula seguinte, analisamos os trabalhos e os comentários não se resumiam a técnica ou a superficialidade de luz e sombra, mas alcançavam profundidades nas texturas e significações. Considerações de bonito ou feio deixaram de existir. Os alunos-fotógrafos, por não compactuarem com a situação do lixo dentro da escola, extinguiram qualquer selfie. A empolgação e o interesse em mudar aquela situação tomava conta da turma e questionamentos provocavam atitudes concretas contra o desperdício e o excesso de lixo gerado na escola. Agora as perguntas e indignações vinham deles: “Não é possível, como o indivíduo pode jogar o papel ali se a lixeira está bem do lado?”, “Tava bem na frente dele, por que jogou no chão se tinha a placa de ‘jogue lixo no lixo’?”. Estes foram apenas alguns dos comentários que ansiavam por mudanças. O senso crítico estava se formando e começavam a enxergar seu protagonismo. Suas fotografias estavam repletas de técnica e narrativas e, mesmo fora das aulas, quando me encontravam pelos corredores compartilhavam novas imagens e pediam minha opinião. A faísca que eu buscava estava criando labaredas, tornando o ato fotográfico incendiário. Finalizamos esta primeira etapa envolvendo toda a escola: os agentes dos serviços gerais deixaram de recolher o lixo em um determinado espaço do pátio durante uma semana. Aos poucos uma pilha de lixo se formou e foi o principal tema das discussões na escola. Na semana seguinte iniciamos uma série de palestras e mini cursos sobre lixo e reciclagem, além de debates interdisciplinares e mesas redondas sobre consumo consciente. Toda escola estava envolvida e muito se comentava sobre nossa exposição fotográfica “Lixo nosso de cada dia”. Ansiosos pela continuidade do projeto, os próprios alunos(as) sugeriram que fizéssemos um documentário sobre o lixo no entorno da escola. Assistimos ao filme Lixo Extraordinário dirigido por João Jardim, Karen Harley e Lucy Walker (2010) e iniciamos os estudos sobre as etapas do fazer fílmico e cinema documental. Prestes a adentrarmos no processo de captação das entrevistas, fomos interrompidos por diversas alterações do


calendário escolar, não sendo possível concluir o projeto. Embora finalizamos o ano letivo sem nosso documentário, os alunos mostraram-se muito satisfeitos e orgulhosos das suas obras. Compartilho, por meio deste breve relato, a importância da construção de narrativas relevantes no contexto educacional. Qualquer trabalho disciplinar num recorte temático como processo avaliativo (em sua maioria tradicional e de cunho ilustrativo) exploraria pouquíssimos recursos das linguagens fotográfica e cinematográfica. Para os alunos estava ficando claro que o tema é apenas um dos elementos e que eles poderiam eleger a melhor forma de expressão para suas subjetividades e objetividades, mas que era preciso conhecer o que cada uma delas tem a oferecer, tornando-se únicas.


publicaciones CINEDUCA


Profundización em Narrativas Docentes Johanna Holt En el presente artículo se presenta la descripción de la experiencia llevada a cabo en el mes de agosto de 2019 en la ciudad de Curitiba, como parte del proyecto de Cooperación Sur Sur “La educación audiovisual en la formación de docentes. Un área de innovación educativa” Agencia Uruguaya de Cooperación Internacional- Agencia Brasileña de Cooperación”. Este involucró la participación de 3 actores, como ya es sabido, del proyecto "Cine y educación" de la Unespar (Curitiba), "Inventar con la diferencia" de la Universidad Federal Fluminense (Río de Janeiro) y el Programa Cineduca (Uruguay). Los objetivos generales que se establecieron en esta instancia, fueron principalmente seguir experimentando y conociendo a fondo la propuesta “Inventar con la diferencia” desarrollada por Cézar Miglorin y su equipo docente en Rio de Janeiro, dentro de una secuencia que había comenzado en la ciudad de Montevideo en julio del mismo año. Además lógicamente, estrechar los vínculos pedagógicos y de intercambio disciplinar entre los profesores de cada institución participante. Por tales motivos se conformó un grupo de profesores central con 2 participantes de cada sede, para organizar las actividades que se desarrollarían en torno a los objetivos. Este hecho sirvió a su vez para visualizar y poder compartir a nivel regional, los contextos diferentes de actuación de cada sede, que se desenvuelven dentro de diferentes estructuras y de alguna manera con diferentes tipos de participantes. Este punto llevó también al conocimiento de realidades de acción diversas que sirvieron para observar y analizar proyecciones educativas y así acrecentar el acervo de posibilidades en lo que se refiere a la enseñanza del audiovisual. Al nombrar la propuesta central de análisis del proyecto de intercambio conviene aclarar, antes de comenzar a relatar la experiencia en sí, lo que significa el término Dispositivos (ya que constituyen el aspecto medular del estudio): "son ejercicios, juegos, desafíos con el cine, un conjunto de reglas para que el estudiante pueda abordar los aspectos básicos del cine y, al mismo tiempo, posicionarse, inventar con él, descubrir su escuela, su calle, contar sus historias. Hay dos modelos de dispositivos: uno con equipo de filmación y grabación de sonido y otro sin equipos" (Miglorin et alt, 2016:7).


El eje central del proyecto entonces mencionado tornaba también en ahondar en el aspecto de la escritura de Narrativas docentes enfocado en las prácticas audiovisuales con los dispositivos, como una manera de sistematizarlas y documentarlas. Este último punto había sido un tema de preocupación para el colectivo docente uruguayo en estos años, ya que se había percibido la necesidad de plasmar y registrar lo realizado en el área de formación docente. De esta manera en Curitiba, con el grupo de trabajo se organizaron dos talleres de duración de una jornada entera cada uno. La dinámica de trabajo que se propuso consistía en la preparación por la mañana de los dispositivos a desarrollar por el equipo central, y luego en la tarde, la ejecución de estos. Ambos involucraron la invitación a docentes que estuvieran trabajando en la enseñanza del audiovisual (en diferentes áreas, como escuelas de arte, secundaria, primaria, talleres en centros comunitarios, escuelas de cine, etc.) y teniendo en cuenta a su vez que estuvieran realizando cursos de formación permanente (como la Maestría en Arte y Cine de la Unespar). Los talleres se desarrollaron en la Biblioteca Pública de Curitiba, lugar que permitió las adecuaciones que se necesitaban en todo sentido. Se realizaron dos talleres: el primer taller significó el desarrollo del dispositivo conocido como “Preparación de Un minuto Lumiére”. En esta dinámica (que a su vez se había llevado a cabo en Montevideo) se trató de guiar a un compañero con los ojos cerrados por determinado lugar físico a elección para luego hacerlo detener en su caminata, hacerlo abrir los ojos y posar su mirada en cierto lugar a modo de encuadre de un plano, para finalmente hacerle fijar la mirada en este plano por un minuto. Después de realizado el ejercicio, se le pidió a la dupla que se aboque a la escritura de la experiencia en cuanto cada parte tenía que escribir qué persiguió en la guía de su compañero y luego las sensaciones experimentadas por parte del guiado; acompañado por la consigna de utilizar solamente 5 frases en tercera persona. Esta perseguía el fin de acotar la experiencia narrativa y buscar, mediante la síntesis, un uso creativo de los participantes desde lo literario. Para culminar la dinámica grupal, se leyeron todas las narrativas y se buscó reflexionar acerca del uso didáctico de este dispositivo en los distintos contextos de trabajo. Para el siguiente taller, se les pide a los participantes, con anterioridad, que traigan una fotografía de un objeto que pertenecería a su entorno, tomada en su celular y una descripción de este realizada con 5 palabras. Al comenzar la jornada se comparten las imágenes en los celulares en un lugar con vista a todos. Luego, cada participante elige una descripción y tiene como tarea el tratar de asociar de qué imagen se trataría. Luego se les solicita realizar un plano


