Quando as nações se esquecem de Deus - Erwin W. Lutzer

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Rio de Janeiro, RJ

Quando as nações se esquecem de Deus: Advertências à Igreja a partir dos erros da Alemanha nazista

Traduzido do original em inglês: When a Nation Forgets God: 7 Lessons We Must Learn From Nazi Germany

Copyright © 2010 Erwin Lutzer

Publicado originalmente por Moody Publishers 820 N. LaSalle Boulevard Chicago, IL 60610 www.moodypublishers.com

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por PRO NOBIS EDITORA, Rua Professor Saldanha 110, Lagoa, Rio de Janeiro-RJ, 22.461-220

1ª edição: 2025

ISBN: 978-65-81489-70-0

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Proibida a reprodução por quaisquer meios, salvo citações breves, com indicação da fonte.

Direção editorial

Judiclay Silva Santos

Conselho editorial

Judiclay Santos

David Bledsoe

Paulo Valle

Gilson Santos

Leandro Peixoto

Supervisão editorial: Cesare Turazzi

Tradução: Maiza Ritomy Ide

Preparação de texto: Gabriel Lago

Revisão de provas: Thalles de Araujo

Capa: Luis de Paula

Diagramação: Marcos Jundurian

Nesta obra, as citações bíblicas foram extraídas da Bíblia Almeida Revista e Atualizada (ARA), salvo informação em contrário.

As opiniões representadas nesta obra são de inteira responsabilidade do autor e não necessariamente representam as opiniões e os posicionamentos da Pro Nobis Editora ou de sua equipe editorial.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Lutzer, Erwin W.

Quando as nações se esquecem de Deus/Erwin W. Lutzer; [tradução Maiza Ritomy Ide]. – Rio de Janeiro: Pro Nobis Editora, 2025.

Título original: When a Nation Forgets God.

ISBN 978-65-81489-70-0

1. Alemanha - História da igreja - 1933-1945 2. Cristianismo e políticaAlemanha 3. Estados Unidos - Previsão 4. Igreja e Estado - Alemanha 5. Nacional socialismo - Aspectos religiosos I. Título.

25-261687

Índices para catálogo sistemático:

1. Cristianismo: História 270

Eliete Marques da Silva - Bibliotecária - CRB-8/9380

contato@pronobiseditora.com.br www.pronobiseditora.com.br

CDD-270

O livro do Dr. Lutzer é leitura obrigatória para todo aquele preocupado com o atual rumo jurídico e cultural de nossa nação. Ao comparar os Estados Unidos da atualidade com a história da Alemanha nazista, Lutzer apresenta um panorama assustador de como será o amanhã nos Estados Unidos se não tomarmos uma posição por Cristo agora.

A l A n S e A r S , presidente, CEO e conselheiro geral do Alliance Defense Fund

Woodrow Wilson uma vez falou da futilidade de uma nação que se esquece de sua herança. Erwin Lutzer faz uma pergunta ainda mais incisiva: o que acontece com uma nação que se esquece de Deus? Usando a história da Alemanha nazista como pano de fundo, Lutzer ilustra com perspicácia uma verdade extremamente importante. Assim como a natureza abomina o vácuo, uma cultura que expulsa todos os vestígios de Deus do mercado de ideias inevitavelmente descobre ter plantado sementes que colherá no meio do furacão.

Fr Ank Wright (PhD), ex-presidente e CEO da National Religious Broadcasters

Sumário

Prefácio à edição em português

à edição

1. Quando Deus é dissociado do governo, vem o julgamento..........................................................

2. Sempre tem a ver com a economia .......................

3. Ser legalizado nem sempre significa ser bom ........

4. A propaganda pode mudar uma nação.................

5. Os pais — não o Estado — são os responsáveis pela criação dos filhos ................................................... 109

6. Heróis comuns podem fazer a diferença ............... 129

7. Devemos exaltar a cruz na escuridão que se aproxima ............................................................ 143

Prefácio à edição em português

Uma advertência para o presente

Quando uma nação se esquece de Deus, as consequências podem ser devastadoras. Esta obra de Erwin Lutzer que você tem em mãos apresenta uma análise impactante sobre os paralelos entre a Alemanha nacional-socialista e a sociedade ocidental contemporânea, alertando para os perigos do afastamento em curso dos valores cristãos e morais. Com uma abordagem clara e bem fundamentada, o autor examina como um governo pode manipular a opinião pública, controlar a educação e promover uma cultura de apatia e conformismo, conduzindo uma nação ao declínio.

