Projetil 58

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“Por favor, devolvam o Dudu” Pai vive em função da espera do filho desaparecido há quase quatro meses Graziela Reis “Toda Criança tem o direito de ser criança. Até quando? Já se faz 128 dias sem o Dudu”. A faixa amarela que estampa a frente da casa de Seu Roberto faz contraste ao amontoado de cartazes que forram as paredes, todos com um só sorriso e apenas um comunicado: Luiz Eduardo Martins Gonçalves, 10 anos, desaparecido desde o dia 22 de dezembro de 2007. Foi visto pela última vez em Campo Grande/MS, após ter entrado na noite de sábado na casa do ex-padrasto José Aparecido Bispo da Silva, de 51 anos. As histórias de desaparecimento são em geral as mesmas, as crianças saem para brincar ou passear com os amigos e não voltam para casa. A Rede Nacional de Identificação e Localização de Crianças e Adolescentes Desaparecidos (Redesap) estima que anualmente 40 mil meninos e meninas desaparecem no país. Em Mato Grosso do Sul, de acordo com a DEPCA (Delegacia Especializada de Proteção a Criança e ao Adolescente) esse número chega a 200 casos por ano. As estatísticas eram apenas números que não faziam parte da vida do vendedor de salgados Roberto Gonçalves Martins, 60 anos, pai de seis filhos. “Minha vida parou, o tempo parou, eu não consigo trabalhar, não consigo fazer mais nada depois que o neném desapareceu”, desabafa o pai. Seu Roberto conta que Dudu brincava na rua com um amigo quando foi chamado para ir à casa do ex-marido da mãe, de onde não mais voltou. A suspeita que recaiu sobre o ex-padrasto, José Aparecido, levou a polícia a quebrar o piso da casa onde mora à procura do corpo da criança. Os policiais não encontraram nenhuma prova. No dia do desaparecimento o menino queria dormir na casa da mãe, há sete quadras dali. “Como já era noite eu não deixei ele ir sozinho, então o Dudu me pediu para ficar brincando com os amigos há duas quadras daqui, e que quando o jantar estivesse pronto era pra eu chamar”. Uma pequena pau-

sa interrompe o relato, Seu Roberto olha para o portão da casa, como se esperasse algo vindo dali. “Eu disse, pode ir meu filho, quando a janta ficar pronta o pai chama você”, completa. E foi a última vez que Seu Roberto ouviu a voz do filho. Era 22 de Dezembro. Às vésperas de Natal, a família de Dudu se preparava para comemorar o nascimento de Jesus. “Meu Natal foi péssimo”. O silêncio que outrora interrompia a fala de Seu Roberto, agora calava o choro que ele segurava. “Ele estava todo feliz com o brinquedo que tinha acabado de ganhar, Dudu deixou seu posto de gasolina ainda montado na varanda da casa”, conta Regina Martins, tia do menino. No quarto de Luiz Eduardo, a vela acesa sobre a mesa clareia a face do garotinho de chinelos, camiseta azul e bermuda amarela. A foto do garoto, ao lado de uma imagem religiosa, traz à memória uma lembrança. “Ele estava desse jeitinho quando o levaram”.

Para Seu Roberto, a saudade de Dudu só não é maior que as esperanças em encontrá-lo vivo

séria, mais rápida”, explica o detetive da Central Única Federal dos Detetives do Brasil (CUFDB), Edilmar Silva. Para o profissional, que tem acompanhado o caso pela mídia, houve falha nas investigações. “Eles [polícia de Campo Grande] mentiram dizendo que a polícia do Paraná estava investigando as denúncias, sendo que eles nem estavam sabendo. Para mim faltou investigação mais incisiva, mais imediata e se fosse uma família de classe média Controvérsias na investigação alta, com certeza tudo já teria sido soPara a DEPCA, que diariamente lucionado”. atua na busca por desaparecidos, o A delegada afirma que algumas incaso envolvendo formações sobre o o garoto Dudu caso permanecem foge à regra dos em sigilo para não “Para a polícia desaparecimentos atrapalhar a investisomos apenas de crianças regisgação, mas aponta estatísticas” trados no Estado. que na própria faA maioria foge de mília há opiniões Ivanise Esperidião casa por conflitos contraditórias sobre familiares e acaba o desaparecimento encontrada pela polícia. que tornam a situação ainda mais comNa opinião da delegada responplicada. O pai de Dudu desabafa. “Pasável pelo caso, Marli Kaiper, a investirece que a polícia colocou uma pedra gação tem dado trabalho. Ela aponta no assunto, para eles está tudo bem, que o garoto tinha uma vida “bastante basta esquecer o caso. Tem algo de erdescontrolada e uma liberdade muito rado dentro da polícia, como que até grande” pelo fato de “permanecer na agora não acharam vestígios?”. rua até altas horas”. “Para a polícia somos apenas estaDesde o início das investigações, a tísticas, depender só dela fica muito difídelegada tem trabalhado com todas as cil de encontrar”, critica Ivanise Esperidião, possibilidades de desaparecimento, inclupresidente da Associação Brasileira de sive a de homicídio, hipótese consideraBusca e Defesa a Crianças Desaparecida acertada por especialistas em investidas (ABCD) Mães da Sé de São Paulo. gações dessa natureza. “Essa linha de raEla é mãe de Fabiana, desaparecida há ciocínio seguiria uma investigação mais 12 anos e quatro meses, e hoje coordena

um grupo que auxilia na busca de desaparecidos e propõe políticas públicas para solucionar o problema. História sem fim Os dias sem Dudu vão passando e fazendo desaparecer a noção do tempo para o pai. Em um depoimento à polícia Seu Roberto dormiu falando na cadeira. “Ele não dorme a noite, pensa que o filho pode aparecer a qualquer momento”, afirma Regina. Aprender a conviver com a dor e jamais desistir é o que aconselha a presidente da ABCD, Ivanise Esperidião. “Com o tempo você acaba se conformando com a morte, mas com a angústia e a incerteza de não saber se seu filho está vivo ou morto você nunca se conforma”. A mãe de Fabiana confessa que a vida dos pais de desaparecidos passa a ser “uma ferida que nunca cicatriza, um luto irreal”. Mantendo as esperanças, o pai Roberto tem fixa em sua mente a imagem do seu menino com o mesmo sorriso dos cartazes correndo em sua direção. No peito a camiseta com a foto do garoto, nos olhos as marcas do tempo e na boca a frase que seu Roberto repete várias vezes: “Eu tenho certeza que meu filho está vivo”. Com a voz trêmula da dor paterna, Seu Roberto olha para a rua e imagina uma cena que naquele momento sonha se tornar real. “Se ele aparecesse agora aqui eu iria ajoelhar, agradecer a Deus e gritar para todo mundo ouvir, meu filho voltou pra casa”.

Graziela Reis

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 20

Angústia


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