secuencia de 15 segundos en base al objeto elegido, procurando texturas, colores, líneas y/o formas que lo relacionen en el espacio de la biblioteca. Posteriormente se visualizan todas las producciones y se ponen en común para pensar en las sensaciones que provocan en el resto. Es de observar que en cuanto a las producciones, algunos objetos se apegan al entorno físico con una dependencia directa y otros resultaron ser el puntapié para buscar otro tipo de realización o proyección. Esta puesta en común resulta ser fructífera ya que la oportunidad de opinar acerca de lo que se hace y se ve entre todos significa desapropiarse de lo propio y verlo como un objeto de estudio. A pedido de los integrantes uruguayos en particular y también de los participantes, se sugiere trabajar más en detalle acerca de Narrativas docentes con el objetivo de debatir el uso que se le podría dar a los dispositivos en cada contexto. La idea que prevalece en los talleres es el intercambio de la propuesta didáctica vista no solamente como la vivencia del dispositivo, sino el ir más allá en la secuencia de acciones. En este sentido, se puede notar que la propia propuesta de Migliorin suscribe lo siguiente: "el material que aquí presentamos ofrece una propuesta para coordinar los talleres en la escuela. Más que una cartilla, estas actividades funcionan como sugerencias para una formación básica en cine vinculada a los derechos humanos. Por lo tanto, queda a criterio de cada educador usar este material de forma metódica, clase por clase, o su recombinación y apropiación". De esta manera se organiza que cada participante escriba un verbo pensando en los dos días del taller, se intercambian los verbos escritos y se conforman tríos. Se le pide a cada trío escribir un párrafo acerca de las experiencias. Se leen en voz alta y se discute sobre los escritos. Los grupos a su vez escriben propuestas (sugerencias, modificaciones, etc.) pensando en sus propias realidades en los centros educativos. Si evaluamos el desarrollo de actividades previstas en esta instancia de talleres, podemos decir que el tiempo jugó en contra en relación a las expectativas de la gran mayoría de los participantes. Si bien se pudieron vivenciar los dispositivos de manera correcta, se necesitó un espacio en el que se aprovechara aún más la posibilidad el intercambio entre los docentes para analizar la dinámica del taller y así poder implementarlo con sus propios grupos. Lo teórico en cuanto a la utilización de los dispositivos estuvo ausente, aunque hay que decir que le es inherente al propio dispositivo es el de carecer de esta información, en cuanto se basa que las experiencias que surgen de la propia vivencia es lo que llevaría a la creatividad en la realización audiovisual, sin imposiciones o prejuicios exteriores, ya que "es al hacer cine,


relacionándose con su alrededor, con la alteridad y con las diferencias, que adultos, niños y niñas trabajan e inventan juntos. Es durante el proceso que descubrimos la fuerza que existe al crear un punto de vista sobre el mundo o un lugar para oír lo que nunca antes nos habíamos detenido a escuchar" (Miglorin et alt, 2016:8). En base a estas últimas apreciaciones es que nos podemos plantear algunas interrogantes, tomando en cuenta la experiencia obtenida en estos encuentros regionales que nos permitirían seguir trabajando y ahondando en estas cuestiones de una forma más profunda. Estas serían las siguientes: como docentes del área audiovisual, ¿qué entendemos por narrativa docente? ¿Significan la narración de la vivencia de cada dinámica (o dispositivo en este caso en particular) o la sistematización de experiencias que le sirvan al entorno de las posibilidades que presenta cada experiencia de realización en sí o ambas? ¿Debería ser esta sistematización escrita o realizarse en formato audiovisual? Además, ¿se han cumplido los objetivos propuestos al comienzo del proyecto? ¿Sería conveniente ajustar los ejercicios descritos para cada contexto y nuestro propio sistema educativo? ¿De qué manera? Sin lugar a dudas la experiencia de crear e inventar juntos como docentes en estas instancias compartidas es y resultó ser altamente productiva y enriquecedora. Permite colocarse en el lugar del estudiante para desestructurar lugares y espacios que a menudo se encuentran fosilizados en el ámbito educativo. La oportunidad de experimentar con los dispositivos de "Inventar con la diferencia" abrió otros caminos para las prácticas docentes desde lo teórico, y más aún desde lo práctico obviamente. Resultan ser parte de una pedagogía audiovisual que rompe con las estructuras de la enseñanza del audiovisual y traslada el “poder” de la comunicación cinematográfica a otros protagonistas que van haciendo y aprendiendo. Lo que queda pendiente en esta etapa del proyecto y del camino recorrido por los actores, es si específicamente estas instancias compartidas colaboraron en el proceso de aprendizaje de la escritura de lo que los docentes entendemos como narrativas docentes o este sería otro aspecto del propio proyecto que los actores tienen que definir y acordar en conjunto en el futuro próximo. Bibliografía Miglorin, Cézar, et al (2016), “Cuadernos del Inventar. Cine, educación y derechos humanos”. Rio de Janeiro: Universidad Federal Fluminense. Programa Cineduca CFE. Unidad Académica de Pedagogía audiovisual. Recuperado de: www.cineduca.cfe.edu.uy


Proyecto de Cooperación Sur Sur “La educación audiovisual en la formación de docentes. Un área de innovación educativa” Agencia Uruguaya de Cooperación Internacional - Agencia Brasileña de Cooperación