Em Quando as nações se esquecem de Deus, Lutzer mostra como a Alemanha sob o nacional-socialismo manipulou leis e instituições para sustentar sua ideologia, traçando paralelos com debates polêmicos da atualidade. Em um dos capítulos, ele analisa as leis antijudaicas daquela época, levando-nos a uma reflexão urgente diante do alarmante crescimento do antissemitismo nos dias de hoje. Outra análise relevante está na comparação entre a educação controlada pelo Estado nacional-socialista e as atuais políticas educacionais, evidenciando como a formação das futuras gerações pode ser moldada para atender a interesses ideológicos.

O livro também traz reflexões sobre a responsabilidade dos cristãos diante da sociedade. Muitos, por medo de represálias, evitam expressar suas convicções e se tornam silenciosos em momentos cruciais. A história do mártir cristão Dietrich Bonhoeffer é apresentada como um exemplo de coragem e resistência, incentivando aqueles que desejam se manter firmes na fé, mesmo em tempos de perseguição ideológica e censura. Lutzer ressalta que a luta pela verdade exige compromisso e disposição para enfrentar críticas e adversidades.

A mensagem central de Lutzer enfatiza que a perda dos valores cristãos leva a sociedade ocidental a um estado de vulnerabilidade, em que a manipulação, a corrupção e a divisão se tornam ferramentas de controle. Com isso, o autor nos alerta que cada um de nós deve examinar sua própria vida e atuar de forma consciente e ativa na defesa da verdade e da liberdade. Essa reflexão é essencial em um mundo onde a liberdade religiosa e de expressão é cada vez mais ameaçada por discursos politicamente corretos, pelo judiciário e por movimentos esquerdistas que buscam silenciar vozes discordantes.

Dentre as reflexões apresentadas nesta obra, destaca-se a tendência das nações ocidentais a priorizar segurança e conforto econômico em detrimento da liberdade e dos valores morais. Assim como na Alemanha nacional-socialista, onde muitos estavam dispostos a renunciar a seus direitos individuais em troca de estabilidade, observa-se um movimento semelhante na sociedade atual, no qual o pragmatismo político e a indiferença às verdades da fé ameaçam a integridade moral das sociedades no Ocidente. O autor destaca que, muitas vezes, os governantes exploram crises e ameaças para justificar medidas restritivas e coercitivas e ampliar seu poder, enfraquecendo as instituições democráticas.

Outro ponto levantado é o papel da educação na formação das futuras gerações. Lutzer discute como regimes totalitários esquerdistas utilizam a educação como ferramenta de doutrinação, marginalizando valores tradicionais e promovendo ideologias que favorecem o culto ao Estado. A crescente influência de sistemas educacionais voltados para a desconstrução da moralidade cristã e a revisão histórica com viés ideológico são apresentados como sinais de alerta. O controle sobre a informação e a censura de opiniões divergentes são estratégias comuns em regimes totalitários e que já estão sendo empregadas em diversos contextos no Ocidente, desde universidades até grandes corporações de tecnologia.

Somos também desafiados a refletir sobre a importância da oração, do estudo das Escrituras e da firmeza na fé. O autor ressalta que o sofrimento por causa da verdade é parte inerente da vida cristã, e que, mesmo diante de oposição e dificuldades, aqueles que permanecem fiéis receberão sua recompensa. Ele enfatiza que a perseguição não deve ser vista como um obstáculo, mas como uma oportunidade para testemunhar a verdade e fortalecer a própria fé.

Além disso, Lutzer chama atenção à responsabilidade dos pais na educação moral e espiritual de seus filhos. Em uma sociedade que valoriza o entretenimento e a superficialidade, é fundamental que as famílias se empenhem em transmitir princípios sólidos e preparar as novas gerações para enfrentar desafios espirituais e culturais. A influência negativa de certos modelos educacionais e a terceirização da formação moral são questões abordadas de forma contundente pelo autor, alertando para os perigos da omissão dos pais nesse processo.

Através de uma narrativa envolvente e bem embasada, Lutzer oferece uma advertência urgente sobre os perigos

do esquecimento de Deus em uma nação. Os exemplos históricos e as conexões com a realidade contemporânea tornam esta leitura instigante e essencial para aqueles que desejam compreender melhor os desafios morais e espirituais que cercam o mundo atual. A reflexão proposta pelo autor nos convida a uma análise profunda sobre o papel da fé na transformação pessoal e global, incentivando uma postura ativa na preservação dos valores fundamentais que sustentam uma sociedade verdadeiramente livre e justa.