Proyecto de cooperación internacional de intercambio regional Sur-Sur, creando lazos de experiência y amistad

Alexander Chagas Los procesos educativos en relación a la educación audiovisual en las aulas, se han venido gestando con más énfasis en las últimas décadas, especialmente en aquellos lugares donde el sistema educativo permitió de una forma u otra el ingreso de las artes visuales a las aulas, tradicionalmente muy resistidas. El trabajo del Programa Cineduca en Uruguay alcanzaba los 10 años, acumulando una importante experiencia en la formación audiovisual para docentes, desde el desarrollo didáctico y conceptual en el aula, así como desde la capacidad de autoregularse y autoajustase a las necesidades educativas del medio. Esto confirió a la figura del coordinador audiovisual de cada centro en un referente más allá de su centro educativo para convertirse en un referente local en lo referido a la educación audiovisual, cubriendo todo el territorio nacional desde los 32 Centros de Formación docente. En el equipo de Cineduca existe una estrecha relación laboral y afectiva que nos mantiene en un constante trabajo colaborativo, incluso más allá de lo que son las instancias periódicas presenciales ya que desde la virtualidad nos sentimos cerca y en equipo, a pesar de estar distribuidos en todo el país. Esto ha permitido una formación interna, donde cada compañero ha aportado a la formación de los demás, ha permitido comprender la realidad educativa de cada región y consolidar al programa desde el punto de vista técnico, conceptual y didáctico. Sin embargo, esta experiencia hasta el momento no había tenido grandes oportunidades de intercambio con otros actores de la educación audiovisual, en parte por los ajustados tiempos educativos personales e institucionales y en parte también a que los demás agentes educativos en cuanto a la educación audiovisual atienden un público que se forma específicamente en las artes visuales. Cineduca no forma cineastas, ni comunicadores, ni artistas, forma educadores con una comprensión de la importancia de la cultura visual, competencias comunicacionales y en el uso del audiovisual en el aula como agente didáctico. Debido a esto es que desde Cineduca encontramos en el proyecto de cooperación internacional una oportunidad muy valiosa para crecer como programa de formación audiovisual.


Cabe destacar que el sistema educativo uruguayo y brasileño presentan algunas diferencias, especialmente en lo que tiene que ver con la formación docente, sin ser mejor o peor, cada uno presenta distintas oportunidades para la formación audiovisual. Mientras que en Uruguay el Consejo de formación en educación es quien se ocupa de la formación docente, en Brasil la formación docente surge desde la universidad y ligado primeramente a lo disciplinar. Esta estructura del sistema de formación docente uruguayo permitió que se haya gestado en Uruguay un proyecto único de educación audiovisual para todo el país, que atiende a la formación docente en todas sus modalidades. En cambio en Brasil ha surgido como proyectos de extensión a cargo de universidades, atendiendo a una cierta población durante un cierto tiempo. Estas diferencias en cuanto al sistema educativo permite que emerjan muy variadas modalidades de trabajo y generan intriga por descubrir esos espacios educativos en el vecino país, por lo que el viajar y adentrarse en los lugares, costumbres y características del sistema educativo es fundamental y a mi criterio uno de los pilares de este proyecto de cooperación internacional. De la experiencia con el sistema educativo brasileño y el equipo de LabEducine es posible además destacar algunas apreciaciones. La Universidad Estadual de Paraná que visitamos en el 2019 presenta una amplia oferta educativa artística y en especial con carreras de grado y posgrado relacionadas con el audiovisual y la educación en audiovisual. Esto hace que las carreras universitarias cuenten con un importante componente práctico, a través de proyectos de educación audiovisual para docentes y alumnos de educación secundaria, con un financiamiento público que aporta no solo a la formación de los estudiantes universitarios, sino también a docentes y alumnos de colegios de educación secundaria. Estos proyectos otorgan créditos a los docentes del centro educativo donde se imparte el proyecto, siendo esto un estímulo extra al de la formación audiovisual para su labor docente y para los estudiantes una experiencia formidable de aprendizaje y creación audiovisual, no contemplada en la curricula de su formación. Los proyectos cuentan en cada caso con objetivos creados en función de los intereses de los estudiantes y contemplan su entorno sociocultural. La financiación se realiza por proyecto, por lo que en cada caso es necesaria una formulación específica, evaluación y adjudicación. Estas exigencias invitan a que los proyectos tengan un mayor impacto atendiendo a los centros educativos que más los necesiten, pero genera así mismo una gran incertidumbre en la continuidad de los mismos. Es a destacar que los estudiantes universitarios que llevan adelante el proyecto en los centros educativos transitan mediante estos proyectos un componente de su formación profesional o de posgrado, pudiendo llevar a la práctica componentes teóricos así como interpretar la importancia de la educación audiovisual en esos


contextos socioeducativos. Un formato de trabajo que puede dar muchos insumos a lo que son los proyectos de extensión que en Uruguay se están promoviendo. El intercambio es una práctica habitual entre docentes, permite establecer vínculos, liberar tensiones, conformar el sentido de pertenencia, compartir logros y dificultades, pero sobre todas las cosas brinda la posibilidad de análisis didáctico de las prácticas, necesario para mejorar día a día en la labor docente. Cuando el intercambio permite conocer diversas realidades socioculturales-educativas, se conforma una construcción educativa distinta, más compleja y abarcativa, como es el caso de esta experiencia llevada adelante entre el equipo del LabEducine de la Unespar, Curitiba, el equipo de Inventar con la diferencia de la UFF de Río de Janeiro y el equipo de Cineduca de Uruguay. El proyecto de cooperación e intercambio permitió conocer las realidades educativas de cada país y región, en sus distintos momentos, permitiendo reflexionar sobre las dificultades y estrategias empleadas a lo largo de estos años en la educación audiovisual, y construir un conjunto de actividades que toman y nuclean las experiencias desarrolladas en cada región. En los distintos momentos en los que se dieron intercambios docentes, se expresó con gran énfasis el duro momento educativo que transitaba Brasil, en referencia a la libertad de expresión, de espacio para la educación artística y específicamente la educación audiovisual. Asunto que empodera aún más a los docentes en su rol en defensa de lo que se cree es una parte fundamental de la educación de cualquier persona. Esto dio también especial énfasis a los intercambios durante las disertaciones que realizamos sobre el sistema educativo uruguayo y Cineduca, donde el público se mostró proactivo, interesado en los pormenores de todo el proceso, cuestionando, comparando y valorando de forma crítica y positiva la experiencia de Cineduca. El intercambio permitió también tejer una gran red de contactos, con los cuales continuamos en comunicación por razones académicas y de amistad, una especial unión de gratitud que permitirá seguramente continuar generando aprendizajes y trabajos colaborativos que de una forma u otra llegan a nuestras aulas. El proyecto de cooperación se proyectó en tres etapas, la primera en Montevideo, la segunda en Curitiba y la tercera que se proyectó realizar en Río de Janeiro. En la segunda etapa, en Agosto en 2018, con Johanna Holt viajamos a la Ciudad de Curitiba, allí pudimos recorrer todas las variaciones, fortalezas y dificultades en lo referente a la educación audiovisual, desde lo informal, como fue la visita al Centro juvenil de artes plásticas hasta lo formal como las actividades en el Colegio estadual Euzébio da Motta, en la Facultad de Artes de Paraná, en la Universidad Federal de Paraná o el Departamento de políticas y tecnologías


Educacionales de la Superintendencia de Educación de Paraná, incluso participando de un gran intercambio con docentes en una conferencia en el Sindicato de profesores de Paraná. Estos intercambios específicamente en territorio, nos permitieron no solo comprender con claridad la realidad educativa de Curitiba y el Brasil, sino también nos permitieron reflexionar en forma comparativa con la realidad Uruguaya, valorar aspectos normalizados de nuestra educación, identificando las grandes fortalezas como la especificidad y formalidad de la formación docente o la continuidad en el tiempo de muchos de los programas y proyectos educativos, pero también muchas de sus debilidades como la articulación de la universidad con la formación docente, la falta de evaluación de proyectos, planes o programas así como la falta de registro de los procesos educativos. Cuestiones que en el procedimiento de explicar y mostrar nuestra experiencia en educación a un público muy curioso, formado, comprometido y experiente se fueron valorando y remarcando. Curitiba es una ciudad en la que se “respira el cine” con una gran distribución de salas de cine, producciones audiovisuales y una buena oferta de formación en audiovisual. Es un escenario que seduce a todo aquel que ama el cine o se siente comprometido con la educación audiovisual, estado totalmente inspirador para el intercambio, aprender de su cultura, intercambiar experiencias o llevar adelante los talleres de narrativas docentes, uno de los principales objetivos de la segunda etapa del proyecto. En ella se pretendió ahondar en las experiencias de intercambio en base a la educación audiovisual mediante la realización de dos talleres de narrativas docentes, para lo cual hubo extensas instancias de planificación entre los participantes, los profesores Viviane de Carvalho Cid y Ana Luisa Mariquito Reis de Inventar con la diferencia de la Universidad Federal Fluminense, los profesores Murillo Lazarin y Adriana Dalazen de LabEducine de Unespar Curitiba y los profesores Alexander Chagas y Johanna Holt del Programa Cineduca de Uruguay. En esas instancias quedaron de manifiesto las diferentes formas de pensar la educación audiovisual y de conseguir las narrativas docentes, así mismo se consiguió planificar dos instancias de tipo taller para docentes de distintas disciplinas que han estado comprometidos con la educación audiovisual en la educación secundaria. En estas instancias de planificación quedó en evidencia la necesidad de registro y sistematización de las prácticas educativas en relación a la enseñanza del audiovisual en todos los niveles, necesaria como base para continuar teorizando y construyendo mejores prácticas educativas. De acuerdo con esto, se comenzó a elaborar los talleres en forma colaborativa, en base a los dispositivos de Inventar con la diferencia, dado su amplio conocimiento y puesta en práctica. Los talleres se realizaron con gran solidez permitiendo más allá de la puesta en práctica de algunos dispositivos la reflexión docente,


reflexión que apoyada en la experiencia de los docentes participantes permitió un enriquecedor intercambio entre la teoría y la práctica, cargado de anécdotas, muestras de logros y fracasos, pero sobre todo cargado de mucha entrega y gusto por la educación, mucha empatía y generación de vínculos. Luego de cuatro horas de taller nos sentimos un equipo, todos, deseosos de continuar aprendiendo mejorando nuestras prácticas educativas. Los talleres dejaron en evidencia la gran necesidad del docente de narrar y el gran potencial que subyace en la narrativa docente, siendo una gran herramienta para el registro, el análisis y la sistematización de las experiencias educativas. Visto todo esto considero que el sistema educativo debería generar las estructuras para que los docentes a través de la narrativa registren e intercambien sus experiencias educativas. Muchos de estos asuntos conforman insumos para la tercera etapa de intercambio, que seguramente no será la última, porque los lazos

académicos,

institucionales,

de

compromiso

por

la

educación

audiovisual,

profesionalidad y amistad seguramente continúan creciendo y posiblemente incorporando a otras agentes latinoamericanos que se unan al intercambio y cooperación internacional en instancias como las que gratamente participamos.


La experimentación de dispositivos audiovisuales em la carrera de Educación Social Sofía Rapa En este texto, me propongo realizar un relato acerca de mis memorias sobre un taller de audiovisual que lleve adelante en el marco del programa Cineduca en un Instituto de Formación de Montevideo durante el 2018 y 2019. Así mismo, busco exponer cuáles fueron las definiciones que fui tomando para el diseño de esta formación, el contexto en el que se pensó, cómo fue la experiencia de este desarrollo y cuáles sus repercusiones. Para por último, arribar a conclusiones acerca de las dificultades y los aciertos del diseño y la implementación de la formación. Preproducción: idea, fundamentos y diseño de la formación. El verano del 2017 conocí un texto que dio sentido y forma a mi trabajo como docente de audiovisual, La hipótesis del cine (Bergala, 2007). Fue tanto lo que me sentí conectada que en dos días leí vorazmente el libro, para al día siguiente volver a empezarlo pero esta vez para leerlo en detalle. Al poco tiempo, Cineduca me dio la posibilidad de conocer a Cezar Migliorin y el trabajo que hace junto con un equipo de docentes en Brasil, fue así que me fui familiarizando con la idea de los dispositivos de trabajo en el aula. Todas estas ideas y conceptos fueron encontrando lugar en mí y en mi práctica docente, durante el 2017 probé cosas nuevas, reflexione y tomé conciencia sobre cómo había trabajado hasta el momento y como quería seguir. A la hora de planificar mi trabajo docente para el año 2018 decidí incluir mucho de lo que había leído, visto y experimentado en mis clases. Parte de mi propuesta como Coordinadora de Centro del programa Cineduca en el Instituto de Formación en Educación Social (IFES) fue el diseño de un taller que tuvo como centro la experimentación de dispositivos audiovisuales, muchos tomados del texto Cuadernos para inventar (Migliorini et al., 2016), otros recopilados y adaptados de ejercicios que acompañaron mi formación o docencia. Tomo el concepto de dispositivo que utiliza Migliorin (2018) para entender qué características tiene el mismo en esta narrativa:


Imaginamos el dispositivo como una forma de entrada en la experiencia con la imagen, sin que la narrativa del texto estuviera en el centro ni se anticipará a las jerarquías, precisamente porque el dispositivo es la experiencia que no se puede poner en un guion y que está ampliamente abierta al azar y a la formación del presente. Hay en el dispositivo una dimensión lúdica que en el trabajo de la escuela es bienvenida; hay una tarea a cumplir, un reto que lograr. (p.87) Partiendo de mi trayectoria trabajando en la carrera de Educación Social, evalué que este juego reglado en el que prima la experimentación con la imagen podría ser de gran aporte para la formación de los futuros educadores sociales. El enriquecimiento de sus vivencias con la imagen podría sensibilizar y acercar a los estudiantes a la expresión artística de la imagen en sus diferentes medios, para que así pueda formar parte en un futuro de sus prácticas educativas. Según el Plan de estudios de la carrera “El campo de estudio y acción de la Carrera de Educación Social es la práctica educativo- social que se desarrolla con individuos y grupos en contextos socio-culturales e institucionales diversos” (ANEP, 2011, p.3), buscando como perfil de egreso profesionales que llevan adelante acciones educativas para asegurar a los individuos “el derecho a la educación durante toda la vida, el máximo acceso al patrimonio cultural; estrategias para el mejoramiento de la calidad de vida; herramientas para desarrollar autonomía y el máximo de sus capacidades para una integración y participación social amplia” (ANEP, 2011, p.6). En base a mi experiencia personal como docente de audiovisual que ha trabajado interdisciplinariamente con Educadores Sociales, tenía la idea de que el diálogo entre estas áreas podría enriquecer las intervenciones educativas de los estudiantes. Pensé que este vínculo entre la experimentación con la imagen y el quehacer de la Educación Social merecía una reflexión, y que ese taller le podía dar ese lugar. Consideré generar una discusión que trajera al taller el contexto de acción donde se desempeñarían los estudiantes, que como plantea Rolf (2005) es fundamental en la formación de adultos para darle sentido a los aprendizajes. En primer lugar definí que el objetivo de la formación sería que los estudiantes del taller experimentaran con el lenguaje audiovisual y reflexionaran qué vinculo podrían realizar entre esta vivencia y sus prácticas como futuros Educadores Sociales. El taller pasó a llamarse entonces “Dispositivos audiovisuales para la práctica del Educador Social”.


Dado que el énfasis estaba puesto en la experimentación, comencé a realizar una lista de posibles dispositivos a incluir en la planificación, intentando que la vivencia fuera variada y abacara diferentes aspectos del audiovisual. Había decidido que a partir de la visualización de las producciones realizadas por los estudiantes en el taller explicaría algunos conceptos teóricos e incluiría la visualización de algunos cortometrajes y fragmentos de películas. El interés por incluir visualización de películas estaba fundamentado por lo que Bergala (2007) plantea como la creación del gusto. El autor propone que es tras el encuentro con una muestra representativa de épocas y estéticas cinematográficas que se da la creación del gusto y que es responsabilidad de la educación facilitar este encuentro en la infancia. El concepto de la creación del gusto y su fundamento atravesaría explícitamente el taller para mostrar a los estudiantes la importancia de la visualización de audiovisuales, así como el rol del educador en esta tarea. El taller contaría a entonces, además de la experimentación con la realización, un componente de visionado de producciones. En su mayoría este visionado sería a través de fragmentos, que como menciona Bergala (2007) es una de las opciones que se encuentran para el visionado y facilita el diálogo entre obras. Por otro lado pensé en incluir un cineforo abierto a toda la población del Instituto, pero que fuera parte también del taller y se realizara luego con el grupo un análisis de las posibles estrategias didácticas de realizar cineforos. Todas estas decisiones tomaron forma en el diseño de un taller de nueve encuentros presenciales de tres horas cada uno. En cada uno de los encuentros los participantes experimentarían aproximadamente tres dispositivos. La mayoría de los dispositivos utilizados fueron tomados tal cual son propuestos en Cuadernos para inventar (Migliorin et al., 2016), por ejemplo Allá lejos, aquí cerca (p.26), Minuto Lumiere (p. 24), Colores y texturas (p. 40) o Música y memoria (p. 56). En algunos creé algunas adaptaciones que me resultaban pertinentes para el lugar o estudiantes, por ejemplo el dispositivo Marcos (p.30) se transformó en dos dispositivos, en el primero los estudiantes deberían salir a buscar elementos que re encuadraran en el objeto o sujeto a fotografiar y realizar cinco fotografías para compartir. Luego se pasaría a realizar el dispositivo que describe el texto. Una vez realizado cada uno de los dispositivos se visualizarían las producciones de todos los estudiantes desarrollando un análisis grupal y se reflexionaría de qué forma los estudiantes piensan que esa experiencia puede vincularse, aportar o potenciar sus prácticas educativas, así como que modificaciones o adaptaciones podrían sugerir. Por último, pensé


presentar conceptos teóricos del lenguaje audiovisual que se desprendan de las producciones, visualizar producciones que ejemplifiquen los mismos y presentar algunos conceptos de la didáctica del audiovisual que se relacionen. Por ejemplo, cuando se trabajara el dispositivo Allá lejos, aquí cerca (p.26) se presentarían los diferentes valores de plano, con el dispositivo Colores y texturas (p. 40) se podrían abordar aspectos relacionados a composición de la imagen, con Marcos (p.30) podría aprovechar a trabajar plano y contra plano o ley de los 180°. Para cursar esta formación no haría falta ningún conocimiento previo por parte de los estudiantes, y el único requisito era contar con un teléfono celular con cámara. El taller fue propuesto a los estudiantes como optativa y otorgaba créditos, por esta razón se me solicitó desde la dirección que diseñara una evaluación de saberes. Definí que los estudiantes deberían entregar al finalizar la formación el diseño de una planificación de una supuesta actividad educativa elección, esta debería incluir al menos uno de los dispositivos utilizados en clase, presentando su justificación y fundamento. Producción: desarrollo de la formación. Llevé adelante este taller durante los años 2018 y 2019, el primer año con dos grupos y el segundo con uno. En total unos 15 estudiantes terminaron la formación y varios de ellos se mantuvieron vinculados al Programa Cineduca en el IFES. En el año 2020 intenté repetir la experiencia pero la pandemia por Covid 19 dificultó la tarea volviendo imposible la continuidad de este. La población de los grupos fue considerablemente heterogénea, tanto en edades, en formación, como en experiencia laboral. Tuve la suerte de contar con estudiantes de los diferentes años de la carrera, algunos estaban comenzando su formación para ser Educador Social y otros ya habían cursado todas las materias y estaban realizando solo algunas materias optativas. En cuanto a las edades me encontré con estudiantes desde los 19 años a los 45 años, algunos estaban cursando su primera carrera y otros ya habían probado una o dos antes de llegar al IFES. Esta característica de variedad en los perfiles potenció el grupo a la hora de generar diálogos reflexivos. Durante los encuentros los estudiantes participaron activamente y con entusiasmo. En los momentos de experimentación realizaron una búsqueda atenta de las imágenes, en