O alerta do autor é claro: a história se repete quando os erros do passado são ignorados. A perda da identidade cristã e a adoção de ideologias anticristãs têm consequências profundas para qualquer nação. A resistência é necessária, e a melhor forma de resistir é permanecermos firmes na fé, buscando sabedoria e discernimento em nosso Messias, o Senhor Jesus Cristo, para enfrentar os desafios do presente e do futuro.

Que a leitura deste livro instile coragem, discernimento e ação entre os cristãos, para que a verdade jamais seja silenciada e os valores da fé que sustentam a liberdade e a justiça sejam preservados para as gerações futuras.

Fr Anklin Ferreir A, reitor e professor no Seminário

Martin Bucer, São José dos Campos (SP); professor-adjunto no Puritan Reformed Theological Seminary, Grand Rapids (MI), EUA

Prefácio à edição original

A biografia de Dietrich Bonhoeffer que escrevi em 2010 saiu do forno no 65o aniversário de sua morte. Desde então, tem me impressionado bastante a resposta à sua história, que tive o privilégio de contar. Eu sabia que a vida dele era extraordinária, caso contrário não teria escrito sobre ela, porém a resposta dos leitores a essa história foi melhor do que eu sequer sonhara. O que pode explicar essa reação? O que os norte-americanos da atualidade veem na história de um pastor alemão que lhes fala de maneira tão poderosa? Para responder do modo mais sucinto possível, eu diria simplesmente: “Leia o livro de Erwin Lutzer!”. Todavia, como isso é exatamente o que você já está fazendo, deixe-me falar um pouco mais sobre o assunto.

A resposta um pouco mais longa é que as pessoas vislumbraram na história de Bonhoeffer algo perturbadoramente familiar, algo que fala diretamente a nós, neste momento específico do tempo. Temos um vislumbre de nós mesmos nessa história, ainda que vago, e, com razão, ficamos tranquilos ao nos enxergarmos assim. Na verdade, enquanto viajei pelos Estados Unidos falando sobre Bonhoeffer, ouvi pessoas dizerem repetidamente que o ocorrido na Alemanha no período que antecedeu a Segunda Guerra Mundial está, de

algum modo, se repetindo nos EUA de nossos dias. Lamento profundamente concordar com isso. É claro que os detalhes são diferentes, e levar longe demais os paralelos é forçar a credulidade e convidar à zombaria certa e merecida. Devemos dizer que, de certa maneira, as diferenças entre aquela época na Alemanha e nossa época nos Estados Unidos não poderiam ser mais drásticas. Ainda assim, existem semelhanças agourentas, similaridades que exigem toda a nossa atenção. A principal semelhança provavelmente tem a ver com a liberdade religiosa. Nos dias de Bonhoeffer, diante de seus olhos, uma nação fortemente cristã foi rapidamente secularizada por um governo enérgico. A igreja estava dividida e não sabia o que fazer com isso; e não respondeu como deveria. Assim, foi subjugada pelo Estado e, para todos os efeitos, por fim deixou de existir. O que resultou disso, entre outras coisas, foi o Holocausto. Não se sabe o que poderá resultar disso aqui nos Estados Unidos, mas todos precisamos concordar que o menor movimento nessa apavorante direção é motivo de alarme. Uma coisa é bastante óbvia: nada de bom pode resultar disso.

Ainda temos uma ampla liberdade nesta nação, porém a maioria dos norte-americanos desconhece essa liberdade e não a exerce. Esta grande “experiência de liberdade” chamada Estados Unidos não é algo autossustentável. A liberdade não é nossa condição natural. É altamente frágil e precisa ser defendida a cada geração. Portanto, se não tivermos consciência do que possuímos, não a veremos desaparecer, o que está de fato acontecendo neste momento. É precisamente por isso que o excelente livro do Dr. Lutzer é tão importante. Explica de maneira clara e eficaz quais são os paralelos entre a queda da Alemanha para longe da graça e o início de nossa própria queda. Minha maior esperança é

que isso sirva como um forte chamado para um despertar, a fim de que possamos deter nossa tenebrosa queda e começar a jornada de volta aos nossos fundamentos. Que todos os interessados leiam este livro e considerem atentamente tudo o que ele diz. Soli Deo Gloria.