algunos casos salieron por el Instituto, otras por los alrededores del mismo y en otros casos hicieron el trabajo de forma domiciliaria para el siguiente encuentro. En estas producciones realizadas fuera del taller se podía notar mayor dedicación y búsqueda, y se vio en los estudiantes cierto orgullo al compartirlas con el grupo. Cuando pensé la instancia de visualización decidí que a medida que los estudiantes culminaran con la realización del dispositivo irían descargando las producciones a una computadora y desde ahí haríamos la proyección. Llegado el momento descubrí que esto era considerablemente difícil, en algunos casos la computadora no reconocía el teléfono y en otros no encontrábamos los archivos. Como consecuencia decidimos crear una carpeta compartida en el sistema de almacenamiento de datos Drive y desde la computadora acceder al mismo y trabajar en línea. Esto fue una gran solución y dinamizó mucho la organización de las visualizaciones. Los comentarios y análisis de las producciones del grupo fueron momentos de mucho respeto, los estudiantes contemplaban atentos los trabajos ajenos y comentaban de forma sensible. En los primeros encuentros fue necesario que guiara este momento pero una vez que entendían la dinámica esta instancia fluía. Los momentos en que los estudiantes deberían generar una reflexión conjunta acerca de cómo podrían vincular ese dispositivo y su vivencia, a la tarea que realiza el Educador Social fueron instancias de gran aporte y enseñanza. Destaco el compromiso dedicado, que dio como resultado una serie de asociaciones entre los conocimientos adquiridos en las diferentes asignaturas, las experiencias de sus prácticas de formación y las de sus prácticas profesionales. A modo de ejemplo narro la experiencia de uno de los grupos cuando se trabajó con el dispositivo Vuelta a la manzana (Migliorin et al., 2016, p.52). Existió una pequeña variante en el planteo del dispositivo y fue la realización de videos y no de fotografías, los estudiantes salieron por la manzana del instituto y realizaron sus registros para luego compartirlos con el grupo. Durante la visualización de los productos los estudiantes comentaron qué percibieron, observaron la variedad de ángulos en los que un mismo lugar o motivo fue registrado por las diferentes personas, así como las sensaciones que les dejaban los diferentes movimientos o faltas de movimientos dentro del cuadro. En el momento de pensar variantes para esta actividad, recuerdo surgió vincular la consigna con otro dispositivo que se trabajó que denominé Casería, en el que en base a una lista se registran objetos o personas en diferentes valores de plano. En este caso propusieron establecer una serie de lugares en el recorrido


que deberían ser registrados, para luego ver los diferentes resultados que se pueden obtener según cada subjetividad. En cuanto al análisis de cómo era posible vincularlo con sus prácticas surgieron propuestas como trabajar este dispositivo dentro de una planificación que problematice la identidad barrial del centro educativo, o la posibilidad de acercarse a los territorios de la población con la que podrían trabajar mediante el registro, trabajando con qué muestran y qué dejan de mostrar. Sucedió algo que excedió mi planificación, durante la realización de los talleres y como consecuencia de la instancia de diálogo mencionada en el párrafo anterior, los estudiantes fueron realizando consultas para poder incluir algunos dispositivos en sus prácticas educativas, ya fuera dentro de su formación o también en sus actividades profesionales. En varias ocasiones estas consultas fueron discutidas también de forma grupal, contando con no solo con mi aporte como docente de audiovisual sino también con el conocimiento de todo el grupo en el quehacer del Educador Social. Esta construcción colectiva de diseño de planificaciones fue una instancia de gran aprendizaje. Cuando los talleres terminaron, los estudiantes siguieron en contacto con el programa de diferentes maneras. Uno de los grupos que realizó el taller durante el 2018 pidió que se creara una nueva formación para acompañar la realización de un cortometraje de ficción. Algunas de las estudiantes que participaron de esta segunda formación, en conjunto con estudiantes del IFD de Florida, quedaron seleccionadas para realizar un intercambio de educación audiovisual y comunicación con estudiantes de la Universidad de Pereira, Colombia. Otro grupo de estudiantes participó como ponente en la Jornada de Pedagogía audiovisual del año 2019 con experiencias propias de inclusión del audiovisual en sus prácticas educativas. Así como también diferentes estudiantes de los talleres siguieron y siguen consultando en diferentes momentos sobre cómo incluir en sus prácticas el trabajo con audiovisuales.

Postproducción: análisis y conclusiones. A lo largo de esta narrativa docente intenté exponer todo aquello que pude relacionado

al

taller

“Dispositivos

audiovisuales

para

la

práctica

del

Educador


Social”. Comencé planteando los fundamentos de las decisiones que dieron al diseño de la formación, para luego presentar el resultado de este diseño. Luego fui recordando cómo fue la implementación y conté sobre algunos momentos inesperados. Por último, hice un pequeño resumen acerca de la continuidad del vínculo con algunos de los estudiantes. Una de las conclusiones a la que puede arribar es que esta formación tuvo una recepción positiva en quienes cursaron el taller. Para generar esta reflexión tengo en cuenta tanto la participación entusiasta de los estudiantes, como el alto porcentaje de culminación del taller, contando con una deserción muy baja. Cuando pensé el diseño de ese taller realicé la suposición de que podría ser productivo y de aporte un espacio de diálogo donde se buscará establecer vínculos entre la experimentación de los dispositivos y el quehacer del Educador Social. Luego de llevar adelante esta formación con tres grupos, puedo concluir que este espacio fue fructífero en el nivel de la discusión, generando un nuevo conocimiento para los estudiantes. Así mismo fue productivo en la medida en que motivó rápidamente la implementación en las prácticas educativas de los estudiantes. Llegando al final de esta narración, pienso cómo sería posible continuar esta formación, y cómo mejorarla. Uno de los aspectos a mejorar es la participación en relación a la población del instituto, ya que hasta ahora este porcentaje es muy bajo. Referencias bibliográfica ANEP (2011). Carrera Educación Social. Plan de estudios. Bergala, A. (2007). La hipótesis del cine. Laertes. Migliorin, C., Pipano, I., García, l., Martins, I., Guerreiro, A., Nanchery, C., & Benevides, F. (2016). Cuadernos del inventar. Universidade Federal Fluminense. Migliorin, C. (2018). Pedagogía del lío: cine, educación y política. Cuarto propio. Rolf, A. (2005). Pedagogía de la formación de adultos. OIT CINTERFOR.