eric MetA x AS

Escrito para ser lido

Se você espera ler este livro com a única intenção de encontrar mais combustível para alimentar suas convicções políticas, então não entendeu meu propósito. Sim, estou profundamente angustiado com a direção que os Estados Unidos têm tomado, porém estou ainda mais preocupado com o modo como a igreja — o povo de Deus — irá reagir ao que está acontecendo. Ficar irado, com vontade de se vingar e cheio de autocomiseração dificilmente é o que Deus espera de cada um de nós. Precisamos responder em muitos níveis diferentes, mas com certeza um dos mais importantes é que nós, enquanto indivíduos e igreja em geral, devemos dar um testemunho crível da graça salvadora de Deus em Cristo. Deus está nos fazendo humildes. As soluções políticas em que confiávamos para resgatar nossa nação da queda livre moral e espiritual tiveram poucos efeitos. Estamos aprendendo que o problema é mais profundo do que pensávamos, de modo que a solução em si também precisa ser mais elaborada. Em suma, precisamos compreender que só Deus pode nos salvar daquelas tendências que já evocaram seu julgamento.

Ao ler estas páginas, atente bem à última seção de cada capítulo, onde aponto ao leitor as promessas bíblicas e tento

dar encorajamento ao enfrentarmos a enorme tarefa diante de nós. Embora, quando nos concentramos apenas na trajetória que escolhemos enquanto nação, a esperança desapareça, oro para que esta aumente, conforme contemplamos o privilégio de viver neste momento da história em que nossa fé realmente faz a diferença. Que “o Deus da esperança vos encha de todo o gozo e paz no vosso crer, para que sejais ricos de esperança no poder do Espírito Santo” (Rm 15.13).

Dr. erW in W. lutzer

O contexto deste livro

Sim, a Alemanha nazista tem algumas lições a nos ensinar.

Estou ciente, claro, de que os paralelos entre a Alemanha nazista e nações como os Estados Unidos podem facilmente ser exagerados, mas este perigo não deve nos impedir de aprender algumas lições difíceis daquele período sombrio em que a igreja lutou para encontrar sua identidade e teve de sofrer por aquilo em que acreditava. Ao ler este livro, você poderá se surpreender ao ver que essas semelhanças estão bem diante de nossos olhos.

Acredito que é enganoso quando os oponentes políticos aqui dos Estados Unidos chamam aqueles que discordam deles de “nazistas” ou “Hitler”. As atrocidades cometidas pelos nazistas pertencem a uma classe à parte; tais rótulos parecem deslocados em nosso debate político. De todo modo, escrevi este livro para mostrar que o nazismo não surgiu do nada. Houve correntes culturais que possibilitaram o surgimento dessa ideologia e a conquista de uma ampla aceitação pela cultura popular. Algumas dessas correntes — mitos aceitos pelas massas — estão em evidência hoje nos Estados Unidos e, portanto, neste livro.

Quando pensamos na Alemanha nazista, lembramos imediatamente do Holocausto, o a ssassinato brutal de

milhões de judeus e de outros “indesejáveis”. Contudo, precisamos compreender que houve circunstâncias e ideias amplamente aceitas que permitiram à população tornar-se parte de um mal que era maior do que o de um indivíduo em particular. As câmaras de gás foram o resultado de certas tendências políticas e religiosas que tornaram possíveis tamanhos horrores. Leia esta dura repreensão de Victor Frankl, sobrevivente do Holocausto:

As câmaras de gás de Auschwitz foram a consequência final da teoria de que o homem nada mais é do que o produto da hereditariedade e do ambiente — ou, como os nazistas gostavam de dizer, “do sangue e da terra”. Estou absolutamente convencido de que as câmaras de gás de Auschwitz, Treblinka e Maidanek foram, em última análise, preparadas não em algum dos ministérios de Berlim, mas sim nas mesas e nas salas de aula de cientistas e filósofos niilistas.1

Afirma-se que, depois que Deus morreu no século 19, o homem morreu no século 20. Pois, quando Deus morre, o homem se torna uma fera indomada.