Proyecto de cooperación con Brasil Mtro. Alexis Reyes Silva Coordinador de la Unidad Académica de Pedagogía Audiovisual en Instituto de Formación Docente de Salto "Rosa Silvestri" de Salto. La experiencia con los dispositivos de video cartas se realizó en el año 2019 en Salto, Uruguay. Los participantes fueron niños de educación primaria, en la escuela rural Nº 45 " Dionisio Díaz" con las clases de tercer y cuarto grado. La escuela está ubicada en el interior del departamento de Salto, aproximadamente a unos 500 kms de la capital del país. La localidad es caracterizada por la ruralidad, siendo una zona de un pequeño pueblo alejado de la ciudad. Los niños ya habían participado incipientemente de actividades de educación artística ya que así lo establece el currículum escolar. Se habían llevado adelante propuestas de introducción al lenguaje audiovisual, desde una mirada de alfabetización en el código audiovisual, la narrativa cinematográfica, los planos y el sonido en los films. Aproximadamente participaron unos 20 niños y niñas. La implementación del proyecto de creación de videocartas para los niños fue algo muy novedoso y nuevo, sin embargo el docente involucrado había participado de un encuentro con los profesores Cezar Migliorini y Douglas Resende, en los talleres dictados en Uruguay, en el departamento de Montevideo en el marco del proyecto de cooperación del CFE con Brasil. En este trabajo resultaron ser muy atractivas y novedosas las propuestas, por lo tanto llevarlas a cabo en la escuela fue como una extensión de lo experimentado en los talleres. Se llevaron adelante experiencias con dispositivos de "fotografìa narrada", "fotografías con marcos", "fotografía en espejo", "minuto lumiere" así como el registro de entrevistas a actores de la localidad. Al finalizar el proceso que duró alrededor de tres meses con actividades semanales; en consenso con los niños y niñas se seleccionan los trabajos que entendieron debían formar parte de la videocarta de cinco minutos de duración. La elección de la banda sonora fue debido a que los mismos pudieron darse cuenta al crear y observar sus grabaciones, de las particularidades de su localidad evidenciadas en sus trabajos, tomando conciencia de la forma de vida, características de las viviendas así como de la ruralidad marcada; es por ello que se seleccionan temas folclóricos de un autor uruguayo que en sus canciones describe la ruralidad uruguaya de forma crítica.


El participar en el proyecto se lo valora como muy positivo y muy importante desde el punto de vista didáctico y pedagógico. En primer lugar permitió a los niños y niñas involucrados poder experimentar una modalidad de trabajo nueva, novedosa y no habitual en nuestro medio. Al momento se habían realizado experiencias con audiovisuales en el marco de lo que propone el programa de educación inicial y primaria. Particularmente se habían realizado aproximaciones a conocer el lenguaje audiovisual, la narrativa en el cine y demás. Sin embargo la dinámica que propone el trabajar con dispositivos abre una gama de oportunidades de creación y de involucramiento de los niños y niñas de forma destacada. Desde el primer momento los mismos se sintieron naturales en su accionar, se entiende que la forma de trabajo abierta y con poca estructura y demasiados comandos al que veníamos acostumbrados, permitió que pudieran sentirse como que estaban en un juego, que a su vez les resultaba atractivo y podían ver en tiempo real los resultados. Se utilizaron equipos como cámaras réflex, teléfonos móviles con cámaras y equipos de netebook del PLAN CEIBAL. 32Es entonces que además de lo mencionado la experiencia permite la inclusión de Tics y no representa condicionantes al momento de los recursos técnicos ya que se puede llevar adelante con los recursos que cuenten los involucrados. En tal sentido los niños y niñas se sintieron muy desestructurados y presentaron un manejo muy adecuado desde el punto de vista técnico de los equipos. Se realizaron grupos de trabajo, lo que permitió la integración e inclusión de la diversidad existente, también se llevaron adelante salidas didácticas a los alrededores de la institución así como recorrido por el pueblo de Colonia Garibaldi, y visita a hogares donde se llevaron a cabo los trabajos con dispositivos. Cabe destacar que todo lo que se logra es totalmente resultado del trabajo de los niños y niñas con la simple guía del docente, y los trabajos fueron presentados sin ninguna modificación posterior. Un aspecto importante a destacar es cómo a los niños y niñas les pareció muy atractiva la modalidad de trabajo con dispositivos, basadas en el libro Cuadernos de inventar de Cezar Migliorini. Las propuestas al tener cierta apertura al trabajo espontáneo, han permitido que los mismos puedan llevarlas adelante de forma muy libre y distendida. Esto fue fundamental al momento de la creación ya que el resultado fueron producciones muy creativas y

32 Plan Ceibal es el programa uruguayo de educación digital, que desde 2006, implementa el sistema uno a uno, un equipo para cada niño además de una plataforma educativa de trabajo con los docentes de clase.


significativas; a tal punto que expresaban lo agradable que les resultaban las consignas. Un aspecto importante y fundamental a mencionar es que desde el punto de vista didáctico, desde una valoración docente, se pudo percibir que frente cada dispositivo propuesto permitió una forma de trabajo con las siguientes características: 1) Organización grupal no arbitraria. Entre los involucrados en las consignas se observaba la delegación de roles, funciones o tareas de forma independiente, sin ser dictaminada por el docente. Cada uno desarrollaba actividades según se sentían más idóneos o dónde se sentían más cómodos. 2) Motivación. Se destaca como los niños y niñas mostraban el gusto por trabajar cuando se le proponía un dispositivo.

Se observaba niños felices y trabajando con ganas, con

responsabilidad. 3) Integración de la comunidad. En el proceso se integra a la comunidad y a las familias. Las personas de la comunidad accedieron de forma positiva a brindar entrevistas, y ser parte del proyecto. Se pudo realizar la reflexión de que la propuesta llevada a cabo permitió obtener muchas conclusiones e insumos para la práctica docente en lo que refiere a experiencias con la creación audiovisual. Se entiende pertinente mencionar que en particular ha permitido poder realizar un diálogo teórico desde el trabajo con dispositivos y sus postulados en el libro "Cuadernos de inventar" de Cezar Migliorini con lo propuesto por Alain Bergalá (2007) en su obra "La hipótesis del Cine: Pequeño tratado sobre la transméión del cine en la escuela y fuera de ella " así como la investigación de Gabriela Augustowsky (2016) "La creación audiovisual infantil como práctica educativa. Estudio de experiencias y discursos en contexto", la segunda se apoya y toma mucho en cuenta los postulados de Bergalá. En tal sentido la reflexión consiste en que se pudo a partir de la experiencia en juego, poder visualizar, categorizar la practica como una experiencia de creación audiovisual y las perspectivas que estuvieron en juego apoyado desde los postulados teóricos de los autores mencionados. Los dispositivos permitieron reflexionar que estuvo latente la perspectiva de la práctica en educación audiovisual que se enfoca en el desarrollo del cine como arte, una segunda que fundamenta al cine como un lenguaje y una tercera categoría que implica entender la creación audiovisual para la democratización de saberes, la inclusión social y la ampliación de derechos. Se pudo concluir que en el proceso estuvieron en juego tres categorías lo que ameritó un análisis detenido; experimentar el cine como arte, al cual se entiende como un espacio de creación y experimentación, con una mirada de los procesos con audiovisuales, y que según Bergalá se lo pueden considerar como obra de arte en sí mismos y no al servicio de otras disciplinas. Se propone las prácticas con audiovisuales como un lugar de alteridad, de romper estructuras, mitos, prejuicios y resistencias, como "algo diferente". En tal sentido se entiende que es


necesario acercar el cine a los estudiantes, para ello es primordial poder organizar el encuentro con las películas, para formar el gusto por el cine, como obras de arte, y de cultura, con confianza y no recelo (Para muchos el único encuentro con el cine es las instituciones educativas), no como enseñanza sino como un espacio de encuentro con el arte, como un lugar de poder entender aspectos puramente estéticos a partir del intercambio con la obra en sí, y con sus pares dialogando sobre la misma. Con esta mirada se busca formar seres abiertos, críticos y plantear los proyectos no como un espacio para eruditos sino para la gente común. Se promueve cine como disfrute, un encuentro amistoso y de conmoción y no como obligación. Bergalá sostiene que hacer cine, debe consistir en sentirse como verdaderos cineastas en potencia, sentir que están en al acto mismo de crear como lo haría el artista, por lo tanto deben experimentar y valorar el proceso de creación; Hacer un plano ya está en el corazón del acto cinematográfico (Bergala, 2007), se permite a los sujetos involucrados ver y hacer cine desde la conciencia colectiva e individual. Sin lugar a dudas que algunos aspectos y características se vieron en el proceso y que anteriormente se describe. La experiencia con video cartas permitió también el trabajo de hacer cine o experimentar con audiovisuales entendido como un lenguaje; en esta categoría se fundamenta que el cine es un lenguaje como pueden existir otros, con su sistema de normas, su estructura de signos, significantes y significados y, como tal debe ser aprendido, asimilado, se debe conocer el lenguaje para poder analizar y crear. En tal sentido se han estudiado programas de alfabetización audiovisual, especialmente a nivel de enseñanza media llegando a la conclusión de que en los programas de alfabetización como lo dice la palabra, se buscan alfabetizar en medios (Mediático), lo que implica aprender a "leer" y "Escribir" cine (mensajes-códigos y visuales-narrativa). Para ello los teóricos han establecido categorías de análisis: Las tecnologías involucradas en los procesos, los lenguajes utilizados, las audiencias y las representaciones subyacentes. Esta mirada del cine como alfabetización entiende que los medios son sujetos a una lectura analítica, en nuestro caso de los audiovisuales. Los involucrados en el proceso de alfabetización pueden desarrollar competencias tales como por ejemplo; decodificar los mensajes e influencia de los medios como creadores de subjetividades y mediadores de la realidad. Según Morduchowicz (2003) teoriza enfoques para la enseñanza de los audiovisuales: Enfoque normativo; implica estudiar como se manipulan mensajes y como influye en los comportamientos sociales. Sociológico; analizar la motivación que lleva al consumo cultural y la elección por gestos mediáticos, semiológico, estudiar mensajes de los medios (Códigos y convenciones) y crítico; la representación social de los medios. Se puede decir que continuando el proceso luego de la entrega de la


videocarta para el intercambio, la experiencia permite seguir trabajando en las actividades de aula, es decir se pudo coordinar con lo establecido en el programa escolar, pudiendo hacer un seguimiento y continuidad desde aprender sobre el lenguaje a partir de lo realizado, se trabaja sobre planos cinematográficos, narrativa audiovisual, guión musicalización, etc. Una tercera mirada del cine dentro de la categoría, se define al cine como medio democratizador de saberes , inclusión y promoción de derechos humanos. Según Gentilli (2009) se parte de cierta utopía de llegar al ideal de lo declarado en la Declaración Universal de Derechos Humanos del año 1948, mediante la educación, ya que se parte de que los sistemas educativos son en cierta medida excluyentes de ciertos conocimientos, ya que prioriza y jerarquiza temáticas, concepciones sobre otros que quedan al límite, entendiendo que son temas educativos que permiten acceder a la educación y no al conocimiento. Se considera existencia de un público excluido de los sistemas formales de educación, por lo tanto se ha encontrado un puente mediador y que puede ser puente para la inclusión, más que nada de personas que han quedado fuera del sistema, o que estando inmerso en algún sistema de educación no encuentra los espacios o medios para sentirse integrado e incluido en su plenitud. En tal sentido el hacer cine con los estudiantes permite la inclusión y la libertad de expresión. Se propone el cine desde una educación social y popular; con propuestas democratizadoras e inclusivas y como medio para ampliar la ciudadanía, desde la educación artística, atendiendo a la construcción de identidad personal y social (conciencia cultural de las personas). Se propone desde esta perspectiva la revisión de programas educativos para ver que contenidos se excluyen. En resumen el poder llevar a cabo la realización de videocartas como resultado de una elección y síntesis de algunos dispositivos, resulta un proceso de trabajo totalmente inclusivo e integrador, así como muy novedoso en nuestro contexto. Se puede creer que fue un trabajo de inclusión entendiendo a todos los sujetos como co-educadores y con iguales derechos.



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