Não acho que os Estados Unidos algum dia colocarão milhões de pessoas em uma câmara de gás por pertencerem à raça errada; não obstante, os mesmos valores que destruíram a Alemanha estão sendo ensinados na atualidade em muitos de nossos centros de ensino. Nossas liberdades estão sendo corroídas e, como veremos, estamos sendo traídos pelas elites — aqueles que deveriam proteger nossas liberdades estão se curvando às exigências culturais que, salvo um milagre, acabarão por nos destruir.

1 Viktor Frankl, The Doctor and the Soul: Introduction to Logotherapy (New York: Knopf, 1982), p. xxi; citado em: Ravi Zacharias, Can Man Live Without God (Dallas: Word, 1994), p. 25. [Pode o homem viver sem Deus? (Mundo Cristão, 1997).]

Quem leu meu trabalho anterior, A cruz de Hitler, sabe que realizei um estudo sobre a Alemanha nazista em razão de ter me perguntado, muitas vezes, por que os pastores de lá não condenaram Hitler com uma voz unificada e corajosa. Eu queria saber por que a igreja foi seduzida por falsas promessas de uma Alemanha grandiosa e gloriosa. Talvez mais do que qualquer outro livro que escrevi, Quando uma nação se esquece de Deus nos obriga a enfrentar o conflito entre nossa lealdade ao governo e nossa lealdade maior a Deus.

Descobriremos que sempre nos encontramos presos entre nossa responsabilidade como cidadãos da terra e nossa responsabilidade como cidadãos do céu. A igreja sempre esteve equilibrada entre dois deuses e duas cruzes. De um lado está nosso Senhor e Salvador, Jesus Cristo, que morreu numa cruz romana, executado pelos pecados do mundo. Do outro lado estão inúmeros deuses menores e outras cruzes que prometem uma falsa salvação. Esses outros deuses estão quase sempre incorporados ao Estado; na maioria das vezes, vêm até nós ornados com as vestes de César. E, no fim das contas, estão empenhados em esmagar a liberdade religiosa. Na atualidade, enfrentamos pressões culturais que nos obrigam a combinar Cristo com outras religiões, ou a combinar Cristo com uma agenda política ou ideológica.

A experiência da igreja na Alemanha nazista nos lembra de que Cristo está sempre relacionado com exclusividade; ele deve ser adorado não como alguém ao lado dos líderes governamentais deste mundo, mas sim como alguém acima deles, o Rei dos reis e Senhor dos senhores. Quer se trate do nazismo, quer do marxismo ou do secularismo, o Estado está sempre em conflito com a liberdade religiosa. Quanto mais poder o Estado tiver, mais leis serão aprovadas para encolher o papel da igreja. O pior disso tudo

é que estas mudanças são feitas sob a rubrica da liberdade e “do que é melhor para todos”. Assim, a verdadeira natureza de um Estado totalitário está sempre oculta e é sempre expressa na linguagem da moralidade, do progresso e da liberdade. Como no livro de George Orwell A revolução dos bichos, a escravidão é definida como liberdade, e a repressão como “a busca por igualdade e justiça”.

Visto que acredito, como afirmou Santayana, que aqueles que desconsideram a história estão condenados a repeti-la, penso que seremos negligentes se não estudarmos a era nazista para aprender tudo o que pudermos sobre nossa luta atual enquanto igreja. Como veremos a seguir, ao fazê-lo poderemos estar nos preparando para um futuro próximo.

Na década de 1970, Francis Schaeffer disse-nos que um dia iríamos acordar e descobrir que os Estados Unidos que conhecíamos tinha desaparecido. Esse dia chegou. Não é preciso ser profeta para ver que tempos sombrios estão chegando por aqui. Há sinais ameaçadores de que as liberdades que outrora presumimos como nossas estão se esvaindo. As forças do secularismo inevitavelmente conduzem a um Estado totalitário ao qual todos devem se submeter.

O que devemos fazer? Sentar, dar as mãos e esperar a volta de Cristo? O retorno de Cristo é de fato um sonho acalentado por todo cristão, mas enquanto isso temos um trabalho a fazer. Em vez de temermos o que está por vir, precisamos ver o futuro que se revela como uma oportunidade para trazer glória a Deus por meio de nosso compromisso inabalável com o que nunca passará.

Temos o privilégio de seguir os passos de outros cristãos que tiveram de colocar a lealdade a Cristo acima da lealdade às leis do Estado. Eles, sem dúvida, serão recompensados

por nosso Senhor Jesus Cristo. Não ofereceram ao Senhor algo sem custo.

Por isso, convido você a fazer uma viagem à Alemanha nazista e lá descobrir que esta é nossa jornada também: uma jornada que trará maior compreensão e apreço pela nossa fé em Jesus como Rei dos reis e Senhor dos senhores.

Aqui está uma viagem que nos convida a fazer escolhas difíceis por Jesus Cristo. É uma jornada que nos obriga a reexaminar o que já sabemos ser verdade!

Quando Deus é dissociado do governo, vem

o julgamento

Hitler não desencorajou as pessoas a frequentarem a igreja. Ele era um católico batizado que havia muito abandonara sua fé, porém não se importava que os outros continuassem frequentando a igreja, desde que isso não afetasse o modo como viviam ou os valores que defendiam. Na verdade, ele disse explicitamente que não interferiria em doutrinas específicas da igreja, desde que ensinassem coisas em harmonia com o bem do povo alemão. Ele chamou isso de “cristianismo positivo”.

É claro que ele sabia que encontraria alguma oposição dentre aqueles que não concordavam com sua visão de cristianismo inútil. Ainda assim, acreditava que poderia esmagar qualquer oposição com a qual pudesse deparar — e, aliás, foi exatamente isso que fez — intimidando e controlando seus salários. (Como a Alemanha tinha uma igreja estatal, os pastores dependiam das boas graças do governo para obterem seus rendimentos.) Hitler ridicularizou os pastores protestantes, chamando-os de cães acovardados que cumpririam suas ordens em troca de “salários miseráveis”. Assim, desde o início, Hitler procurou marginalizar a igreja a fim de garantir que nenhuma influência cristã

impedisse sua política governamental. A adoração teria de ser assunto privado entre um homem e seu Deus; a todo custo, a política estatal oficial precisaria se basear em princípios humanistas para dar a Hitler a liberdade de fazer o que era “melhor” para a Alemanha. Segundo ele, as igrejas deveriam ser “proibidas de interferir em assuntos temporais”. O Estado devia estar livre de quaisquer convicções e valores cristãos. Como durante séculos os alemães celebraram o Natal e a Páscoa, Hitler precisou reinterpretar o significado destes eventos. O Natal foi transformado numa festa totalmente pagã; com efeito, pelo menos para as tropas da SS, sua data foi alterada para 21 de dezembro, o solstício de inverno.

Orações escolares foram vetadas, e canções e peças de Natal foram proibidas nas escolas; em 1938, até o nome Natal foi alterado para Yuletide. Os crucifixos foram eliminados das salas de aula. A Páscoa foi transformada num feriado que anunciava a chegada da primavera. Se a religião fosse tolerada, teria de ser secularizada para permanecer compatível com o compromisso do Estado pelo bem maior de uma Alemanha renovada. A maioria das igrejas curvou-se às correntes culturais e endossou o “cristianismo positivo” que se alinhava com as políticas governamentais. Como era de esperar, as verdadeiras intenções de Hitler não foram imediatamente reveladas. Logo depois de tomar posse como chanceler, ele elogiou o cristianismo chamando-o de “elemento essencial para salvaguardar a alma do povo alemão”, e prometeu respeitar os direitos das igrejas. Declarou sua ambição de manter “um acordo pacífico entre a igreja e o Estado”.2 Expressou ainda a intenção de melhorar

2 William L. Shirer, The Rise and Fall of the Third Reich (New York: Simon and Schuster, 1960), p. 234. [Ascensão e queda do III Reich (Agir, 2019).]

seu relacionamento com o Papa Pio XII. Também distribuiu uma foto sua saindo pela porta de uma igreja para mostrar que era simpático à religião.

Em suas palavras, estava disposto a dar liberdade às igrejas, “desde que não fizessem nada subversivo ao Estado”. É claro que por trás dessa promessa estava sua própria definição do que era subversivo. Não obstante, tal promessa cautelosa, somada a uma concordata com o Vaticano que parecia garantir a liberdade para a Igreja Católica, foi bem recebida.

O Artigo 24 da plataforma do partido exigia “liberdade para todas as denominações religiosas do Estado, desde que não fossem um perigo […] aos sentimentos morais da raça alemã”. Hitler falou com aprovação do seu “cristianismo positivo”, o qual contribuiria para a luta alemã. Conquistou alguma boa vontade ao parecer conciliador; as igrejas gostaram do uso que ele fez das palavras liberdade e tolerância. Garantiu-lhes estar fazendo o que era melhor para a Alemanha. É claro que o “melhor” seria definido por ele, não pelas igrejas, nem pela Bíblia, tampouco pela lei natural. Os alemães tinham se habituado à doutrina das “duas esferas”, interpretada no sentido de que Cristo é o Senhor da igreja, mas o Kaiser (ou César) é, por assim dizer, o senhor da esfera política. A lealdade à esfera política era um dever tão elevado e honroso quanto a lealdade a Deus. Na verdade, a lealdade a Deus era melhor demonstrada pela lealdade ao Estado.

Dentro da igreja luterana, houve um forte movimento pietista defendendo o retorno à piedade bíblica, à adoração a Deus dentro do coração. Em sua maioria, estas pessoas opunham-se aos estudos bíblicos (especialmente os do tipo liberal) em instituições acadêmicas e retiraram-se dos debates teológicos intelectuais na Alemanha. Testemunhavam a

graça salvadora de Cristo, porém acreditavam que a missão da igreja era apenas pregar a Cristo. O pietismo, com ênfase na devoção pessoal ao Senhor, foi usado para injetar vida espiritual na igreja luterana dominante. Todavia, ao insistir que sua fé era privada e não deveria ser trazida à esfera política, teve pouca influência na contenção da maré nazista.

Portanto, aqueles que toleraram de forma passiva os excessos do regime nazista, mas simplesmente continuaram estudando a Bíblia para manter um coração caloroso, devem ser elogiados por terem acertado em partes. Sem dúvida, foram muito mais eficazes do que quem deixou de estudar a Bíblia e apoiou com tanto entusiasmo o regime. Estes piedosos cristãos pensavam que, se deixassem Hitler em paz, ele também os deixaria. Contudo, descobriram que isso não era possível. Hitler também os pressionou para que seus filhos fossem doutrinados nas escolas públicas, e, graças à pressão cultural, suas igrejas não estavam capacitando os membros para se opor aos abusos crescentes à sua volta.

Usando a igreja

Antes de Hitler passar a agir para destruir a igreja, decidiu fazer as pazes com ela e usá-la para seus próprios fins. Em 21 de março de 1933, organizou um impressionante espetáculo para a abertura da nova sessão do Reichstag (Parlamento Alemão) na Garrison Church em Potsdam. Com pompa e cerimônia, procurou assegurar à nação que ele poderia seguir um caminho conservador e buscar a harmonia com as igrejas. Dois dias depois da cerimônia, o Reichstag aprovou a chamada Lei de Habilitação, segundo a qual o poder do Reichstag foi reduzido a um instrumento do partido. A maioria necessária para aprovar o projeto de lei foi garantida pela prisão de alguns membros do parlamento da oposição

e pela ameaça a outros. Em julho, Hitler proclamou que os nazistas eram o único partido da Alemanha. Apesar de seu início conciliatório, Hitler mais tarde tentaria destruir a igreja. No fim das contas, ele queria transformar a igreja tão profundamente, a ponto de destruir qualquer vestígio do cristianismo. Não havia espaço suficiente nas igrejas para a cruz e a suástica. Como ele próprio refletiu: “Um deus deve dominar outro”. Dadas as fraquezas da igreja, o objetivo parecia estar ao seu alcance, embora não fosse tão fácil consumá-lo como pensava.

Niemoller encontra Hitler

Martin Niemoller e Dietrich Bonhoeffer (conheceremos ambos em mais detalhes mais adiante neste livro) reuniram-se em oposição à intrusão de Hitler nos assuntos da igreja. Quando este soube que poderia haver uma divisão na igreja porque alguns pastores se opuseram à sua agenda, em 25 de janeiro de 1934 ele convocou os líderes das igrejas para uma conferência pessoal, incluindo Niemoller. Este e outros pastores passaram pelos guardas da SS em direção à Chancelaria do Reich em Berlim e logo foram conduzidos ao escritório de Hitler.

Hitler começou repreendendo seus convidados, fazendo-lhes um discurso inflamado sobre como tinha sido mal compreendido. “Paz”, em suas palavras, era tudo o que ele desejava. “Paz entre a igreja e o Estado.” Culpou-os por ficarem em seu caminho, sabotando seus esforços para alcançar essa paz.

“Você deve se limitar à igreja. Do povo alemão cuido eu.” — Hitler

Niemoller estava esperando uma oportunidade para falar e, quando a teve, explicou que seu único objetivo era

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